ARTE MODERNA II, Culturgest/CGD
Expresso 25-03-95 (nota)
Apresentação de um segundo núcleo da Colecção da CGD, com obras de Helena Almeida, Batarda, Bertholo, Bravo, Alberto Carneiro, Lourdes Castro, Dacosta, Escada, Jorge Martins, Menez, Pomar, Paula Rego, Rodrigo, Ângelo, João Vieira e Pires Vieira (a inaugurar na 3ª feira às 18h). No catálogo, parece classificar-se este grupo de artista como uma espécie de «segunda divisão», em relação ao primeiro núcleo da Colecção mostrado há pouco mais de uma ano. Com efeito, Fernando Calhau, responsável pelas aquisições, escreve no catálogo que «nesse primeiro conjunto dava-se conta
de um sector da Colecção centrado num núcleo de autores que têm problematizado, com maior eficácia e visibilidade, os caminhos da modernidade.» Além da alegada «maior eficácia e visibilidade», os mesmos autores, «que (significativamente) construiram o seu percurso após 1974», teriam marcado «a internacionalização da arte portuguesa». Se tais fórmulas revelam, pelo menos, uma total inabilidade e deselegância, no momento e no lugar em que se publicam, sucede também que o juízo crítico que eventualmente as sustenta (ou será antes um «juízo» geracional, ou de grupo?) se afigura muito mal fundamentado nos comentários propostos como «Itinerário para uma exposição».
Alguns exemplos: a respeito de Paula Rego (e da «maior parte dos artistas presentes») aponta-se «a mistura de referências portuguesas com as referências culturais que surgiram da Pop Arte»; uma obra de René Bertholo é considerada «certamente representativa da arte cinética»; de Jorge Martins diz-se que «sempre aliou a paixão pelo racionalismo francófono a um interesse particular pela arte do post-expressionismo americano» e que «é patente no seu trabalho a dimensão cosmopolita tributária das suas longas permanências no estrangeiro». A polémica em torno desta exp. está
assegurada, mas vale a pena alargá-la à consideração das razões de fundo de uma situação mais geral de que ela é, apenas, um descuidado emblema.
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Lacunas, eixos e rupturas
ARTE MODERNA 2
Culturgest/CGD
EXPRESSO 01-04-95
É prática comum a constituição de colecções de arte por parte dos bancos e outras empresas, com as quais se cumprem, em geral confidencialmente, objectivos de decoração das instalações, de representação sumptuária e de investimento. A essas muito legítimas razões, que suportam parte essencial do mercado e da produção de arte, a CGD acrescenta a responsabilidade de uma intervenção mais ambiciosa, dando publicamente conta das suas aquisições e atribuindo-lhes uma lógica para-museológica.
Depois de uma mostra inaugural em 1989, a CGD procedeu a uma redefinição de critérios da colecção; apresentou em 1993 um primeiro núcleo de obras reunido sob o título «Arte Moderna em Portugal» e expõe agora um segundo conjunto. Num país sem museus estatais de arte contemporânea e com raras colecções públicas, a iniciativa é sem dúvida meritória, absolutamente respeitável para lá das polémicas que podem justificar os textos dos respectivos catálogos.
Acrescente-se ainda, como genérica reflexão, que uma colecção — por maioria de razão se for privada (ou de empresa, mesmo pública) — não deve nem pode ser consensuamente construida, procurando representar tudo e todos, e seria tão igualmente legítimo seguir um plano de aquisições dedicado à escultura em pedra como à pintura monócroma, às instalações multimédia como ao tema da paisagem, à emergência de novos artistas como a quatro ou cinco consagrados. Ninguém tem, afinal, nada com isso. E será só da soma ou da concorrência das diferentes colecções individualizadas que surgirá a possibilidade de equacionar, sempre ao sabor das permanentes revisões históricas, uma representação momentaneamente universal. Muito mais do que a «abrangência» e os compromissos tácticos, importará a coerência determinada de um gosto ou de uma opção programática, assumidas por um empresário «amador» de arte ou um «expert» contratado.
Em 1993, a colecção da CGD foi apresentada por Fernando Calhau como «fundamentalmente vocacionada para a arte dos nossos dias, acompanhando as tendências emergentes no meio artístico e mantendo uma constante actualização». Aqui se disse então, criticando não a definição de um critério mas as insuficiências dessa definição, que «a arte dos nossos dias» só na superficialidade das aparências e das cumplicidades momentâneas coincide linearmente com «as tendências emergentes». Aliás, não era já de emergências que se tratava, mas da «consagração» institucional de artistas que, desde as décadas de 70 e 80, alegadamente «tiveram ou (têm) um papel fulcral ou paradigmático, como figuras centrais e polarizadoras». Na mesma linha de comentário crítico, sugeria-se que a raridade do coleccionismo de vocação pública e a riqueza dos meios da CGD justificariam uma ambição menos conjuntural e imediatista.
Alguma evolução parece ter-se registado, entretanto, na orientação da colecção. Pelo menos, na apresentação do seu segundo núcleo de obras (ignorando agora as apreciações infelizes incluidas no catálogo, aqui referidas há uma semana) surge justificado o programa das aquisições e da exposição com o objectivo duplo de «corrigir lacunas existentes na colecção» e de apresentar «um grupo de artistas que traçaram os eixos e as rupturas das décadas de 60 e 70».
Os artistas expostos são Helena Almeida, Eduardo Batarda, René Bertholo, Joaquim Bravo, Alberto Carneiro, Lourdes Castro, António Dacosta, José Escada, Jorge Martins, Menez, Júlio Pomar, Paula Rego, Joaquim Rodrigo, Ângelo de Sousa, João Vieira e Pires Vieira. As obras distribuem-se cronologicamente entre 1958 e 1992, desde a abstracção geométrica tardo-mondrianesca de Rodrigo, em 58, até uma recentíssima figuração que dialoga com referências clássicas, na pintura de Menez, de 91-92.
O conjunto, se de conjunto é possível falar mais do que como ocasional vizinhança, é obviamente muito diversificado quanto aos itinerários estéticos prosseguidos e às notoriedades reconhecidas, e de alguns dos artistas se poderia dizer, com tanta ou tão pouca justeza, que «traçaram os eixos e as rupturas» também das décadas de 40 e 50, e certamente, porque muitos deles estão activos, traçam os dos anos 80 e 90. Paradoxalmente, perante o programa anunciado, notar-se-á que é afinal destas duas últimas décadas que datam todas as obras expostas de Batarda, Bravo, Dacosta, Martins, Menez e P. Rego, e também grande parte das restantes. Terá algum sentido apresentar rupturas de 60 e 70 com obras em geral posteriores e que contradizem as propostas então formuladas?
Não há, como é óbvio, nenhuma coerência programática nem cronológica neste conjunto de autores e obras, e valeria certamente a pena assumi-lo sem complexos. A consistência do conjunto poderia situar-se apenas na circunstância temporal das aquisições, que a iniciativa da exposição não deveria criticar-se por isso. E nenhuma tentativa de legitimação teórica importa mais do que a eficácia eventualmente alcançada pela proximidade, dialogante ou contraditória, das obras expostas — ou que a afirmação de algumas de entre elas como situações irredutíveis aos momentos colectivamente definidos.
Esqueça-se então a roupagem justificativa, para sublinhar que a exposição, na sua manifesta diversidade e na aleatoriedade das aquisições, conta com trunfos suficientes para impor a sua efectiva importância. Observe-se o processo da desocultação das imagens e dos sentidos a que se assiste nas três pinturas sucessivas de Menês, ou a revisitação, na busca conjuntural de um novo realismo, da tradição dadaista e surrealista da acumulação e da caixa, com Lourdes Castro (1962), ou a descoberta de singularidades tão poderosas como as três telas de Dacosta (83-6), ou os recortes em papel de José Escada com que brinca com a indistinção entre abstracção e figuração (68), ou as duas pinturas quase-monocromáticas e certamente inéditas de Batarda (sem título e sem data, o que é estranho).
Importam, nesta e em qualquer exposição, algumas obras — e outros farão escolhas diferentes... Mas importa também rejeitar em absoluto a grelha de legitimações pseudo-historicistas, guiada pelas ideias pobres das lacunas e das rupturas, subordinando emoções e sentidos, invenções e interrogações a um formulário que substitui as pequenas estratégias de ocasião à capacidade de ver. E é impossível separar essa mesma ineficácia teórica da surpreendente sucessão de equívocos que se pode ler nos textos do catálogo e do «jornal da exposição». À lista esboçada na semana anterior somem-se a comparação Lourdes Castro-Jeff Koons, a Pop Arte de Paula Rego e de L. Castro, a «nova figuração» de Dacosta, a «pintura culta» de Batarda, por exemplo.
As lacunas existem só nos universos finitos das cadernetas de cromos, não numa coleção aberta. E as rupturas, versão «soft» das revoluções ou sobrevivência empobrecida das seriações de «ismos», contraditam-se na sua própria sucessão, sem progresso, como se sabe. Ou então, isolando obras individuais, apontem-se como verdadeiras lacunas a ausência das sombras recortadas de Lourdes Castro, das pinturas de René Bertholo (antes e depois dos objectos com movimento), das colagens anteriores de Paula Rego e das suas últimas pinturas (e se não for a CGD a disputá-las às empresas inglesas quem o fará?). São alguns exemplos que permitiriam pensar com proveito a ideia de ruptura, mas no interior de cada uma das produções autorais que se impõe como obra e não só como sucessão e reiteração de achados.
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ARTE MODERNA 2 - 29-04-95 (nota)
Num segundo núcleo da colecção da Caixa reunem-se, em geral, autores com forte presença na arte portuguesa desde o início dos anos 40, embora com obras datadas em geral das décadas de 60 a 80. Alguma incerteza na aquisição das obras faz-se por vezes notar, mas, mesmo assim, o conjunto tem uma qualidade museológica global que ultrapassa a de outras colecções públicas e que faz desta exp. um acontecimento de excepcional importância. Noutro plano de considerações, esta mostra permite identificar um muito curioso confronto entre o circunstancial discurso de legitimação escrito para o catálogo e outros discursos que a presença das obras autorizam ao espectador interessado. Mas o mais interessante que aqui sucede, a partir de uma não controlada oportunidade de ver, num mesmo lugar — num itinerário não disciplinado pela cronologia nem subordinado ao reducionismo fácil da ideologia da novidade —, obras que representam situações de maturidade e continentes autorais afirmados num tempo próprio ao lado de outras que importam como documentos de um suposto processo evolutivo global que as obras individuais apenas ilustrariam, é a desmontagem em acto das abordagens mais usuais e mais empobrecidas sobre o objecto artístico. As grandes obras são indisciplinadas e vivem as suas próprias mutações (em relação com o seu tempo, mas com uma necessidade própria) segundo sensibilidades próprias e problemáticas irredutíveis a uma história feita por décadas, estilos, rupturas e fórmulas críticas; as outras são obras irremediavelmente menores que só existem enquanto exemplos episódicos, ilustrações, de um exercício que tem do tempo uma noção jornalística. Entretanto, esclareça-se que os dois quadros inéditos, sem título e sem data, de Eduardo Batarda são trabalhos escolares do Royal College of Arts de Londres realizados entre Outubro de 1971 e Janeiro de 1972.
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ARTE MODERNA 2, 20-5-95
Abrindo com uma tela de Paula Rego, de 1984 (exemplar único na colecção, já adquirido na década passada...), a exp. desconstroi no seu efectivo percurso a proposta de leitura formulada nos textos que a acompanham — os «eixos e as rupturas das décadas de 60 e 70» não são mais que etapas de uma vulgata que dissolve a obra dos artistas numa sucessão progressiva de estilos colectivos, ou só de inovações (aliás, em geral, de importação de inovações), que ilustrariam o «progresso» da arte. A pessoalíssima figuração narrativa de "The Mosquito House", que deve menos à Pop Arte que a Dubuffet, aos Cobra e às ilustrações de livros infantis, ou as últimas telas de Menez e o regresso à pintura de Dacosta, ou Jorge Martins e Batarda, colocam problemas mais incontornáveis e mais abertos ao futuro do que as obras que exemplificam a abstracção geométrica, a não-objectualização, a desconstrução do objecto-quadro ou a auto-referencialidade da superfície. Através dessa resistência de alguns artistas, por vezes expressa nas contradições ou «rupturas» da sua própria obra, à linearidade dos estilos e das cronologias simplistas, demonstra-se a dualidade de alternativas que se colocam a esta colecção «in progress».
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INDICE
1993
26 Jun. pp. 68-71, “Cultura sociedade anónima” (Culturgest abre a 10 Out). / “Entrar nos circuitos”, entr, c/ Manuel José Vaz e Fátima Ramos / Eficácia empresarial, ent. C/ Rui Vilar (I)
9 out 93 "A modéstia do gigante" (a colecção de Fernando Calhau) - (II)
Colecção da CGD, Culturgest 1993 - 16 out , 6 e 13 nov. notas
01 abr 95 Colecção : "Lacunas, eixos e rupturas" 1995 (25-03-95 + 29-04 e 20-05)
(abertura) exp. Magnum 50 Anos, «Janela aberta» 16 Outubro - notas 23 e 30 out
Imagens para os Anos 90 - 18 dez.
24 Dez. “Schiele, o maldito” - p. 13
OUTRAS EXPOSIÇÕES
07 ago "Não há novos" -18 dez Imagens para os Anos 90, Culturgest e 15 e 22 jan 94
“Não há novos”
IMAGENS PARA OS ANOS 90
Casa de Serralves - 07-08-93 pág 13
Pelo terceiro ano consecutivo a Fundação de Serralves apresenta durante o Verão uma colectiva com repercussão nacional e com intencional sentido polémico, numa sequência que se vai constituindo como uma referência indispensável no panorama artístico português, embora naturalmente construída por momentos de desigual importância. Este ano foi o próprio director artístico de Serralves, Fernando Pernes, que se reservou a função de comissário (depois de a ter atribuido a Bernardo P. Almeida e a Alexandre Melo, em 91 e 92), conferindo à mostra um duplo projecto de sinalização de mudanças entre as décadas de 80 e 90, e, por outro lado, de revelação de jovens artistas e de outros menos jovens mas de também recente originalidade criativa.
Se o título do seu texto no catálogo ("O espaço e a hora da juventude") reforça a componente de revelação de jovens artistas, deve dizer-se que afinal eles escasseiam na exposição, onde apenas um (Rui Serra) tem menos de 26-27 anos (idade de Paulo Mendes, João Tabarra e André Magalhães). A média etária é de facto muito alta, superior a 30 anos, e sucede até que um número considerável de nomes volta a surgir como jovem depois de uma "revelação" ocorrida já uma década antes (por exemplo, em "Novos, Novos", de 1984, figuravam António Olaio, Catarina Baleiras, Fernando Brito e J. Paulo Feliciano).
A exposição falha, portanto, no seu propósito de revelação dos jovens dos anos 90, embora não fosse difícil acrescentar-lhe vários outros nomes já postos em circulação através de exposições recentes - aliás, Pernes avisa enigmaticamente que a exp. "sofre de várias ausências (pela nossa parte involuntárias)". Mais preocupante é que a visibilidade ou autoridade de alguns novos nomes se demonstre insuficiente, em parte por ser demasiado escassa a sua representação, mas também por um excessivo ecletismo da selecção - é, pelo menos, o caso de Pedro Andrade, André Magalhães, Fernando José Pereira, Baltazar Torres, Carlos Vidal, João Louro e Nuno Santiago.
Notar-se-á, entretanto, que o próprio processo de "prospecção" de novos artistas ou de novas situações artísticas tem sido até agora liderado por críticos e artistas vindos de anteriores gerações, numa dinâmica que em grande parte corresponde a um esforço de conservação de protagonismos numa situação de passagem da década, enquanto são quase inexistentes as iniciativas próprias dos jovens artistas e não ocorre a afirmação de novos críticos com eles geracionalmente identificados. Foi esse, em 1983, o caso de "Depois do Modernismo", tal como, mais recentemente, sucede com as exposições do "Centro Cultural de Lisboa", lideradas por "artistas dos anos 80" (continuando a usar-se, por mero jogo, este tipo de classificações).
Em Serralves, o mesmo se passa, com a condicionante de F. Pernes usar uma grelha ainda mais marcada pelo seu tempo próprio, ao procurar nos anos 90 a renovação do "diálogo com a rebeldia juvenil dos anos 60". Na referência ao "retomar o desejo inconformista de uma arte de provocação e revolta" ele estará duplamente equivocado: na consideração dos reais problemas que atravessam a actualidade artística e no que entende ser "o papel mais adequado ao projecto interventivo" de um centro institucional e museológico.
Genericamente, e sem lugar a surpresas, a colectiva de Serralves é marcada pela reafirmação (ou mera sinalização de presença) de artistas muito diferentes entre si e com notoriedade já reconhecida, sem que qualquer carácter geracional ou problemática comum efectivamente se imponha: João Paulo Feliciano e Daniel Blaufuks, ambos com as presenças mais afirmativas, Miguel Ângelo Rocha, Joana Rosa, Sebastião Resende e Pedro Sousa Vieira. Numa segunda linha, autonomizável desde logo pela ocupação maioritária do piso superior, destacam-se os trabalhos de Fernando Brito, Paulo Mendes, Miguel Palma e João Tabarra, num quadro mais colectivo de intervenção em que imperam o "achado" e a anedota ou a citação-simulação, onde a possível reflexão se expressa maioritariamente como irrisão. Se a eficácia de alguns trabalhos os coloca também no primeiro plano da exp., ela não basta para caracterizar uma mudança sensível de conjuntura nem mesmo para confirmar autorias. É este em especial o caso de Rui Serra, que não conseguiu resolver o complexo problema de ocupação de espaço que se propôs.
Três autores que utilizam a fotografia, André Gomes, Luís Palma e Valente Alves, figuram também na colectiva. No catálogo deverá ler-se um notável texto de João Pinharanda, que constitui uma desmontagem de alguns dos conceitos convocados pela própria exposição.
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ARTE E DINHEIRO, CGD/Culturgest
EXPRESSO 19-11-95 (nota)
Organizada por ocasião de um congresso sobre Cultura e Economia, esta exposição-intervenção comissariada por
Alexandre Melo ganha, sem dúvida, um particular significado pelo lugar que as obras ocupam no átro da CGD.
Tratar-se-á aqui de reunir algumas obras que explicitam uma análise sociológica empírica, no caso de Warhol, ou que
se propõem, em todos os outros casos, os de Muntadas, Louise Lawler , Pedro Portugal, Paulo Feliciano e Paulo
Mendes, como um comentário crítico do «sistema da arte contemporânea», aproximando-se assim uma abordagem
teórica da arte na área da sociologia do que por vezes se define como uma «arte sociológica» (tal como haverá uma
arte religiosa ou uma arte decorativa?). A exp. é acompanhada pela edição de uma antologia de textos, também
intitulada Arte e Dinheiro (ed. Assírio e Alvim), onde os mesmos artistas assinam o «design» de algumas páginas
iniciais de imagens e textos. «Design» é certamente uma palavra chave para entender algumas obras a que não será
possível reconhecer profundidade de análise sociológica nem originalidade da sua configuração objectual, limitando-
se a reformular graficamente textos e imagens conhecidas ou a construir «gadgets» segundo as regras e intenções da
comunicação publicitária, quando não a ser apenas ilustração de teses políticas. Quanto às 12 pequenas pinturas de
Andy Warhol que se expõem (as flores, os dólares, Lenin e Mao, etc), a evidência da sua menoridade, já bem distante
da banalidade necessária das suas primeiras obras, é certamente um lúcido contributo para repensar o sistema e a
história da arte dominante.
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JOVENS PINTORES
Culturgest/CGD, Galeria 2
EXPRESSO 29-10-95
Existe entre nós uma ampla desconsideração da fórmula concurso, que talvez resulte, para lá do excessivo voluntarismo de grande parte dos agentes culturais, da genérica diluição de um sistema minimamente consistente e consensual que possa estruturar os diversos segmentos, sectores e níveis do
panorama artístico. Tal desconsideração não é alheia quer a uma instabilização permanente, ou mesmo a uma desvalorização, das instâncias críticas actuais, quer a um desfuncionamento notório das entidades associativas e, ainda, a uma possível falta de transparência e, logo, de credibilidade, dos
circuitos de selecção e consagração — que tem por consequência mais imediata os desmandos notórios
nos planos da arte pública (monumentos realizados pelas autarquias, novas decorações do Metropolitano, etc). Os concurso abertos a artistas, jovens ou não, podem garantir aquela transparência dos circuitos artísticos e também acautelar canais paralelos de revelação ou validação de notoriedades,
funcionando, por outro lado, como estímulo de um interesse público de que outras iniciativas abdicam.
Neste prémio promovido pela Companhia de Seguros Fidelidade não ocorrem descobertas empolgantes, nem o panorama médio é susceptível de fundamentar qualquer optimismo, mas não deixa de ser possível constatar algumas das ambições que motivam inícios de carreira. (Até 7 Nov.).
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Anos 80
Culturgest/CGD
EXPRESSO 29-08-1998
Últimos dias da grande produção com que a Culturgest assinalou o período da Expo. Organizada por uma protagonista dos anos 80 ibéricos, a mostra procurou espelhar a grande circulação internacional da década, com a sinalização dos seus vários pólos institucionais e o pluralismo das várias estratégias sobrepostas ou sucessivamente mediatizadas, num contexto em que o optimismo económico generalizado pareceu articular o lançamento das grandes instituições artísticas oficiais com os jogos de mercado, sobre o pano de fundo de um constante estímulo da produção, isto é, da arte.
Apesar da crise que se lhe seguiu (crise económica, crise de modelos culturais, crise da arte oficial predominante), a comissária optou por manter intacta a fachada de um sistema arruinado, através de um jogo calculado de participações e omissões: a presença de Baselitz, «afirmado» nos anos 60; a ausência de Keith Haring e Basquiat, verdadeiros emblemas da década, mas já mortos; a grande representação escolar alemã, o menosprezo pelos franceses (Alberola, Combas, Lavier ou Sophie Calle não são menos desinteressantes que outros eleitos), o empolamento do número dos portugueses, etc.
A lista dos presentes estabelece-se como inventário de notoriedades e sucessão de fenómenos de moda, o que foi, de facto, o ponto de vista crítico que se implantou nos anos 80 (ignorando a profunda reconsideração da história da modernidade entretanto ocorrida). Presenças como as de Martin Puryer e Sean Scully, cuja projecção cresceu regularmente ao longo da década de 80, à margem das tendências dominantes, perturbariam a lógica da narrativa e os interesses de mercado que representa, tal como a comparência dos grandes fotógrafos que se impuseram nos mesmos anos, Sebastião Salgado e Martin Parr (e, por que não, Nam Goldin?). Mas as questões decisiva são ainda outras: a periodização por décadas é um exercício de facilidade e de auto-promoção; a lógica das revelações geracionais é sempre insuficiente para caracterizar as mutações que ocorrem num dado momento.
Sobreviveram mal muitas das notoriedades dos anos 80, mas pouco importa: dentro de dois anos serão todos artistas do século passado. (Até 31)