Posted at 11:31 in 2024, Acarte, CAM, Gulbenkian, Museus, Sommer Ribeiro | Permalink | Comments (0)
Tags: Acarte, Azeredo Perdigão, CAM, Madalena Perdigão, Sommer Ribeiro
Este novo director quer lá saber do museu... Brincar aos emergentes é q dá pica e permite intervir directamente no mercado, cultivar rodas ou redes de amigos / friends, trendy. Os emergentes deixam de o ser rapidamente, vão rodando às pazadas, gastam-se como os produtos da moda e do marketing, mas eles estão lá só para as promoções. Os directores identificam-se com os centros comerciais e a publicidade - também eles são de desgaste rápido, mas gastam tempo e dinheiro, e desvalorizam o que se chama ainda arte. Este veio da corte do Todolí, o homem que continua a mandar por cá, porque há quem goste de ser mandado.
"Centrado nos artistas, o novo CAM, diz Weil, será fiel à sua missão original de salvaguarda dos artistas emergentes nacionais*, mas abraçará as necessidades dos novos públicos. O objetivo é que todos possam “viver o poder transformador da arte”. Com diferentes pontos expositivos, da nave à galeria da coleção, das reservas visitáveis à sala de desenho, da sala de som, do estúdio ao espaço projeto, o CAM oferecerá uma programação mais eclética e variada. Haverá uma programação para a arte sonora, haverá vídeos disponíveis on demand através de um ecrã tátil com 16 opções situado na H Box, uma sala de vídeo itinerante, haverá exposições de peso a partir de uma carta branca dada a um artista que além da sua obra selecionará trabalhos de artistas da coleção com os quais pretenda dialogar, na medida de duas cartas brancas por ano, e haverá exposições permanentes da coleção, haverá mais experimentação e apresentação de novos formatos de arte, e exposições, três por ano, de artistas emergentes ou pouco conhecidos em Portugal. Tudo isto permitirá “vários ritmos de visita que podem oscilar entre os dez minutos ou as duas horas”, explica o diretor do CAM, o que tem como finalidade que o público possa “incluir a experiência da arte na vida quotidiana”, e que possa entrar, estar e comprar bilhete se quiser, dependendo do seu tempo e dos seus interesses."
Observador, artigo promocional.
* "missão original de salvaguarda dos artistas emergentes nacionais" é falsa conversa.
** “viver o poder transformador da arte” é só um slogan barato para a CS copiar.
O Observador tem a obrigação de ser um jornal conservador, mas com a arte já ninguém se entende, é só fachada às cores.
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Posted at 15:13 in 2024, CAM, Gulbenkian, Polemica, politica cultural | Permalink | Comments (0)
15-09-24 notas rápidas reunidas e ± revistas
No primeiro quadro à esquerda na sala principal da galeria lê-se Audácia na base de uma das duas pequenas esculturas pintadas e tomadas a Degas (La petite danceuse de 14 ans). As letras são invertidas no espelho, A I C A D U A, mas o título "Natureza Barroca (Audácia)" não engana [33x31,5 cm a acrílico e óleo sobre óleo, já está vendida].
Audácia é a palavra chave para referir as novas pinturas da Ana Mata, que continuam e renovam a audácia, a coragem, a determinação, o risco, a aventura, a qualidade pictural, que se conhecem das suas anteriores exposições na Módulo.
Continua a ser um choque exaltante, uma surpresa grata esta pintura, em três grandes formatos de flores e figuras na paisagem e depois em pequenas composições de flores, paisagens rurais, cenas domésticas ou não, mas sempre de intimidade pessoal e/ou próxima. Onde agora se reconhece e admira um diálogo explícito com obras do passado que continua a ser presente, e também com com géneros e interesses que circulam no tempo até hoje.
Há alguns meses maio/junho 24 descobri Nathanaëlle Herbelin no Museu de Orsay, onde a figuração se desdobrava em figuras de amigos e cenas de interiores, renovando os pintores que a ladeavam nas galerias, Bonnard e Vuillard, com quem aprendia e dialogava e competia, e agora é Ana Mata que está à mesma altura audaciosa e desafiadora na exposição da 111 - merecia ser vista lá fora, em vez de tudo ser absorvido por um mercado nacional voraz.
Traçar paralelos, ou coincidências, que neste caso não são influências, parece-me oportuno. Os artistas não vivem em bolhas, coexistem, por vezes enfrentam as mesmas questões e afrontam ambições aparentadas.
Desde ontem (já pronto o texto para o catálogo da exp. do Atelier-Museu “Revoluções 1960-1975”. que não vejo outra coisa. Só a pintura da Ana Mata na 111)
É preciso ver in loco, ao vivo (estar vivo é uma qualidade da boa pintura, e tb da natureza morta, “still life”). De perto e de longe, com o corpo em movimento (a boa pintura é uma questão de corpos, do pintor e do observador).
Audácia podia ser o nome da exp (mas seria óbvio e pretencioso?) É de um grande desafio q aqui se trata, com riscos mas já com experiência certa. É uma aventura pelos terrenos do museu e da arte contemporânea. Presente e passado redivivo, (re)encontro vital, de vidas, de gente.
Cito frase destacadas de relatórios de bolseiro de Júlio Pomar que vão incluir o referido catálogo.
“Do corpo a corpo do espectador com a obra se recria esta, e aquele, e o mundo em que ambos se situam." (JP, Relatório de Bolseiro Maio 1966
"O espectador imóvel é um mito ou uma ilusão; percorre-se a pintura da mesma maneira que se toma posse de um corpo, de uma praia, da floresta." Idem
"A obra de arte é uma obra em aberto: a pintura funciona como uma janela para o imaginário, como a introdução, num espaço real, de um espaço inventado e a re-inventar pelo espectador." Relatório fevereiro 1966.
Fica por reflectir sobre o título "Ninfas e Faunos", que dá uma orientação clássica e também erotizada à exp. É Courbet, com esse título, que está actualizado / apropriado numa tela de AM. E falta em especial seguir as referências e/ou citações a géneros e obras do passado que trazem estas pinturas (e os seus "modelos") para o presente.
2. Mais:
A Ana Mata lembra-me o João Francisco (n. 1984, Torres Vedras), por via da natureza morta e das flores, também pela integração de desenhos e objetos na composição das naturezas-mortas. Os bons quadros lembram outros quadros, sugerem coincidência, interesses convergentes ou paralelos, que não são influências. É outro grande pintor que a 111 tem apresentado e de quem espero ver novos trabalhos. Tive depois a sorte de o encontrar ali mesmo (é o artista de quem comprei mais trabalhos, desde há muitos anos, e não sou coleccionador,; escrevo diante de 7 das suas obras e obrinhas). Em 2008 realizou a sua primeira exposição individual "O Arqueólogo Amador (e outras naturezas mortas)" na Galeria 111 em Lisboa. A mais recente na 111 foi "mille-fleurs" já de 2018.
(https://111.pt/exposicoes/mille-fleurs/)
A Ana Mata lembra-me a Nathanaëlle Herbelin (Israel 1989 / França) que fui ver em Março a Paris, no Museu d'Orsay. É muito diferente, claro (não me venham falar de uma nova vaga de pintores figurativos, quando eles sempre continuaram, ± apagados pelo mercado das "novidades" na lógica dos consumos que substituíram ou, melhor, continuaram as chamadas vanguardas, de interesse para o mercado especulativo e institucional - o que é a mesma coisa). O auto-retrato, o corpo no espaço interior e doméstico ou exterior, a relação próxima com os modelos, alguma vegetação, etc, convergem discretamente com Ana Mata. Em 2022 fez uma breve residência em Lisboa, não soube. http://www.nathanaelleherbelin.com/
A propósito duas notas:
1. Desagrada-me que se nomeie um comissário ou curador nas exp individuais de galeria. Como agora acontece. Esse é o papel do galerista em cumplicidade com o artista. O “curador” não vai lá fazer nada, às vezes escreve um texto que é em geral ilegível e pretensioso.
2. A Módulo do Mário Teixeira Silva e a 111 foram ou têm sido mantidas à margem da circulação institucional, por características pessoais idiossincráticas dos galeristas e por maquinações das chamada galerias "leader" que estabelecem os links vantajosos com o mercado oficial, institucional, fundacional e corporate, e portanto com a programação dos museus, com três ou quatro comissários e e meia dúzia de coleccionadores com que se articulam, num trânsito malicioso e também corrupto. Seria possível dar exemplos dos raros que esse mercado admitiu (Batarda) e dos que ficaram sistematicamente de fora até abandonarem essas duas galerias. Isso passou por exemplo pela exclusão do Arco de Madrid e Lisboa.
É certo que as galerias (a Módulo a partir de certa altura) descuraram a circulação internacional, que tb passa muitas vezes por trocas pouco sérias, ou não (eu exponho-te um e tu metes um nosso). As galerias, algumas galerias, privilegiam o seu pequeno mercado envolvente, doméstico, e não levam lá fora, não querem que as obras saiam do país, preferem satisfazer os seus clientes certos, em vez de apostarem no mercado internacional, de abrirem caminhos. Aliás, e pelo contrário, também procuraram absorver a produção dos que viviam fora, em vez de apoiaram a circulação internacional. Foi essa uma das marcas negativas de Manuel de Brito. Os directores dos maiores museus, Serralves e Gulbenkian, além de serem ignorantes e desinteressados do que não são os seus interesses e dos seus círculos, têm sido cúmplices dessas estratégias de ocultação dos independentes. Acontece que o meio rodouu à volta de 2 ou 3 artistas (Sarmento e Cabrita; Vasconcelos e também Chafes são casos à parte, que correm por si), e que foram intencionalmente rodeados por artistas menores para criar a imagem da diversidade, mas excluindo os melhores que podem fazer sombra.
https://anamata.pt/
Posted at 23:34 in 2024, Ana Mata, Galeria 111 | Permalink | Comments (0)
Para Manuel Torres, Manuel Vinhas, Jorge de Brito, amigos e coleccionadores, e também José Sommer Ribeiro
De uma maneira geral trabalho sem custo, pelo menos oito horas por dia, e isso porque consegui uma fusão de trabalho em si com o jogo do prazer criativo. Essa devia ser, aliás, uma possibilidade oferecida a todas as pessoas, ou conquistada por todas as pessoas. Entrevista de Fernando Dacosta, DN 20-7-1978
Nunca fui de fazer grandes exposições. Para mim, expor é secundário, embora todas as pessoas gostem de ser gostadas. O expor é uma situação de oferta, de comunicação com os outros, de amor… É mais estimulante a palavra que se recebe de alguém que não se conhece do que o discurso oficial. Idem
ANOS 60, PISO ZERO
Como dividir em períodos ou etapas a continuidade da pintura e a sua mudança constante e aparentemente súbita? Ou em tópicos de um itinerário. Dispôs-se de uma cronologia das obras e de um espaço muito específico, difícil. Aqui ir-se-á fazendo também referência a telas ausentes associadas às que se mostram, e propõe-se aos interessados a simultânea consulta dos dois volumes do Catálogo Raisonné, também acessíveis no espaço do Atelier.-Museu.
O piso zero, dedicado aos primeiros anos 60, organizou-se em vários núcleos temáticos, cenas de trabalho, touros e cavalos, animais, paisagens, pontuado por algumas relevantes peças soltas e também pela irrupção desencontrada mas em diálogo de três obras de data posterior: um retrato de Teresa Marta, 1975; um Auto-retrato de 1972 numa composição dupla e reversível acompanhado o artista-palhaço com uma cara de macaco (optou-se por colocá-lo por cima), e, já de passagem para o piso superior, a emblemática serigrafia Graça de Abril, de 1974.
As peças soltas, e são todas importantes, surgem isoladas, numa outra triangulação: o Carro das Mulas (antiga colecção Igrejas Caeiro, exposto no Salão da Primavera de 1960), que divide a entrada com uma grande Cena de Praia certamente nocturna, 1959-60 (col. CAM-FG), e nelas sobrevive uma fase negra e ibérica que quis associar Goya e Columbano. Note-se a densidade matérica do óleo, e a luz que emana da cor sombria. Longe, o Casamento de 1961, grupo em movimento que se conjuga com uma ausente Procissão (1962, CR nº 222 ) e com os outros casos em que a imagem vista aparece e irrompe, frontal, e se detém sobre o espaço plano vertical e abstracto da tela (Metros e Corridas de Cavalos tratam a mesma “questão”). E algo escondida à entrada a Batalha d’après Uccello, de 1964, numa formato 50x150 cm que o pintor usará com frequência (Pomar irá relacionar os seus Maios aos guerreiros do preferido mestre italiano). Observem-se as duas caveiras em Casamento, também muito presentes numa das gravuras do mesmo assunto, que não foi editada; depois em Parade, 1966 (nº 343) - foi um motivo muitas vezes desenhado do natural no Musée de l’Homme. E é interessante que aquele tenha sido o mais caro quadro vendido em leilão, depois do Almoço do Trolha.
Nas paredes da black box, Tauromaquias e Corridas, que são as séries mais numerosas e conhecidas, comparecem de modo sintético: são as telas mais emblemáticas desta fase de interesse pela conjunção-explosão de forças e velocidades, com a gestualidade do óleo leve, fluida e vibrante. Mais abundantes são as cenas de trabalho do povo, as paisagens, em geral ignoradas, os animais (de estimação) que também estão na terceira parede da caixa.
Os temas do trabalho vinham de 1959 (as Fonte da Telha) e prosseguiram até 1963: pescadores e sargaceiros, a recolha das redes, a pisa do vinho, faltando aqui a debulha, 1961, em que o pintor insistiu mas agora não se alcançou.
Não será um intencional programa antropológico ou social, são espectáculos vistos, situações observadas em férias na praia (Albufeira 1961, três meses) ou nos campos - férias de observação e de trabalho quase sempre, e ainda a interessada relação com o povo, que também continuava muito presente na gravura. Pisa I, de 1961 é uma de três, até 63, certamente vistas em Aregos, Resende, Viseu, e esta pertenceu ao amigo e cúmplice Manuel Torres, gestor da Cooperativa Gravura e detentor do Almoço do Trolha, que o recebia na sua quinta e na moradia do Restelo, que teve decorações exteriores. Irrompem no espaço vago, aberto, indefinido do “fundo” seis rostos frontais que lembram Goya - lembre-se Mogiganga, ausente (1962, Col. Manuel de Brito / 111), que é assumidamente uma variação sobre uma gravura de Goya, cena burlesca de tourada, passada do preto e branco à explosão de vermelhos. Há outras situações de movimentos colectivos em quadros singulares: além de Casamento e da Procissão, importaria ver Queimar o Judas, de 63 - e as cenas de touros são também trabalhos e espectáculos populares. Fazem falta as vistas da gente de Marrocos (Rua Moura, Berberes e Canto Berbere também de 63), três quadros da viagem com Alice Jorge em 62. Já em França, houve Parade (desfile de máscaras ou caveiras) e Foire du Trône (feira popular, uma “fête foraine”) de 66, com várias variantes destruídas (Relatórios de Bolseiro e Void III).
O núcleo das paisagens aparecerá como uma surpresa - nunca construíram séries, mas foram existindo ocultas entre outros interesses. Existiram as primeiras já em 1952-53 (Azenhas do Mar, Ericeira), coincidindo em discretos formatos intimistas com obras militantes e encomendas decorativas desses anos mais difíceis. A paisagem é para Pomar um género raro; tentado na segunda metade da mesma década de 50, com variável resultado, Lisboa (a Avenida, o Coliseu) vista a partir do 4º andar da Rua da Alegria. Existe de 1958 um interessante e amplo Cais da Ribeira (Col. Mário Soares).
Aqui abriu-se a secção com uma das duas vistas de Barcos no mar de Albufeira, 1962 certamente nunca expostas, a que deveria associar-se uma Figueira “abstracta” da colecção DN / Globalmedia (vejam-se dois desenhos vindos de todo um caderno de “estudos”, na black box); acompanharam -nas cenas de pescadores. Seria um possível núcleo referente a Albufeira - e surge a ideia de toda uma exposição futura de pinturas de viagem, de lugares visitados e de férias, de praias, paisagens e motivos locais, que passaria pelas Astúrias, 57-59, até aos Mascarados de Pirenópolis e aos Índios da Amazónia de 1986-90 sempre séries surgidas de convites e/ou de oportunidades de veraneio activo.
Continuando as paisagens mostradas, temos a muito movimentada Paisagem de Lisboa de 1961 (col. Jorge de Brito), e logo a pequena Ponte D. Luiz, Porto,1962 (antiga colecção Alice Jorge), que teve de isolar-se no piso superior. As pontes, nocturnas, foram várias e uma de grande dimensão, perdida, foi a Pittsburg, concurso então mais famoso que Veneza; outra estará em Luanda, já de 1965 (não fotografada), retomando o tema numa encomenda de Manuel Vinhas: “Ficou pronta e entregue - afinal não é para o Porto, mas para Luanda, para o Banco Comercial de Angola. Deu jeito (para pagar as férias!) E tive prazer a fazê-la; ficou uma coisa cinzenta, muito pouco definida; fui saltando de fotografia para fotografia, e fi-la relativamente depressa” (carta de setembro 65, 2023). É simultânea dos três quadros dos Beatles (“penso continuar a série, tenho impressão que vai dar pano para mangas”, idem - mas foram destruídos).
Lisboa está também presente em Visto da Janela, 1966, que poderia ser entendida como uma “pintura abstracta”, que não é - talvez memória da casa de infância às Janelas Verdes e onde acima à direita se vislumbra o Tejo e um barco (certamente inédita até 2004, col. Ilidio de Pinho, vindo da antiga col. Augusto Abreu / Burmester). Por fim Saudades de Lisboa, já de 1968, inédito também até 2004 (“Autobiografia”, Sintra Museu Berardo) com título atribuído por Manuel Vinhas, que encomendou a tela, e veio de Paris, paisagem imaginada com um rio amarelo. De 1976 conhece-se Belle-Isle-en-Mer (col. FJP/AMJP), que é obra charneira, vista do lugar (em férias), e corpos em metamorfose, fim de ciclo e começo de outro.
Vejam-se na caixa negra, datados da chegada em 1963, pequenos desenhos da Pont des Arts, junto a apontamentos do Metro e às praias da Caparica, paisagem humana, do ano da partida.
Outro núcleo inesperado, os animais, que estavam presentes desde o início da carreira. Dois Chimpanzé 1962 em grande formato e os pequenos Mocho 1960 (faltou a Coruja, col. DN) e Abutre, de Paris 1963 (haverá outros Mochos em 1972, diversões muito a divergir dos Banhos d’après Ingres e dos Retratos). Os símios, com Mono Sábio/Singerie, foram mostrados nas exposições das Galerias DN e Lacloche (“Tauromachies”), eram obras maiores, e os dois expostos são retratos de corpo inteiro que nos olham de frente, também únicas figuras isoladas na pintura desses anos de intensa e vibrante produção. O terceiro vem de uma tabuleta de comércio vista em Paris ou fotografada. Há macacos desde o princípio, no livro Bichos, Bichinhos e Bicharocos, com Sidónio Muralha e Francine Benoit, 1948, e logo se multiplicaram os “Animais Sábios” em cerâmicas e pequenas esculturas de imediato sucesso (exposições de 1950 e 1951, quase todas desaparecidos). Da chegada a Paris datam cadernos de desenhos de observação, com macacos e inúmeros outros bichos (apontados na black box), e sempre lhes está associado o humor, que com a expressão erótica é uma das linhas condutoras (linhas mestras ?) da produção do pintor. Houve também pequenas Porquinhas / Truies amáveis em 66, intervalos de trabalho livre, oferecidas e agora inacessíveis. Viriam muito mais tarde os ciclos de bichos antropomórficos, os macacos humanizados e trocistas e os porcos ligados às aventuras de Ulisses e Circe, que foram uma vez arrumados por Marcelin Pleynet entre os “Animais de Companhia” (Sintra 2004). O largo bestiário desenhado liga o gosto da observação, o exercício da mão e do olhar, e o humor.
Continue-se o piso zero com a presença de dois D. Quixote (de entre os seis do ciclo que surgiu por extensão das ilustrações e das gravuras, 1960-63), um deles inédito e o outro, com os Carneiros, é uma grande pintura dinâmica e explosiva onde o cavaleiro avança sobre o espectador, como avançará D. Fuas, noutro programa posterior (1988-89 em Pinturas de História, 2022). Associa-se-lhes a escultura Guerreiro, mas que ficou distanciada. Ao lado estão algumas esculturas-assemblages de 1967, outros volumes esses “abstractos” que agregam objectos encontrados, interrompem o curso da obra pintada e terão consequências indirectas nos Banhos Turcos e Retratos e depois no ciclo das colagens de telas recortadas.
A escultura em ferro associada ao Quixote (Guerreiro - há acima um Torso forjado, pequena peça singular) é uma muito diferente prática escultórica depois dos retratos modelados de amigos, nos anos 40/50, e da cerâmica figurativa que fez desde início. Os ferros soldados como inovação vêm dos anos 30 (Picasso e Gonzalez), e permitem o desenho no espaço; com David Smith, Chillida, Mark di Suvero reanimam-se nos anos 50 no campo da abstracção, enquanto a “figuração expressiva ou existencial” ou biomórfica (1986 Margot Rowell) tem também largo curso paralelo em escultura. César é uma referência entre as duas vias. Mais que desenho, é em Pomar pintura no espaço, a preto e branco, precedendo a assemblage.
A ilustração foi desde o início uma actividade constante por cumplicidades literárias e encomenda editorial que equilibrava o escasso mercado - mas os desenhos para Pantagruel (65-66) foram uma iniciativa sua, a única entre os alheios convites. Mais tarde, desde 76, os desafios de Joaquim Vital (editor de La Différence e amigo, 1948-2010) associam-se a novas séries de pinturas: Tigres, o Corvo de Poe, A Caça ao Snak de Lewis Carroll, as Mães Índias de Pedro Vaz de Caminha, Carta do Achamento do Brasil. “A bem dizer eu não ilustro um texto: o texto sugere-me desenhos que o podem acompanhar e estes procuro fazê-los, para meu prazer, o melhor que posso e sei” (1980 Helena Vaz da Silva). A ilustração de encomenda, cumprida em geral sem obrigação descritiva, é ocasião de “experiências” que dão lugar a novas obras e direcções - a relação com a literatura é um continente que de que se fez a revisão em 2021 e 22 (“Os Livros de Júlio Pomar” e” “Pintura de Histórias”, exposições e catálogos do Atelier-Museu).
Na caixa negra, muito resumidamente, está o desenho de observação - apontamentos, estudos - que conservou nos pequenos cadernos de bolso e de viagem e de férias (Marrocos, Albufeira, Caparica, etc) e em especial da chegada a Paris: Musée de l’Homme, Jardin des Plantes e Menagerie, o zoo, Jardin d’Aclimatation; a Pont das Arts, o Louvre, anotações de imagens e textos de reflexão, citações. Mas é disciplina autónoma nas “Courses”, nos Catch de 65-66, no referido Pantagruel, e nos Retratos a Lápis que vão de 1970 a 77. Toda uma parede foi dedicada aos desenhos eróticos: mostram-se Étreintes de 60 levadas à II Gulbenkian, Nus de 61 (exposição de grupo “O Modelo” na Galeria DN) - os nus femininos vêm de 1947, da prisão (a Onda), e motivaram logo rejeições e defesas. Há Étreintes e Tauromaquias significativamente juntas num mesmo caderno de 63. É uma linha de trabalho e de vida que acompanha toda a carreira. Corpos. Femininos, cúmplices, mas os sexos são ambíguos em dois desenhos passados a litografia da série Catch (foi a figura ser masculina que bloqueou a versão em pintura?) Aí se incluíram também as ilustrações para A Selva, de irrupção frontal da cor, figuras fragmentas, narrativas. E encerra-se o piso, ao lado, com uma selecção variada de gravuras, onde se verá que a gestualidade da pintura se liga á materialidade do desenho gravado com os ácidos, em especial nas Tauromaquias.
ANOS 60/70, PISO 1
No piso superior ficaram, num topo da galeria, um Rugby e um Maio, emblemáticos do tempo de mudança. As séries foram antes mostradas no Atelier-Museu. ( REF ) A seguir, mas anterior no tempo, vem toda uma abordagem à abstracção, do Metro aos Estudos para tapeçarias de 1967, de que se falou antes.
É significativo ver a pontuação da mudança da obra, a simultaneidade de direcções, na Mélée (Rugby) de 68, no retrato de Manuel Vinhas e no primeiro Banho Turco, todos da mesma data (e em baixo ficou Saudades de Lisboa). E logo Mesa dos Jogos 69-70, de secções móveis, passando à Superfície Vermelha de 72 (de uma série de sete em dois formatos, um deles grande), um corpo em recorte em arabesco sobre plano liso em cores unidas, que está já na sequência dos primeiros retratos (Manuela e Viana são de 1970), e é paralelo em data a Tétis. Todo este núcleo que vai das odaliscas de Ingres aos retratos íntimos é uma marcação conjunta de dois conjuntos temáticos onde vai longe a exibição do erotismo. A influência de Matisse juntara-se ao agrado pela Pop, e a relação com a estética do cartaz foi evidente em Viana, Almada, etc - mas nunca se incluíram estas obras, vá-se lá saber porquê (é cegueira dos comissários e talvez vontade de exclusão) nas abordagens nacionais à Arte Pop, de 1997, “The Pop’60’s - Travessia Transatlântica”, de Marco Livingstone com Alexandre Melo, no CCB (https://alexandrepomar.typepad.com/alexandre_pomar/2007/06/1997-portugal-p.html) e de “Pós-pop. Fora do lugar comum - desvios da Pop em Portugal e Inglaterra, 1965-1975” de Ana Vasconcelos e e Patrícia Rosas na Gulbenkian em 2018. (Ver “Anos Pop” em 2023 A. Pomar).
Viu-se que o retrato fora ensaiado com êxito em 67-68, dois de encomenda (José Ribeiro da Cunha, então já falecido, e Manuel Vinhas, aqui exposto e é homenagem ao amigo e coleccionador) e outro em liberdade (a amiga Fátima, Lopes). A eles regressa pouco depois longa e diversamente (Manuela, 1968-70; Eduardo Viana, 1970; Almada Negreiros, 1972, Fernando Pessoa e Camões, 1973; outras e outros amigos; os auto-retratos), já relacionados com os Banhos Turcos e já em paralelo em pintura e desenho. “A semelhança do retrato é para mim fundamental”. “A semelhança funciona como a marca. É como o nome escrito. O resto vem quase involuntariamente e tem por função ‘accrocher’ (prender) a personagem à tela” (1991 H.V. Silva 1991).
(A propósito de Manuel Vinhas, lembre-se também Jorge de Brito, não retratado. Aquele industrial e proprietário - Pomar era convidado para as tentas no Zambujal -, outro aventureiro das finanças, ambos amigos pessoais e coleccionadores desde os anos 50, também de vários modos mecenas, até às mudanças de 75, e com parte substancial da colecção Jorge Brito se fez o início do CAM - várias obras da exposição são ou vieram das respectivas colecções.)
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REVOLUÇÕES
Do corpo a corpo do espectador com a obra se recria esta, e aquele, e o mundo em que ambos se situam. Relatório de Bolseiro Maio 1966
Revoluções foram duas, 68 e 74/75. Mais as que as acompanharam e continuaram, em especial, no que importa também à obra de Júlio Pomar, a anti-psiquiatria e a revolução sexual. Outras alterações, mais ou menos revolucionárias, aconteceram ao pintor - e faz-se já uma primeira síntese que a seguir se desdobrará. Adiante percorre-se a fortuna crítica e preferem-se as declarações da época às interpretações mais tardias
Debulha, 1961, 50x61cm, nº 208. Col. particular (não disponibilizado para a exp.)
NOTA 1: exposto na revisão comemorativa de Serralves, “Pré/Pós - Declinações visuais do 25 de Abril”.
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Paisagem de Lisboa, 1961, 73x116cm (CR I nº 217) Col. Jorge de Brito
PALAVRAS DITAS
em entrevistas de Maria Lamas, Adriano de Carvalho, Joaquim Furtado, Maria Antónia Palla, Manuel de Lima e um anónimo
Um quadro é menos uma maçã ou um touro, do que tudo que em nós permanentemente vive. Amor, raiva, esperança, desespero. Toda a arte é uma confissão pública e secreta. (Maria Lamas 1964, “Diário de Lisboa” - a seguir D.L.)
O artista que «segue» crê estar de acordo com o seu tempo. Ele não demora a fazer pela sua mão o que se fazia anteontem em Paris, ontem em New York. Ele não percebe porque os conhecedores – os que amam, vivem – se não detêm na sua mercadoria (em saldo!), julga-se vítima, sem sorte. Não querendo (ou não podendo?) correr o risco de uma posição solitária, acaba por definhar sozinho no meio do rebanho a que se esforçou por pertencer. (Idem)
Não me interessam escolas, interessam-me personalidades, as quais, evidentemente, não acontecem em série. (Idem)
Quando é que «verdade» deixará de ter que ver com «parecido»? (Idem)
Se em Goya intervém o humor negro ou solar, para Velazquez a majestade significa o mesmo que uma maçã para Cézanne. A sua indiferença (mais que desrespeito, indiferença) perante os poderes estabelecidos (que ele, como homem da corte, respeita naturalmente) faz dele o primeiro dos modernos. (Este aparecimento aqui da palavra «moderno» - bem gasta, coitadinha! – não é do meu gosto. Passe agora como solução de recurso, se não iríamos dar a outra história - e bem larga!) (Idem)
É preciso ultrapassar a oposição absurda entre passado e presente. Se, ou inconscientemente ou pela força do hábito, nos escudamos nela, pouco vimos a entender do homem; e nada, mas mesmo nada de Arte. (Idem)
O acaso juntou na mesma página do meu caderno de bolso uma frase de Ovídio e outra de Picasso. Ovídio – «é preciso temperar o prazer pelo domínio de si mesmo». Picasso - «a pintura é mais forte do que eu, obriga-me a fazer o que ela quer». Entre uma e outra, de uma parte a outra, vai toda a maravilha (e toda a danação também!) da pintura, da poesia, porque não da vida humana? E sobre o acaso - não será ele o mais exigente dos nossos mestres? (Idem)
«Realista»? É impossível pôr apenas um adjectivo. Além disso, detesto as fórmulas, as tentativas de concisão que, as mais das vezes, são o empobrecimento das próprias coisas (Anónimo 1966, “Flama”)
Ao contrário do que acontece com a poesia (pode ser-se poeta aos 20 anos), a pintura é uma obra de maturidade. (Adriano de Carvalho 1966, “Século Ilustrado”, a seguir S.I.)
O universal objectiva-se através de referências muito particulares, que resultam da experiência do indivíduo. O geral não é senão uma experiência pessoal, exacerbada. Posta a nu. Não há um universal abstracto, aquém. (Joaquim Furtado 1973, D.L.)
O importante não é o quadro representar um cavalo ou uma paisagem, mas o que nele está da luta do indivíduo que o fez para viver ou sobreviver, na medida em que nele estão expressas as suas relações consigo próprio e com os outros. É uma tomada de posição perante o real. (Idem)
Ser livre é uma coisa que custa muito aprender, mas depois não se quer outra coisa. (Maria Antónia Palla, 1973 S.I.)
Ser pintor é a minha situação particular de ser vivo. É a minha maneira de me exprimir como ser. (Idem)
Quando se gosta de uma coisa toma-se todas as liberdades com ela. (Idem)
A liberdade finda quando as relações passam de sujeito-sujeito a sujeito-objecto ou sujeito-sujeitado. (Idem)
Posso ter tomado aparentes liberdades, tão grandes que a figura parece desaparecer. Mas ela está sempre lá. Porquê? Não sei…. É uma maneira de ser. Gosto muito de carne, de coisas bem vivas, palpáveis. É-me totalmente impossível pensar num quadro com uma formulação 100 por cento abstracta (se é que isso tem algum sentido…). Com isto, não nego o mérito ou a influência que a pintura abstracta, como a de Mondrian, possa ter tido sobre mim. (Idem)
A pintura em mim nasce de um corpo-a-corpo diário com o ofício. Não há dissociação entre projecto e a obra: nascem ligados. Preciso de trabalhar todos os dias. [Mas] só posso pintar em estado de disponibilidade total. A pintura não é um refúgio contra, mas uma maneira de estar. (Idem)
Quando pinto, nunca faço em termos de “exposição”, coisa que me acontece muito pouco, também. As coisas, em mim, passavam-se assim: interessava-me pelo que estava a fazer, vivia-o intensamente. Isto, porque as coisas que faço me interessam enquanto estou a fazer, enquanto as posso tocar, transformar. (Idem)
Fazer arte é tão integral, tão visceral como rir ou fazer amor. ... mas aqui não se exclui a ideia de pensar no assunto. (Manuel de Lima 1974, S.I.)
O que Cézanne disse do acto de fazer pintura: uma maneira de pensar. (Idem)
O pintor para mim é um trabalhador. Com a vantagem ou a agravante de que para ele não há diferença entre trabalho, obrigação, lazer, jogo, prazer. (Idem)
O 25 de Abril foi na vida portuguesa um acto criador, insólito na aclimatação quotidiana, como um acto poético. Dizia Lautréamont que a poesia deve ser feita por todos. Ousemos corrigir. A poesia é feita por todos, e na consciência disso é o jogo a jogar e a chamar-se Revolução! (Idem)
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Antes de 60, até 63
Deve notar-se a abrir a apresentação de “Revoluções 1960-1975” que não é a mudança de década que estabelece fronteiras dentro da pintura de Júlio Pomar. A saída do neo-realismo manifestou-se em quadros singulares e incompreendidos como O Baile e Circo, duas festas urbanas nitidamente tristes (1955). “J. P.... que converteu o Baile num verdadeiro ‘sabatt’ observa as projecções das ruas de Lisboa [Rua de Lisboa, Catálogo Raisonné (CR) nº 121] e sabe ainda arrancar à vida humana, em traços fortes, todos os seus reflexos.” Artur Portela Filho (P. F.), III Exposição Colectiva de Artistas Portugueses, Galeria Pórtico. Diário de Notícias (DN), ?-11-1954.
** Circo, 1º salão dos Artistas de Hoje, SNBA 1956.
Tal acontecia logo depois de um período mais intensamente militante, de 1951 a 54, de que Marcha e os Estudos para o Ciclo ‘Arroz’ são expressão mais forte, a par de encomendas decorativas em colaboração com os arquitectos Conceição Silva ou Victor Palla e Bento de Almeida (vitrais da Igreja da Pontinha, na Amadora, painéis para o Restaurante Vera Cruz), e também a par de pequenas paisagens intimistas (Azenhas do Mar, Ericeira): são três linhas de trabalho simultâneas e diversas, quando os quadros ainda não se vendiam.
O neo-realismo não tivera nenhum resultado prático, disse Pomar em 1955. «De resto, não creio que isso deva preocupar o artista. Quando digo que a pintura tem uma função, refiro-me mais à função que ela desempenha como expressão ou libertação de um estado de espírito do que como acção sobre o público» (entrevista DN 22-9-55). Acabavam por esse tempo as Exposições Gerais, já trocadas por novas colectivas na Galeria Pórtico, em 1954, dinamizada por uma nova geração, e na SNBA, o Salão dos Artistas de Hoje em 1956, com a Fundação Gulbenkian a gerar novas oportunidades e expectativas. Era um tempo de mudança, em ruptura com a herança de 1945.
Houve para Pomar, entretanto, hesitações paisagísticas: Lisboa vista do 4º andar da Rua da Alegria, para onde se mudara com Alice Jorge, mas também revisitações mais ou menos realistas “modernizadas” - breve série Astúrias, 1957-59, da viagem de carro até Paris, por Altamira, com Manuel Torres; e pescadores da Fonte da Telha, 1959, a praia, sempre. Mas logo esses últimos anos da década foram marcados por meia dúzia de pinturas de grande ambição e sucesso, que surpreendiam em mostras colectivas, para as quais o próprio artista e alguma crítica apontavam a procura de um desígnio ibérico, conjugar Goya e Columbano, uma fase “negra”.
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José-Augusto França escrevera em 1955: “O grupo neo-realista (...) com tais composições, dum realismo sobretudo de tipo magazinesco, parece estar a lograr as sensíveis e honestas promessas que há dez anos fizera” (Exposição de Pintura Moderna Portuguesa, Associação de Estudantes da Faculdade de Ciências de Lisboa, organizada por Rui Mário Gonçalves, ver “Comércio do Porto” 12-04-55; in Da Pintura Portuguesa, Ática 1960, p. 169 - esta é uma importante antologia de artigos nunca reeditada).
A apreciação mudou em 1958: “O quadro de Júlio Pomar [Lota], curiosamente absorvido por valores picturais abstractos, desejando uma genealogia em que Goya e Columbano se encontram de má vontade, involuntariamente se aproxima dum Lanskoy, cuja arte, suponho, o pintor ignora e nisso se realiza como obra de muito interesse e de notável qualidade. O «moderno”, insólito em Pomar, e consciente em Daciano...” (sobre o 1º Salão de Arte Moderna, “Colóquio” nº 1, janeiro 1959; op. cit. p. 206)
Segundo Artur Portela Filho, então crítico activo, “Pomar surge truculento, maciço, crispado. As suas duas largas telas <ou só a Lota?>, de temática populista e atmosfera poética, são uma prova esmagadora que estamos perante um dos artistas mais profundamente portugueses. (...) Pomar tem um forte sentido telúrico e o dramatismo dos seus climaas não exclui, antes acentua, contrapontiza, sublinha, uma poesia cheia de vibração e de intensidade. Pomar estilhaça os limites de uma estética semi-oficializada com galo de Barcelos, Sol e Tejo. Cria uma humanidade onde há um a angústia riscada de gritos e risadas e de uma troça orgulhosa e livre.” Diário de Lisboa (DL) 18-10-58
J. A. França em 1959: «Pomar vai firmemente e com extrema qualidade pictórica no caminho que o víramos no Salão Moderno da SNBA, aceitando já em perfeita consciência valores abstractizantes que o próprio ritmo do pintar lhe impõe. O encontro de Goya e de Columbano do seu ‘projecto’ é agora absorvido, reelaborado interiormente com uma ‘fugue' que a pintura portuguesa não iguala» (“50 Artistas Independentes”, “Comércio do Porto”, 23-06-59; op. cit., p. 211 - expunha Cegos de Madrid e Cena no Cais, este levado à 2ª Exposição de Pintura Moderna, promovida pelo Grupo Desportivo e Cultural da “Cuca”, em Luanda, com catálogo prefaciado por Manuel Vinhas).
Portela Filho, sobre Cegos de Madrid: “J.P. ainda goyesco no gesto largo, validamente retórico, trágico, expressionista, atinge uma força que não se encontra em qualquer outro artista na pintura portuguesa. Dir-se-á que ele não é um autêntico pintor português e que chega a ser, pela qualidade e ‘quantidade’ de pintura, pela linguagem, pelo tema, um pintor espanhol”, DL 15-6-1959.
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A anterior individual de pintura datava de 1951 e a seguinte é só de 1962 - um longo hiato de visibidade, não de trabalho, mas na época os Salões apresentavam as novas obras periodicamente (eram uma oportunidade que depois se combateu e extinguiu, perdendo-se o largo público interessado). Datam de 1957 a 1960, e estabelecem um dos patamares mais elevados na longa carreira, os quadros Maria da Fonte, Lota, o referido Cena no Cais (depois oferecido por Champalimaud para o previsto Museu de Arte Moderna de Luanda, e lá ficou, invisível, ao que se sabe) e também Cegos de Madrid?, Cena na Praia, O Carro das Mulas (estes três últimos agora expostos), mais o grande Estaleiro que respondeu a encomenda para o paquete Infante D. Henrique (agora no Museu da Marinha - “entre os objectos mais belos desta minha terra, do Pintor, da Arte Portuguesa: uma reivindicação de grandeza, um magnífico acto de resistência, pois a verdadeira Beleza é incompatível com a opressão” - escreveu Ernesto de Sousa, na monografia citada).
Coexistem com as 30 ilustrações pintadas a preto e branco, seis gravuras, quatro esculturas de ferros soldados (veja-se Guerreiro) e seis pinturas relativas a Dom Quixote, então traduzido imaginativamente por Aquilino Ribeiro, ed. Bertrand 1960 (D. Quixote e os Carneiros e outro Quixote expatriado e inédito expõem-se agora). É um primeiro capítulo literário da sua pintura de imaginação que mereceu logo pequena exposição própria na Galeria Gravura naquele ano - regressará a Cervantes em 2005 para ilustrar uma nova edição, do “Expresso”. Surgem igualmente os primeiros Touros em gravura e no quadro de 1960, Touro, oferecido a Alves Redol, como peças do vasto Bestiário e já “Tauromaquias”.
Esses anos contaram com as duas Exposições Gulbenkian de 1957 (Maria da Fonte) e 1961 (Pega, CR nº 188; Cavaleiro e Touro, nº 190; D. Quixote e os Moinhos, nº 197; Debulha, nº 205; a escultura em ferro D. Quixote II, nº 177), onde obteve respectivamente Prémios de Gravura e de Pintura, sempre ex-aequo. Seguem-se as duas individuais na Galeria DN) em 1962 e 63, já como continuidade e reconhecida maturidade, com forte notoriedade pública e crescente tensão por parte da crítica instituída. Prolongam e diversificam os exercícios de observação de figuras e de situações que estão praticava com um dinamismo gestual a conviver com a abstractização dos motivos: cenas de trabalho, espectáculos populares e públicos (as “Tauromaquias”, e também Casamento e Procissão), paisagens, sargaceiros, os grupos de Marrocos em 63, pintura de realidades vistas. Pintura de observação e também de viagem.
Artur Portela sobre Maria da Fonte: “Pomar é uma explosão de potencialidades. Artista total, personalidade variada, com um conhecimento absoluto e espantoso do seu mister, pintor de convulsões expressionistas, desenhador admirável, com provas de gravura invulgares, é uma das maiores afirmações deste certame. (...) é uma larga, uma imensa, uma movimentada e atormentada tela, povoada por uma humanidade goyesca de tons sombrios e surdos que não lhe apagam a vida, que pulsa, palpita e ascende aqui à pureza do símbolo”. DL 11-12-57
Evolui procurando sugerir o movimento das figuras com pinceladas rápidas os temas adaptam-se a uma figuração fragmentária, descontínua e repetitiva RMG, BB
A forte notoriedade mediática circula nos diários da época, atentos e influentes:
1962, exposição na Galeria DN: “J. P. lírico e telúrico, dramático e irónico”, por Manuela de Azevedo, não assinado, DN 20-5-62: “Onde parece exprimir-se o lirismo gritante de um Kandinsky. (...) Uma luta de primazias entre o abstracto, o figurativo e, até, o impressionismo. (...) Desta pequena galeria - Pomar é preguiçoso, não quer banalizar-se ou é lento na fecundação artística? - o jovem e consagrado pintor pode afirmar que, através de uma liberdade quase sem limites... se tiram sempre efeitos novos e imprevistos.
1963, exposição na Gal. DN, crítica de Fernando Rau (R.): "Movimento e cor na pintura de J.P. em vésperas de partida “, DL 10-10-63 : “o artista está em plena forma criadora e transmite-nos momentos de verdadeiro prazer a contemplação da sua pintura vigorosa nas cores, no movimento e na força anímica que irradiam todos os seus quadros.”
Ou “Sangue arena na expressão fremente da arte de Pomar”, Manuela de Azevedo, DN 10-10-63.
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As pinturas tinham deixado de ser neo-realistas, mas eram de qualquer modo documentárias, mesmo se especialmente se equacionavam, e o artista sublinhava, as questões formais. Trocavam pela densidade e teatralidade pictural a reconhecibilidade descritiva da mensagem; o “intenso dramatismo” era referido, a “inspiração espanhola” (Adriano de Gusmão, 1957). Eram motivos de espectáculos vistos, cenas observadas, registos circunstanciais e ao mesmo tempo questionamentos formais. Pintura descritiva, talvez mesmo pintura de reportagem, mesmo se o peso do formalismo tardo-moderno reinante obrigava a negá-lo: Interessam-lhe, diz, “todos os espectáculos em que os sentidos se completam, em que a imagem é múltipla: multidões, praias de pescadores, fainas de campo, mercados, as grandes cidades e, naturalmente as corridas de touros. O que se agita, move, transforma.” (entrevista de Maria Lamas em Paris, DL 5-3-64, ). “A pintura (não) me interessa como arte de reportagem” dirá já por ocasião dos Tigres (1980), em obediência ainda com o “modernismo” que desvalorizava o assunto. O que mudaria com os ciclos literários tardios.
O abstraccionismo ia-se tomando como uma fatalidade universal, imposição da crítica dominante, mas Mário Dionísio e Nikias Skapinakis valorizavam possíveis diálogos com a figuração (na época Pomar não escreve, pinta): “Nos dias de hoje, abstraccionismo e tendência realista buscam-se, aparentam-se, interpenetram-se, elaboram demorada mas manifestamente a sua síntese” (M.D., Conflito e unidade da arte contemporânea, conferência integrada na 1ª Exposição Gulbenkian, 1957, ed. Casa da Achada 2015, p. 50). “Júlio Pomar superou a crise do neo-realismo (...) Define essa superação, que me parece total no caso das gravuras, uma conciliação entre a necessidade ideológica do neo-realismo e o entendimento de uma lição formal abstractizante. O que portanto se transfere do neo-realismo, paralisada a sua tentativa de aprofundamento do real, é a necessidade de encontrar uma figuração que de novo, e actualizadamente, reintegre o real no quadro” (N.S., Modernos Figurativos Portugueses, conferência de 29-01-1959 na SNBA, ed. Separata de “Arquitectura”, 1959, p. 10)
Figuração-abstracção, figuração-desfiguração, são tópicos críticos do tempo com que o pintor se confronta: “Claro que é o movimento que fundamentalmente me interessa. Enquanto que nas Tauromaquias o problema era o de uma síntese de movimentos contrários, agora [nas Corridas] trata-se de um movimento de trajectória única” (carta de junho de 64*).
Ernesto de Sousa, na primeira monografia (Júlio Pomar, ed Artis, 1960, p. 11) escreve que “um encontro se tornava necessário com as técnicas da abstracção: para destruir os quadros materiais do espectáculo”. Fala de “equilibrio instável” (...) do “encontro de um espaço dramático, na sua raiz tradicional ibérica, com uma temática.” “Alguns dos quadros das Tauromaquia atingem um clímax de riqueza dramática, comparável aos exemplos mais altos da pintura ibérica”. Abria o ensaio com uma declaração forte: “Júlio Pomar, Maria Helena Vieira da Silva e Amadeu Sousa Cardoso são três nomes cardinais para a compreensão da pintura portuguesa dos nossos dias”.
Alguma recepção crítica que viria a ser dominante, dominadora, e sempre formalista, então facultada nas revistas, era ditada pelas questões da conflitualidade entre figuração «naturalista» e abstraccionismo, que persistiram em Portugal até tarde, ora se valorizando as vias da possível síntese com a abstração, ora se supondo fatalmente necessária a desaparição da figura e do referente, do assunto. Na lógica de uma pintura «pura», defendida como colectivo estilo moderno, contrária às novas figurações que se procuravam, saudavam-se o informalismo gestual e os valores abstractos, mas supunha-se dever suceder-lhes o abandono das referências ao mundo visível. “Evolução gestual e abstractrizante”, “uma esgrima de pincelada habilíssima” (J.A. França 1984).
Rui Mário Gonçalves, 1962: “numa linguagem que, não sendo a dum pintor abstracto, nada deve, porém, a essa imagem antiga da realidade, que o academismo pretende manter.” “um período de libertação dos elementos da sua linguagem: o grafismo e a cor”. “o apoio na realidade visível mantém-se”. “Toda a pintura é fundamentalmente uma especulação sobre o espaço” (“Jornal de Letras e Artes”, 06-06-1962)
Nelson di Maggio 1965: “adverte-se uma concessão excessiva ao bom gosto burguês que debilitam a rotundidade e a força da sua mensagem. De facto, a sua pintura tem enveredado pelo aspecto mundano e agradável”. “Flama”, 25-02-1965
Idem 1966: “Pomar passou a «actualizar a sua linguagem a partir das conquistas dos vanduardistas abstractos, mas sem se atrever a encarar metódicamente o problema da renovacão estrutural». como escreveu Rui Mário Goncalves”. “Em definitivo o que lhe interessa é reconstituir uma realidade passada, contar uma anedota, mais ou menos disfarçada pela dinâmica irradiacão da composição. O autêntico criador de formas está ausente. E o que se evidencia ostensivamente é o pintor sensível, agradável e superficial, para contentar o gosto de uma burguesia cómoda e satisfeita. Como Boldini no século passado. Todas as telas estão muito bem resolvidas e calculadas. Quem poderia ficar indiferente? Quem poderia deixar de sentir um santimento fruitivo?” (“Alla maniera di Boldini”, “Jornal de Letras e Artes” 16-02-1966)
Fernando Pernes 1966: “figurativismo desenvolto”; “uma estética do compromisso entre a aceitação do modelo convulsionado e a acção sobre ele instaurável”; “estilizações de uma realidade apriorística mas, por necessário ajuste, tomada nos seus aspectos mais movimentados”; “Pomar veio a alhear-se do existente dramático para desembocar numa temática mundana e espectacular, sempre habilmente transposta em telas resolvidas com acerto e de menor ambição” “Colóquio” nº 38, 1966; in Dizer a Imagem, ed Serralves 2015, p. 45-46.
Haveria por consequência «uma hesitação estética» e «uma íntima contradição expressiva», um debate não resolvido «entre um compromisso figurativo e uma vontade de expressão directa», argumentos muito repetidos que em geral se prolongavam no reconhecimento ambíguo de uma «espantosa habilidade oficinal». argumentos que se prolongavam no tema do virtuosismo, usado como arma de arremesso. O mercado privado crescia no início dos anos 60 e a crítica encartada associava o sucesso galerístico à satisfação do gosto burguês.
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Os "Anos 60" começam antes - ou não é o começo da década que marca a diferença na sequência da obra de Júlio Pomar. Com o fim da referência neo-realista, em 1955 (O Baile, Catatuas, Rua de Lisboa, Circo) , surgiam novos propósitos figurativos, que conduzem a obras maiores como Maria da Fonte de 1957, Lota 1958, Cegos de Madrid 1957-59 - e também às ilustrações para 'O Barão' de Branquinho da Fonseca e 'D. Quixote' de Cervantes. Destacam-se também o Estaleiro (grande encomenda para o paquete Infante D. Henrique, 1960) e as pinturas sobre figuras de D. Quixote: Dulcineia, O Carro dos Cómicos, Manteação de Sancho, 1960. O encontro com Goya em Madrid marca, com o interesse pelo primeiro Columbano, um projecto de convergência ibérica, em "pinturas negras" que vão até O Carro dos Cómicos, 1960. A mudança é contemporânea do fim das Exposições Gerais e do 1º Salão dos Artistas de Hoje, em 1956, da 1ª Exposição Gulbenkian, 1957, do início dos Salões de Arte Moderna da SNBA em 1958, dos "50 Artistas Independentes em 1959".
1960-1975 Revoluções - Atelier-Museu Júlio Pomar
Comissários: Alexandre Pomar e Óscar Faria
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Tags: Júlio Pomar
Quatro páginas para apresentar a exposição a inaugurar dia 10, 4ª feira. A década de 60 e os primeiros anos 70 foram marcados pela passagem para Paris e por novos temas de pintura, e pela transformação da sua pintura a partir das séries RUGBY e MAIO'68, a que se seguiram o ciclo do BANHO TURCO e outras variações sobre Ingres, e a série seguinte dos RETRATOS.
Maio de 68 e Abril de 74 marcaram a produção de Júlio Pomar, já depois da grande destruição de pinturas anteriores, em 1966 (deixando a expressão gestual e a relação com o abstracccionismo), e do início da construção de assemblages em 1967, quando é atraído pela pintura Pop anglo-saxónica.
Mostram-se algumas obras inéditas e outras que não voltaram a ser expostas desde os anos 60. A exposição agrupa algumas obras da viragem dos anos 50/60 (pinturas "negras" de uma pista ibérica que reuniria Goya e o primeiro Columbano), depois as cenas do trabalho do povo (pescadores e mariscadores, a pisa do vinho); algumas paisagens de 1961 a 68 (Albufeira, Lisboa, Porto e um Vista da Janela não localizado); algumas figuras de um bestiário pessoal; as tauromaquias e corridas de cavalos e as variações sobre uma Batalha de Uccello...
Comissarios: Alexandre Pomar e Óscar Faria
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Tags: Marie Darrieussecq, Nathanaëlle Herbelin, ORSAY, Paula Modersoh-Becker
https://www.monitoronline.org/eugeniamussa-releasethechicken/
“Venham daí as críticas” desafiou a Eugénia Mussa. Sim, alguém que arrisque a crítica - mas, sem rede (?!), não é fácil enfrentar essa subtil e sábia facilidade aparente, e para mais cada pintura foge para o seu lugar singular que lhe coube na montagem. Não há rede, para além da que formam, talvez, mas já à distância, outras pinturas suas que antes vimos, sempre em seguro crescendo. Sem um formulário alheio e colectivo, sem um código oferecido ou previsível, secretas mas explícitas, enfrentamos cada pintura (diferentes também nos formatos, nos suportes e nos materiais) como um acontecimento a explorar sem mapa ou agenda.
Esta pintura "diz", mostra, mas não saberemos o que ela narra. “Release the chicken!” / Soltem as galinhas!, o título, é um desafio - não perguntarei o que significa (Soltar a franga vem no dicionário - fui depois ajudado). São espaços onde acontecem "coisas", onde acontecem imagens com títulos mais ou menos precisos e descritivos (Eden, Floresta Vermelha/The Red Forest, Familia de Patos/Duck Family, etc) que reflectem o que vemos sem "explicar" o que vemos - são uma discreta chave para seguirmos por aí a percorrê-los.
Agora E.M. afasta-se da referência fotográfica que se reconhecia em pinturas anteriores como aparente transcrição de apropriações fotográficas, em versões irónicas de consumos vários, para tornar mais enigmática a desconhecida origem de cada obra - donde vêm estas imagens de imaginação, e que importa a dúvida? Que vemos nestas imagens? - e aqui não há que fugir ao que se nos oferece. Não se trata de reconhecimento de imagens prévias, mas de surpreender a sua invenção, são paisagens, e de percorrer espaços povoados com figuras onde a matéria do óleo, preciosa e rude, leve ou densa, se dá a ver em diferentes superfícies e respectivas preparações sobre tela, cartão, esmalte - quase sempre de pequeno formato, o que as torna mais íntimas, mais cúmplices. A cores, sempre intensas, fluidas ou firmes, são cores imaginadas.
São lugares (Eden, Floresta Vermelha, Palmeiras/Palm Trees), que não pretendem ser “vistas” e descrições, e são presenças. E são acções, episódios surpreendidos, suspensos, onde se partilham o enigma e o humor (Família de patos, A Carruagem/The Carriage, Mar alto/Open Water), também paisagens diversas de uma geografia (e um tempo) a adivinhar: o mapa e a cronologia não têm guia. Num caso único a artista actualiza - ilumina com uma luz de incêndio - a visão da Descoberta da América pelo pintor e viajante alemão J.M. Rugendas, Inspired by the painting ‘Discovery of America’ (de 1820-29, séculos depois, séculos antes; é uma pintura colonial e E.M. vem de Maputo...) Não está longe a cor onírica da Floresta Vermelha e de Welcome.
As exposições de pintura, ou fotografia, são em geral a sequência de uma obra única, através de variações, continuidades, sucedâneos, que nas melhores hipóteses se vêem como um filme, um romance, uma série. Aqui, na diversidade dos lugares singulares de cada quadro, de cada paisagem e de cada episódio, penso num livro de contos ou short stories. Tudo recomeça página a página, invenção a invenção, surpresa a surpresa, sem que se disperse ou confunda o mundo original que aqui se mostra.
Galeria Monitor / Monitor Art Gallery, Rua da Páscoa 91 - Rua do Sol ao Rato 41. Até dia 22 junho
Floresta de vermelhos, e o chão também, mais do que castanho, mar amarelo/verde, céu roxo/violeta. Percorre-se um quadro, mesmo que seja de pequeno formato. A contemplação é activa e pode ser interminável. Interroga-se um quadro. A imagem, a superfície pictórica, material, e o título também, quando existe, já passado o século dos “sem título”. Interpreta-se, mesmo que a procura de sentidos e as pistas interrogadas não devam substituir-se à presença imediata da obra, à sua intensidade visível fulgurante, imagem e matéria. Há que suster as elucubrações.
The Red Forest lembra-me Friedrich, um pequeno vulto solitário na paisagem, diante e dentro da paisagem, visto certamente de costas, numa mancha única e pouco definida, diante do mar e do céu. Friedrich, mas hoje não precisamos de chamar Metafísica ao que é pensar a vida, a existência, a identidade própria. (Há sobre a linha do mar (linha do horizonte, chão do palco) uma sombra sugerida, talvez outro vulto à distância que pode ser um desdobramento do primeiro vulto, que assim se observa a si mesmo, ou se vê como um espelho, ou com quem pode estabelecer um diálogo ou só a respectiva promessa. Não sabemos).
O vulto (quase quase) central assenta num rochedo que o mar amarelo-verde contorna, como a foz de um rio, num amarelo solar, uma fenda de lava, que rasga até aos bordos o espaço inferior do quadro. A certa altura lembrei-me da pequena sereia de Copenhaga, a partir de um conto de H.C. Anderson - é também uma figura meditativa, feminina essa, e por aí o conto e o escritor prestam-se a leituras psicológicas que aqui podem ser dispensadas. Fui sondar as mulheres solitárias de Vilhelm Hammershøi, outro dinamarquês, mas são quase sempre interiores, presentes de pé e de costas - não é o caso.
A floresta é vermelha e este é o nome (procuro no Google*) da floresta contaminada de Chernobyl - não será por acaso, é uma referência possível para esta floresta irrealista, incendiada mas não queimada, de facto vibrante e onde permanecem pequenas manchas vivas de verde, iluminada a fogo, como será (adiante, depois do pequeno vermelho Welcome na passagem entre espaços da galeria) a pintura relativa à Descoberta da América a partir de Rugendas. Por aí, lembrando Chernobyl, esta é uma pintura de actualidade, de intervenção, de alerta, não romântica.
Mas a floresta que rodeia o mar/rio e a pequena personagem fecha-se no topo, envolve o espaço aberto e este vê-se como um céu e ao mesmo tempo como espaço de teatro, um palco, um pano de cena. Estamos diante do palco, espectadores num teatro à italiana, dentro da paisagem, ou vemos diante de nós, ao contrário, desde o fundo central, de uma galeria “abstracta”, a cena aberta, o espectáculo, sugeridos. E a cortina (e/ou céu) quase roxa é uma superfície animada, que vibra e ondula, preenchida pela pincelada visível, por escorridos, empastados, transparências, vestígios de formas. Parede e horizonte. Estamos como espectadores dos dois lados da cena-paisagem desenhada pela cor. Vemos e viajamos. O pequeno formato, o bastante, íntimo, o óleo brusco e leve à superfície da tela.
The Red Forest 2024 óleo / tela 41 x 33 cm
* que já ajudou a pensar o título “Release the chicken!” (Soltem as galinhas - Soltar a franga...)
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Tags: Eugénia Mussa, Monitor Gallery, Release the chicken!, The Red Forest
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era directora do MNAA e ministra a Isabel Pires de Lima, a srª da sucursal do Hermitage e do Museu da Língua Portuguesa no MAP, mandava Sócrates
[Revista Atlântico de Junho de 2007 . Nº 27]
Conversas Atlânticas
DALILA RODRIGUES em entrevista:
“O modelo de gestão dos museus incentiva a indigência”
por FÁTIMA VIEIRA
Nos museus portugueses a situação é de “dependência paralisante”, “pobreza orçamental” e “precariedade total”. Praticamente nada vai mudar com a lei orgânica para o novo Instituto dos Museus e da Conservação, resultante da fusão do Instituto Português de Museus e Instituto Português de Conservação e Restauro. Dalila Rodrigues, directora do Museu Nacional de Arte Antiga, não esconde o forte desapontamento e reclama "a autonomia do Museu". [Pouco tempo depois desta entrevista foi afastada pela ministra que se diz da Cultura]
Qual a sua opinião sobre a nova lei orgânica para o Instituto dos Museus e da Conservação (IMC) na qual depositava tantas expectativas?
Numa avaliação global, penso que não resolve os actuais problemas dos museus portugueses, uma vez que se mantém uma igualitária e paralisante dependência estatutária da tutela para os 29 museus, como se todos tivessem a mesma importância, o mesmo mérito e o mesmo desempenho. Há dois aspectos positivos nessa nova lei orgânica, que de facto correspondem às minhas expectativas, e que são a possibilidade de gestão dos apoios mecenáticos directamente angariados pelos museus e a retenção da receita gerada pelo aluguer de espaços. Embora a lei seja muito mais abrangente, no que respeita à vida dos museus portugueses estes são os dois únicos aspectos positivos a destacar, sendo que tudo o resto se mantém.
Portanto estamos ainda muito longe da autonomia que reclama?
Estamos muito longe da autonomia de que este museu precisa para se desenvolver e afirmar tanto a nível nacional como a nível internacional.
Segundo o director do IMC, Manuel Bairrão Oleiro, a autonomia financeira é uma utopia, só faz sentido quando as receitas são muitíssimo mais elevadas do que as obtidas pelos museus portugueses.
É uma utopia pensar que o Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA) terá um dia o número de visitantes que tem, por exemplo, o Louvre. Tenho consciência, evidentemente, da diferença de escalas. Mas não tenho dúvida de que a falta de visitantes e as magras receitas geradas são também o resultado do actual modelo de gestão, que não só não premeia o mérito como incentiva a indigência. E a nova lei orgânica não altera esta situação. O processo de comercialização da imagem, hoje um sector decisivo, mantém-se na estrita dependência da tutela, ficando os museus privados dessa fonte de receita. O mesmo sucede com a totalidade da receita mensal proveniente da bilheteira e da loja (o resultado da venda não apenas do merchandising, mas também de catálogos e livros). Ora, retirar a totalidade da receita mensal ao organismo que a gera, independentemente do seu desempenho, é injusto e desmotivante. Confesso que me surpreendeu o facto de se manter a gestão centralizada das lojas, sem que os directores tenham qualquer poder decisório. De resto, discordo também da actual política normalizadora quanto aos produtos. Cada museu deveria apostar num merchandising próprio. Não me interessa nada ter no MNAA réplicas de azulejos do Museu do Azulejo, sobretudo quando não tenho um postal do apostolado de Zurbarán.
Bairrão Oleiro minimizou as reivindicações de autonomia, dizendo que a questão não é consensual, que as queixas são apenas de um ou dois directores. É assim, está praticamente só nas suas reivindicações?
Eu reclamo a autonomia do MNAA porque tenho a responsabilidade de o dirigir e de o defender, e sou de opinião de que alguns museus deveriam ser entregues às autarquias. Compreende-se, portanto, que não seja a totalidade dos directores de museus a reclamar a autonomia; de resto não concordo que os 29 museus fiquem autónomos. Os exemplos internacionais são, neste aspecto, muito claros: em toda a Espanha, por exemplo, só o Prado e o Rainha Sofia são autónomos.
Este ano manifestou a sua indignação pela redução do apoio mecenático que angariou para o MNAA, (que recebeu apenas 360 mil euros do montante atribuído pelo Millennium BCP, em vez dos 500 mil entregues no ano passado). Como é que será essa distribuição no próximo ano?
Não faço a mais pequena ideia.
Também este ano, a falta de vigilantes trouxe à luz a situação de ruptura a que chegaram os museus. Considera que o problema foi devidamente resolvido?
O problema foi resolvido apenas temporariamente, uma vez que, no caso do MNAA, se efectuaram dez contratos de tarefa, por um período de três meses, neste momento em fase de renovação por mais três meses.
E depois volta tudo ao mesmo?
Espero que não!
Além da falta de vigilantes, quais são os principais problemas que o MNAA enfrenta actualmente?
A dotação orçamental é absolutamente deficitária, servindo apenas para fazer face a despesas de manutenção. As verbas para a programação anual, isto é, para actividades que vão das exposições temporárias à conservação e ao restauro ou à frente editorial, foram este ano de apenas 360 mil euros. Esta situação de subfinanciamento, juntamente com o défice no sector da vigilância, coloca-nos, de facto, numa situação particularmente difícil.
Podemos concluir que o MNAA está em crise?
Se falarmos em crise no MNAA, falamos em crise nos museus portugueses.
E podemos falar em crise nos museus portugueses?
Podemos falar em crise nos museus portugueses e podemos dizer que há largos anos vivem nesta situação, com crescente aceleração dos problemas que a geram. Não há como ocultá-lo. Apesar de neste momento decorrerem obras de requalificação estrutural em alguns museus, em Évora ou em Aveiro, por exemplo, tal facto não desculpa a degradação de edifícios, museografias, condições de exposição nos restantes museus, sobretudo no principal museu português.
Quando aceitou o cargo (no final de 2004) estava ciente de todas estas dificuldades, ou foi pior do que o que esperava?
Estava ciente de todas as dificuldades excepto de duas, datadas deste ano. A primeira foi o facto de não ter sido concedido ao museu a totalidade do apoio mecenático. Em pleno processo negocial, fui muito clara quando informei quer o director do IPM quer o mecenas que não aceitava menos de 500 mil euros anuais pelo mecenato exclusivo, justamente porque precisava de uma programação dimensionada à escala do museu e à expectativa dos públicos. A redução do apoio mecenático acordado foi injusta e desmotivante. A segunda dificuldade que me surpreendeu foi a situação de ruptura gerada pela falta de vigilantes. Nunca supus que não fossem tomadas medidas para evitar a situação de encerramento, que há muito se adivinhava com o fim do programa do Mercado Social de Emprego, um programa que servia para resolver, não estruturalmente, mas de ano a ano, a questão da vigilância. Nunca imaginei ter de fechar cerca de 40% do percurso expositivo do MNAA.
Quais considera que foram os seus grandes êxitos à frente do museu?
Penso sobretudo no imenso trabalho que há a realizar. Mas sinto alguma satisfação pelo trabalho diário que tem vindo a ser feito pela equipa, e que nem sequer assume visibilidade, como, por exemplo, a reorganização das reservas, a limpeza das zonas de armazenamento, a formação dos vigilantes na área de relações interpessoais e competência de atendimento, e que fazem com que sinta o museu mais qualificado. Em termos de impacto junto do público, a programação de exposições temporárias parece-me estruturada em critérios que têm tido sucesso: exposições organizadas a partir de colecções próprias, como foi a dos desenhos, ou de uma nova aquisição, como a pintura de Frei Carlos, e uma grande exposição internacional, no ano passado a Colecção Rau, e este ano O Brilho das Imagens, que lamento não ter mais público, porque é uma extraordinária exposição. Como historiadora de arte tenho imenso orgulho em tê-la programado.
Quando exposições desta qualidade não se traduzem num êxito, o que é que falha?
Falha a resolução de problemas estruturais, que são fundamentalmente dois: o actual modelo de gestão e a acessibilidade. Repare, o Prado e o Louvre têm uma clara centralidade no tecido urbano e o acesso garantido através dos mais diversos meios de transporte. O MNAA inscreve-se numa zona privilegiada da cidade do ponto de vista da paisagem, mas tem apenas como meio de acesso o autocarro e não tem estacionamento. Os públicos que aqui vêm são públicos muito esforçados. É evidente que nós, portugueses, não conseguiremos ter os públicos do circuito do turismo internacional que o Prado ou o Louvre têm. Mas também não fazemos nada para tal. Nem para garantir o acesso dos públicos nacionais escolares ao património artístico de referência. Confesso que não compreendo e não me conformo com este desinvestimento nos museus portugueses.
Como se poderia resolver o problema da acessibilidade?
Poderia resolver-se através da ligação desta zona da cidade ao rio e através da requalificação dos edifícios abandonados na zona de Santos. De resto, o arquitecto Souto Moura chegou a idealizar uma passagem pedonal, com elevador, sobre a 24 de Julho, que serviria não apenas o museu mas também o seu envolvente.
E o projecto ficou na gaveta?
Era suposto que a Câmara Municipal de Lisboa assumisse este projecto como uma prioridade. O professor Carmona Rodrigues tinha-me garantido o seu empenho na execução do projecto, e agora terei com certeza oportunidade de apresentá-lo ao novo presidente da Câmara, que espero que esteja receptivo à ideia de eleger como prioritária a resolução desta questão.
Mas mesmo resolvendo-se estes problemas haveria sempre o da falta de hábitos enraizados de fruição cultural em Portugal…
Os portugueses visitam muito pouco os seus museus, é verdade, mas fazem-no no estrangeiro. Os museus terão alguma responsabilidade nisso, mas não tenho qualquer dúvida em considerar que a principal responsabilidade resulta do desinvestimento do Estado. O Estado não pode considerar a Cultura um acessório e não pode deixar os seus museus chegar à situação a que chegaram: uma situação de sub-financiamento, de precariedade total, que evidentemente se reflecte ao nível dos públicos.
Para si qual deve ser o papel dos museus?
Entendo que os museus (de arte), além do entretenimento e do prazer, devem ser assumidos como instrumentos fundamentais de formação estética e histórica. Essa educação é, evidentemente, não formal, mas deve ser um complemento obrigatório à formação obtida nas escolas. Os museus devem considerar não apenas as exposições temporárias, mas também uma programação científica assumida enquanto tal. É fundamental também que saibam comunicar os seus conteúdos aos diversos públicos, que sejam mais assertivos nas programações e definam com muito clareza que tipo de público pretendem atingir.
O espectáculo, a festa, surge cada vez mais como estratégia para levar mais público, sobretudo jovem, aos museus, mas isso não se traduz num interesse real pelas exposições…
Nunca programei uma festa que não tivesse uma clara articulação ao museu e que não procurasse, mais ou menos directamente, funcionar como uma forma de aproximar do museu os públicos que vêm à festa. Por exemplo, este ano, no Dia Internacional dos Museus, a festa mais não foi do que o prolongamento da inauguração de uma exposição de arte contemporânea, assumida como mediadora da arte antiga.
Na programação há uma aposta forte nas colecções internacionais. O acervo do museu não tem capacidade para atrair mais visitantes?
Tem. E posso dar como indicador o livro de sugestões do museu, o feed back do público relativamente à qualidade das colecções e da programação.
Com esta pressão dos números não se está a querer transformar os museus mais em máquinas de produção de eventos que de conhecimento?
Sempre me preocupei com o aumento de públicos em proporção directa com o aumento da qualidade das programações. De resto, a lógica do aumento dos públicos por si só não me interessa nada, ainda por cima quando o museu nem sequer tem o incentivo de poder ficar com a receita proveniente das bilheteiras. Em termos financeiros, o facto de o museu ter um visitante ou ter um milhão de visitantes tem exactamente o mesmo peso. É a lógica perversa que se verifica com as lojas e o merchandising: ter como receita 1 cêntimo ou 1 milhão, significa, no final do mês, para os museus, exactamente a mesma coisa.
O que acha desta ministra da Cultura?
Não vou responder a essa questão, por motivos que são óbvios.
Então pergunto-lhe o que acha da estratégia para a Cultura… Se no panorama actual fazem sentido, por exemplo, iniciativas como a vinda do Hermitage, ou a criação do Museu Mar da Língua Portuguesa…
Enquanto os museus portugueses, e particularmente o grande museu português, o MNAA, enfrentarem problemas como os que enfrentam actualmente, não posso concordar que sejam desviados para outros fins as magras verbas disponíveis no Ministério da Cultura.
Antes de ser conhecida a nova lei orgânica, pôs a hipótese de sair do MNAA no final da comissão de serviço, em Novembro. Agora, perante uma lei que deixa quase tudo na mesma, essa hipótese mantém-se?
Desde que soube que o apoio mecenático não ia ser dado ao museu na totalidade e que as verbas do POC (Programa Operacional de Cultura) iam ser canceladas, procurei encontrar formas de minimizar os efeitos dessas perdas. No que respeita à minha permanência na direcção do MNAA depois de Novembro, a decisão cabe à ministra da Cultura.
Sobre o artigo de Diogo Ramada Curto, agradecendo a atenção crítica que dedicou ao livro JÚLIO POMAR. DEPOIS DO NOVO REALISMO, Guerra & Paz, 2023, depois de já ter participado no respectivo lançamento no Atelier-Museu (o presente artigo, há muito tempo entregue para publicação, inclui o essencial das considerações críticas que então formulara). Esta é a oportunidade para rever o conteúdo e as teses do meu livro, em diálogo com um leitor atento. CRÍTICA DA CRÍTICA sem qualquer intenção polémica, que não há razão para isso, aprofundamento de leituras esclarecendo alguns pormenores que terei deixado pouco claros.
Artigo de Diogo Ramada Curto publicado no Expresso Revista E em 19-04-2024, p.58-59.
<original a negro, anotações a azul >
(1º)
Esta obra escrita por um filho acerca do seu pai não é muito esclarecedora dos aspetos privados da vida de Júlio Pomar. Tão-pouco procura reconstituir a rede de relações em que se inseriu a atividade do artista plástico. Talvez seja descabido julgar o livro pelo que escapou à intenção deliberada do seu autor <1> . Sublinhe-se, ainda, que o mesmo propõe um argumento principal: a produção de Júlio Pomar teve um carácter experimental e heterogéneo que não se encaixa em categorizações simplistas.
Assim, a formulação de Mickhaïl Bakhtine sobre Dostoievski poderá ser-lhe aplicada: “A pluralidade de vozes e consciências independentes e distintas, uma autêntica polifonia de vozes no seu conjunto, constituem o traço fundamental dos (seus) romances.” Quando incide sobre Júlio Pomar, o argumento tem duas consequências: por um lado, torna impossível reduzir a obra de Pomar, dinâmica e polifónica, ao neorrealismo e à sua filiação no Partido Comunista; por outro, a própria categoria do neorrealismo é posta em causa no que respeita à sua filiação comunista e soviética. <2>
A polifonia em 1952-53: painel para restaurante Vera Cruz e Marcha, 1952, e Paisagem (Lisboa), de 1953
Os novos dados biográficos oferecidos por este livro não vão além de algumas cartas de Júlio Pomar para os filhos. Por isso, o contraste é grande em relação à entrevista de vida feita pela jornalista Helena Vaz da Silva, em 1980. Nela, procurou-se saber se as suas mudanças correspondiam às mulheres que tivera como companheiras. Seria ele “permeável, influenciável...” ou, pelo contrário, ser-lhe-iam periféricos “os universos das mulheres”? Em lugar de enfrentar estas questões íntimas, Alexandre Pomar limita-se a uma curta referência acerca das mulheres retratadas pelo pai — Manuela, Graça, Teresa. <3>
<1> Sim, será certamente descabido, e não se tratou de escapar..., as intenções deliberadas foram outras e estão explicitadas na Apresentação do volume, p. 11-14.
<2> Sim, não se fixou num estilo, colectivo ou individual, numa imagem de marca, numa fórmula, depois de ter promovido o neo-realismo durante dez anos, 1945-54; no entanto, em vez de polifonia logo referida no título, a qual supõe uma simultaneidade de meios ou vozes, haverá que falar na diversidade de um percurso no tempo, nas várias mutações de linguagens ou “estilos”; nas fases e nos períodos e ciclos sucessivos. Não é uma obra única, um romance, mas uma longa carreira de oito décadas. Mas poder-se-á certamente falar de polifonia, de sobreposição de camadas ou de vozes, escritas e pintadas, quanto ao último tempo do novo realismo, 1951-54, apontando a simultaneidade de pinturas militantes, trabalhos alimentares e obras pessoais não expostas - exemplificando, a pintura Marcha, painéis para o restaurante Vera Cruz e pequenas paisagens (Azenhas do Mar, Lisboa, todas de 1952) -, bem como os artigos do Comércio do Porto e da revista de Paris Soleil Noir. >
<3> O que é principal no livro, na sua parte inicial, é fazer a marcação do arranque do NR nas artes plásticas no momento do fim da 2ª Guerra e na expectativa da queda do regime, como uma afirmação geracional, afirmadamente moderna, propondo eu o reconhecimento (inédito) de uma Geração de 45, a qual depois se dividiria pouco depois em diferentes práticas ou tendências. A análise daquele arranque contraria a habitual diluição das temáticas sociais NR nos seus precedentes, naturalismos, populismos e miserabilismos, ou humanismos, e a confusão com o NR literário bem como com o realismo socialista soviético, que não foi uma influência, mas uma informação rejeitada. A afirmação dos jovens pintores em 1945 é autónoma e pioneira em relação aos realismos sociais que se afirmariam nos anos seguintes da reconstrução europeia, e ao realismo socialista: oficial chegado de França cerca de 1948. A relação com as Américas marcou a diferença.>
<3> Há seguramente muitos outros dados biográficos... desde logo, para falar só de cartas, no 2º anexo, as em que intervém o coleccionador e amigo Manuel Vinhas, influente por ocasião da partida para Paris em 1963 e responsável por encomendas e por curiosas recomendações já de 1974. O projecto é outro, o lugar do autor é diverso, de investigador e crítico, não de jornalista e amigo. “Os universos das mulheres”: é uma pista tentadora, mas a síntese é redutora e não vem ao caso; não me interessou “enfrentar questões íntimas”, nem fazer uma entrevista de vida.
O quadro de informações afigura-se mais rico ao passar para as relações de Pomar. Um campo vasto formado por colegas (artistas e escritores como Mário Dionísio, Cardoso Pires, etc.), mecenas (Manuel Vinhas, Jorge de Brito e Ilídio Pinho) ou o galerista Manuel de Brito <4>. Por exemplo, entre a adesão ao PCP, em 1945, e a sua prisão por razões políticas, em 1947, o jovem Pomar coordenou uma página artística de “A Tarde”, um jornal vespertino do “Jornal de Notícias”. A seu lado, como colaboradores estiveram Fernando Lanhas e Victor Palla, mais Júlio Resende e Nadir Afonso, estes últimos “menos interessados pela política”. Alexandre Pomar acrescenta outros nomes, como Mário Cesariny, para falar da Geração de 45, de orientações diferentes <5>. No entanto, se a página coordenada por Júlio Pomar manifestava um tom panfletário, em defesa de uma “arte socialmente interveniente”, o jornal tinha uma agenda conservadora.
Se as menções aos mecenas ajudam a pôr em perspetiva as condições em que Pomar trabalhou, a questão do mercado também é posta, com coragem. Trata-se de um desabafo a respeito da exibição das pinturas sobre os índios da Amazónia, envolvendo a Fundação Gulbenkian e o Ministério da Cultura do Brasil, que culmina no reconhecimento da fraca internacionalização do artista plástico: “Mais uma vez nada da mostra institucional entra no mercado brasileiro ou internacional porque tudo é absorvido em Lisboa, ou de Paris para Lisboa, despreocupado e inábil o artista como sempre.” <6>
Alexandre Pomar mostra a sua insatisfação em relação àqueles que reduziram Júlio Pomar ao estatuto de pintor neorrealista, sem procurar compreender a sua evolução. O livro constrói-se em função de um ‘chega-para-lá’ dos saberes impregnados do bafio académico. As farpas são, neste caso, dirigidas a José-Augusto França e à sua “descendência escolar”, representada por Raquel Henriques da Silva, sem esquecer o posicionamento do Museu do Neo-Realismo na mesma simplificação forçada. Na voragem de uma oposição aos saberes académicos, Alexandre Pomar só se esqueceu da tese, mais elaborada, de Luísa Duarte Santos, “Realidade, Consciência e Compromisso Humanista na Arte, 1936-1961” (Caleidoscópio, 2017) <7>.
Ao longo do livro, o autor quer demonstrar o lado dinâmico, experimental, heterogéneo e polifónico de Júlio Pomar. Assim, o próprio neorrealismo, longe de poder ser considerado o produto de uma influência socialista ou soviética, nasceu colado a ideias americanas (com Portinari e Rivera) e, sobretudo, norte-americanas. Depois, há que considerar, desde o início da atividade de Júlio Pomar, a colaboração com artistas conotados com correntes opostas (do surrealismo de Cesariny ao geometrismo de Lanhas). < 8>
<4> Especialmente relevante, acrescente-se, foi a relação editorial e de amizade com Joaquim Vital, em Paris, que abriu espaço para o convívio com autores e críticos parisienses, e para numerosas publicações em livro, e mesmo séries de obras desde os ano 70.
<5> Fernando Lanhas, Júlio Resende e Nadir Afonso colaboraram na página "Arte" com reproduções de obras; também colaboraram com textos Fernando Azevedo, Pedro Oom, Vespeira etc, que à data não tinham “orientações diferentes”. Juntavam-se antigos colegas de Lisboa e os novos colegas do Porto, o que reforça o carácter geracional da movimentação.
<6> mais que desabafo é uma crítica ao mercado galerístico fechado sobre o país, e à despreocupação do artista com a sua promoção - mas nos anos 60 a Galerie Lacloche assegurara uma circulação relevante, e a presença no Louvre a propósito de Ingres em 1972 foi marcante, para além da posterior divulgação da obra de J P assegurada pelas Editions de la Difference, de J. Vital, o qual esteve na origem de séries de pinturas dos anos 80-90 como o Corvo de Poe e a Caça ao Snark de Carroll. Embora tivesse clientes nacionais persistentes, a carreira de J P desenvolve--se em Paris desde 1963, o que não é reflectido por DR.
<7> Essa ‘redução‘ ao NR perdeu rapidamente eficácia crítica logo nos fim dos anos 1950, e passou a ser só a menção de um lugar de partida juvenil. Mais do que "bafio" tratou-se de uma guerrilha nacional que apostava quer na divisão entre neo-realistas e surrealistas, e depois figurativos e abstractos, sempre aplicada na importação de sucessivas vanguardas (eram os alegados “pioneiros” dos vários estilos sucessivos), quer na desconfiança face ao mercado, com que se impunha a tutela da crítica sobre a criação pessoal. Devo dizer que 'esqueci' muita outra literatura; essa tese de extenso sumário de dados e fontes ditas “humanistas” vinha reiterar a tradição escolar. A velha competição entre “humanistas” e “formalistas” foi pouco produtiva. O que mais me interessou está no título “depois do Novo Realismo”.
<8> Sobre o capítulo NR seria essencial referir a minha proposta de uma periodização inédita, seguindo a obra e a escrita de J P: 1. a afirmação militante de 45-47; 2. o “lirismo, complacente, que tende a substituir agressividade dramática das primeiras tentativas”, nos anos de 49 a 51 (a respectiva autocrítica motiva ruptura com Dionísio); 3. o novo vigor interventivo dos anos 51-54, no diferente contexto da Guerra Fria e das campanhas da paz soviética.
(3)
A partir daqui, identificam-se três domínios em que Alexandre Pomar constata a referida heterogeneidade ou polifonia. O primeiro diz respeito à variedade de suportes ou de técnicas com base nos quais o pai efetuou diferentes experiências: fotografia, livros ilustrados, gravura ou tapeçaria — esta última, por solicitação de um arquiteto como Conceição e Silva. O segundo domínio é relativo aos anos Pop, sobre os quais se defende que a breve série de pinturas sobre os Beatles foi a primeira em que o pintor abordou o tema, sem ter estado presente. Corrijo: o mesmo já teria acontecido com “Histórias da Terra Negra” de 1960, livro sobre cultura africana e colonialismo de Castro Soromenho, um dos maiores escritores anticoloniais. Pomar ilustrou-o a meias com a sua companheira, Alice Jorge.
O último domínio foca a relação entre prática artística e escrita, para a qual Alexandre Pomar carreia elementos importantes que se prestam a diversas interpretações. O envolvimento com a escrita terá sido substituído, a partir de 1950, por uma ligação a dois tipos de projetos editoriais. Por um lado, encontra-se um conjunto de obras ilustradas por Pomar, que fazem parte do cânone da literatura ocidental, como “Guerra e Paz”, de Tolstoi (1957), o “Dom Quixote”, de Cervantes (1959-1963), o “Pantagruel”, de Rabelais (1967) ou as xilogravuras para o “Purgatório”, de Dante (1961), publicadas mais tarde. A própria série conhecida pelos tigres, pintada em redor de 1982, é para o filho indissociável da leitura de um conto de Jorge Luis Borges.
Por outro lado, há que ter em conta as obras de autores portugueses que Pomar ilustrou, a começar pelo “Romance de Camilo” (1957), de Aquilino Ribeiro; a referida obra de Castro Soromenho; “Emigrantes”, de Ferreira de Castro (1966); a que se seguiram livros de José Cardoso Pires, Eça de Queirós e outros. Aliciante será imaginar que o envolvimento de Pomar com a literatura corresponde a um apagamento da sua própria prática da escrita. E que, ao mesmo tempo, se teria dado uma cada vez maior aproximação a obras que configuraram uma identidade nacional e europeia — só contrariada pela atenção às populações africanas, como sucedeu no livro de Castro Soromenho; e, nos anos 1980, aos índios da Amazónia, também em luta pelos seus direitos.
Em conclusão, Alexandre Pomar escreveu sobre o pai um livro que, além de ter um argumento forte, põe em causa interpretações anteriores. Ao insistir numa visão dinâmica e polifónica da obra de Júlio Pomar, sugere pistas situadas na contracorrente das visões da crítica e da história de arte, que tendem a reduzir o pintor à categoria de neorrealista, pondo de lado outros aspetos.
De um ponto de vista mais pessoal, só tenho a acrescentar uma nota em relação àquele que é um dos maiores pintores portugueses da segunda metade do século XX. Reconheça-se que a sua grandeza experimental terá alcançado a sua maior consistência na fase dita neorrealista. Para isso, contribuiu uma espécie de convergência entre o muralismo americano e o expressionismo alemão. Porém, foi na técnica pictórica que essa grandeza, primeiro dita neorrealista, se transferiu para outras fases: entre a ilustração, o pop, os tigres, os índios e as colagens.
Enfim, será sempre difícil reduzir Júlio Pomar a qualquer tipo de categorias, quer as do neorrealismo, quer a da polifonia. Tão-pouco a técnica do desenho ou pictórica, em que foi exímio, terá sido por ele submetida a um projeto ideológico. Conforme o próprio pintor escreveu a Menez, em janeiro de 1980: “Como é difícil, céus! Há vezes em que dá cada desalento com a tinta a escorregar sobre os pincéis, tudo viscoso ou papa aguada. Nunca se sabe nada. A recomeçar de cada vez.”
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Em 1955 despede-se do neo-realismo. Não existe declaração formal, apenas uma resposta em entrevista ao Diário de Notícias (1), onde fica dito que o movimento não teve nenhum resultado prático. «De resto – acrescenta – não creio que isso deva preocupar o artista. Quando digo que a pintura tem uma função refiro-me mais à função que ela desempenha como expressão ou libertação de um estado de espírito do que como acção sobre o público».
Na pintura, a viragem manifesta-se em quatro obras (ou cinco, uma desconhecida) que poderão ter surpreendido quem seguira o período de militância renovada que vai de Mulheres na Lota (Nazaré) de 1951 (Salão da Primavera) aos retratos de Maria Lamas (VIII EGAP) e José Cardoso Pires de 1954, cumprindo-se a recomendação comunista-internacionalista do culto das personalidades.
Esse fora o tempo do Ciclo “Arroz” (VII e VIII EGAP) e dos quadros-manifesto Marcha (só exposto em 2021) e Os Carpinteiros (VII EGAP: os controleiros do PC deslocavam-se de bicicleta por razões de segurança conspirativa), com que esconjurava o “desvio lírico” (o lirismo complacente, o maneirismo e formalismo, a renúncia dos objectivos...) do fim da anterior década, condenado no artigo de balanço e reafirmação do neo-realismo que publicou no Comércio do Porto em 1953 (2). Esta crítica motivou a ruptura com Mário Dionísio (3) com quem partilhara desde início a condução do movimento, juntando-se a fulgurante energia juvenil ao prestígio do crítico literário e militante do PC dez anos mais velho. Dionísio afasta-se das Gerais nesse ano, e da SNBA, por recusa da alegada cumplicidade com o SNI por ocasião da 2ª Bienal de São Paulo, e desliga-se do partido, discordando do sectarismo que condenava a revista Ler, edição da Europa-América, onde os Lyon de Castro e Piteira Santos trocavam Estaline por Tito e por Browder.
Em simultâneo, foram também anos de indispensáveis produções decorativas (encomenda para o Restaurante Vera Cruz, 1952; vitrais para a igreja da Pontinha, de Victor Palla e Bento de Almeida instalados em 1954), mas era igualmente a ocasião fugaz de ensaios privados, pequenas paisagens de férias nas Azenhas do Mar e vistas da Ericeira (Barcos nº 94) e de Lisboa (?), onde mais se aproximou de desvios surrealistas, com árvores vermelhas orgânicas (CR I nº 93). As muito pequenas paisagens das Azenhas eram vistas abstractas de rochedos em close-up, de construção vigorosa e áspera. Pinturas não mostradas todas elas, enquanto num texto francês, “O assunto não é o conteúdo”, tradução se afirmava independente de todos os papas (4). Parece haver diferentes identidades sobrepostas numa prática que se questiona. Diferentes vozes no tempo neo-realista, na polifonia sugerida por Diogo Ramada Curto (5), mas só nesse tempo.
Será significativo que dois dos quatro quadros de viragem - O Baile e Rua de Lisboa, 1955 e 56 - tenham sido expostos na terceira das colectivas da Galeria Pórtico (1955-57), dinamizada por uma nova geração ou promoção de artistas surgidos na ESBAL e de próxima partida para o estrangeiro. Iam publicando irregularmente a revista escolar Ver (1953-57, de início organizada por António Lopes Alves, René Bertholo e Sebastião Fonseca) e viriam a editar em Paris a KWY (de 1958 a 1964). Além do singular Catatuas, certamente nunca exposto, conhece-se Circo (1º Salão dos Artistas de Hoje), e desconhece-se o chamado Quarto andar (não localizado nem fotografado, apresentado na 2ª Exposição de Pintura Moderna, em Luanda, dinamizada por Manuel Vinhas e Cruzeiro Seixas). Todos eles são cenas ou vistas urbanas, burguesas, não proletárias. Não parece ter havido testemunho crítico do que se veria com surpresa.
Com a estranha melancolia de O Baile e Circo, duas festas tristes, despede-se o artista desses anos mais aguerridos e também opressivos. Viaja então com mais assiduidade, até Paris (56, de carro com o amigo de sempre Manuel Torres, pelas Astúrias, Altamira, Chartres, etc) e pela Itália (58 e 60, Bienal de Veneza), depois de ter visitado Madrid em 50 (“A romagem ao Prado e Santo António de La Florida. Contacto ao vivo com Goya, e depois Columbano, duplo encontro...” - Nota 6) e Paris em 51, de onde trouxera os pincéis japoneses com que passará a desenhar. (7)
Dez anos depois da afirmação geracional do pós-guerra, o meio da arte voltava a mudar. As Exposições Gerais chegavam ao fim com a 10ª edição, já retrospectiva, de Junho 1956, precedida em fevereiro pelo Salão dos Artistas de Hoje, o qual é antecedente da primeira exposição Gulbenkian de dezembro 1957, ainda na SNBA, havendo perspectivas de bolsas desde 56. A criação da cooperativa Gravura também em 1956 é outro pólo com efeitos de mercado e de convivência de correntes.
O Movimento de Renovação da Arte Religiosa tinha sido fundado em 1952. José-Augusto França conduzira a Galeria de Março de Março de 1952 a 1954, onde lançou o Prémio da Jovem Pintura e a colectiva Pintores Portugueses Contemporâneos, ambos em 1953, mas que encerrou por falta de compradores. Vale a pena registar que Bértholo comparece na EGAP de 1953 convidado por Pomar e no Salão de Arte Abstracta da Galeria de Março em 1954 a convite de JAF. Era um dos elementos mais activos da nova conjuntura, em torno da ESBAL, da Ver e da Pórtico, com José Escada, Costa Pinheiro, Lourdes de Castro. O impacto público destas aparições ficou assinalado pela reportagem de capa do Século Ilustrado (6 Abril 1957) com Lourdes de Castro e intitulada «Os jovens pintores sem bênção».
À exposição da Gulbenkian leva Maria da Fonte, vinda das ilustrações para a vida de Camilo, que tornava bem visível a nova caminhada (é uma nova Marcha, a 3ª, vontade de pintura de história), mas também foi vista como obra culminante do neo-realismo. Mostrou também desenhos, as primeiras etreintes, teriam longa continuidade - e foi premiado por gravuras. Pelo meio tinham ficado várias obras indecisisas, incluindo paisagens vistas a partir da casa da Rua da Alegria e continuidades do neo-realismo anterior.
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Tags: critica de arte, José Luís Porfirio, SNBA
Diálogo
1: “Mas as fotografias como fotografias, são interessantes?”
2, fotógrafo (profissional): "interesse antropológico e sociológico . Foram feitas com esse fim e para acompanhar narrativas literárias e sociais. Não era a fotografia intrinsecamente em si própria que estava em causa.”
3. (eu) resposta a 1: há alguns que dizem q não..., mas muito por lógica corporativa - porque M.L. não era nem foi fotógrafa de carreira (embora se tenha declarado fotógrafa quando realizou as fotografias do Livro), mas os espontâneos (ou os desconhecidos e anónimos, amadores e outsiders, e os praticantes da fotografia funcional, prática, com finalidade...) podem ser mais interessantes que os profissionais e os que - se - expõem como artistas). E também por desconhecimento, por desvalorizaram a longa tradição da fotografia descritiva e documental, e em especial a lição do grande Walker Evans (querem efeitos de luz, manobras pictóricas, artifícios, anedota, habilidades, facilidades...). E, já agora, por ignorância militante: o Jorge Calado ensina há muitos anos, podemos dizer que tem autoridade.
3, resposta a 2: a “fotografia intrinsecamente em si própria “ não existe (isso é um equívoco conceptual: não existe fotografia "intrínseca" nem há essência da fotografia, não há um modelo...). A frase é, digamos, intrinsecamente imprópria, não tem fundamento.
A fotografia de ML tem indubitável interesse, importância e qualidade fotográfica, estética - é uma das grandes aventuras da fotografia portuguesa e não só, embora breve. Lembre-se, no passado, a tradição de Atget, Sander, Evans e outros q praticaram a fotografia descritiva.
A animosidade e desvalorização ou o desentendimento são restos do Salonismo da “Arte Fotográfica” (que hoje persiste de outros modos na fotografia das galerias e museus, no quadro fotográfico, etc) que impedem apreciar a fotografia de ML. Falta-lhe “vontade de arte”? Não é defeito: de ambição de arte está cheio o inferno da fotografia.
Parte decisiva da história da fotografia fez-se e faz-se sem intenção de fazer arte, suspendendo a vontade de arte ou contra ela.
Mais: a fotografia no livro não existe só a "acompanhar narrativas literárias e sociais", não está lá a ilustrar. É peça essencial da reportagem ou inquérito: descreve, documenta, informa, revela, e é acompanhada sempre por longas legendas, como na tradição da fotografia documental e jornalística. O que se pode talvez chamar intensidade da visão pode ser reconhecido e justificado
(adaptado do Facebook)
Na comunicação q fiz na FG ocupei-me, entre outras coisas, da longa invisibilidade que caiu sobre a fotografia de Maria Lamas, que por exemplo a história de António Sena (1998) não refere (!), e da animosidade que foi expressa em diferentes circunstâncias por, por exemplo, Manuel Villaverde Cabral, Margarida Medeiros e já recentemente Marc Lenot no seu blog Lunettes Rouges.
ADENDA sobre arte e não arte: A ambição ou intenção de (fazer) arte é habitual ou "natural" (característica ou intrínseca?) aos artistas, ou a quem como tal quer ser considerado. Também ocorre (sempre...) com os criadores populares, com certos artesãos, com os amadores, artistas de domingo, espontâneos e/ou singulares, outsiders ou doentes que se expressam por meios artísticos. Igualmente acontece que artistas desejem fazer anti-arte, a qual porém continua a ser vista e aceite e vendida como arte.
Pior ou melhor, mal ou bem, com sucesso ou sem ele (crítico ou económico) todos produzem arte, peças de arte - porque reconhecer alguma coisa como arte (JÁ...) não assegura nem garante interesse ou qualidade estética (é uma designação genérica sem garantias de valor...).
O caso da fotografia é diferente porque nem tudo o que os fotógrafos fazem se candidata à condição de arte ou tem essa intenção e destino, ou como tal se considera... Pode haver ou não intenção de arte, e acontece com frequência que o que não tem a ambição de ser arte (como alguma ilustração, algum retrato corrente, algum documento, alguma foto-reportagem, etc) vem a ser reconhecido como arte. Porque se lhe reconhecem e atribuem qualidades estéticas (também se reconhecem qualidades estéticas nos corpos e nas paisagens ou vistas... um belo pôr do sol...). O mesmo acontece com objecto artesanais, funcionais ou rituais que são (eventualmente) escolhidos para passarem a ser peças de colecção e exposição, peças de museu. Despertam a atenção e motivam uma apreciação, um gosto ou desgosto que é válido como tal, mas que convém que se torne informado e que seja argumentado (os gostos discutem-se...). Por outro lado, muito do que é feito com intenção de arte cai no esquecimento, imediato ou ulterior, porque a memória é selectiva e nem tudo passa o crivo da argumentação - mergulham no inferno das (boas) intenções.
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Tags: MARIA LAMAS, Mulheres do Meu País
Encontrei no Diário do Governo de 1949 (6 julho, III Série), o registo da sociedade comercial Actualis Lda, criada a 28 de Novembro de 1947 para publicar As Mulheres do Meu País - julgo que nunca tinha sido divulgado.
Era uma maneira de contornar a vigilância do regime: “O seu objecto é o comércio de comissões, consignações e conta própria ou qualquer outro que os sócios resolvam explorar e que não depende de autorização especial.”
(Não se tratava da criação de uma editora, que estaria sujeita a autorizações...)
E Maria Lamas entra na empresa com uma quota realizada de 100 escudos (1/10 de dez mil escudos), enquanto o sócio Manuel Fróis de Figueiredo e a filha Orquídia Lança Fróis de Figueiredo avançavam com 5 mil cada. Ficava obrigada a realizar os restantes 90% no prazo de 5 anos: desempregada do Século, os recursos eram mínimos.... A editora funcionou até 1950 (último fascículo a 15 de Abril); a revista "As Quatro Estações", de 1949 terminou antes de publicar o número "Inverno".
Manuel Fróis de Figueiredo tinha sido tesoureiro, administrador?, do jornal a Batalha, e era amigo do também anarquista Ferreira de Castro. É às vezes referido como "industrial do papel". Foi também em 1939 um dos refundadores da editora Cosmos, com Manuel Rodrigues de Oliveira, que também estivera no Século nos anos 20, e veio em 1936 da prisão de Angra. É Figueiredo que faz o convite a Bento Caraça para criar e dirigir a Biblioteca Cosmos, que teria sido sugerida por Bento Gonçalves ( foi publicada entre 1941 e 48).
Isto está tudo ligado, com anarco-sindicalistas e comunistas, ou percursos pessoais que se lhes associam por estarem fora do regime. Os irmãos Lyon de Castro eram titistas (do marechal Tito da Jugoslávia), já em oposição à Internacional soviética. São ligações políticas clandestinas que contam para as futuras invisibilidades
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Tags: Actualis, Cosmos, Manuel Fróis de Figueiredo, Manuel Rodrigues de Oliveira, Maria Lamas, Mulheres do Meu País
Posted at 23:22 in 2024, arte popular, Outsider, Porto | Permalink | Comments (0)
Bragança
Posted at 23:18 in 2024, arte popular, Outsider | Permalink | Comments (0)
GERAL
"Dictionnaire historique et critique du racisme", dir. Pierre-André Taguieff, PUF (col. Quadrige) 2013
"De la Postcolonie. Essai sur l'imagination politique dans l'Afrique contemporaine", Achille Mbembe, ed Karthala Paris 2000, 2ª ed.
"Zoos humains. Au temps des exhibitions humaines", Nicolas Bancel, Pascal Blanchar et alia, La Découverte, Paris 2004 (2002)
"Zoos humanos, ethnic freaks y exhibiciones etnológicas / una aproximación desde la antropologia, la estética y la creación artística cotemporánea", Hasan G. López Sanz, ed. Concreta, Valência 2017. (http://www.editorialconcreta.org/Zoos-humanos-ethnic-freaks-y)
"Des empires en carton. Les expositions coloniales au Portugal et en Italie (1918-1940), Nadia Vargaftic, Casa de Velásquez, Madrid 2016. (tb Benguela 1935 e 37, Luanda 38. Bibliografia)
"L'Afrique des routes. Histoire de la circulation des hommes, des richesses et des idées à travers le continent africain", Musée du Quai Branly / Actes Sud, Paris 2017, sous la direction de Catherine Coquery-Vidrovitch, comissaire Gaelle Beaujean. (Maria Filomena Guerra CNRS, Conceição Borges de Sousa MNAA, António de Almeida Mendes U. Nantes, Maciel Morais Santos U. Porto) (L'art populaire, Bogumil Jewsiewicki)
"O mundo que o português criou", Gilberto Freyre 1940 (2ª ed.). "Aspectos das relações sociais e de cultura do Brasil com Portugal e as colónias portuguesas", Prefácio de António Sérgio, 19 pp. Conferências lidas em 1937. "Appensos": trechos de Maria Archer, João de Barros, José Osório de Oliveira, Manuel Múrias, Vitorino Nemésio, Robert C. Smith Jr. Há edições Livros do Brasil em 1940 e 1957, não sei se iguais.
ARTE, MUSEUS
"Shrines of Wonders. A survey of ethnological and folk art museums in Central Africa", Leon Kochnitzky, Clark & Fritts, NY 1952 (ANGOLA p. 40 The tradition of the late renaissance in Luanda, p. 46 What the diamond seekers found in Dundo -.fotos)
"El arte negro - como expression humana y como valor cultural", José Osório de Oliveira, ed Indice, Madrid, 1956. (Prólogo de Luis Trabazo. dedicatória a Ernesto e Júlio de Vilhena. Fotos de escultuyras Quiocas)
"Mama Watta. La peinture populaire au Congo", Bogumil Jewsiewicki, Gallimard - Le temps des images, 2003. <Mabooki - livros e mais, R. Joao Pereira da Rosa 8: exp. Pintura urbana do Congo, colecção particular de Bogumil Jewsiewicki, 1-30 outubro 2004. Com catálogo / folheto da livraria NOTA*1 e 2>
ANGOLA
"Pays et peuples d'Angola. Études, souvenir et photos" - de la deuxième mission scientifique suisse en Angola avec 23 dessins a la plume de Th. Delachaux dans le texte 80 reproductions photographiques en héliogravure et une carte du sud de l'Angola en hors-texte par Théodore Delachaux et Charles-E. Thiebaud. Editions Victor Attinger, Neuchatep-Paris , 1934. (p.50 Dans la Lunda)
"Negros", Pe. Carlos Estermann e Elmano da Cunha e Costa (prefácio de Ramada Curto, capa de Júlio de Sousa), Liv. Bertrand: Depositária, s.d. 1941. Fotografias de Elmano da Cunha e Costa
"L'Angola postcolonial, 1. Guerre et paix sans démocratisation / II. Sociologie politique d'une oléocratie", Christine Messiant, ed. Karthala, Paris, 2008
AUTORES
Nicolas Bancel, Pascal Blanchar et alia, Zoos
Augusto Casimiro, Angola
Elmano da Cunha e Costa e Pe. Carlos Estermann, Angola 1941, fotografia
Théodore Delachaux et Charles-E. Thiebaud, Angola 1934, fotografia
Pe. Carlos Estermann e Elmano da Cunha e Costa, Angola 1941
Bogumil Jewsiewicki, arte popular (art.) 2017
Leon Kochnitzky, museus africanos, Angola 1952
Achille Mbembe, África
Christine Messiant, Angola
José Osório de Oliveira, arte 1956
Julião Quintinha, novela
Hasan G. López Sanz, zoos
Gastão Souza Dias, Angola
Castro Soromenho, Angola, ficção
Pierre-André Taguieff, colonialismo dicionario
Nadia Vargaftic, exposições coloniais, 2016
NOTAS
*1 Mabooki: https://www.jn.pt/arquivo/2005/uma-noite-de-convivio-a-volta-de-las-e-agulhas-489505.html/amp/ ... Paulo Kussy 2004: https://fundacaoplmj.com/index.php?mod=artistas&id=65 ... Luisa Queirós, CV, “História das Ilhas” 2005 ... 18h30 A Escrita de José Luandino Vieira. Encontro com Ondjaki, António Tomás, Luís Carlos Patraquim e Richard Zenith
*2: "Começar do princípio" (Expresso? blog?) // Nota Expresso 04-10-09 Chéri Samba, que se impôs como uma vedeta do circuito internacional, não está representado, mas a mostra permite situá-lo no contexto de uma moderna tradição congolesa de pintura popular sobre tela (ou sacos de farinha), onde se comentam, com maior ou menor conteúdo imaginário ou moralizador, o quotidiano e as realidades políticas e sociais de hoje. Parte da mostra é dedicada a pinturas que evocam a memória de Lumumba. É uma produção que conta com um mercado próprio, local e internacional, da autoria de artistas de rua ou com aprendizagem académica, em trânsito da pintura de tabuletas e outros painéis comerciais. As obras pertencem à colecção de Bogumil Jewsiewicki, professor de história comparada da memória no Québec, autor de Mami Waata, La Peinture Urbaine au Congo, ed. Gallimard, 2003, uma muito interessante abordagem a esta área original da arte africana. É também a ocasião de conhecer uma nova livraria dedicada a temas africanos, na R. João Pereira Rosa, 8, ao Conservatório. IN: Circulações africanas por Lisboa 12-04-16 https://alexandrepomar.typepad.com/alexandre_pomar/2012/04/multiculturais.html.
Posted at 13:37 in 2024, Africa, Angola, Arte Africa, bibliografia, biblioteca, comeres, Museus | Permalink | Comments (0)
"OS COMERES DOS GANHÕES", Aníbal Falcato Alves, prefácios de António Borges Coelho e Helder Pacheco, fotografias de Aníbal Falcato Alves e Guilherme Carmelo, direcção gráfica de Armando Alves; Campo das Letras, Porto, 1994, 2ª ed. 1995.
"À mesa do Tejo. Guia dos comeres do Ribatejo", Marília Abel e Carlos Consiglieri, Prefácio de Domingos Lobo, ed. Garrido artes gráficas, Alpiarça, 2000.
"Cozinha saloia. Hábitos e práticas alimentares do termo de Lisboa", Manuel Paquete, Colares Edit. Sintra, 2002?
"A divina lampreia", Mário Varela Soares. Pref. Paulino Mota Tavares, Colares Edit. Sintra, 2001?
"O que se leva desta vida... Selecção de cozinhados tradicionais de Portalegre e do sul de Portugal com alguns empréstimos de além-fronteiras", Domingos Bucho, ed. Cooking Stories, Lisboa, 2022
Aníbal Falcato Alves, Alentejo, 1994
Marília Abel e Carlos Consiglieri, Tejo, 2000
Domingos Bucho, Alentejo, Portalegre, 2022
Manuel Paquete, Lisboa saloia, 2002
Mário Varela Soares, Lampreia, 2002?
Posted at 01:25 in 2024, bibliografia, biblioteca, comeres | Permalink | Comments (0)
O decano dos fotornalistas, Eduardo Gageiro, numa aproximação ao seu acervo, com alguma intervenção de um olhar exterior (Sérgio B. Gomes) : durante décadas as abordagens ao seu trabalho foram prejudicadas pelo próprio em exposições e edições dependentes das suas escolhas, e onde as recomendações (apresentações e prefácios) de escritores, em livros quase anuais, serviam só outras atenções/intenções e o mercado.
Depois do gosto concursista veio uma ingénua incapacidade de escolha, que ainda permanece. Há o talento de um fotojornalista dedicado e militante, atento, e há aqui também documentos históricos, encontros casuais ou procurados, perseguidos, e fotos que nada acrescentam. Os retratos, encenados uns e ocasionais outros, formam uma galeria representativa do fotógrafo, da sua / nossa sociedade, da sua capacidade de se fazer acreditar, e do gosto ou personalidade dos retratados, mas não são uma escola (escolha) de retrato, mesmo que assentes na dedicação e na simpatia. Faltará uma edição crítica, tal como se faz com obras literárias e musicais, mesmo que a aparente ausência de provas de época e press prints (mas há fotos impressas em orgãos de CS e livros) complique a tarefa. Reimprimir e ampliar é só uma via de aproximação, não a mais necessária.
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Sei das dificuldade de contacto / de trabalho com o G, mas a minha opinião radical é q não se devem fazer exp assim. É uma exp de posters. Uma homenagem datada. Sei q não há provas de época ou estão mt estragadas (mas mostrem-se algumas), mas haverá press prints e recortes de imprensa, páginas de livros, documentos. Reimprimir em digital e em grande é uma comodidade, mas é para usar e esquecer.
A fotografia pode ser "reciclada" em livro em exposição ou em projecção (há artistas ditos plásticos a viver disso), ela amplia-se à maneira conforme o espaço, sem se tratar de produzir novas provas de autor (como faz o JMR que produz novas provas de época e autor indisciplinadas, e não cuida do mercado e do nº de exemplares; já o Lemos prestou-se às reimpressões discutíveis, aos inéditos dispensáveis). Mas interessava ver/saber o que foi enviado a concursos, onde e como (Barreiro desde os anos 50, etc), o que saiu na CS, em capas de revistas, livros e discos - e como saiu, o que foi exposto ao longo do tempo... O que foi sendo reproduzido e reenquadrado. Uma fotografia é o tempo gravado, e tem de ser também o seu tempo. Ou é um registo, na melhor das hipóteses, ou uma reedição sem maneiras.
G tem uma relação naif (ingénua) com a fotografia, talentosa e esforçada, militou na imprensa, procurou apoios políticos e literários (os escritores pelam-ser por prefácios em álbuns, aí ganham o seu, fazem cumplicidadese alargam a roda mundana - todos serviram o G ou ele serviu-se de todos, e prova-se que a fotografia é por cá um terreno de ignorâncias e facilidades), mas era preciso esquadrinhar tudo isso. É difícil a fotografia ganhar posição e solidez em Portugal se vale tudo: a "história" canónica (?), a única, foi sectária, e o interesse recente é trapalhão. Mas sei que o G gosta assim e o Sergio B. Gomes não poderia fazer de outro modo, muito pacientemente, ou não fazia.
Na Cordoaria, produção EGEAC, Galerias Municipais.
Posted at 22:32 in 2024, Exposições, Fotografia portuguesa, Fotografos | Permalink | Comments (0)
Posted at 00:45 in 2024, bibliografia, biblioteca, Fotografia africana, Fotografia portuguesa | Permalink | Comments (0)
Quando abriu a Giefarte, vinda da Quadrum da Dulce D’Agro, modesta aprendiz, apostou em pôr um anúncio em roda-pé no Cartaz do Expresso, e eu procurava colocá-lo nas páginas do roteiro crítico de exposições (podiam ser várias páginas nos anos 80/90). Disse-me mais tarde que era um sacrifício financeiro difícil mas que compensou, até pelos contactos internacionais que recebia. O marido coleccionava cerâmica oriental e outras coisas antigas (é um excelente acervo na Fundação ), eram ambições diferentes, ele grande proprietário e ela decidida a ter voz e recursos próprios. Na Giefarte das últimas décadas queria apoiar artistas jovens e mais velhos q não vendiam.
A sede da Fundação teve em anos recentes uma programação condicionada por colaboradores em que confiava, com exposições de artistas com maiores ou menores méritos e cumplicidades dispensáveis, que deixava seguir e a envolveram. Ficam muitos grandes livros em armazém: lembro-me que não pude recusar um enorme volume sobre uma casa temporária da Lourdes Castro na Madeira, que ficou muitos meses no chão do carro e acabei por conseguir destinar. Os mecenas são por vezes assim, talvez ingénuos, com amores sinceros e rodas de cortesãos. Mas impressionava vê-la nas inaugurações (ia a muitas e eu não) já muito debilitada mas resistindo à idade. Era uma dedicada sobrevivente, e insistia sempre q eu devia continuar (ou voltar) a escrever - eu ia respondendo que escrevia no Facebook e no blog, só às vezes, de zangas e entusiasmos. Parecia sincera mas eu estava noutra e não entrava na roda que a envolveu - nunca fui nem fui convidado para os almoços e jantares semanais em hotéis que a faziam pagar, e de que só há pouco soube.. Num último grande jantar de homenagem e aniversário não me confirmaram a inscrição com explicações esfarrapadas. Não sei se chegou a ser informada que eu tinha proposto uma exp que me parecia fazer falta. Cercavam-na.
Também impressiona, e tudo está ligado, a fragilidade do mercado de arte nacional, vítima de acasos estimáveis, redes perversas e aventuras inconsequentes que desabam sem remédio. A descridibilizacao do circuito é cada vez mais evidente. Fica em aberto o destino da colecção, mais irregular do que podia acreditar, agora em exposição no MAAT e na sua Fundação Carmona, e outras iniciativas chegarão ao fim com a estimável Maria da Graça. Lançara o BAC, que a CML apoia, para guardar memórias de artistas.
Posted at 00:30 in 2024 | Permalink | Comments (0)
Maria da Graça Carmona e Costa (1933-2024)
Quando abriu a Giefarte, vinda da Quadrum da Dulce D’Agro, modesta aprendiz, apostou em pôr um anúncio em roda-pé no Cartaz do Expresso, e eu procurava colocá-lo nas páginas do roteiro crítico de exposições (podiam ser várias páginas nos anos 80/90). Disse-me mais tarde que era um sacrifício financeiro difícil mas que compensou, até pelos contactos internacionais que recebia. O marido coleccionava cerâmica oriental e outras coisas antigas (é um excelente acervo na Fundação), eram ambições diferentes, ele grande proprietário e ela decidida a ter voz e meios próprios.
Na Giefarte queria apoiar artistas jovens e mais velhos q não vendiam. A sede da Fundação teve em anos recentes uma programação condicionada por colaboradores em que confiava, com exposições de artistas com maiores ou menores méritos e cumplicidades dispensáveis que deixava seguir e a envolveram (refiro-me ao Manuel Costa Cabral, repetido comissário). Ficam muitos grandes livros em armazém: lembro-me que não pude recusar um enorme livro sobre uma casa temporária da Lourdes Castro na Madeira, que ficou muitos meses no chão do carro e acabei por conseguir destinar. Os mecenas são muitas vezes assim, com amores sinceros e rodas de cortesãos. Mas impressionava vê-la nas inaugurações (ia a muitas e eu não) já muito debilitada mas resistindo à idade, sempre com uma generosa simpatia. Era uma dedicada sobrevivente, e insistia sempre que falávamos q eu devia continuar a escrever. Parecia sincera mas eu estava noutra e não entrava na roda que a envolveu - nunca fui nem fui convidado para os almoços e jantares semanais em hotéis que a faziam (e que apreciava) pagar, e de que só há pouco soube..
Não sei se chegou a ser informada que eu tinha proposto uma exp que me parecia fazer falta: seria uma antologia de desenho do Júlio Pomar, que nunca se fez e teria de ocupar a Fundação CeC e o Atelier-Museu (continua por fazer). Cercavam-na. Também impressiona, e tudo está ligado, a fragilidade do mercado de arte nacional, vítima de acasos estimáveis, redes perversas e aventuras inconsequentes que desabam sem remédio. A descredibilização do circuito é evidente. Fica em aberto o destino da colecção, mais irregular do que podia acreditar, agora em exposição no MAAT e na sua Fundação, e outras iniciativas chegarão ao fim com a estimável Maria da Graça. 23.01.24
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Inscrevi-me num recente jantar de homenagem ou aniversário (os 90 anos?), foi confirmado, depois houve alguma alteração de local ou data e não me avisaram. Fiquei de fora com explicações improváveis da simpática Dinorah. Não gostei. Admirava a senhora e tinha obrigação e vontade de lá estar. Não me quiseram lá, parece. Fica dito.
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Bissauians in China - Guineenses na China José João Silva
http://www.maga-atelier.com/?portfolio=bissauians-in-china-jose-joao-silva-2012
Direcção de arte: José João Silva e Patrícia Guerreiro;
Diário: Patrícia Guerreiro;
Design: Carlos Guerreiro/MAGA-Atelier.com.
2011. 25x19 cm, 199 Págs. Brochura com sobrecapa. Bilíngue Inglês-Português. Impressão M2
ISBN 978-989-97026-1-5
Ed. indicada para a distribuição no Brasil: Efeitos Secundários 2011.
SUMÁRIO:
Bissauians in China - Guineenses na China / Props Adereços / Diary Diário / Team Equipa / Letter Cart
"Todas as fotos tiradas em Guangzhou/China, 2011 2": escreve-se no frontespício
ou :
"José João Silva viajou para a Guiné-Bissau na África Ocidental para explorar e questionar os limites da verdade e da objetividade, do colonialismo e do intercâmbio intercultural, e da arte e do jornalismo. Guineenses na China está dividido em duas partes - A primeira parte mostra uma coleção de 55 fotografias encenadas e acompanhadas por legendas fictícias. A segunda parte explica o processo de produção com fotos de adereços e da equipa, incluindo um diário e uma carta que analisam e refletem sobre Bissau." (BR)
Bibliogr.: Folha de São Paulo, 03/02/2013 (Daigo Oliva) "Fotos criam narrativas ficcionais de imigrantes africanos na China" (não acessivel)
O mais ignorado dos fotolivros e um dos mais inventivos: É um surpreendente e desconhecido fotolivro, ficcional, original ou insólito ou inesperado, divertido e conceptualmente inventivo. De conteúdo diverso, está lá a fotografia documental ou de viagem, que de facto é encenada, estão os adereços e a equipa no terreno, um diário sobre o projecto (Patrícia Guerreiro) e uma carta (Raquel Monteiro , que vive na G-B). O overdesign justifica-se aqui como mais um elemento de humor e surpresa, é de facto um elemento forte na construção de um objecto singular... E não conheço nenhum outro trabalho de José João Silva; não sei quem é.
https://africainthephotobook.com/2018/09/25/bissauians-in-china-2011/
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Desconheço qualquer notícia do livro em Portugal, mas ele foi também lançado nos EUA e no Japão, segundo informação da Folha de São Paulo:
“A melhor maneira de entender "Bissauians in China", livro do fotógrafo português José João Silva, 40, é começar pela mentira. Entre março e agosto de 2011, ele retratou a vida de dezenas de homens e mulheres de Guiné-Bissau, sem distinção social, vivendo na periferia ou imersos na vida cultural de Guangzhou, na China. Concebido para ser apreciado como um registro documental da vida desses imigrantes, "Bissauians in China" é, na verdade, uma narrativa de ficção. Os personagens fotografados "atuam" como se estivessem em território chinês. Durante quatro meses, João Silva e Patrícia Guerreiro, diretora de arte, trabalharam na pré-produção da obra, construindo personagens e coletando objetos em Lisboa que pudessem ser aplicados nos habitantes locais.
"Todos aceitaram facilmente a ideia, por mais absurda que fosse. Se fizesse o mesmo em Lisboa, perderia muito tempo respondendo o porquê daquilo tudo. O porquê foi uma questão que não existiu lá", diz o fotógrafo, que conseguiu colocar em prática todo o projeto em apenas dez dias na África.
Organizado como fichas de testes de atores e flertando com a realidade, as fotos divertem pela insanidade das descrições propostas pelo autor. Há Tânia Pereira, uma cantora que atingiu o sucesso em 2010 interpretando músicas de Sade na China. Ou Pu Cau, diretor chinês que atualmente trabalha numa releitura de "Blade Runner”. E, ainda, Clara Nidji, futura aluna de uma escola de enfermagem, clicada em frente a um prédio com gigantescos caracteres chineses.
Muitas obras em Guiné-Bissau foram construídas por empreiteiras chinesas, o que facilitou o trabalho de ambientação dos registros, já que marcas e inscrições orientais ficaram pelos edifícios depois de inaugurados. Para compensar lacunas cenográficas, os elementos levados pelos artistas davam conta do recado. "Existe um retrato em que uma menina usa uma camiseta com um ideograma chinês, que significa 'mentira'", diverte-se o fotógrafo. É uma brincadeira sofisticada.
Todos os objetos produzidos também estão registrados no livro, que ainda acompanha um diário do projeto e um texto de Raquel Monteiro, portuguesa que vive em Guiné-Bissau há três anos e relata sua adaptação ao país.
(...) Combinando aspectos verossímeis e outros irreais, a obra cria um interessante jogo de cena na cabeça do leitor, onde a realidade nem sempre é formada pela verdade, e as histórias mentirosas carregam grande carga de veracidade.”
03/02/201 3, Daigo Oliva: "Fotos criam narrativas ficcionais de imigrantes africanos na China” (transcrição não autorizada)
GQ OnlineFotógrafo português José João Silva registra o cotidiano desconhecido de Guiné-Bissau / O livro "Guineenses na China" será lançado nas livrarias Cultura de São Paulo e Rio de Janeiro nos dias 29 e 31 de janeiro respectivamente"
"A inquietação e o impulso de explorar uma Guiné-Bissau para além dos noticiários de guerra e drogas, levou o fotógrafo português José João Silva a viajar até o país africano e questionar os limites da verdade e da objetividade, da arte e do jornalismo. "Nas últimas décadas, as notícias de Guiné-Bissau que chegam a nós na Europa ou nas Américas são quase que exclusivamente sobre guerra e drogas. Mas existe muito mais e o que me despertou a curiosidade foi a forte presença da cultura chinesa no país", diz o fotógrafo sobre Guineenses na China (Ed. Efeitos) - lançamento no dia 29/01 na Livraria Cultura de São Paulo e 31/01 na Livraria Cultura do Rio de Janeiro-, livro que reúne as imagens de seu olhar sobre essa Republica que só declarou independência em 1973. Dividido em duas partes, o livro mostra, na primeira seção, uma coleção de 55 fotografias encenadas e acompanhadas por legendas fictícias. "Eu pedi às pessoas para fingirem que estavam na China. A verdade está nas pessoas, nas roupas, nos sets, aquilo tudo que existe lá… E a capa é a única fotografia que é fotojornalismo puro. Era realmente uma menina, tinha uns 14 anos e estava a andar no meio da selva sozinha, com um balde amarelo na cabeça". Na segunda parte, João Silva explica o processo de produção com fotos de adereços e da equipe, incluindo um diário e uma carta que analisam e refletem sobre o espírito divertido e culturalmente rico da paisagem social de Bissau."
BN: B.A. 35195 V.
BIBLIOTECA NACIONAL DE PORTUGAL | B.A. 35195 V. |
SILVA, José João: Biassauians in China = Guineenses na China / José João Silva ; dir. de arte e diário Patrícia Guerreiro ; c. Raquel Monteiro ; trad. Carla Robertson ; design Carlos Guerreiro. - [S.l.] : Edição do Autor, 2011. - [200] p. : il. ; 24 cm
Descritores: China | Guiné-Bissau | População autóctone | Artes visuais | Catálogo | Diário
Cota: 10-(1)-9-10-8|BGUC
PHOTOBOOKS / FOTOLIVROS 1
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Tags: Carlos Guerreiro, Guiné Bissau, José João Silva, MAGA-Atelier.com, Patrícia Guerreiro, PHOTOBOOKS / FOTOLIVROS
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Respeitem-se as artes outsider, amadoras, infantis e modestas. Mas o caso da circulação institucional do Agostinho Santos é outra coisa, um escândalo, uma onda medíocre e indigna por parte de um "habilidoso" protegido. Está por toda a parte, multiplica exposições e edições e a auto-promoção por canais autárquicos e políticos e literários. É a consequência de um estado de geral degradação das actuais políticas para as artes, as colecções e os museus.
Ele é isto, um comprovado disparate grotesco com muitos responsáveis.
Tem o direito de pintar ou borrar papel, e também de mostrar e publicar, mas as instituições públicas não têm o direito de o expor. Não na Faculdade de Belas Artes de Lisboa e no Museu do Chiado a que chamam MNAC, em breve; na Reitoria da UP em 2022 e etc.
Os desenhos não são de uma criança ou de um “outsider” mas de um ex-jornalista e alegado crítico de arte, doutorado no Porto por equívoco e covardia alheia, programador e curador de exposições suas e alheias (até de uma bienal em Gaia).
Inaugura no dia 1 de março de 2024, pelas 18h00, na Galeria da Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa, a exposição O Mundo ao Contrário: Pinturas, Desenhos, Livros de Artista de Agostinho Santos. A exposição ficará patente até 31 de março.Curadoria: Luís Jorge Gonçalves.
Uma vergonha para a Fac de Belas Artes. Um impostor aventureiro. O auto-promovido director da chamada Bienal de Gaia. https://www.belasartes.ulisboa.pt/o-mundo-ao-contrario-pinturas-desenhos-livros-de-artista
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Agora que se apaga o governo pergunta-se o que andou a fazer o ministro Adão. O Costa e os seus colegas do liceu tutelaram as artes, a Sandra ficou com a “colecção do Estado”, houve $ para apoios aos “contemporâneos “ e subsídios para coisas cúmplices, mas o q fica é um chão devastado, desvalorizado, desprestigiado. Ressalva-se a secretária de estado Isabel Cordeiro que pelo menos tentou salvaguardar a orgânica dos museus e do património na medida do possível. O Adão era mais surf e futebol.
O Adão foi uma desilusão.
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«Não sou pintor de naturezas-mortas» escreveu o pintor - e essa foi a tradição que menos praticou. Mas existiram algumas, são obras maiores e ficaram a marcar uma transição brusca entre ciclos, dos retratos íntimos para os recortes de figuração erótica. São também um momento forte do diálogo sempre procurado com a arte dos museus*, que vários artistas da Pop norte-americana praticavam e então o interessavam, desde a longa relação com Ingres e com Matisse, no início da década de 1970.
Muitas vezes marquei encontro comigo próprio no ponto zero. E lá me encontrei: situação sem conforto, de que há que partir. Isto vale para a pintura e para o resto. Nota (p. 27)
Três magníficas natureza mortas a partir de Chardin, em 1976: “Vá-se lá saber porque é que o meu período de retratos (1968-1976) se afoga em naturezas-mortas. E a verdade é que nunca me apetecera tentar o género”. Confessa todavia a “admiração sem limites por Chardin (que) sempre me entusiasmou diante das suas pirâmides de fruta e da carne miraculada dos seus utensílios, ditos humildes” - “um pintor obcecado pelo lado carnal da presença”. Nas mesmas páginas de Da Cegueira dos Pintores em que reflectia sobre o fazer da pintura, “relacionava também... os seus belos vazios com aqueles tempos tão densos que Morandi assinala entre os frascos e as cafeteiras anónimas”.
A natureza-morta é um “micromundo ou inacabável modelo do mundo... (e a tradução literal de nature morte repete a estupidez da expressão original (francesa), a opacidade que still life, vida silenciosa ou quieta, não tem): o silêncio nas coisas ou a quietude destas não é obrigatoriamente apanágio de cadáver. “
Enquanto se ocupava de uma difícil paisagem*, Belle-Isle-en-Mer, e elas foram sempre raras, “a lembrança de Chardin começou a mexer em mim. Iniciei um estudo a partir de La Raie (mais um rosto!), e outro a partir de Le Chaudron de cuivre. Seguiu-se Le Pot d’étain. A partir de Juan Gris, arrisquei as duas telas que foram mais tarde distinguidas com o título Table des matières.”
“Nessa altura... precisava de uma espécie de terreno neutro.” “Vivia então uma espécie de purga. Escolhera os simples e confiara aos seus poderes o cuidado de disciplinar a libertinagem, enquanto o olhar desperto guardava as suas distâncias. O rigor pretendia-se impermeável ao tremor da mão. Uma geometria cortante. Dei comigo a fabricar quadros que pareciam ter sido paridos por luvas assépticas. Nenhum sinal de temperamento na pincelada, a escrita artística eliminada deliberadamente, nenhuma subtileza de feitura, tréguas na transparência. Tudo se pretendia exacto, seco, impessoal.”
O “lado carnal da presença” em Chardin, era igualmente ausência, vazio dos espaços de formas e fundo liso: “O recorte nítido, a nitidez dos contornos marcariam a perda ou a partida dos objectos, mais do que a sua presença.” Falou em “ordenação das emoções”. “Pintura que parte da coisa para se tornar pintura do vazio, do vazio como coisa; pintura da coisa grávida do seu vazio, da coisa chamada ausência, da coisa semelhante à sua ausência. Pintura que apresenta o vazio que a forma deixou, contra o vazio que a teria rodeado. A forma era assinalada como ausente, no vazio que teria habitado. O recorte nítido, a nitidez dos contornos marcariam a perda ou a partida dos objectos, mais do que a sua presença.”
São só cinco telas, a Raia d’après Chardin, o caldeiro de cobre em que a tela crua interior desenha um corpo e o humilde pote de estanho no fundo vermelho; a par das duas apropriações de Jean Gris em que aparecem guitarras e sexos. Em 1976, depois dos Maios’68 e de Ingres, de Van Eyck e Courbet revisitados até 1973. A par da essencial Belle-Isle-en-Mer.
Da Cegueira dos Pintores, tradução de Pedro Tamen, ed. Imprensa Nacional-Casa da Moeda 1986, de Discours sur la cécité du peintre, ed. Différence, Paris 1985. Reed. Atelier-Museu Júlio Pomar / Documenta 2014.
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COM A LITERATURA
Desde os retratos dos poetas nos anos 50 para a colecção “Cancioneiro Geral” do Centro Bibliográfico (Mário Dionísio, Eugénio de Andrade, Ilse Losa, etc, na edição especial de 40 exemplares), ou mesmo desde a primeira capa em 1946 para “Maria I - Escada de Serviço”, de Afonso Ribeiro, até às interpretações e ilustrações de “A Caça ao Snark” de Lewis Carroll, 1999, ou ao retrato de Vasco Graça Moura em 2014, a obra de JP avançou sempre associada à literatura, em desenhos, pinturas e também esculturas, com intervalos abertos para outros interesses e ciclos de trabalhos. Uma exposição e um livro de 1991 ("Pomar et la Littérature" / "Les Mots de la Peinture", Charleroi, Bélgica; ed. Différence) fizeram uma primeira aproximação ao tema da literatura, por iniciativa de um editor parisiense, Joaquim Vital, que esteve na origem de muitos convites para ilustrações. Em 2002, o Atelier-Museu actualizou o assunto também em exposição e livro,"Os Livros de Júlio Pomar" / The Books of Júlio Pomar", com organização de Mariana Pinto dos Santos.
Júlio Pomar pintor literário, sem que a sua pintura seja ilustrativa ou livresca. Também escritor*: crítico, ensaísta e poeta.
Se a relação com a literatura era visceral (ficaram livros assinados Júlio 1942), a ilustração - e a decoração*, de maior ou menor ambição - foi em certas épocas uma importante retaguarda financeira, quando a pintura se vendia pouco num mercado estreito (Pomar viveu sempre do trabalho de pintor, só com dois anos de bolsas da Gulbenkian já depois de se instalar em Paris em 1963; a cerâmica* e depois a gravura* cumpriram o mesmo papel de acessível suporte económico), e as leituras eram igualmente oportunidade de se encontrar com novos temas, necessários a um pintor sempre figurativo e sempre em mudança.
Já vimos (...) que os poetas - Camões, Bocage, Pessoa e Almada - desenhados no Metro de Lisboa e os autores das versões de “O Corvo” de Edgar Allen Poe, Baudelaire, Mallarmé e Pessoa, estiveram no início do estilo tardio da sua obra. E veremos que, de facto, toda a sua produção, no neo-realismo à Pintura de História* se partilhou entre a observação de cenas vistas, o real (os espectáculos do trabalho: debulhas, pisas, pesca, lotas; das Tauromaquias e Corridas de cavalos, do Catch, dos retratos e corpos) e a imaginação literária, por livros lidos e invenções sobre os mitos*. Até a longa série dos Tigres tem origem em ilustrações para um conto de Borges, em que aparece um tigre invisível, seguindo depois o pintor o seu caminho em total liberdade de figurar.
Com uma excepção confessada, a relação com a literatura resulta de propostas e encomendas, que em vários momentos resolviam a procura de assuntos a que um pintor se poderia dedicar, quando ele não se fixa na natureza morta* ou na paisagem*, ambos géneros raros, ou não se entrega à “abstracção”.
“D. Quixote” foi o livro mais trabalhado, em duas épocas bem distanciadas, os anos 1959/63 e 2005/12. No primeiro caso, as ilustrações para uma tradução de Aquilino Ribeiro (30 pequenas pinturas a preto e branco sobre cartão) prolongaram-se em quadros, gravuras e esculturas em ferros soldados, num tempo especialmente criativo (foi uma primeira maturidade). No segundo caso, uma ambiciosa edição em fascículos de iniciativa do semanário Expresso incluiu centenas de desenhos de variadíssimos formatos e processos, quando o contrato exigia só 10 por fascículo, e deu origem a uma nova série de pinturas que foram fotografadas ‘in progress’ e depois mais ou menos retrabalhadas, expostas em 2009 e em 2012 (“Navio Negreiro” e “Cartilha do Marialva”, estão já mais ou menos distanciadas do pretexto cervantino). Note-se que Quixote e mais ainda Sancho Pança foram uma espécie de alter-egos do pintor que neles por vezes se retratou.
Para além da série O Corvo, Fernando Pessoa aparece envolvido na série da “Mensagem”, e antes em retratos que começaram em 1973, em contacto com a Pop, e que depois foram até aos anos 2010, então na companhia de Marceneiro: dois emblemas nacionais no contexto do interesse pelo fado* e os fadistas. A música estava até aí ausente na obra, mesmo se era muito ouvida no atelier.
Lewis Carroll está presente, com o seu humor e gosto pelo absurdo lógico, num conjunto de grandes telas que excederam o propósito de ilustrar o poema "The Hunting of the Snark"/ “La Chasse au Snark” para a Différence, em 1999, o que motivou uma série paralela de desenhos e litografias para a edição prevista.
E também a Carta do Achamento do Brasil de Pero Vaz de Caminha foi assunto de uma encomenda, surgindo uma Mãe Índia, que já se instruía com a estada na Amazónia. De um quadro de 1999, para o centenário da “descoberta”, surgiu depois uma série de outras Mães e filhos (“Mères Indiennes / Meridiennes”), em álbum e exposição. Juntavam-se, muito depois da viagem ao Xingu, a pintura de observação e a literatura, e também o mito.
Regressando ao princípio das oito décadas têm de referir-se as ilustrações desenhadas para “O Romance de Camilo” de Aquilino Ribeiro, 1957, e para “Guerra e Paz” de Tolstoi, 1956-58; “O Purgatório” de Dante, 1961 (e 2006), e o Grande Fabulário de Portugal e Brasil” 1961 (ambos em gravuras); “Terra Negra” de Castro Soromenho, 1960, e “O Cristo Cigano” de Sophia de Mello Breyner Andresen, 1961, já desenhados com o pincel japonês, tal como “Pantagruel” de Rabelais, 1967, que foi, segundo lembrou o autor, o único projecto ilustrado pela sua própria iniciativa. Seguiram-se grandes projectos associados a Ferreira de Castro, “Emigrantes” e “A Selva”, 1966 e 1974, e logo “Uma Abelha na Chuva” de Carlos de Oliveira, 1976, praticados como pinturas de pequenos formatos.
Em Paris, com Joaquim Vital, destacam-se os pequenos livros de Malcolm Lowry, 1976, e Jorge Luis Borges, 1978, com papeis recortados seguindo o exemplo de Matisse, e os desenhos eróticos (hardcore) para Gilbert Lely, o biógrafo de Sade, 1977, mais alguns grandes projectos até 2003, incluindo capas para Eça de Queiroz, 1985-1991.
Duas edições para um público juvenil, que foram únicas no género, ficaram a marcar o princípio e o fim da relação com a literatura: “Bichos, Bichinhos e Bicharocos” com Sidónio Muralha e Francine Benoit, 1949, e “O Cão que Comia Chuva”, de Richard Zimler, 2016.
No volume “Les Mots de la Peinture”, Différence 1991, dividiu-se a sequência das obras reproduzidas em Retratos de escritores, Quadros de leitura e Quadros sem história. Se de facto, o pintor já ia abordando e subvertendo os mitos e a Pintura de História, por vias da ilustração, aconteceu que na série Elipses de 1984, rapidamente pintada nos intervalos d’ “O Corvo” de Poe, foram surgindo Salomé, Leda, o Rapto de Europa, o Julgamento de Páris, Diana e Acteon. Foram ocupando um lugar crescente no seu trabalho.
("in progress", A.P. 28.11.23) + Citações e Bibliografia. * indicam tópicos previstos
1991, Différence; 2006, Tavira ; 2022 e 2023, Atelier-Museu
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F. Calhau Não há lugar para desperdícios 7- 12 -96
FERNANDO Calhau é pintor e preside à Comissão Instaladora do Instituto de Arte Contemporâne. Tem uma longa embora discreta carreira nesta área, já que trabalha há vinte anos na administração pública do sector das artes plásticas, designadamente na antiga Direcção-Geral de Acção Cultural, extinta com a «reforma» de Santana Lopes. Aliás, essa dupla condição de artista e agente cultural, ou gestor cultural, iniciara-a já antes com a participação nas direcções da Cooperativa Gravura e da Sociedade Nacional de Belas Artes. Nasceu em Lisboa em 1948 e licenciou-se em 1973, tendo feito uma pós-graduação na Slade School de Londres, como bolseiro da Gulbenkian.
Observa-se no caso de Fernando Calhau, como acontece com Margarida Veiga, que também chefiou a Divisão de Artes Plásticas da antiga SEC e dirige agora o Centro de Exposições do CCB, uma curiosa situação de continuidade de percursos que atravessaram muitos governos diferentes, mas ele sublinha que «pela primeira vez há um reconhecimento por parte do Governo da importância desta área da arte contemporânea, que era tratada como parente pobre».
Por outro lado, Fernando Calhau tem também um extenso «curriculum» como coleccionador institucional, tendo integrado as comissões de compras da SEC e da Fundação de Serralves, e mantem-se ainda à frente da colecção da Caixa Geral de Depósitos, considerando que apenas existirá uma incompatibilidade de funções no caso de vir a ser convidado para a presidência do IAC.
Na rede dos serviços do actual Ministério da Cultura, a intervenção no domínio da arte contemporânea, que antes fora incluida nas competências do Instituto Português de Museus, deu lugar a um novo Instituto, cuja lei orgânica se aguarda. Não será, diz F. Calhau, uma instituição burocrática devoradora dos seus proprios recursos financeiros, mas uma estrutura ligeira. Nem terá funções de coordenação ou tutela sobre outras entidades da mesma área da criação contemporânea, como os museus do Chiado, com o seu futuro pólo de Alcântara, e de Serralves, no Porto, ou o Centro Cultural de Belém, onde ficarão em depósito as peças da Colecção Berardo que não couberem no Sintra Museu de Arte Moderna e que será igualmente o destino do novo programa de aquisições agora anunciado.
EXPRESSO — Quais são os objectivos da intervenção pública no campo da arte contemporânea?
FERNANDO CALHAU — Há duas linhas de actuação principais: uma tem a ver com o apoio à criação e outra com a comunicação e o público. Quanto à criação, temos linhas de apoio directamente aos criadores e de apoio à produção de exposições, e temos também linhas de actuação no que respeita ao mercado e à comercialização.
EXP. — Como entende o IAC a relação entre o Estado e o mercado privado?
F.C. — O mercado de arte deve ser essencialmente privado. Mas sendo o campo das artes plásticas particularmente sensível, porque não existe um público muito alargado, é fundamental que o Estado dê uma ajuda e motive o mercado nesta área. Isso será feito, em termos internos, através do programa de aquisição de obras de arte, e em termos externos, nas feiras de arte, com um duplo objectivo, não só de lançar artistas no meio internacional, como de alargar os meios do mercado nacional.
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o capital cultural
DESENHOS DE MODIGLIANI
ENCONTROS AFRICANOS
Culturgest/CGD - EXPRESSO 7 jan 95
Caso único entre nós de grande mecenato de empresa, a CGD, através da Culturgest, iniciou ontem o ano pós-capital cultural com duas importantes inaugurações internacionais: «Modiglini — Desenhos da Colecção Paul Alexandre», uma exposição que teve a sua estreia em 1993 no Palácio Grassi de Veneza e que no último ano se apresentou na Royal Academy de Londres, no Museu Ludwig de Colónia e ainda em Bruges e Tokio, e «Encontros Africanos», uma co-produção do Instituto do Mundo Árabe, de Paris, e da Fondation Afrique en Création, também já mostrada em Joanesburgo, e que reune artistas do Magreb e da zona sub-sahariana.
A primeira reune 250 trabalhos (desenhos e aguarelas) dos primeiros anos da obra de Modigliani, entre 1906, data da sua chegada a Paris, e 1914, com o interesse particular de permitir acompanhar exaustivamente a definição do estilo próprio do pintor, através de séries completas de estudos e de pesquisas temáticas. Em Lisboa, a exposição foi ainda acrescentada com uma secção dedicada a Amadeo Souza-Cardoso, documentando a amizade entre os dois artistas, a sua exposição conjunta de 1911, no atelier do português, e as possíveis influências mútuas entre as suas obras.
Amigo e primeiro mecenas de Amedeo Modigliani, o médico Paul Alexandre conservou na sua posse, até à morte em 1968, uma acervo de desenhos que é um documentário sem paralelo sobre a evolução e a coerência de uma pesquisa plástica pessoal. Reagindo à fama póstuma de Modigliani, morto em 1920 e imediatamente apresentado como exemplo romantizado do artista boémio, de vida atormentada e autodestrutiva, Paul Alexandre manteve sempre o projecto de escrever uma outra biografia fundamentada pelo seu conhecimento directo do pintor. A revelação dessa extensa colecção de desenhos e também de fotografias e outros documentos biográficos, reunidos num volumoso livro-catálogo importado pela Culturgest, viria no entanto a caber ao seu filho, Noel Alexandre, com a presente exposição.
Os retratos, os nús, como estudos académicos ou desenhos de observação, os desenhos de cariátides e de cabeças esculturais, estes marcados pela descoberta da arte africana e pela influência de Brancusi, constituem os sucessivos núcleos da mostra.
Depois de, há um ano, a Culturgest ter apresentado os desenhos de Egon Schiele, seu quase exacto contemporâneo, esta é uma outra oportunidade de revisitar uma obra feita voluntariamente à margem dos estilos colectivos do tempo, num momento em que as vanguardas pareciam aplicadas no puritano exercício de fazer desaparecer do campo da arte a experiência do corpo. Nesta medida, e também enquanto redescoberta da importância do estilo individual e do talento ou dom artístico, que se exprime num modo particular de captar o visível e o vivido, Modigliani pode ser visto hoje como um dos polos essenciais de uma linhagem afinal ininterrupta que passa por Soutine, Picasso, Giacometti, Balthus, Bacon, Freud e Aricka.
Entretanto, a coincidência das duas exposições no mesmo local permite também reflectir sobre o significado de dois momentos decisivos do encontro da arte de tradição europeia com outras expressões culturais: na obra de Modigliani, primeiro, enquanto exemplo do interesse formalista pelos códigos não realistas da «arte negra» e, hoje, como abertura à alteridade e questionamento do olhar etnocêntrico.
«Encontros Africanos» é uma iniciativa nascida na sequência de «Magiciens de la Terre» (Centro Pompidou, 1989) e que em parte responde a algumas das críticas que provocou essa mostra. No caso presente, a que Jean-Hubert Martin está também associado, a responsabilidade da selecção dos autores representados foi confiada a dois artistas africanos e o projecto constitui uma interrogação eficaz sobre as diversas possibilidades de compreensão e de relacionarmento com a produção artística não europeia.
Farid Belkania, um marroquino com formação artística europeia, seleccionou através de uma pesquisa feita na África negra quatro artistas da Costa do Marfim, da Etiópia, Kénia e Benim, cujo trabalho está profundamente enraizado em tradições regionais, sendo indissociável de práticas religiosas, terapêuticas e de revelação cósmica ou de expressão dita «naif». Pelo contrário, a escolha feita por Abdoulaye Konaté, um artista do Mali com formação escolar em Cuba, incidiu sobre os países do Magreb (Argélia, Egipto e Tunísia) e sobre artistas que têm circulação internacional ou adoptam processos criativos (já) informados pela tradição ocidental.
As questões da autonomia, miscigenação e hegemonia cultural, ou da recontextualização das produções africana como objectos integrados pelo seu exotismo na diversidade da arte contemporânea, e, em alternativa, da identificação e preservação de tradições regionais, eventualmente como polos de uma irredutível verdade da arte, são bem afirmadas por esta mostra e prolongam-se ainda em dois debates de grande interesse recolhidos no catálogo original, a que a Culturgest acrescentou ainda um artigo de José António Fernandes Dias publicado no «jornal da exposição».
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ENCONTROS AFRICANOS
21-01-95
Atrasos imputáveis a um dos coprodutores da exp., a Fondation Afrique Création, não permitiam ainda, na semana que passou, mostrar todos os artistas anunciados (aguardavam-se as obras de Kivuthi Mbuno, uma das presenças mais fortes da montagem que se pôde ver no Instituto do Mundo Árabe, em Paris). O catálogo original, que inclui textos indispensáveis para compreender a originalidade e a radicalidade deste projecto, não estará igualmente disponível, por não cumprimento das relações contratuais estabelecidas com a Culturgest.
MODIGLIANI e ENCONTROS AFRICANOS
11-02-95
Duas exp. de circulação internacional, a primeira revelando um nome mítico do modernismo, através de um extenso acervo de desenhos que permite assistir à gestação do seu estilo, e, em particular, ao confronto com a descoberta da «arte primitiva»; e uma segunda, uma colectiva de artistas africanos de hoje, que, por coincidência, permite reflectir sobre uma muito recente revisão da problemática do multiculturalismo. Ao apresentar, como artistas contemporâneos de parte inteira, autores africanos que prosseguem tradições regionais ligadas a práticas cultuais, mágicas e terapêuticas, transferidos ou não para suportes de influência europeia, um dos seus comissários, o marroquino Farid Balkahia, propõe uma concepção da gravidade da arte que desautoriza as leituras formalistas a que os «primitivos» continuam a ser sujeitos e também a generalidade das iniciativas expositivas assentes na globalização da informação.
ENCONTROS AFRICANOS
25-02-95
Quanto a «Encontros Americanos», trata-se de uma abordagem da questão da multiplicidade cultural que tem o mérito de cair na moda e nos logros do multiculturalismo, com que o centro se recentra devorando as diferenças emergentes da periferia — esta não é uma exp. «politicamente correcta». Dedicada à produção africana e confrontando dois olhares africanos, do Magrebe e da África Negra, a exp. revela algumas obras de grande interesse e coloca problemas de real importância, quando restringe a escolha da produção do sul a obras marcadas por funções sociais e por expressões tradicionais, ligadas à magia e à intervanção terapêutica, mas entendendo-as, por isso mesmo, como plenamente integradas na contemporaneidade. Não é o exotismo que com essa selecção se promove, mas, pelo contrário, a compreensão da respectiva identidade com uma tradição essencial da produção ocidental, numa linhagem múltipla que passa por Malevitch, Klein, Beuys ou Tapiès.
Posted at 09:40 in 1995, Africa, Arte Africa, CGD, Culturgest | Permalink | Comments (0)
5 jan 94–
«A Máscara, a Mulher e a Morte: Resistências Poéticas» , Culturgest/CGD: "Visões / ficções"
ARTE BELGA
Culturgest -EXPRESSO 09-04-1994
Não é apenas o contacto directo com obras históricas — Wiertz, Khnopff, Magritte, Broodthaers, etc — que assegura a importância excepcional desta exp., mas também a possibilidade de contestar uma história canónica de tradição francesa que se construiu sobre o escamotear de obras não redutíveis ao «progressismo» positivista de um caminho linear (realismo-impressionismo-Cézanne-cubismo-abstracção...) exigido pelas leituras formalistas e essencialistas da modernidade. Com a ocultação do simbolismo (que teve uma das suas afirmações mais estruturadas em Bruxelas, com outro polo nos Salões Rosa Cruz de Sâr Paladan, em Paris, entre 1892 e 1897) é a questão do sentido que foi sendo desvalorizada em no terreno das artes plásticas em favor de uma crescente e cada vez mais esvaziada auto-referencialidade da arte — a confrontar com a exp. «Pulsares», no CCB, que constitui um exemplo paradigmático e terminal desse destino. Os núcleos temáticos explicitados no título, «A Máscara, a Mulher, a Morte», não configuram uma estratégia ilustrativa; definem, pelo contrário, através da passagem pelo surrealismo não ortodoxo e do encontro com três autores contemporâneos (Charlier, François e Corillon), uma leitura das «resistências poéticas» que podem estar na base de atitudes criativas actuais e produtivas.
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JULIO GONZÁLEZ
Culturgest/CGD - EXPRESSO 20-04-94
Depois de ter mostrado os desenhos de Modigliani e de Egon Schiele, a Culturgest apresenta a obra gráfica de outro artista da primeira metade do século e que com o primeiro partilhou círculos parisienses. Os desenhos vêm da colecção do Centro Rainha Sofia, de Madrid, e são testemunho de um itinerário particularmente atípico, em grande parte justificativo do seu relativo e injusto desconhecimento internacional até tempos recentes. González nasceu em Barcelona em 1876 e instalou-se em Paris em 1900 seguindo uma honrada carreira de ourives e de pintor, até se revelar, já no final dos ano 20, como um dos mais inventivos escultores do século, responsável por um inédito entendimento escultórico do vazio e por novos processos de soldadura do ferro que associaram desenho e escultura. A colecção distribui-se por um horizonte cronológico que vai de 1904 a 1941 (JG morreu no ano seguinte), documentando toda uma produção inicial cujo classicismo é identificável com o «noucentismo» que em Barcelona sucede a um modernismo Arte Nova, antes do desenho se afirmar especialmente como um meio de experimentação para o trabalho da escultura. Entretanto, a montagem da exposição revela-se particularmente sugestiva ao iniciar-se por um conjunto de auto-retratos tardios que reafirmam a autonomia própria do desenho e terminar com a expressividade dramática dos últimos estudos para a figura de Monserrat, enquanto a zona média exemplifica extensamente a pesquisa formal conduzida na fronteira da abstracção. Através de um balanço constante entre tradição e inovação, entre o desenho do natural e o projecto analítivo-construtivo, entre o visto e o estilizado, sempre conduzido à margem das afirmações de virtuosismo, o percurso de González não se deixa reduzir à condição de um «desenhador de novas formas».
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COLECÇÃO COBRA
Culturgest/CGD - 20-01-96
Uma exposição histórica de uma rara dimensão e importância no panorama expositivo nacional, a que convirá reconhecer também uma pouco comum capacidade de questionar o presente — e um forte sentido de oportunidade, portanto. A mostra, vinda de um dos mais dinâmicos museus europeus, o Stedelijk de Amsterdão, reconstitui a breve irrupção do grupo Cobra (activo como movimento entre 1948 e 1951) e acompanha ainda os percursos individuais dos seus artistas até ao final da década de 50, enquanto se prolonga a sua eficácia profunda e se definem as suas expressões individuais próprias, quer isoladamente quer mediante outras movimentações colectivas: por exemplo, Asger Jorn e Constant foram participantes activos da Internacional Situacionista, até esta se converter num grupúsculo orientado para a intervenção política. Em paralelo com a afirmação da 2ª Escola de Paris e a academização da sua abstracção lírica, o grupo Cobra, através das contribuições trazidas de culturas artísticas periféricas (nórdicas, holandesas e belgas) e de uma convergência de vontades experimentalistas (a «Internacional dos Artistas Experimentais»), serviu de agente indisciplinador de um período atravessado por um subterrâneo cruzamento de inquietações onde se encontram a valorização das expressividades marginais (populares, das crianças e dos loucos), contribuições surrealistas e atitudes antiformalistas, preocupações sociais e a defesa da expressão livre e pessoal contra os vários impasses programáticos do tempo. Segunda vaga do expressionismo primitivista, segundo a expressão usada por Willemijn Stokvis no catálogo (na sequência do expressionismo alemão dos anos 10), os artistas do grupo Cobra tiveram uma influência profunda na problematização da dicotomia entre abstracção e figuração então dominante e também na reafirmação de algumas condições essenciais (mas não essencialistas) da criação artística. Entretanto, esta exp. pode ser igualmente lida como afirmação do interesse das histórias e dos itinerários artísticos vividos, quer em situações de periferia geográfica (sem as marcas da procura de exotismo que caracteriza muito multiculturalismo actual) quer à margem das sínteses canónicas da «evolução» da arte. O contacto com as obras reunidas do grupo Cobra, com a sua inventividade indisciplinada e libertadora, com as suas procuras individuais da expressividade, surgirá menos como lição de história do que como reaproximação a necessidades e possibilidades certamente outra vez reprimidas sob o aparente predomínio actual do discurso especulativo.
02-03
Movimento sem programa nem carácter de tendência, o grupo Cobra trouxe à situação do pós-guerra a frescura da afirmação de alguns jovens pintores, o fermento das tradições poéticas de regiões periféricas, nomeadamente dos países nórdicos, e uma rebeldia de heterodoxa filiação surrealizante. Com a sua breve existência organizada e as suas carreiras individuais posteriores, os artistas Cobra reactivaram uma linha de fundo expressionista, sobre um novo primitivismo valorizador da criatividade popular e infantil, que contribuiu para pôr em causa a dicotomia figuração-abstracção. Se Asger Jorn, Robert Jacobsen, Alechinsky e Appel são artistas de destacada presença internacional, as obras de outros nomes de menor notoriedade cosmopolita testemunham de uma mesma urgência interventiva e, em especial, comunicativa. (JLP - Revista)
TOM WESSELMANN
Culturgest/CGD, 13-07-96
É um dos cinco nomes mais importantes da Pop Arte americana, embora essa notoriedade histórica e «escolar» não deva fazer ignorar que se trata acima de tudo de um pintor, como aliás também sucede nos casos de Lichtenstein e Rosenquist. A retrospectiva, que já fez uma larga digressão europeia e constitui um dos momentos mais marcantes do verão lisboeta, inclui obras de 1959 a 1993, desde logo com relevo particular para os pequenos trabalhos iniciais, significativos de uma evolução que vai da colagem-assemblage para a pintura, através de uma aproximação muito evidente às questões do desenho e da composição pictural de Matisse. Logo a seguir, é essa mesma linguagem apreendida que Wesselmann «actualiza» e amplia com o recurso às imagens da publicidade, mas revisitando metodicamente os géneros tradicionais do nu, da natureza morta, do interior e da paisagem — e o uso da publicidade e do quotidiano que constituem imagem de marca da Pop são também o retomar de fortes tradições vernaculares americanas. Dominando a composição espacial planificada (de modo a conservar a imagem à superfície do quadro) e também o conceito da colagem e a problemática da escala, W. não é um «pintor de pin-ups», apesar das mais rasteiras considerações moralistas que voltam a ter curso, mas um artista que retoma com a representação do corpo e a relação com o modelo a exploração do campo da pintura. A partir dos anos 80, nas obras recortadas em metal, a relação entre a pintura e o desenho orienta-se para uma autonomia crescente do segundo, com maior facilidade decorativa, mas é ainda à pintura que W. presta homenagem nas referências a Cézanne, Léger, Matisse e Mondrian com que a exp. se encerra. É pena que só se encontrem acessíveis catálogos estrangeiros, embora o «jornal da exposição» que inclui uma mesa-redonda entre quatro mulheres-artistas constitua um curioso documento sociológico.
07Set.96
Últimos dias de uma exposição retrospectiva que apresentou em Portugal a obra de um dos nomes maiores da Pop norte-americana. Para além da característica genérica da utilização das técnicas mecânicas e impessoais da arte comercial ou da publicidade, que definiu a «ruptura» trazida pelo novo estilo em relação ao expressionismo abstracto anterior (mas que é também a recuperação de alguns exemplos da tradição vernacular americana), a obra de T.W. tem também a particular qualidade de demonstrar que a Pop Arte é um movimento muito mais rico e complexo do que as sínteses escolares deixam adivinhar — e, em especial, que é irredutível às condições da cultura popular dos anos 60 ou ao modelo único de Warhol. Sob a aparência imediata de um imaginário ligado ao erotismo de consumo, as «pin-up» de Wesselmann eram a versão contemporânea das odaliscas de Ingres e Matisse, numa pintura reconquistada a partir do exercício da colagem e marcada pela influência forte de De Kooning, apesar do abandono da factura gestual. Das pequenas colagens ìniciais, raramente mostradas, às «assamblages» visíveis como «ambientes», a três dimensões e com inclusão de objectos e mobiliário real, sobre uma metódica reapropriação dos géneros tradicionais (o nu, a natureza morta, os interiores e a paisagem), a antologia orienta-se depois para uma cobertura ampla de um mais recente formulário, onde o desenho é recortado sobre placas metálicas, procurando conservar uma clássica impressão de espontaneidade.
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NAM JUNE PAIK
Culturgest/CGD - EXPRESSO 05-10-96
«A super auto-estrada electrónica — Nam June Paik nos Anos 90» é uma grande exposição do pioneiro da video-arte, de origem coreana (Seul, 1932) e actual nacionalidade norte-americana, discípulo de Stockhausen, cúmplice de John Cage e militante do movimento Fluxus. A uma instalação de 30 trabalhos recentes («Cybertown») que se encontra em digressão norte-america — e tem Lisboa por escala única na Europa — acrescentaram-se reedições de algumas peças históricas, numa vasta síntese sobre a sua obra, onde a exploração das virtualidades das novas tecnologias da comunicação se cruza com o cepticismo próprio de uma visão paródica sobre as estratégias vanguardistas. A incorporação de meios informáticos e da Internet vêm actualizar com ironia um exercício que é o prolongamento do happening neo-dadaista, a que a imaginação formal e o humor das «assemblages» preserva do risco da mumificação. Um espectáculo feérico e delirante, mas também mais complexo do que pode parecer à primeira vista.
07-12-96
Últimos dias de uma mais das mais surpreendentes exposições do ano, desde logo pela espectacularidade dos meios envolvidos. «A super auto-estrada electrónica» é o Nam June Paik dos Anos 90, o artista-Fluxus e empresário que foi o inventor da video-arte e agora desestabiliza todas as certezas sobre o progresso das tecnologias, convertidas em lixo e em materiais de escultura, em monumento e em paródia.
outras circulações britânicas, como a exposição «From London», dedicada aos pintores da Escola de Londres (de Bacon a Kitaj), que terminou o seu itinerário em Barcelona, permanecem menos acessíveis na condição periférica em que Lisboa se mantém (embora a Culturgest, acrescente-se, tenha procurado acolhê-la), e permitem-nos uma alegre vertigem da novidade sem consequências que é a condição do diletantismo. Doherty, entretanto, «fala-nos» de coisas tão sérias como a guerra civil da Irlanda, recorrendo a duas «cenas» filmadas, de exibição paralela, e duas vozes-off, de audição entrecortada. Abreviando razões, o comissário Michael Tarantino informa que a obra «denuncia a estupidez de uma atitude que estabelece uma única forma de se olhar uma imagem, uma única maneira de definir os problemas políticos e religiosos da Irlanda, uma voz 'certa' e uma voz 'errada'». O nível do sentido da obra, acrescentado pelo comissário a um material informe e literal, não podia ser mais rasteiro, mas essa será certamente uma qualidade a atribuir a um novo neo-realismo sem ilusões ou ambições.
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Posted at 01:29 in 1994, 1996, CGD, Culturgest | Permalink | Comments (0)
1993
Imagens para os anos 90 (dd Serralves): INAUG. 6 dez. - nota 18 dez.
Egon Schiele, 100 aguarelas col. Sabarrsky: INAUG. 15 dez.
EGON SCHIELE
“Schiele, o maldito”
24 dez. 93 - p. 13
Cem aguarelas trazem-nos um artista maldito que foi uma das máximas expressões do modernismo vienense. A apresentação da obra de um clássico do século XX é um acontecimento de excepção, com que a Culturgest alcança o primeiro plano entre as instituições culturais e esconjura uma aparente condenação portuguesa à exterioridade das grandes circulações internacionais.
Schiele, hoje, é ainda o escândalo de uma sensualidade ao mesmo tempo dramática e provocante, cruamente inscrita em corpos atormentados pela violência do sexo e da morte. A memória das condenações do seu tempo não é, neste caso, uma informação anedótica, mas sim um convite a aprofundar o contacto com uma obra que continua a ser polémica: deverá notar-se que esta própria antologia apresentada por Serge Sabarsky, itinerante desde 1990 e feita de peças de colecções particulares americanas, não é inteiramente exemplar da manifesta obscenidade de tantos dos seus mais notávels desentos. O comissário e historiador é antes um paladino da “normalidade» de Schiele, como se pode ler no texto do catálogo, onde se esforça por distanciar a temática» daquilo a que chama “o talento» e «a forma de desenhar”: desse modo, a selecção e o comentário são ainda processos de repressão que dão sequência ao conhecido episódio da prisão de Schiele, em 1912, acusado de corrupção de menores e depois condenado por pornografia.
Se Klint perturbou antes a sociedade vienerse foi porque a sua obra vinha afirmar a relatividade da razão perante os paladinos da ciência e do progresso, em pleno recinto universitário. Schiele, contemporâneo de Freud, vai mais longe quando deixa o reino utópico do erotismo natural e estetizado do seu mestre para fazer do corpo nu um lugar de fascínio e uma ferida aberta, abismo de exasperação e angústia, onde mesmo a plenitude física pode ser já sinal de solidão e de morte. Os corpos amputados, as figuras descamadas, as peles doentias, as mãos angulosas, são aqui um exercício de desfiguração que é revelação de um misterioso e incontornável mal. (Até 13 Fev.)
Posted at 23:57 in 1993, 1994, 1995, 1996, CGD, Culturgest | Permalink | Comments (0)
(1) EXPRESSO 13/4/2002 "Uma colecção lusófona "
(2) EXPRESSO 4/5/2002 "Caixa económica"
(3) EXPRESSO 14-02-2004 "Novas peregrinações" A colecção CGD/Culturgest de artistas africanos
1. "Uma colecção lusófona "
EXPRESSO 13/4/2002
A Caixa Geral de Depósitos vai mostrar três anos de aquisições
«ARTE CONTEMPORÂNEA. COLECÇÃO CAIXA GERAL DE DEPÓSITO
(Inaugurações em Lisboa e Porto)
Depois de um intervalo de sete anos, a Caixa Geral de Depósitos vai voltar a apresentar publicamente a sua colecção, em duas exposições que se inauguram na próxima semana, em Lisboa e no Porto, preenchidas por cerca de 90 novas obras. As aquisições foram retomadas em Novembro de 2000, após uma paralisação de quase cinco anos, sob a administração de João Salgueiro, adoptando-se, a partir da presidência de António de Sousa, novos critérios de orientação propostos pela Culturgest, com um orçamento anual de 40 mil contos. As duas mostras correspondem às aquisições de três anos, incluindo as verbas de 2002.
Com a inauguração do núcleo a expor no Porto inicia-se também a extensão a esta cidade da programação da Culturgest, em parte do edifício da CGD na Av. dos Aliados, projectado nos anos 30 por Pardal Monteiro. Cedido no ano passado para actividades da Porto 2001, dispõe de um espaço de exposições, incluindo três casas-fortes na cave, e poderá acolher colóquios e outras sessões públicas, embora não tenha condições para espectáculos. Em 1993, foi igualmente com a primeira apresentação da Colecção CGD que se inaugurou a Culturgest em Lisboa.
A internacionalização das aquisições, com abertura aos países de língua portuguesa, surgirá como a mais evidente alteração do projecto da colecção, que já inclui um importante conjunto de artistas brasileiros e dois de Moçambique, Estêvão Mucavale e Shikhani. O acervo alargou-se também à fotografia, vídeo e instalações. Entretanto, singularizada pelo novo perfil lusófono, surgiram já solicitações para a sua apresentação no Brasil e em Espanha.
Orientada, por um período classificado como experimental, pela Culturgest - por Fátima Ramos, vice-presidente da respectiva administração, e António Pinto Ribeiro, director artístico -, sob a tutela de um administrador da CGD, a colecção passou a vocacionar-se para a criação mais recente e o acompanhamento da emergência de jovens artistas (em correspondência com o seu orçamento reduzido, que, com outras escolhas, poderia ser absorvido por uma única obra anual). A opção justificou a alteração do nome da colecção, trocando-se a designação arte moderna por arte contemporânea.
No Porto, expõem-se obras dos brasileiros Waltercio Caldas, Marcos Coelho Benjamim, Nelson Leiner, Rochelle Costi, Carmela Gross, Geraldo Barros e Caio Reisewitz (os dois últimos, fotógrafos), pintura de Jorge Martins, fotografias de Margarida Dias, Paulo Nozolino, José M. Rodrigues e Júlia Ventura, vídeo de Francisco Queiroz e instalações de Armanda Duarte e Baltazar Torres.
Em Lisboa estarão os brasileiros Lygia Pape, Tunga, José Damasceno, Leonilson, Ana Maria Tavares, Edgar Sousa, Jac Leirner, Daniel Senise, Adriana Varejão, Efrain Almeida, Walter Golfarb, Valeska Soares, Rosana Palazyan e Courtney Smith, os dois moçambicanos Estêvão Mucavale e Shikhani., mais Álvaro Lapa, Fernando Calhau, Pedro Cabrita Reis, José Pedro Croft, Pedro Portugal, Cristina Ataíde, Ilda David, Fernanda Fragateiro, Rui Serra, Fátima Mendonça, Joana Vasconcelos, Susanne Themlitz, Joana Rêgo, Leonor Antunes, Cristina Robalo, Rui Macedo, Sara Maia, Kiding (dois jovens artistas do Norte) e ainda Gérard Castello-Lopes, Graça Pereira Coutinho e João Luís Bento (fotografias).
A exposição será acompanhada pela publicação do inventário de todas as obras integradas no património da CGD desde a sua fundação em 1876, num total de 735 peças de 343 artistas (a mais antiga de 1842). Para além das peças adquiridas para decoração de instalações, cedidas em pagamento de dívidas ou com outras origens, o projecto de uma colecção de arte moderna data de 1983, inicialmente orientada por um quadro da empresa, António Nelson. Com a administração de Rui Vilar procedeu-se em 91 à reestruturação da colecção, ficando Fernando Calhau como responsável pelas aquisições, que foram expostas em 93 e 95. Por ocasião da Europália, Jorge Calado constituiu um núcleo de fotografias realizadas em Portugal por autores estrangeiros. É um novo capítulo da vida da colecção que as próximas exposições vão apresentar.
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"Caixa económica"
EXPRESSO 4/5/2002
Exposições em Lisboa e Porto mostram a nova direcção da Colecção CGD e três anos de compras
«ARTE CONTEMPORÂNEA. COLECÇÃO CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS. NOVAS AQUISIÇÕES»
(Culturgest, Lisboa e Porto, até Junho)
Na semana em que abriram as mostras simultâneas das novas aquisições da CGD, duas pinturas de Paula Rego expostas para venda em diferentes locais foram transaccionadas por cerca de 55 e 60 mil contos. Sabendo que o orçamento anual da colecção é de 40 mil contos e que a actual exposição é a soma de três anos, dispomos de elementos para identificar diferentes níveis do mercado de arte e diferentes modalidades de coleccionismo, privado e público.
A Caixa é económica nas suas compras e o modelo da colecção decorre dessa limitação, tal como acontece com a generalidade das colecções institucionais. O acompanhamento da actualidade galerística e, em especial, das emergências de novos artistas é o seu horizonte possível de actuação, sendo inacessível outra direcção mais selectiva apostada na incorporação de peças tidas por decisivas que se disputariam aos coleccionadores privados.
Assim, o que a Culturgest apresenta, na sua sede e nas instalações que inaugurou no Porto, é uma vasta exposição de «Arte Contemporânea», como indica o título e se procura conceptualizar com alguns problemáticos riscos teóricos no prefácio do catálogo. Com uma centena de obras, geralmente muito recentes, de cinco dezenas de artistas portugueses, brasileiros e moçambicanos, alargada à fotografia, ao vídeo (Francisco Queiroz, apenas) e às instalações. O que desde logo a singulariza, como exposição e apresentação da nova orientação da colecção, é essa abertura internacional que reúne artistas de língua portuguesa. É uma opção que tem o mérito de contrariar o fechamento nacional (ou a eventual «mundialização» arbitrária) de quase todas as colecções institucionais, que se articula com a atenção multiculturalista imprimida pela Culturgest à sua programação geral e que poderá favorecer a curiosidade exterior pelo acervo reunido.
Outras marcas de singularidade são reconhecíveis na exposição e no novo projecto da colecção, que além de económica é ecuménica: uma larga presença de mulheres artistas (14 em 30 nomes portugueses), talvez não por uma lógica de quotas mas como outra aposta na «diversidade cultural», e a presença significativa de artistas que se incluíram em exposições da Culturgest, como sucede com Jorge Martins, José M. Rodrigues, Armanda Duarte, Fernanda Fragateiro, Leonor Antunes, F. Queiroz.
Reconhece-se também a intenção de diferenciar esta colecção de projectos equiparáveis graças à imprevisibilidade dos nomes incluídos. Na sua deliberada diversidade cabem artistas de longo itinerário, como Álvaro Lapa, ou recentíssimas aparições, como João Luís Bento e a dupla Kiding; novas obras que se vêm juntar a núcleos já representativos na colecção, como as de J. Pedro Croft, Cabrita Reis ou F. Calhau, e outras que inauguram novas representações, como as de Rui Serra, Rui Macedo e Sara Maia; artistas sistematicamente favorecidos pelas instituições, outros que percorrem itinerários independentes e ainda outros que poderão ver-se como apostas próprias e exploratórias. Essa relativa independência face a lobies e opções críticas é uma simpática característica num universo com tendência à homogeneidade e decorrerá de a selecção estar a cargo de comissários não profissionais (Fátima Ramos e A. Pinto Ribeiro, da Culturgest).
Mas a essa positiva imprevisibilidade da selecção poderá também associar-se a suposição de algum carácter aleatório, se se considerarem nomes não incluídos nesta etapa de aquisições (Novembro de 2000-Fevereiro de 2002) que tiveram presenças destacadas no mesmo período. Uma possível lista de «faltas», de critério pessoal, incluiria pelo menos Augusto Alves da Silva, António Júlio Duarte, João Queiroz, Gil Heitor Cortesão e José Loureiro (já na colecção com obras de 94-95).
Entretanto, se as duas presenças de Moçambique, Mucavale e Shikhani, são ainda só indicativas de uma intenção, o largo panorama brasileiro, com 21 artistas, estabelece um idêntico horizonte de diversidade. Nele se incluem nomes de circulação já conhecida, como os de Geraldo de Barros (1923-98), Nelson Leirner, Lygia Pape, Tunga e Leonilsen (1957-93), e outros de recente projecção, como Caio Reisewitz ou Walter Goldfarb, enquanto vários casos prolongam trânsitos por Portugal (Daniel Senise) e também pela Culturgest (Efrain Almeida, Courtney Smith, Adriana Varejão).
A montagem, não organizada por regiões, rompe com o agora muito habitual isolamento das presenças autorais, propondo diálogos entre obras e confrontações de significados e intenções propícios a uma relação interrogativa com as criações, que certamente prolonga a própria lógica que presidiu à sua selecção (apesar de se dizer no catálogo que «a arte deixou de significar o mundo e se tornou auto-referencial»). É o que sucede, em Lisboa, logo no primeiro espaço, onde se associa um trabalho legível como pura especulação formal, de Cabrita Reis, à vontade de comentário social sugerida na impressão fotográfica de Rochelle Costi. A seguir, os cruzamentos de sentidos prolongam-se nas inquietas meditações fotográficas simétricas de Júlia Ventura e Graça Pereira Coutinho junto às contemplações negras de Calhau e Tunga; depois, nos diálogos do espectador com os espelhos reais ou imaginários de Nelson Leirner, Fátima Mendonça e Sara Maia, com passagem às referências à paisagem nas flores de Joana Rego, J. Luís Bento e Cristina Robalo.
No Porto, a Culturgest utiliza como espaço de exposições o átrio da sede da CGD (prolongado pelas quatro casas-fortes na cave), onde as qualidades arquitectónicas e decorativas do edifício projectado por Pardal Monteiro propõem um estimulante desafio de convivência com as obras. Entretanto, o catálogo reproduz imagens de todo o acervo da CGD (mais de 700 peças), de que esta já é a quarta exibição pública desde 1989. Tal como sucede com o prefácio dos comissários, que pretende ser uma reflexão teórica sobre a história da arte do século XX e a era «pós-média», aí se oferecem mais pistas para reflexão e debate.
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"Novas peregrinações"
A colecção CGD/Culturgest de artistas africanos
"Mais a Sul"
Culturgest, Porto, até 30 de Março - EXPRESSO/Actual 14-02-2004
As colecções públicas e privadas têm-se mostrado de uma flagrante monotonia; com escassas diferenças entre si, adoptam o programa sumário de seguir a actualidade nacional, ou a sua espuma, comprando jovem e barato e, em geral, o mesmo. A colecção da Caixa Geral de Depósitos, que é uma pequena colecção apesar do gigantismo da instituição, saiu da rotina quando em 1999, já sob a orientação da Culturgest, passou a ter como horizonte alargado a arte dos países de língua portuguesa. É uma opção coerente com uma programação que tem dedicado atenção à produção cultural de origens não europeias (incluindo, já em 1995, a exposição francesa «Encontros Africanos»). Por outro lado, à falta de políticas oficiais de cooperação cultural, para além de um frágil esforço de sobrevivência do espaço linguístico, é uma direcção com sentido estratégico num país que parece não resolver os complexos do seu passado colonial e que raramente pensa a cultura ou a arte como algo mais do que ostentação e desperdício.
O domínio brasileiro teve já razoável relevo na apresentação da colecção que se fez em 2002, e a vertente africana, então reduzida a dois nomes (Mucavale e Shikhani), alargou-se o bastante para se apresentar agora numa exposição própria. São 13 os artistas reunidos sob o título «Mais a Sul», seis de Moçambique, outros tantos de Angola e um de Cabo Verde, alguns com anteriores presenças entre nós e outros desconhecidos, com formação e carreiras europeias ou com circulação restrita aos países de origem, por vezes com raízes em tradições populares. Esta diversidade assegura-lhe a qualidade imediata de ser uma mostra imprevisível, onde se atravessam fronteiras que não são só geográficas e se fazem vacilar os critérios habituais de validação das obras, convidando o visitante a descobrir e interrogar o que se expõe e não a seguir um guião preestabelecido. Por sinal, é também uma mostra que suscita uma significativa afluência de público.
Ao cruzarem-se trabalhos que podem ser caucionados por padrões vindos das abordagens etnológicas com outros que ambicionam integrar-se nos circuitos de reconhecimento dos centros artísticos, que a dinâmica da globalização torna mais poderosos do que nunca, põe-se à prova o que na retórica dita multicultural e pós-colonial continua a ser uma atitude de absorção e exclusão definida «mais a Norte». Há que lamentar, entretanto, que apenas se tenha publicado um folheto reduzido a sintéticas notas biográficas, quando importaria informar sobre os contextos artísticos representados e justificar opções selectivas que foram realizadas a partir de um trabalho original de prospecção no terreno, para além de ser oportuno estruturar alguma memória sobre o que tem sido a circulação de artistas africanos em Portugal. Por outro lado, é óbvio que a criação de uma colecção deste tipo tem condições para se prolongar numa acção de intermediação internacional, orientada para os países de origem e para outros espaços geográficos, o que exige instrumentos adequados de representação.
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Estêvão Mucavale, «Montanhas de Moçambique»
Malangatana (n. 1936), que comparece com uma pintura de 1967 onde se faz referência à sua prisão política, é o mais conhecido dos artistas e dá testemunho do que foi a procura de uma possível autenticidade popular africana, transferida para a pintura com grande voluntarismo autodidacta e alguma absorção de referências do surrealismo e dos realismos fantásticos, atingindo por vezes uma dimensão plástica muito poderosa. A esse padrão de negritude oficializada, muito influente em Moçambique, escapam as paisagens transfiguradas, desertas e monocromas de Estêvão Mucavale (n. 1941), pintor de origem «naïf» que se profissionalizou na África do Sul, e também as figuras esculpidas em barro por Reinata Sadimba (n. 1945), artesã de etnia maconde que desenvolveu uma obra visionária e original de grande interesse. Shikhani (n. 1934) é outro artista com identidade própria.
O único representante de Cabo Verde, Tchalé Figueira (n. 1953), é um pintor com estudos artísticos em Basileia, já com anteriores exposições em Lisboa (na Galeria Novo Século), que imprimiu à sua temática africana referências dos neo-expressionismos dos anos 80, com apreciável fluência.
O panorama angolano que se expõe é muito marcado pela diáspora, mostrando uma pluralidade de direcções de trabalho individual. Fernando Alvim (n. 1963), com carreira feita a partir da Bélgica, é o artista mais conhecido, documentando-se aqui a passagem de uma pintura com qualidades à instalação, numa peça que transporta outros estereótipos culturais. Miguel Petchkovsky (n. 1956), que estudou em Portugal e em Amsterdão, na Rietveld Academie, igualmente cineasta, e Alex (n. 1974), pintor também com formação na Holanda, têm presenças que se relacionam positivamente e de diferentes modos com o seu país a partir de aprendizagens exteriores.
Paulo Capela, angolano de origem congolesa (n. 1947), é uma figura singular do interior, autor de acumulações instaladas de objectos e documentos heteróclitos. Está presente com vastos conjuntos de envelopes de correio que ostentam pequenas pinturas com personagens e cenas de estereótipos africanos, que se vêem como uma posição paródica ou crítica face a um imaginário de folheto turístico.
Viteix (Vítor Teixeira, 1940-1993), doutorado em estética em Paris e artista com uma extensa circulação internacional, é outra das presenças estimulantes, a quem a Culturgest dedicará já em Abril uma mostra retrospectiva.
Posted at 14:59 in 2002, CGD, Colecções | Permalink | Comments (0)
ARTE MODERNA II, Culturgest/CGD
Expresso 25-03-95 (nota)
Apresentação de um segundo núcleo da Colecção da CGD, com obras de Helena Almeida, Batarda, Bertholo, Bravo, Alberto Carneiro, Lourdes Castro, Dacosta, Escada, Jorge Martins, Menez, Pomar, Paula Rego, Rodrigo, Ângelo, João Vieira e Pires Vieira (a inaugurar na 3ª feira às 18h). No catálogo, parece classificar-se este grupo de artista como uma espécie de «segunda divisão», em relação ao primeiro núcleo da Colecção mostrado há pouco mais de uma ano. Com efeito, Fernando Calhau, responsável pelas aquisições, escreve no catálogo que «nesse primeiro conjunto dava-se conta
de um sector da Colecção centrado num núcleo de autores que têm problematizado, com maior eficácia e visibilidade, os caminhos da modernidade.» Além da alegada «maior eficácia e visibilidade», os mesmos autores, «que (significativamente) construiram o seu percurso após 1974», teriam marcado «a internacionalização da arte portuguesa». Se tais fórmulas revelam, pelo menos, uma total inabilidade e deselegância, no momento e no lugar em que se publicam, sucede também que o juízo crítico que eventualmente as sustenta (ou será antes um «juízo» geracional, ou de grupo?) se afigura muito mal fundamentado nos comentários propostos como «Itinerário para uma exposição».
Alguns exemplos: a respeito de Paula Rego (e da «maior parte dos artistas presentes») aponta-se «a mistura de referências portuguesas com as referências culturais que surgiram da Pop Arte»; uma obra de René Bertholo é considerada «certamente representativa da arte cinética»; de Jorge Martins diz-se que «sempre aliou a paixão pelo racionalismo francófono a um interesse particular pela arte do post-expressionismo americano» e que «é patente no seu trabalho a dimensão cosmopolita tributária das suas longas permanências no estrangeiro». A polémica em torno desta exp. está
assegurada, mas vale a pena alargá-la à consideração das razões de fundo de uma situação mais geral de que ela é, apenas, um descuidado emblema.
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Lacunas, eixos e rupturas
ARTE MODERNA 2
Culturgest/CGD
EXPRESSO 01-04-95
É prática comum a constituição de colecções de arte por parte dos bancos e outras empresas, com as quais se cumprem, em geral confidencialmente, objectivos de decoração das instalações, de representação sumptuária e de investimento. A essas muito legítimas razões, que suportam parte essencial do mercado e da produção de arte, a CGD acrescenta a responsabilidade de uma intervenção mais ambiciosa, dando publicamente conta das suas aquisições e atribuindo-lhes uma lógica para-museológica.
Depois de uma mostra inaugural em 1989, a CGD procedeu a uma redefinição de critérios da colecção; apresentou em 1993 um primeiro núcleo de obras reunido sob o título «Arte Moderna em Portugal» e expõe agora um segundo conjunto. Num país sem museus estatais de arte contemporânea e com raras colecções públicas, a iniciativa é sem dúvida meritória, absolutamente respeitável para lá das polémicas que podem justificar os textos dos respectivos catálogos.
Acrescente-se ainda, como genérica reflexão, que uma colecção — por maioria de razão se for privada (ou de empresa, mesmo pública) — não deve nem pode ser consensuamente construida, procurando representar tudo e todos, e seria tão igualmente legítimo seguir um plano de aquisições dedicado à escultura em pedra como à pintura monócroma, às instalações multimédia como ao tema da paisagem, à emergência de novos artistas como a quatro ou cinco consagrados. Ninguém tem, afinal, nada com isso. E será só da soma ou da concorrência das diferentes colecções individualizadas que surgirá a possibilidade de equacionar, sempre ao sabor das permanentes revisões históricas, uma representação momentaneamente universal. Muito mais do que a «abrangência» e os compromissos tácticos, importará a coerência determinada de um gosto ou de uma opção programática, assumidas por um empresário «amador» de arte ou um «expert» contratado.
Em 1993, a colecção da CGD foi apresentada por Fernando Calhau como «fundamentalmente vocacionada para a arte dos nossos dias, acompanhando as tendências emergentes no meio artístico e mantendo uma constante actualização». Aqui se disse então, criticando não a definição de um critério mas as insuficiências dessa definição, que «a arte dos nossos dias» só na superficialidade das aparências e das cumplicidades momentâneas coincide linearmente com «as tendências emergentes». Aliás, não era já de emergências que se tratava, mas da «consagração» institucional de artistas que, desde as décadas de 70 e 80, alegadamente «tiveram ou (têm) um papel fulcral ou paradigmático, como figuras centrais e polarizadoras». Na mesma linha de comentário crítico, sugeria-se que a raridade do coleccionismo de vocação pública e a riqueza dos meios da CGD justificariam uma ambição menos conjuntural e imediatista.
Alguma evolução parece ter-se registado, entretanto, na orientação da colecção. Pelo menos, na apresentação do seu segundo núcleo de obras (ignorando agora as apreciações infelizes incluidas no catálogo, aqui referidas há uma semana) surge justificado o programa das aquisições e da exposição com o objectivo duplo de «corrigir lacunas existentes na colecção» e de apresentar «um grupo de artistas que traçaram os eixos e as rupturas das décadas de 60 e 70».
Os artistas expostos são Helena Almeida, Eduardo Batarda, René Bertholo, Joaquim Bravo, Alberto Carneiro, Lourdes Castro, António Dacosta, José Escada, Jorge Martins, Menez, Júlio Pomar, Paula Rego, Joaquim Rodrigo, Ângelo de Sousa, João Vieira e Pires Vieira. As obras distribuem-se cronologicamente entre 1958 e 1992, desde a abstracção geométrica tardo-mondrianesca de Rodrigo, em 58, até uma recentíssima figuração que dialoga com referências clássicas, na pintura de Menez, de 91-92.
O conjunto, se de conjunto é possível falar mais do que como ocasional vizinhança, é obviamente muito diversificado quanto aos itinerários estéticos prosseguidos e às notoriedades reconhecidas, e de alguns dos artistas se poderia dizer, com tanta ou tão pouca justeza, que «traçaram os eixos e as rupturas» também das décadas de 40 e 50, e certamente, porque muitos deles estão activos, traçam os dos anos 80 e 90. Paradoxalmente, perante o programa anunciado, notar-se-á que é afinal destas duas últimas décadas que datam todas as obras expostas de Batarda, Bravo, Dacosta, Martins, Menez e P. Rego, e também grande parte das restantes. Terá algum sentido apresentar rupturas de 60 e 70 com obras em geral posteriores e que contradizem as propostas então formuladas?
Não há, como é óbvio, nenhuma coerência programática nem cronológica neste conjunto de autores e obras, e valeria certamente a pena assumi-lo sem complexos. A consistência do conjunto poderia situar-se apenas na circunstância temporal das aquisições, que a iniciativa da exposição não deveria criticar-se por isso. E nenhuma tentativa de legitimação teórica importa mais do que a eficácia eventualmente alcançada pela proximidade, dialogante ou contraditória, das obras expostas — ou que a afirmação de algumas de entre elas como situações irredutíveis aos momentos colectivamente definidos.
Esqueça-se então a roupagem justificativa, para sublinhar que a exposição, na sua manifesta diversidade e na aleatoriedade das aquisições, conta com trunfos suficientes para impor a sua efectiva importância. Observe-se o processo da desocultação das imagens e dos sentidos a que se assiste nas três pinturas sucessivas de Menês, ou a revisitação, na busca conjuntural de um novo realismo, da tradição dadaista e surrealista da acumulação e da caixa, com Lourdes Castro (1962), ou a descoberta de singularidades tão poderosas como as três telas de Dacosta (83-6), ou os recortes em papel de José Escada com que brinca com a indistinção entre abstracção e figuração (68), ou as duas pinturas quase-monocromáticas e certamente inéditas de Batarda (sem título e sem data, o que é estranho).
Importam, nesta e em qualquer exposição, algumas obras — e outros farão escolhas diferentes... Mas importa também rejeitar em absoluto a grelha de legitimações pseudo-historicistas, guiada pelas ideias pobres das lacunas e das rupturas, subordinando emoções e sentidos, invenções e interrogações a um formulário que substitui as pequenas estratégias de ocasião à capacidade de ver. E é impossível separar essa mesma ineficácia teórica da surpreendente sucessão de equívocos que se pode ler nos textos do catálogo e do «jornal da exposição». À lista esboçada na semana anterior somem-se a comparação Lourdes Castro-Jeff Koons, a Pop Arte de Paula Rego e de L. Castro, a «nova figuração» de Dacosta, a «pintura culta» de Batarda, por exemplo.
As lacunas existem só nos universos finitos das cadernetas de cromos, não numa coleção aberta. E as rupturas, versão «soft» das revoluções ou sobrevivência empobrecida das seriações de «ismos», contraditam-se na sua própria sucessão, sem progresso, como se sabe. Ou então, isolando obras individuais, apontem-se como verdadeiras lacunas a ausência das sombras recortadas de Lourdes Castro, das pinturas de René Bertholo (antes e depois dos objectos com movimento), das colagens anteriores de Paula Rego e das suas últimas pinturas (e se não for a CGD a disputá-las às empresas inglesas quem o fará?). São alguns exemplos que permitiriam pensar com proveito a ideia de ruptura, mas no interior de cada uma das produções autorais que se impõe como obra e não só como sucessão e reiteração de achados.
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ARTE MODERNA 2 - 29-04-95 (nota)
Num segundo núcleo da colecção da Caixa reunem-se, em geral, autores com forte presença na arte portuguesa desde o início dos anos 40, embora com obras datadas em geral das décadas de 60 a 80. Alguma incerteza na aquisição das obras faz-se por vezes notar, mas, mesmo assim, o conjunto tem uma qualidade museológica global que ultrapassa a de outras colecções públicas e que faz desta exp. um acontecimento de excepcional importância. Noutro plano de considerações, esta mostra permite identificar um muito curioso confronto entre o circunstancial discurso de legitimação escrito para o catálogo e outros discursos que a presença das obras autorizam ao espectador interessado. Mas o mais interessante que aqui sucede, a partir de uma não controlada oportunidade de ver, num mesmo lugar — num itinerário não disciplinado pela cronologia nem subordinado ao reducionismo fácil da ideologia da novidade —, obras que representam situações de maturidade e continentes autorais afirmados num tempo próprio ao lado de outras que importam como documentos de um suposto processo evolutivo global que as obras individuais apenas ilustrariam, é a desmontagem em acto das abordagens mais usuais e mais empobrecidas sobre o objecto artístico. As grandes obras são indisciplinadas e vivem as suas próprias mutações (em relação com o seu tempo, mas com uma necessidade própria) segundo sensibilidades próprias e problemáticas irredutíveis a uma história feita por décadas, estilos, rupturas e fórmulas críticas; as outras são obras irremediavelmente menores que só existem enquanto exemplos episódicos, ilustrações, de um exercício que tem do tempo uma noção jornalística. Entretanto, esclareça-se que os dois quadros inéditos, sem título e sem data, de Eduardo Batarda são trabalhos escolares do Royal College of Arts de Londres realizados entre Outubro de 1971 e Janeiro de 1972.
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ARTE MODERNA 2, 20-5-95
Abrindo com uma tela de Paula Rego, de 1984 (exemplar único na colecção, já adquirido na década passada...), a exp. desconstroi no seu efectivo percurso a proposta de leitura formulada nos textos que a acompanham — os «eixos e as rupturas das décadas de 60 e 70» não são mais que etapas de uma vulgata que dissolve a obra dos artistas numa sucessão progressiva de estilos colectivos, ou só de inovações (aliás, em geral, de importação de inovações), que ilustrariam o «progresso» da arte. A pessoalíssima figuração narrativa de "The Mosquito House", que deve menos à Pop Arte que a Dubuffet, aos Cobra e às ilustrações de livros infantis, ou as últimas telas de Menez e o regresso à pintura de Dacosta, ou Jorge Martins e Batarda, colocam problemas mais incontornáveis e mais abertos ao futuro do que as obras que exemplificam a abstracção geométrica, a não-objectualização, a desconstrução do objecto-quadro ou a auto-referencialidade da superfície. Através dessa resistência de alguns artistas, por vezes expressa nas contradições ou «rupturas» da sua própria obra, à linearidade dos estilos e das cronologias simplistas, demonstra-se a dualidade de alternativas que se colocam a esta colecção «in progress».
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INDICE
1993
26 Jun. pp. 68-71, “Cultura sociedade anónima” (Culturgest abre a 10 Out). / “Entrar nos circuitos”, entr, c/ Manuel José Vaz e Fátima Ramos / Eficácia empresarial, ent. C/ Rui Vilar (I)
9 out 93 "A modéstia do gigante" (a colecção de Fernando Calhau) - (II)
Colecção da CGD, Culturgest 1993 - 16 out , 6 e 13 nov. notas
01 abr 95 Colecção : "Lacunas, eixos e rupturas" 1995 (25-03-95 + 29-04 e 20-05)
(abertura) exp. Magnum 50 Anos, «Janela aberta» 16 Outubro - notas 23 e 30 out
Imagens para os Anos 90 - 18 dez.
24 Dez. “Schiele, o maldito” - p. 13
OUTRAS EXPOSIÇÕES
07 ago "Não há novos" -18 dez Imagens para os Anos 90, Culturgest e 15 e 22 jan 94
“Não há novos”
IMAGENS PARA OS ANOS 90
Casa de Serralves - 07-08-93 pág 13
Pelo terceiro ano consecutivo a Fundação de Serralves apresenta durante o Verão uma colectiva com repercussão nacional e com intencional sentido polémico, numa sequência que se vai constituindo como uma referência indispensável no panorama artístico português, embora naturalmente construída por momentos de desigual importância. Este ano foi o próprio director artístico de Serralves, Fernando Pernes, que se reservou a função de comissário (depois de a ter atribuido a Bernardo P. Almeida e a Alexandre Melo, em 91 e 92), conferindo à mostra um duplo projecto de sinalização de mudanças entre as décadas de 80 e 90, e, por outro lado, de revelação de jovens artistas e de outros menos jovens mas de também recente originalidade criativa.
Se o título do seu texto no catálogo ("O espaço e a hora da juventude") reforça a componente de revelação de jovens artistas, deve dizer-se que afinal eles escasseiam na exposição, onde apenas um (Rui Serra) tem menos de 26-27 anos (idade de Paulo Mendes, João Tabarra e André Magalhães). A média etária é de facto muito alta, superior a 30 anos, e sucede até que um número considerável de nomes volta a surgir como jovem depois de uma "revelação" ocorrida já uma década antes (por exemplo, em "Novos, Novos", de 1984, figuravam António Olaio, Catarina Baleiras, Fernando Brito e J. Paulo Feliciano).
A exposição falha, portanto, no seu propósito de revelação dos jovens dos anos 90, embora não fosse difícil acrescentar-lhe vários outros nomes já postos em circulação através de exposições recentes - aliás, Pernes avisa enigmaticamente que a exp. "sofre de várias ausências (pela nossa parte involuntárias)". Mais preocupante é que a visibilidade ou autoridade de alguns novos nomes se demonstre insuficiente, em parte por ser demasiado escassa a sua representação, mas também por um excessivo ecletismo da selecção - é, pelo menos, o caso de Pedro Andrade, André Magalhães, Fernando José Pereira, Baltazar Torres, Carlos Vidal, João Louro e Nuno Santiago.
Notar-se-á, entretanto, que o próprio processo de "prospecção" de novos artistas ou de novas situações artísticas tem sido até agora liderado por críticos e artistas vindos de anteriores gerações, numa dinâmica que em grande parte corresponde a um esforço de conservação de protagonismos numa situação de passagem da década, enquanto são quase inexistentes as iniciativas próprias dos jovens artistas e não ocorre a afirmação de novos críticos com eles geracionalmente identificados. Foi esse, em 1983, o caso de "Depois do Modernismo", tal como, mais recentemente, sucede com as exposições do "Centro Cultural de Lisboa", lideradas por "artistas dos anos 80" (continuando a usar-se, por mero jogo, este tipo de classificações).
Em Serralves, o mesmo se passa, com a condicionante de F. Pernes usar uma grelha ainda mais marcada pelo seu tempo próprio, ao procurar nos anos 90 a renovação do "diálogo com a rebeldia juvenil dos anos 60". Na referência ao "retomar o desejo inconformista de uma arte de provocação e revolta" ele estará duplamente equivocado: na consideração dos reais problemas que atravessam a actualidade artística e no que entende ser "o papel mais adequado ao projecto interventivo" de um centro institucional e museológico.
Genericamente, e sem lugar a surpresas, a colectiva de Serralves é marcada pela reafirmação (ou mera sinalização de presença) de artistas muito diferentes entre si e com notoriedade já reconhecida, sem que qualquer carácter geracional ou problemática comum efectivamente se imponha: João Paulo Feliciano e Daniel Blaufuks, ambos com as presenças mais afirmativas, Miguel Ângelo Rocha, Joana Rosa, Sebastião Resende e Pedro Sousa Vieira. Numa segunda linha, autonomizável desde logo pela ocupação maioritária do piso superior, destacam-se os trabalhos de Fernando Brito, Paulo Mendes, Miguel Palma e João Tabarra, num quadro mais colectivo de intervenção em que imperam o "achado" e a anedota ou a citação-simulação, onde a possível reflexão se expressa maioritariamente como irrisão. Se a eficácia de alguns trabalhos os coloca também no primeiro plano da exp., ela não basta para caracterizar uma mudança sensível de conjuntura nem mesmo para confirmar autorias. É este em especial o caso de Rui Serra, que não conseguiu resolver o complexo problema de ocupação de espaço que se propôs.
Três autores que utilizam a fotografia, André Gomes, Luís Palma e Valente Alves, figuram também na colectiva. No catálogo deverá ler-se um notável texto de João Pinharanda, que constitui uma desmontagem de alguns dos conceitos convocados pela própria exposição.
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ARTE E DINHEIRO, CGD/Culturgest
EXPRESSO 19-11-95 (nota)
Organizada por ocasião de um congresso sobre Cultura e Economia, esta exposição-intervenção comissariada por
Alexandre Melo ganha, sem dúvida, um particular significado pelo lugar que as obras ocupam no átro da CGD.
Tratar-se-á aqui de reunir algumas obras que explicitam uma análise sociológica empírica, no caso de Warhol, ou que
se propõem, em todos os outros casos, os de Muntadas, Louise Lawler , Pedro Portugal, Paulo Feliciano e Paulo
Mendes, como um comentário crítico do «sistema da arte contemporânea», aproximando-se assim uma abordagem
teórica da arte na área da sociologia do que por vezes se define como uma «arte sociológica» (tal como haverá uma
arte religiosa ou uma arte decorativa?). A exp. é acompanhada pela edição de uma antologia de textos, também
intitulada Arte e Dinheiro (ed. Assírio e Alvim), onde os mesmos artistas assinam o «design» de algumas páginas
iniciais de imagens e textos. «Design» é certamente uma palavra chave para entender algumas obras a que não será
possível reconhecer profundidade de análise sociológica nem originalidade da sua configuração objectual, limitando-
se a reformular graficamente textos e imagens conhecidas ou a construir «gadgets» segundo as regras e intenções da
comunicação publicitária, quando não a ser apenas ilustração de teses políticas. Quanto às 12 pequenas pinturas de
Andy Warhol que se expõem (as flores, os dólares, Lenin e Mao, etc), a evidência da sua menoridade, já bem distante
da banalidade necessária das suas primeiras obras, é certamente um lúcido contributo para repensar o sistema e a
história da arte dominante.
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JOVENS PINTORES
Culturgest/CGD, Galeria 2
EXPRESSO 29-10-95
Existe entre nós uma ampla desconsideração da fórmula concurso, que talvez resulte, para lá do excessivo voluntarismo de grande parte dos agentes culturais, da genérica diluição de um sistema minimamente consistente e consensual que possa estruturar os diversos segmentos, sectores e níveis do
panorama artístico. Tal desconsideração não é alheia quer a uma instabilização permanente, ou mesmo a uma desvalorização, das instâncias críticas actuais, quer a um desfuncionamento notório das entidades associativas e, ainda, a uma possível falta de transparência e, logo, de credibilidade, dos
circuitos de selecção e consagração — que tem por consequência mais imediata os desmandos notórios
nos planos da arte pública (monumentos realizados pelas autarquias, novas decorações do Metropolitano, etc). Os concurso abertos a artistas, jovens ou não, podem garantir aquela transparência dos circuitos artísticos e também acautelar canais paralelos de revelação ou validação de notoriedades,
funcionando, por outro lado, como estímulo de um interesse público de que outras iniciativas abdicam.
Neste prémio promovido pela Companhia de Seguros Fidelidade não ocorrem descobertas empolgantes, nem o panorama médio é susceptível de fundamentar qualquer optimismo, mas não deixa de ser possível constatar algumas das ambições que motivam inícios de carreira. (Até 7 Nov.).
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Anos 80
Culturgest/CGD
EXPRESSO 29-08-1998
Últimos dias da grande produção com que a Culturgest assinalou o período da Expo. Organizada por uma protagonista dos anos 80 ibéricos, a mostra procurou espelhar a grande circulação internacional da década, com a sinalização dos seus vários pólos institucionais e o pluralismo das várias estratégias sobrepostas ou sucessivamente mediatizadas, num contexto em que o optimismo económico generalizado pareceu articular o lançamento das grandes instituições artísticas oficiais com os jogos de mercado, sobre o pano de fundo de um constante estímulo da produção, isto é, da arte.
Apesar da crise que se lhe seguiu (crise económica, crise de modelos culturais, crise da arte oficial predominante), a comissária optou por manter intacta a fachada de um sistema arruinado, através de um jogo calculado de participações e omissões: a presença de Baselitz, «afirmado» nos anos 60; a ausência de Keith Haring e Basquiat, verdadeiros emblemas da década, mas já mortos; a grande representação escolar alemã, o menosprezo pelos franceses (Alberola, Combas, Lavier ou Sophie Calle não são menos desinteressantes que outros eleitos), o empolamento do número dos portugueses, etc.
A lista dos presentes estabelece-se como inventário de notoriedades e sucessão de fenómenos de moda, o que foi, de facto, o ponto de vista crítico que se implantou nos anos 80 (ignorando a profunda reconsideração da história da modernidade entretanto ocorrida). Presenças como as de Martin Puryer e Sean Scully, cuja projecção cresceu regularmente ao longo da década de 80, à margem das tendências dominantes, perturbariam a lógica da narrativa e os interesses de mercado que representa, tal como a comparência dos grandes fotógrafos que se impuseram nos mesmos anos, Sebastião Salgado e Martin Parr (e, por que não, Nam Goldin?). Mas as questões decisiva são ainda outras: a periodização por décadas é um exercício de facilidade e de auto-promoção; a lógica das revelações geracionais é sempre insuficiente para caracterizar as mutações que ocorrem num dado momento.
Sobreviveram mal muitas das notoriedades dos anos 80, mas pouco importa: dentro de dois anos serão todos artistas do século passado. (Até 31)
Posted at 13:11 in 1995, 1998, CGD, Colecções, Culturgest | Permalink | Comments (0)
NA ABERTURA DA SEDE DA CULTURGEST/CGD
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EXPRESSO - 9 out 93
"constituição de um acervo prioritariamente orientado para a actualidade, acompanhando os desenvolvimentos mais interessantes da criação artística dos nossos dias», Rui Vilar
Fernando Calhau (vindo da SEC e da antiga DGAC) à frente da colecção *
agrupando «autores que, embora pratiquem formulações estéticas diferentes, se aproximam conceptualmente»
a mesma área da «actualidade», entendida como a produção dos artistas afirmados desde meados de 70, e alargada a um ou outro artista tido por «precursor”, em que estão a actuar as várias instituições com intervenção neste terreno (Gulbenkian, Serralves e FLAD)
*(sobre Fernando Calhau, 1948-2002: foi artista (da geração de Júlião Sarmento e dele mt próximo; em sintonia com os programas da arte conceptual e minimalista, segundo a Wikipedia) e foi desde cedo funcionário da antiga SEC - actividade que a biografia no site da colecção Gulbenkian omite. Na administração cultural, ocupou cargos na Direcção-Geral de Acção Cultural, na comissão organizadora do Museu de Arte Moderna do Porto, na orientação da Colecção de arte contemporânea da Caixa Geral de Depósitos e no Instituto de Arte Contemporânea, que dirigiu entre 1997 e 2000. (** ver abaixo)
A PRIMEIRA exposição da colecção da Caixa Geral de Depósitos aconteceu em 1989 por iniciativa do Governo, num momento em que este promovia uma política muito voluntarista de estímulo do mecenato. O próprio Ministério das Finanças, a pretexto do seu bicentenário, reunira uma colecção própria (com contribuições alheias...) e mostrara-a sob as arcadas do Terreiro do Paço, antes de apresentar o acervo da Caixa. Na FIL, por esse tempo, a SEC montava uma Feira das Indústrias Culturais que não teria continuidade.
Serralves, que dava os primeiros passos, já tinha realizado exposições dedicadas às colecções da União de Bancos Portugueses (em 87) e do Banco Português do Atlântico (88). Nesse mesmo ano de 89, o Banco Hispano Americano fazia coincidir a sua ofensiva no mercado nacional com uma vasta exposição na Gulbenkian.
Outras operações do mesmo tipo se seguiram com a visita, também à Gulbenkian, da colecção da Telefónica de Espanha (um conjunto excepcional de obras de Chillida, Gris, Tàpies e Luis Fernández), e com a apresentação em Serralves da arte espanhola dos anos 50-80 pertencente à Caixa de Barcelona («La Caixa»), ambas em 91.
As colecções de empresa afirmavam-se então como uma realidade internacional de alguma importância, que se justificava por razões de representação social e publicidade de imagem, por opções de investimento e, em especial, por recentes concepções de responsabilização cultural que pareciam substituir parcialmente o tradicional coleccionismo mecenático praticado pelos ricos amadores de arte. Tal circulação de exposições abrandou nos anos seguintes (como muitas outras coisas no domínio da Cultura), mas já no início do programa de Lisboa'94 se irá ver no CCB a colecção de arte francesa contemporânea da Caisse des Dépots et Consignations, de Paris.
O QUE a CGD mostrou em 1989 era uma escolha de 60 pinturas e esculturas de outros tantos artistas contemporâneos (ou, pelo menos, ainda vivos), seleccionados do total de 204 (!) autores representados na sua colecção. A montagem inábil agravava a dificuldade de entender uma exposição que parecia guiar-se, tal como a colecção, pelo princípio de não fazer escolhas: seguia-se o princípio de mostrar apenas uma obra de cada artista, maior ou menor, ao longo de uma sucessão de gerações que vinha dos anos 30 até às revelações da década de 80.
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A criação da Culturgest em 1993
DOSSIER EXPRESSO 26 Jun.1993, pp. 68-71
1 entrevista de Manuel José Vaz e Fátima Ramos
2. “Cultura sociedade anónima”
3. entrevista de Rui Vilar
1.
“Entrar nos circuitos”, entrevista de Manuel José Vaz e Fátima Ramos
«A CULTURGEST é uma empresa privada e comercial que assegura a animação dos espaços culturais da nova sede da CGD», diz o seu principal responsável, Manuel José Vaz. A utilização de tais espaços constituía, inicialmente, um projecto interno à CGD, dirigido para os seus empregados e para actividades de representação ligadas à natureza própria de um banco. Foi Rui Vilar, presidente da CGD, quem, entretanto, resolveu «voltar também para o exterior a utilização do edifício, abrindo-o à cidade e procurando assim suavizar o impacto negativo de uma tão grande concentração de serviços» numa única zona da cidade, decidida de acordo com concepções de gestão que hoje já não são pacíficas.
Abrir a fortaleza a diferentes usos, com novas circulações de público e horários mais flutuantes, implicou algumas alterações na obra e a revisão de condições de segurança. Mas reconheceu-se que o gigantismo da sede veio, de facto, alterar as características ambientais de uma área densamente povoada, sujeitando-a, para além de outros efeitos secundários, a uma nova vocação de serviços e ao peso do fluxo regular dos seus milhares de empregados. Toda a zona sofreria rapidamente, sem o projecto de animação cultural, um processo de desertificação no período posterior ao encerramento do banco semelhante ao que ocorre na Baixa pombalina.
Entretanto, se o mecenato cultural se tornou, para a generalidade das grandes empresas, um processo de adquirir um renovado prestígio através da ideia de uma espécie de retorno de benefícios, a animação do edifício, em especial na sua fachada volta ao Arco do Cego, corresponde também a uma contrapartida oferecida aos moradores das áreas limítrofes, depois de anos de perturbação causado pelo mastodôntico estaleiro da Caixa.
Mas as atribuições da Culturgest voltam-se ainda para o aproveitamento de algumas das potencialidades do edifício na perspectiva da sua rentabilização (congressos, reuniões, etc), actuando como «interface» entre o público e os equipamentos que se integram na estrutura da Caixa. É o caso da biblioteca da CGD, que, além da sua componente mais técnica e especializada, dedicada à economia, finanças e direito, desenvolverá uma nova vertente com criação de um Centro de Documentação Europeia, em colaboração com o Centro Jean Monet, com acesso a bases de dados internacionais. Paralelamente, outro polo reunirá documentação especializada no domínio das artes plásticas, em articulação com a própria colecção de arte da Caixa, e também no campo das artes do espectáculo.
EM TERMOS de estrutura interna, a Culturgest é uma empresa muito leve, que conta apenas com o núcleo formado pela administração, um assessor artístico, António Pinto Ribeiro, e um director técnico, Eugénio Sena, mais um secretariado de duas pessoas. Não terá estruturas artísticas residentes e, em termos práticos, irá socorrer-se da contratação temporária de serviços especializados, embora conte com a disponibilidade das equipas técnicas que pertencem aos quadros da própria CGD.
Entretanto, a natureza própria dos seus «serviços» levou a Culturgest a constituir um Conselho Consultivo, que já reuniu no dia 15 para apreciar a programação prevista e os princípios gerais que enformam o seu plano de actividades. Actualmente preenchido por 12 elementos, num total previsto de 15, o Conselho elegeu, nessa primeira reunião, Rui Vilar como seu presidente e Rui Machete (FLAD) e Yvette K. Centeno como vice-presidentes, sendo os restantes titulares Eduardo Lourenço, António Barreto, João Marques Pinto (presidente da Fundação de Serralves), Isabel Silveira Godinho, Ruy Vieira Nery, Gerard Castello Lopes, Paulo Lowndes Marques, José Mariano Gago e Manuel Pinto Barbosa. Sem poderes vinculativos, o Conselho reune duas vezes por ano.
1993 é o ano de abertura da sede da CGD e das actividades culturais da Culturgest, limitado a um trimestre de lançamento. O próximo ano será excessivamente marcado pela dinâmica da capital cultural para se poder considerar exemplar dos propósitos da empresa, justificando-se mesmo alguma preocupação dos seus responsáveis perante os riscos de um previsível excesso de oferta cultural global. É, por isso, só para a temporada de 94/95 que se prevê uma velocidade de cruzeiro e uma exacta caracterização da sua lógica de programação. Entretanto, irá procurar criar um público novo, alargando o público cultural existente, para o que se conta em especial com a população estudantil do eixo Cidade Universitária-Instituto Superior Técnico.
Para o futuro, não se exclui a hipótese de outros espaços culturais, fora de Lisboa, virem a ser incluidos na órbita da Culturgest. Para já, porém, existe uma sede precisa para a sua acção, e uma clara distinção entre os apoios mecenáticos que continuarão a ser da competência da CGD, e são várias vezes superiores ao orçamento da empresa, e o seu próprio plano de actividades. A Culturgest não é uma instituição-mecenas, disponível para distribuir bolsas ou subsidiar projectos alheios.
NÃO É SÓ por se tratar de uma empresa comercial que a Culturgest se quer definir como um projecto original no terreno da cultura. A própria linha de programação adoptada (ver texto de abertura) reveste-se de características inovadoras, e a lógica empresarial que se lhe impõe pretende igualmente reflectir um conhecimento actualizado da realidade internacional das indústrias e dos mercados culturais.
Por um lado, apresenta-se, segundo Fátima Ramos, como «uma empresa privada, que é gerida por princípios estéticos, artísticos e de gosto da sua única responsabilidade». A procura de um perfil próprio entre as instituições culturais passa por um opção resoluta pela actualidade da criação artística e intelectual.
«A área principal de actuação vai basear-se na actualidade e em geral no século XX mas, na medida em que o século XX também já é em grande parte passado, gostávamos de imprimir à nossa programação a perspectiva de um olhar de hoje, e mesmo a marca da leitura que o final do século faz sobre esse passado». Daí até ao projecto de estruturar um programa de reflexão sobre o modo como as artes abordam as angústias do final do século e do milénio vai um pequeno passo que certamente será dado com o «Ciclo Apocalipse».
A programação por ciclos temáticos, e não como soma de acontecimentos desconexos ou avulsos, é, aliás, uma das regras da casa. Inscritos na programação anunciada estão já os ciclos «Multiculturalismo e novas mestiçagens», em colaboração com a Comissão dos Descobrimentos, «Mediterrâneos», «Dança do século XX», «La Liseuse» (leituras públicas). «A interdisciplinaridade, o multiculturalismo e o diálogo entre o 'antigo' e o 'novo'. o reportório e o experimentalismo deverão favorecer tensões criativas que contribuirão para uma programação atraente e coerente» — pode ler-se num documento interno.
Por outro lado, a intervenção cultural da empresa pretende expressamente apoiar os artistas portugueses e favorecer o seu acesso às redes da circulação internacional de exposições e espectáculos. Com a reserva das suas limitadas possibilidades de intervenção: «Não queremos sobrepor-nos nem às outras instituições que já existem ou estão a ser criadas, nem entrar em competição com elas, tal como não pretendemos substituir-nos ao que são as obrigações das instituições estatais em matéria de cultura», dizem os administradores.
No entanto, Manuel José Vaz e Fátima Ramos definem como seus objectivos «tentar impulsionar a criação e fazer a melhor divulgação que pudermos das obras dos criadores portugueses, ao mesmo tempo que se apresentarão produtos estrangeiros de boa qualidade». Para além das fórmulas abstractas, trata-se de valorizar a noção de rede e de a traduzir pela prática constante da co-produção, entrando desde o início nos circuitos internacionais: uma estreia não deve esgortar-se na sua apresentação isolada, deve circular; a vinda de uma exposição ou de um espectáculo a Portugal é mais útil e mais económica se ela (ou ele) percorrer um itinerário de várias cidades — e a intervenção cultural é mais sólida, e menos passiva, se for possível participar desde o início na definição do seu programa; melhor ainda se a encomenda feita lá fora tiver as contrapartidas de um processo de trocas.
Segundo princípios já correntes de gestão cultural, mas que são raros em Portugal, trata-se de pensar a programação, desde o início, de parceria com outras instituições, assegurando uma maior divulgação, diminuindo os custos e estabelecendo mecanismos de circulação capazes de assegurar que a importação de criações estrangeiras possa ter a contrapartida da apresentação de autores portugueses no exterior.
Mas será preciso encontrar parceiros em locais exteriores à sede lisboeta, e a realidade nacional não é imediatamente favorável: por toda a parte espera-se acolher espectáculos oferecidos, limitando os investimento à cedência de uma sala.
«É patente a ausência de um mercado de produção e de distribuição artística em Portugal», lê-se no documento já citado. Aí se adianta que «as razões fundamentais residem na inexistência e ignorância dos mecanismos de produção, ... das regras de comportamento laboral e de mercado entre todos os agentes intervenientes no processo cultural, dos artistas aos programadores, na desorganização e na falta de planeamento de produção e organização de reportórios e criações».
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2. “Cultura sociedade anónima”
(a Culturgest abre a 10 Out.)
A NOVA sede da Caixa Geral de Depósitos, ao Campo Pequeno, não é só o maior edifício comercial em construção na Europa — é também o lugar de implantação de uma experiência de gestão cultural inédita em Portugal. A CGD, que tem mantido, nos últimos anos, uma larga mas discreta acção de mecenato, vai ter a partir de Outubro a sua própria «fachada cultural», inaugurando no seu faraónico palácio do Campo Pequeno, um centro de espectáculos e exposições com programação regular.
Não se trata de mais uma fundação, embora houvesse neste caso (ao contrário do que sucede em S. Carlos ou no Centro Cultural de Belém) uma rectaguarda financeira sólida assegurada pelo maior banco português. Para gerir aquela programação e os seus espaços próprios, e rentabilizá-los também através da organização de congressos e da venda de serviços, Rui Vilar criou uma empresa, a Culturgest — Gestão de Espaços Culturais, Sociedade Anónima. Os seus capitais pertencem em 90 por cento ao Grupo Caixa (CGD e a sua holding) e os dez por centos restantes são investidos pela Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento. É uma lógica empresarial, mesmo que inevitavelmente sem resultados lucrativos, que presidirá às suas actividades.
Na respectiva administração encontram-se Manuel José Vaz, engenheiro com uma longa ligação ao S. Carlos (fundador do seu grupo de Amigos e durante três anos membro do conselho de administração, declarando-se, em 1991, indisponível para novo mandato), Fátima Ramos (ex-funcionária superior dos quadros da SEC, vice-comissária geral da Europália 91 e, mais recentemente, chefe de Gabinete de Teresa Gouveia na Secretaria de Estado do Ambiente), e ainda Luís Santos Ferro, em representação da FLAD.
É SÓ A 10 ou 11 de Outubro que se abrirão as portas da CGD/Culturgest, com um concerto inaugural e duas exposições simultâneas: a apresentação das obras de arte da colecção da própria Caixa e da grande mostra de fotografia que comemorou os 50 anos da agência Magnum e se encontra em digressão mundial desde 1989 (passou pela Hayward Gallery de Londres, Folkwang Museum de Essen, Stedelijk Museum de Amsterdão, Pallazo delle Expozioni de Roma, Museo Alinari de Florença, Palais de Tokyo de Paris, e está desde a passada segunda-feira no Centro Reina Sofia de Madrid, para citar apenas alguns pontos da viagem da sua «edição» europeia). As 300 fotografias da Magnum, «In Our Time» no seu título inglês, são uma indicação bastante do «fôlego» imprimido a uma programação que corresponde, de facto, à abertura de um novo polo cultural na capital.
Quanto à colecção de arte, mostrada apenas uma vez, em 1989, em instalações do Ministério das Finanças, ela foi entretanto sujeita ao reexame da sua representatividade, confiado a Fernando Calhau, iniciando-se depois um novo programa de aquisições. A colecção surgirá, portanto, já redefinida e ampliada.
Para Dezembro, continuando no capítulo das exposições, a programação promete uma mostra de 22 jovens artistas portugueses seleccionados por Fernando Pernes, «Imagens dos anos 90», em co-produção com a Fundação de Serralves e com passagem também por Chaves, e «Cem aguarelas de Egon Schiele», mostra com origem na colecção Sabasky, de Nova Iorque, organizada para celebrar o centenário do nascimento do grande pintor vienense (1890-1918).
Depois, anuncia-se um panorama da arte belga, «Resistências poéticas», também em colaboração com Serralves; «Máquinas de Cena», com cenários e adereços do grupo de teatro O Bando; uma mostra subordinada ao tema «Arte e dinheiro», paralela a um colóquio organizado no âmbito de Lisboa 94 e comissariada por Alexandre Melo, e, por fim, «Paraísos e outras histórias», novas séries ainda inéditas de pinturas de Júlio Pomar, também no quadro da programação da Capital Cultural.
A MÚSICA, a dança e o teatro serão outras áreas de programação regular, dispondo a sede da Caixa de um Grande Auditório com 700 lugares, plenamente equipado e com fosso de orquestra para 40 músicos, e de um outro mais pequeno com 150 lugares, vocacionado para conferências e espectáculos de cunho experimental. Entretanto, tal como no capítulo das exposições, também na programação da área dos espectáculos há duas constantes que podem ser sublinhadas: a programação a longo prazo (o que é raríssimo nas instituições nacionais) e a opção pelas co-produções, com abertura às circulações nacionais e internacionais (ver texto ao lado).
Significativamente, o segundo concerto previsto será de jazz, com a Big Band do Hot Club e um solista de renome, ficando assim provada desde logo a intenção de não restringir a agenda musical às áreas eruditas, mesmo que não se preveja a concorrência com os empresários do rock. O jazz, aliás, dará lugar imediatamente a um mini-ciclo dedicado à música americana, das raízes autênticas dos espirituais, do gospel ou do dixieland, aos grandes êxitos de Gershwin, Cole Porter, etc, segundo um programa da responsabilidade de Gary Gibbs, que é o animador cultural da Ópera de Houston. Mas os grandes acontecimentos do próximo ano serão a colaboração com a Capital Cultural num «Ciclo de Integrais» (32 concertos, de Janeiro a Novembro, sucessivamente dedicados aos quartetos e quintetos de Beethoven, Mozart, Bartok ou da Segunda Escola de Viena e ainda a obras solísticas de Schubert, Ravel e Bach) e, por outro lado, a divisão com a Fundação Gulbenkian da responsabilidade pelos Encontros de Música Contemporânea, em Maio.
Outros acontecimentos, reduzindo sempre o calendário aos grandes títulos, serão a apresentação em Maio da ópera Orfeu, de Walter Hus, encenada por Jan Lawers e que fez parte do Festival de Ópera Contemporâna de Antuérpia 93; um recital de obras de Rachmaninov por Sequeira Costa, por ocasião do lançamento de um disco gravado com a Royal Philarmonic Orchestra, patrocinado pela CGD, já em Novembro; e, em Outubro de 94, o acolhimento de um Concurso Internacional de Clarinete organizado pela RDP.
MAS a dança terá também um lugar destacado na programação do primeiro ano da Culturgest, a que não é alheia a presença de António Pinto Ribeiro como assessor artístico. Anuncia-se já a estreia mundial de uma coreografia de Vera Mantero (Sob) que inaugura um ciclo intitulado «Mediterrâneos» e irá depois encerrar a programação de dança de Antuérpia 93, numa co-produção com Tejo Trust e Ferme de Buisson. Depois, num outro ciclo dedicado à Dança do Séc. XX, seguir-se-ão espectáculos de solos em homenagem a Isadora Duncan, por Margarida Bettencourt, Miguel Pereira e Allison Green, sob o título genérico Atiro uma flecha pelo ar; mais tarde, um espectáculo de Meg Stuart, No longer ready made, numa alargada co-produção da Culturgest com os festivais de Klapstuk, Springdance, etc; uma Homenagem aos Ballets Russes, pela Companhia de Angelin Preljocaj; uma nova criação de Joana Providência com uma bailarina de Cabo Verde, a integrar num ciclo denominado «Novas mestiçagens»; Corol.la, de Angels Margarit; e, a encerrar o ano, a comemoração do centenário do nascimento de Martha Graham, ainda em coprodução com Lisboa 94.
Passando ao teatro, que terá menor expressão no primeiro ano devido à longa preparação de que necessita, alinhem-se os espectáculos Songo la Rencontre, de Vincent Mombachaka, com encenação de Richard Demarcy e actores da República Centro-Africana (ciclo «Multiculturalismo»); Miscelânia de Garcia de Resende, a encenar por Rogério de Carvalho e com vídeos de Daniel Blaufuks (em colaboração com a Comissão dos Descobrimentos e no quadro do VI centenário do Infante D. Henrique); um ciclo de três encenações sucessivas da peça de Pirandello Esta Noite Improvisa-se, por Fernando Mora Ramos, Isabel Câmara Pestana e João Brites, em colaboração com Lisboa 94; e ainda «As Novas Marionetas», com o apoio do Théâtre de Marionettes de Paris.
Para além dos «workshops», ateliers de experimentação e colóquios, que acompanharão, por regra, a actividade da Culturgest, deve ainda destacar-se um programa original de leituras em voz alta, com debate final sobre os textos — nomes anunciados desde já são os de José Alberto de Carvalho, Eduardo Prado Coelho, Helena Amaral, Paulo Ferreira de Castro, Isabel Matos Dias, como leitores, e Musil, Joyce, Gertrude Stein, Adorno e Merleau-Ponty. O título geral será «La Liseuse».
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"Eficácia empresarial", entrevista de Rui Vilar
Rui Vilar é o mentor do novo projecto cultural da Caixa, mas é ele próprio quem sublinha a independência empresarial e programática dos responsáveis pela Culturgest. As suas respostas a um questionário escrito definem, no seu medido laconismo, o quadro global em que se moverá «este novo tipo de gestão cultural», com a «preocupação de eficácia que é inerente à gestão empresarial».
EXPRESSO — Com a inauguração da nova sede, a CGD vai alterar o modo como anteriormente praticou o mecenato cultural, constituindo-se como um dos polos culturais de Lisboa?
RUI VILAR — Não. A CGD não vai alterar no essencial a sua prática de mecenato cultural. Vai, outrossim, complementá-la com outras actividades artísticas e culturais cuja programação será da exclusiva responsabilidade da Culturgest.
EXP. — A criação da Culturgest é significativa de um projecto de gestão empresarial da cultura?
R.V. — A Culturgest foi criada como empresa com o objectivo principal de gerir de forma eficaz e planeada os recursos físicos disponibilizados pela CGD. Este novo tipo de gestão cultural pretende beneficiar directamente a cidade, a comunidade no seio da qual o Grupo CGD está implantado, os seus clientes e também, e de certo modo, os empregados do Grupo.
EXP. — Qual é o horizonte financeiro e qual a orientação predominante, em termos culturais, que lhe atribui?
R.V. — A programação das actividades culturais e artísticas da Culturgest é da responsabilidade do seu Conselho de Administração. A Culturgest é dotada de um subsídio anual que corresponderá a uma determinada percentagem da previsão de custos globais para cada ano e será medido em função do contributo efectivo para os objectivos previamente definidos. Segundo as linhas programáticas da Culturgest elaboradas pelo Conselho de Administração e já apreciadas pelo seu Conselho Consultivo, no horizonte imediato, a Culturgest orientar-se-á para uma programação que privilegia a interdisciplinaridade, o multiculturalismo, a criação portuguesa contemporânea e a reflexão em torno das ciências humanas.
EXP. — Como entende as responsabilidades sociais das grandes empresas e instituições bancárias no domínio da cultura?
R.V. — As empresas têm hoje a responsabilidade de contribuir para o desenvolvimento, em sentido amplo, das comunidades onde estão inseridas. A preocupação de eficácia que é inerente à gestão empresarial não é contraditória com as actividades culturais: uma sociedade informada e criativa terá mais capacidade de entender e de realizar as transformações necessárias, designadamente no campo económico. Mas, como é também evidente, esta acção das empresas não desresponsabiliza, nem se substitui, ao Estado, aos demais agentes culturais, criadores e público.
Posted at 01:50 in 1993, CGD, Culturgest, Lisboa 94 | Permalink | Comments (0)
Tags: CGD, Culturgest, Rui Vilar
A. Porque é que o logo é tão inepto (e feio)? Porque o que é mal pensado acaba mal feito. O logo e o design são vazios de referências ou significado, é um M para qq coisa
"The most expected Museum of Contemporary Art in Lisbon..."
Museu António Costa: MAC CCB
B. 1. Depois da marca Berardo ter sido construída ao longo de quase 30 anos (desde Sintra em 1997 e até 2008 com a Maria Nobre Franco, depois com o 1º director Jean-François Chougnet, 2007-2011, antes da decadência iniciada por Pedro Lapa), há um futuro incerto em Belém enquanto se aguardam as decisões dos tribunais. À "litigância" do comendador, vítima do caso BCP ao tempo de Sócrates, António Costa respondeu com precipitação e arrogância, e o ministro foi atrás com máxima infelicidade: “O tempo do sr. Berardo acabou”, disse. Era preciso negociar. É preciso respeitar e aplaudir o coleccionador.
Abandonando a designação Arte Moderna, o novo MAC Museu de Arte Contemporânea tem um nome certo, atraente e credível? Não. E não é só uma questão de nomes. A que se chama arte contemporânea? Marca-se uma data ou um estilo? - quer-se impor que a arte contemporânea são as chamadas novas vanguardas e é o estilo minimal-conceptual herdado dos anos 60 (“circa 68”) que veio da contestação política para se entregar ao coleccionismo especulativo, numa produção quase sempre árida e escolar, agora já académica, servida por "curadores" burocratas e destinada a nichos de alegados especialistas.
2. O Centro Pompidou é Musée national d'art moderne – Centre de création industrielle, que concorre com o Musée d'Art Moderne de la Ville de Paris, de tutela camarária e com colecções francesas. Em Londres temos a Tate Britain (nacional) e a Tate Modern (internacional), inaugurada no ano 2000 - a divisão dos artistas pelos dois museus de Londres é em muitos casos um exercício de segregação crítica, e outros. Em Nova Iorque, há o MoMA, Museum of Modern Art, e outros, o Whitney Museum of American Art, o MET: Metropolitan Museum of Art (universal), etc. A Gulbenkian fez o CAM, inaugurado em 193.
Em parte alguma, um edifício com a escala monumental do CCB e com os seus custos pode afirmar a condição de desleixar a arte moderna e querer ser um “MAC”. Os grandes espaços comparáveis nas grandes capitais dispõem de acervos da modernidade clássica e percorrem todo o século XX, e por isso mobilizam permanentes fluxos de visitantes.
A "arte contemporânea" não vende. Museu António Costa também não.
3. Não é por acaso que o logo e o design são muitíssimo maus, vazios de referências ou significado. Desde o inicio do ano que (eles, Costa e Adão e Silva) não acertam, estragam. As artes plásticas ou visuais, que se chamavam belas-artes, não são com eles e não perguntam
4. Chama-se-lhe MAC em concorrência com o Museu do Chiado, assim inaugurado em 1994, mas que passou a identificar-se depois, insidiosamente, como MNAC (Museu Nacional de Arte Contemporânea), que obviamente não é. A concorrência entre MAC e MNAC não é explicada, nem é verosímil, mesmo que a directora Emília Ferreira acolha agora o Tony Cragg a custo zero. O Convento de São Francisco onde reside é ignorado e o Museu do Chiado é deixado sem meios para expor e alargar a sua colecção (vai ter obras em 2024?). Aliás, a dispersão da colecção do Mario Teixeira da Silva pelos herdeiros, apesar de prometida ao Chiado, podia ter sido ou ser ainda travada, se houvesse políticos interessados.
E veja-se que também em Belém não interessam ao Governo os Museus de Etnologia e de Arte Popular, em lugares privilegiados e com patrimónios únicos. Não há políticas para o sector dos museus, e estes são substituídos por uma aleatória e suspeita "colecção do estado", largamente contestada. A recente reforma institucional não tem conteúdo.
C. Não é embirração, é que tudo é muito mal pensado e pior feito no museu imposto por António Costa, cuja cultura artística é proverbial. De facto, é positivo que se tenha querido manter em destaque, numa 1ª exposição de continuidade, o nome do coleccionador e patrono Berardo, que não deixou de ser uma "marca" reconhecida e eficaz - no CCB e nos outros museus com o seu nome, dos Azulejos em Estremoz e da Art Déco em Alcantara, etc.
E é a sua colecção, arrestada e a aguardar sentença dos tribunais, à espera de ser reavaliada e de haver decisão sobre o seu futuro (dividida entre os bancos e o proprietário, adquirida pelo Estado, fixada por acordo em Belém ou em Azeitão por desacordo?)..., é a Colecção Berardo que continua a constituir a base e o valor do Museu, com ou sem o seu nome. Ela cobre todo o século XX e entra no XXI, sem que nunca haja colecções completas - não é a colecção Elipse do extinto Rendeiro/BPP que traz o séc. XXI, isso é mentira. Há anos 1990 e 2000 na Colecção Berardo, já com compras de J.F. Chougnet, e a Colecção Rendeiro fina-se na mesma década.
Entretanto, tem de dizer-se que a arrumação das duas exposições anunciadas é conceptual e cronologicamente errada, absurda.
O título da 2ª exposição seria próprio de um trabalho escolar ou comunicação académica, nunca de uma mostra oferecida a um público alargado. "Revisão dos géneros artísticos" é conversa de mau professor, que subordina a individualidade dos artistas e a identidade das obras a uma catalogação por géneros, tipos e escolas: as obras que importam escapam-se a classificações de géneros e estilos, as outras, as obras menores, ilustram categorias e problemáticas. "Objecto, corpo e espaço" só podem ser pistas redutores para a observação-fruição das obras, são fórmulas áridas de análise escolar como poderia ser o título forma, cor, desenho, tempo ou lugar....
Assim, com estas lições infelizes, a relação com a arte tem vindo a degradar-se, entre a ignorância e os "eventos", entre a perda de públicos e a proliferação de mediocridades (imersivas). Há por aí o gosto de um administrador-programador-curador-anónimo que se identifica como Delfim Sardo, personagem de longa sobrevivência que em 2006 já fora forçado a abandonar o lugar de director do centro de exposições. O CCB secava e empobrecia sob a sua tutela, mas esqueceram-se.
Deve perceber-se na partição das duas mostras a repetida obsessão com a década de 60, defendida como o tempo das neo-vanguardas que devem ver conceptuais, “poveras” e/ou minimalistas - um tempo que foi de contestações políticas e estéticas (anos 60/70) e foi depois congelado pela academia e o pequeno mercado especulativo que os museus e os "curadores" para todo o serviço sustentam. A "Arte", segundo estas versões académicas cada vez mais empobrecedoras, iria das primeiras vanguardas do séc. XX (a que chamam erradamente "primeiro modernismo") às novas vanguardas da década de 60 e suas derivações já exangues. O resto, que é a parte maior e mais admirável, não importa, porque escapa à tutela dos funcionários e mercadores da crítica.
Mas, mais perto de nós e mais presente, mais viva e produtiva, foi a ruptura da década de 80 que reagiu aos estilos canónicos dos 60 e explodiu nos regressos à pintura e à figuração, nas descobertas das periferias regionais, nas obras livres e inclassificáveis, nas margens “modestas” e na valorização do que não se considerava e não pretendeu afirmar-se como vanguardas, que então se desacreditam e extinguiam. Um exemplo só: a Paula Rego. A cor, a expressão, a figura, a irreverência e a invenção estão muito presentes nas escolhas da Colecção Berardo até ao fim do século, mas o Sardo não gosta, como mostrou logo numa exposição cinzenta e frígida em 2005 no CCB antes de haver Museu Berardo. Mas voltou a mandar.
D. À "litigância" do comendador, vítima do caso BCP ao tempo de Sócrates (e das manobras para tomar conta do banco, quando Berardo representava os pequenos accionistas e lhe metiam acções na mão), António Costa respondeu com precipitação e arrogância, e o ministro foi atrás com máxima infelicidade: “O tempo do sr. Berardo acabou”, disse.
Enganou-se.
Foi afinal a sua Associação de Colecções "que adquiriu agora por 1,8 milhões de euros as 214 obras que tinham sido compradas com recurso às verbas do fundo de aquisições do Museu Berardo, co-financiado pelo coleccionador e pelo Estado. Cerca de 30 dessas obras estavam na exposição permanente do extinto Museu Colecção Berardo, e já não foi possível contar agora com elas para o novo MAC/CCB.
Fonte ligada ao empresário disse ao Público que a Associação de Colecções informou já por escrito a Comissão Liquidatária da Fundação de Arte Moderna e Contemporânea – Colecção Berardo (FAMC-CB) de que estará disponível para anular o negócio caso venha a ser revertida a extinção da FAMC-CB, que Berardo contestou em tribunal, num processo que aguarda ainda uma resolução final." PÚBLICO
A procissão vai no adro, os políticos são descartáveis e os coleccionadores merecem a nossa admiração e ficam na história.
Posted at 17:48 in 2023, Berardo, CCB, Museu Berardo, Museus, politica cultural | Permalink | Comments (0)
O Eric Corne, que comissariou a exp. inaugural do Museu Berardo ao tempo de Jean-François Chougnet, apareceu agora nos comentários do blog a lembrar o que eu tinha escrito sobre o vídeo de Justine Triet que então expôs e foi depois adquirido para a colecção do Museu: Sur Place
" Je relis votre très belle critique sur le film, Sur place, de Justine Triet qu'avec l'accord de Jean- François Chougnet, j'ai souhaité présenter à l'exposition d'inauguration du musée colecão Berardo dont j'étais un des commissaires. Défendant cette jeune artiste, je n'imaginais pas alors qu'elle obtienne la Palme d'or à Cannes cette année avec son superbe film Anatomie d'une chute. J'en profite pour vous remercier de vos articles, Très cordialement Éric Corne"
Sur Place, de 2007, era uma 1ª obra: a sequência é notável.
https://en.wikipedia.org/wiki/Justine_Triet
SOBRE ANATOMIE D'UNE CHUTE
https://fr.wikipedia.org/wiki/Justine_Triet
https://www.lemonde.fr/culture/article/2023/09/23/anatomie-d-une-chute-depasse-le-million-de-spectateurs-en-salles-a-defaut-de-representer-la-france-aux-oscars_6190660_3246.html
https://www.allocine.fr/film/fichefilm_gen_cfilm=297303.html
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Visto por extenso, e não só os três quatro minutos ocasionais, o filme cresce mais ainda. O movimento abstracto dos grupos, a coreografia, o azul, são de facto um documento poderoso, impressionante e inquietante, sobre o presente - as manifestações dos jovens dos bairros periféricos de Paris (Março de 2006). E são a passagem do documento circunstancial a algo de mais produtivo e, enquanto objecto e desafio, algo de mais indefinido, a que podemos chamar arte.
Não é uma "reflexão sobre", um exercício académico sobre a imagem, o poder da imagem, a ontologia da imagem, a ideia de arte, etc, etc... Mais do que vontade ou pretensão de arte, esta (a palavra arte) é uma situação de chegada - uma proposta de apreciação valorativa.
SUR PLACE - France / 2006 / vidéo / coul. / 30' , de Justine Triet - autoproduction. Colecção Berardo
No movimento dos grupos e dos corpos, a dança é agressão e violência (um grupo de jovens contra alguém desconhecido que é depois salvo por socorristas), é combate organizado (entre grupos anónimos, imprevistos, encapuçados, e as forças da polícia, parte delas à paisana), é agitação irracional. Os "voyous", "la pègre", o antigo lumpen e as forças radicais de hoje, a acção política ("demission revolution" num cartaz) e a delinquência, a insegurança urbana e as tropas de assalto (?) contra o velho mundo da teoria situacionista. As formações tácticas dos polícias, os escudos e bastões a lembrar antigas batalhas pintadas, Uccello. E também os observadores (objectivos?, imparciais?), os repórteres fotográficos que fazem parte do espectáculo que fotografam, igualmente de capacete, em geral encostados aos cordões de polícia, por vezes atacados pelos bandos.
No fim, uma figura solitária que deambula no nascer do dia, e no princípio um rosto, um rosto jovem, depois um pequeno grupo que se prepara para a acção, e a seguir uma verdadeira batalha de rua - quem contra quem?
Espantosamente filmado, com os recursos de luz e movimento das pequenas câmaras de vídeo, também sempre em movimento, de fora e de dentro da acção, com uma montagem sem atritos na mudança dos pontos de vista e das acções, ao longo de inúmeras horas (a noite cai, os fogos que se acendem, o dia nasce).
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destaquei então outra obra da Colecção, de
(Depois de "Sur Place" de Justine Triet , outra obra maior do Museu Berardo):
Amarylis, 1987, óleo sobre tela, 220 x 180 cm. Col. Berardo
Posted at 18:02 in 2023, filme, Museu Berardo | Permalink | Comments (0)
Tags: Anatomie d'une Chute, Colecção Berardo, Eric Corne, Justine Triet, Sur Place
Previstos 2,2 a 3,2 milhões de libras, para 162x155 cm e 160x120 cm de pintura: "Dancing Ostriche from Walt Disney's 'Fantasia'", 1995, um record para Paula Rego.
20th/21st Century: London Evening Sale | Live Auction: 13 October, London
É uma pintura dupla (ou duas pinturas dispostas como um díptico) de médio formato, da série “Avestruzes Dançantes”, onde Paula Rego se refere ao filme 'Fantasia' de Walt Disney. Fazem parte de um conjunto de 8 desenhos (pinturas) a pastel sobre papel colado em alumínio que constituíram de início uma obra única realizada para a exp "Spelbound: Art and Film", na Hayward Gallery em 1996, Londres.
Posted at 01:35 in 2023, mercado, Paula Rego | Permalink | Comments (0)
É mantendo o nome do Império, a Praça do Império, no Porto, e o monumento fascista aí implantado que podemos apreender e reconsiderar ou reavaliar a história; e que podemos condenar não o colonialismo (absurda pretensão a-histórica) mas os crimes coloniais, onde eles existiram.
Rasurar, demolir, ocultar é um exercício de apagamento que não muda o passado mas impede que ele se conheça, e que sobre ele se reflicta.
Temos de saber distinguir o colonialismo fascista do colonialismo republicano (sem o mitificar ou ignorar as suas circunstâncias agressivas e também racistas, conformes com o seu tempo), temos de distinguir o colonialismo explorador e opressor dos projectos, programas e vontades de conhecimento, estudo, instrução, desenvolvimento e dignificação das populações nativas, protagonizado por colonos e/ou patronos expatriados e por nacionais africanos de etnias europeias ou locais.
Não se trata de pactuar com a celebração de quaisquer páginas negras (atribuindo intenções propagandistas a uma qualquer peça de história já morta) e não importa acenar com apegos de direita a uma qualquer época áurea, desenterrando sempre fantasmas à falta de argumentos.
E temos de ser implacavelmente críticos das ditaduras e terrorismos africanos do presente, o que se conjuga com as "restituições".
Que fazer a coisas como estas?
monumentos, retratos, mulheres e seja o que for, feitos em série, toscamente moldados (numa hipótese condescendente) e "esculpidos" em fábricas espanholas
Discutindo as obras do autor/produtor/artista e esperando q a opinião pública entenda q são lixo poluente
Posted at 16:57 in 2023, Arte oficial, crítica, Escultura, escândalos, Porto | Permalink | Comments (0)