Posted at 17:58 in 2023, Joana Vasconcelos, Museu Berardo | Permalink | Comments (0)
Posted at 00:02 in 2023, Adelino Lyon de Castro, Maria Lamas | Permalink | Comments (0)
Anos Pop (capítulo de um livro a editar em breve: "Júlio Pomar. Depois do novo realismo"
«‘Em pintura, a descoberta da América foi decisiva’ - J.P., 1966
A coincidência entre a mostra do Atelier-Museu Júlio Pomar, «O que pode a arte? 50 anos do Maio de 68» (15-05 a 29-09-2018), e a exposição «Pós-Pop. Fora do lugar comum – Desvios da ‘Pop’ em Portugal e Inglaterra, 1965-1975», na Fundação Gulbenkian (20-04 a 10-09-2018), em que não esteve representado, foi uma oportunidade propícia para a identificação dos anos Pop de Júlio Pomar, assunto sempre ausente dos ensaios sobre a sua obra. A exposição do ano seguinte do AMJP, «Formas que se tornam outras» (02-05 a 29-09-2019), veio confirmar essa leitura, a partir da reflexão «sobre o modo como o corpo, o erotismo, a sensualidade e a sexualidade atravessaram o percurso do artista». Uma outra exploração alargada sobre a galáxia Pop ocorrera já em 1997 (N1), também sem incluir Pomar, sendo a consideração da Pop sempre alargada muito para lá das suas formas mais canónicas ou mediatizadas, e poucos artistas são reconhecidos sob essa marca.
Para Pomar não se tratou da identificação com uma actualidade de grupo ou tendência, nem da adesão a um estilo colectivo, que aliás a arte Pop não foi. Não foi o efeito de uma estada em Londres. Importa ver a Pop na sua extensão como a resposta bem-sucedida à procura de alternativas à ordem abstraccionista que se entendia como caminho único, por entre procuras de retorno à figuração (que nunca terminara), de novas figurações e diferentes realismos. A segunda metade dos anos 50 dera origem às demandas de uma Figuration autre, em especial por parte do crítico Michel Ragon (na sequência de Dubuffet, Fautrier, Bacon e os Cobra: com Berni, Baj, Dado, Saura, Lebenstein, etc. N2). Por outro lado, na relação sempre atenta com a produção que lhe era contemporânea, as viragens de Pomar nunca foram mimetismo, ou efeito da novidade, mas algo que acontece por necessidade própria, e as influências, ou antes as informações, são acolhidas sem urgência.
«A arte Pop é um novo paisagismo bidimensional (two-dimensional landscape painting), no qual o artista responde especificamente ao seu envolvimento visual. O artista voltou a olhar à volta de si e pinta o que vê». Disse-o um dos seus mais calorosos defensores, Henry Geldzaher, no tempestuoso simpósio sobre a Pop, realizado no MoMA, logo em 1962. Mas também se afirmou que era um «estilo estúpido e desprezível dos ruminantes de pastilha elástica...» (Max Kozloff). A polémica era acesa, enquanto se popularizava nos magazines, com uma projecção nunca conhecida por qualquer corrente artística.
Em França, a apresentação da Pop norte-americana não foi particularmente tardia – chegou com a galeria Sonnabend em 1962, primeiro os neo-dadaistas, depois «Pop Art Américain» em 63, e viu-se no Salon de Mai de 1964; tornou-se então omnipresente e foi em grande parte rejeitada, face à vitória de Rauschenberg em Veneza, nesse ano. O contexto era o da defesa chauvinista dos «Novos Realistas» de Pierre Restany e logo a seguir das «Novas Figurações». O anarquista e influente Michel Ragon, que a defendia desde o início, disse que foi recebida pela crítica da época como «uma arte de analfabetos»; era rejeitada pela elite intelectual e falou-se de um novo assalto da Escola de Nova Iorque contra a cultura nacional, já na sequência do expressionismo abstracto do Pós-guerra (N3).
Pomar estava nos primeiros tempos da instalação em Paris mas em todo este período não se aproxima das «Mythologies Quotidiennes» e da «Figuration Narrative» de Gassiot-Talabot (1964 e 65), exposições que marcavam o tempo local. Não lhe interessa a «narração discursiva», escreveu num relatório de bolseiro da Gulbenkian, em Outubro de 1965. E o engajamento político de muitos não o atrai.
Posted at 12:29 in 2023, Júlio Pomar, Pop | Permalink | Comments (0)
Foi interessante a referência do Manuel Castro Caldas à 1ª estada de Júlio Pomar em Nova Iorque, que ocorreu em 1981 e em que o acompanhou na visita aos museus. Numa sessção realizada no dia 4 no Atelier-Museu, falou do contacto admirativo com os grandes formatos dos expressionistas abstractos aí vistos, sublinhando a propósito (ou a despropósito?) a importância da ruptura que a Pop trouxera à pintura ocidental, ausente em Pomar. É uma interpretação algo estranha.
De facto, os anos 60 em Paris (JP chegou em 1963) contaram com uma circulação considerável de exposições norte-americanas e nomeadamente de Rauschenberg na Galeria Ileana Sonnabend, duas em 1964, vencendo a Bienal de Veneza no mesmo ano. Pomar refere-se a Rauschenberg por duas vezes em entrevistas de 1966 (por ocasião da sua exp. na SNBA) e aponta-o, a par de Velazquez, como um seu artista de referência. "Em pintura, a descoberta da América foi decisiva" disse então a Mário Dionísio. Sobre Rauschenberg afirmava que "É a integração da imagem num novo conceito plástico. Quando a arte abstracta se preocupa com não distinguir o céu da terra, ele, partindo dos elementos mais corriqueiros, imagens gastas, batidas, consegue conferir um valor plástico àquilo que os nossos olhos anteriormente não viam. Uma roda, um movimento, funcionam da mesma maneira que um azul-cobalto. Uma refusão total do mecanismo da visão."
Para vários críticos essa é a ruptura (proto-pop) mais decisiva - depois da invenção da colagem que se associa ao cubismo e ao ready-made, nas primeiras décadas do século XX. Em cartas ainda inéditas Pomar refere-se ao apreço pelos pintores Pop britânicos e norte-americanos, e à distância face à "nova figuração" narrativa francesa. A mutação que conhece a sua pintura a partir de 1966-67, com as séries dedicadas ao Rugby e Maio 68 e com o posterior ciclo dedicado a Ingres e aos retratos, de óbvia relação com a Pop, mas então ignorada, é contemporânea de uma grande destruição de pinturas anteriores existentes no atelier (reproduzidas em Void* vol. III) e da realização das primeiras assemblages.
A "descoberta da América" ocorreu na 1ª metade dos anos 60 e não em 1981.
*
Comuniquei por mail ao Manuel CC o meu comentário à sua intervenção, colocado no Facebook e no blog, e ele respondeu logo depois. (O meu 1º texto era público e ele não me pediu reserva, pelo que me parece oportuno divulgar a sua resposta. Há poucas oportunidades de conversar sobre estes temas)
«Sim, mantenho tudo o que disse (não foi inventado em cima do joelho ontem...). Ter "descoberto" alguma coisa no Rauschenberg, gostar dele, ou dizer que gostava de Pop e de Matisse e que os artistas Pop admiravam Matisse, nada disso tem a ver com o facto da pintura do Júlio não ter um feeling Pop (idem para os objectos). Ele manobrou bem para não ser um pintor de Paris, mas não é por isso que se tornou subitamente numa pessoa que se encontrou (como os Pops, americanos, sobretudo) encurralado nas suas estratégias e encurralado nos seus procedimentos por causa de uma geração anterior heróica e nacionalmente (politicamente) erigida em mito, como eram os Expressionistas Abstractos.
O Rauschenberg sabia o que fazia quando apagou um desenho do De kooning: abria caminho para poder respirar. É uma situação histórica, sociológica, económica a milhas do que se passava na Europa e em Paris. E não era por "ver" em Paris trabalhos vindos dos EUA que ele podia encarnar nessa situação que não era e nunca seria a dele nem a dos franceses (nem dos portugueses). Semelhanças formais, iconográficas e outras, tal como afirmações ditas ou escritas, não nos dizem nada se as separarmos de uma análise dos procedimentos compositivos - no sentido mais lato - que o trabalho plástico deixa ver. Trata-se de responder à questão "O que é uma pintura?" num determinado momento. E o Pop respondeu de uma certa maneira, mais claramente nuns casos do que noutros, e o que mostravam é que achavam que uma pintura podia e devia prescindir de muitos dos procedimentos e pressupostos da geração anterior. As pinturas e trípticos (inteiramente) brancos e negros do Rauschenberg - que acompanharam de perto o gesto de apagar o desenho do De kooning - são gestos de libertação, nos quais o pintor prova a si mesmo que não responde da mesma maneira que os seus antecessores à pergunta "O que é uma pintura?". Só depois desse gesto pôde seguir para os Combine Paintings, etc.
Os franceses, todos estes anos passados, ainda não perceberam o quanto de "francês" ainda subsiste na sua maneira de fazer as coisas. Se italianos como o Clemente se safaram de ficar subjugados pelo peso histórico da sua herança cultural, foi porque outras tradições (a Índia e depois NY) vieram ajudá-los a fazer uma verdadeira secessão - um corte, também existencial. Não se trata de falar de misturas formais ou outras, trata-se de modos de encarar a missão de pintor num momento histórico determinado. O resto são as "aparências", isso que jaz na superfície das telas e dos objectos e que está lá para esconder coisas, não para mostrar. Há sempre muitas camadas nas obras de arte, mas elas têm uma ordem (ou uma hierarquia) e chegam ao nosso olhar segundo essa ordem, que se torna mais ou menos sistemática no interior de um dado estilo. Essa ordem diz-nos o que é prioritário e orienta o sentido. Enfim, é como eu vejo....»
*
É óbvio que discordo absolutamente. O desenho apagado (pedido ao De Kooning) é um gesto neo-dadaísta e não abre qualquer caminho. É uma atitude relacional que marca relações entre artistas e entre gerações de artistas de um mesmo meio local e intelectual. Tal como as pinturas brancas ou negras refazem os russos apagando os norte-americanos da época. O que importa são as pinturas seguintes e as combine paintings, que integram iconografias mediáticas.
De facto não entendo o q diz o MCC; não se pinta para "responder à questão "O que é uma pintura?" num determinado momento". É tudo um pouco mais complexo e menos programático. Julgo que é tudo mais experimental, mais vivencial.
Posted at 12:09 in 2023, Júlio Pomar | Permalink | Comments (0)
In "Americanos", ed. Rodrigo Betthencourt da Câmara, 2022
"A vida em trânsito"
A fotografia no Moçambique pós-independência foi uma grande aventura colectiva, antes de se tornar um puzzle de artistas singulares. Ficaram a marcá-la alguns fotolivros, que prolongavam exposições e gestos de cooperação internacional: Moçambique, A Terra e os Homens, de 1981 com edição em Roma, 1984; Karingana ua Karingana, 1990, publicado em Milão a cura di Gin Angri; Maputo - Desenrascar a vida, 1997, em Maputo e Lisboa, por via de Nelson Saúte e António Sopa. José Cabral esteve presente e influente nestes dois últimos. Por fim, Iluminando Vidas, de Bruno Z’GFraggen e Grant Lee Neuenburg, Basel, 2002, um sólido panorama por 15 autores onde os seus nus femininos faziam a diferença.
Aquela aventura colectiva teve dois pioneiros, Ricardo Rangel e Kok Nam, mestiços que acederam muito cedo a uma imprensa colonial mais liberal que a de Lisboa e aí abriram as linhas de mudança. A que há a acrescentar Rogério (Pereira), 1942-1987, português em trânsito a partir da África do Sul desde 1968, bem informado do activismo negro. Além da informação portuguesa (o Século Ilustrado), terá contado o acesso aos magazines anglo-americanos e o exemplo empolgante dos fotógrafos da revista Drum, pan-africana. A aventura teve depois uma sede e uma escola, a Associação Moçambicana de Fotografia e o Centro de Formação Fotográfica, no qual se fizeram dezenas de fotógrafos mais ou menos perseverantes - José Cabral foi aí professor, em tempos de activa cooperação estrangeira, em especial italiana (o já referido Gin Angri). A aventura - a "escola moçambicana de fotografia”- cumpria então um estilo testemunhal e militante, para responder às urgências do socialismo, da guerra, das fomes e da reconstrução. Os tempos mudaram.
José Cabral (nascido em 1952, Lourenço Marques/Maputo) chegou por uma via original a essa história colectiva, praticando com um pai amador de fotografia e de cinema, técnico dos Caminhos de Ferro de Moçambique - aos 12 anos ofereceu-lhe um pequeno laboratório e uma câmara “caixote”. Por sinal, o que é relevante, também teve um homónimo avô paterno que foi governador (1926-1938), figura marcante no desenvolvimento colonial; tinha um parque com o seu nome na capital (hoje Parque dos Continuadores) e uma cidade no Niassa, hoje Lichinga. Branco, com um percurso militar difícil durante a guerra colonial, rebelde e de forte personalidade, ou irreverente, tornou-se rapidamente fotógrafo profissional em 1975.
Começou como fotógrafo no Instituto Nacional do Cinema e passou depois de alguma prática de foto-repórter (1979-1982) a programas documentais menos determinados pela urgência para o Ministério da Agricultura e a Unicef. E de autodidacta passou a professor no Centro de Formação Fotográfica, de 1986 a 1990. Foi o primeiro a distanciar-se da dinâmica jornalística: em vez de guerra, miséria, vítimas, ruínas e promessas de reconstrução, que podem ser ainda outra face humanista do exotismo, desenvolveu um olhar subtil: por exemplo, escolheu para Iluminando Vidas belíssimos nus femininos que não tinham qualquer pretexto etnográfico, eram retratos íntimos. A representação acabou por ter problemas nos Encontro de Bamako, no Mali, país de rigores islâmicos, mas Cabral recusou-se a trocar as imagens.
A sua fotografia – em especial a forma de a expor como trabalho de artista - foi-se tornando discretamente mais autobiográfica e até intimista, sempre sem deixar de ser documental e sem pretender ser formalista e narcísica mesmo nos seus muitos auto-retratos de rua; quando terá conhecido os de Lee Friedlander? Essa afirmação autoral, que foi passando por mostras colectivas e individuais, ganhando espaço como fotografia de exposição, era a outra luta que importava travar nas novas condições de crescimento e condicionamento do país, uma batalha já mais individualizada para abrir espaços de liberdade e criação. A exposição As Linhas da Minha Mão, que o consagrava no 3º e último Photofesta, os Encontros Internacionais de Fotografia de Maputo, em 2006, afirmava a dimensão pessoal de uma galeria de retratos, espaços e episódios que desdobravam um percurso de vida – encontros com pessoas, árvores, paisagens e lugares ao longo da história recente e da geografia de Moçambique. Usou o título de Robert Frank como explícita pista de leitura e como ambiciosa homenagem.
Artista fotógrafo de boa cultura visual e literária, que viajou pela América e pela Europa (Itália, em 1987, com uma bolsa de estudo, e Portugal, após 1999), o que era então raro, impôs através da independência da sua obra e das exposições pessoais a liberdade estética e a singularidade autoral, num país sem mercado para a fotografia independente e já sem instituições públicas intervenientes. Nesse sentido foi também um pioneiro, a seguir à geração dos dois mais velhos. Dos seus contemporâneos quero referir João Costa (Funcho) e Sérgio Santimano. Dos que se lhe seguiram as pisadas com vozes próprias destacam-se Luís Basto, Filipe Branquinho, Mário Macilau, Mauro Pinto - Moçambique continua a ser um país de fotógrafos, e eles ganharam por si mesmo circulação exterior.
A obra de Cabral ganhou mais visibilidade nas duas primeiras décadas do séc. XXI, em especial através de exposições subtilmente antológicas, equilibrando um lugar sempre algo à margem com o crescente reconhecimento público. As mostras eram revisões da carreira, mergulho nos arquivos pessoais e projectos temáticos, sempre com a revelação de inéditos. Depois de As Linhas da minha Mão chamaram-se Anjos Urbanos / Urban Angels - «são histórias de crianças: eu e elas», disse - e Espelhos Quebrados, auto-retratos de itinerância da vida presentes em reflexos intencionais.
Urban Angels / Anjos Urbanos, apresentada em Lisboa e Maputo, teve por assunto os seus três e depois quatro filhos e os filhos dos outros, a família e as crianças da rua, expondo variações de cor e de condição social, intimidades e desigualdades. Sem traçar fronteiras entre o particular, o seu espaço doméstico, e o geral, a observação social, há diferenças de situação que se não escondem, pelo contrário, e que tornam mais incisivo o testemunho. Com essas crianças é também a cidade que se habita, bem como o mundo rural e a presença deste na malha urbana. O fotógrafo auto-retratado está já presente no mesmo itinerário, e estará mais na mostra seguinte.
Espelhos Quebrados, em 2012, foi outra revisão da obra, mais desafiadora, onde o fotógrafo está sempre presente no fotografado, testemunha em campo, em situação e em cena. O trânsito faz-se por Moçambique e pelas viagens. Cabral também usou, em Lisboa, o título De Perto, manifestando a sua inscrição de autor-observador no mundo real que percorreu.
Por fim, até agora, o livro monográfico (ed. XYZ / Kulungwana, 2018) e a exposição Moçambique (Maputo e Beira, 2019, coordenação de Alexandre Pomar e Filipe Branquinho), antologiou-lhe toda a obra acessível e retratou o país como uma duplo panorama entrecruzado, íntimo e topográfico, identificando lugares mais percorridos e os temas de eleição. A sua obra afirmava-se como um grande documentário de Moçambique, ao mesmo objectiva e poética, percorrendo uma grande diversidade de géneros. Os retratos, as mulheres e em particular os nus, as árvores e as crianças são tópicos marcantes da sua obra, heterodoxa e indisciplinada -- as fotos têm sempre títulos discretos, topográficos --, associando densidade emotiva e objectividade documental. Não se trata de um discurso subjectivo e menos ainda formalista.
As imagens de José Cabral são simples e belas, são ternas e podem ser terríveis, mas sempre sem os cálculos de acaso procurado, artifício estético ou programa retórico que são tantas vezes a fórmula fácil da arte fotográfica. São ao mesmo tempo directas e carregadas de emoção, sem se distanciarem da vida à procura de metáforas. Há uma história pessoal e há muitas histórias colectivas nestas imagens de Moçambique.
A sua actualidade não era, não é, a da guerra civil, da violência urbana ou da miséria quotidiana - é de um panorama mais profundo e definitivo que se trata, à distância de muita fotografia africana que balança entre a vitimização e a encenação do exotismo. Não é um olhar indiferente à realidade do país, pelo contrário - é um olhar interveniente, construtivo, lúcido e livre. O país, Moçambique, está lá sempre, procurado num longo documentário, por vezes metódico, observado através uma outra forma de activismo que não está do lado imediato da denúncia, esse lugar tão ocupado e gasto, mas sim do lado sensível da confiança e da convivência, fraterna e cúmplice, lúdicos e exigentes.
Faltava visitar a viagem à América, durante três meses em 1996, como bolseiro da Mid-American Arts Alliance, num amplo roteiro por New York, Washington, Chicago, New Orleans, San Diego / California, El Paso / Texas e no Novo México Santa Fé, Las Cruces e White Sands, do inverno gelado aos desertos do sul e volta. Muitos fotógrafos americanos editaram as suas Américas - quero lembrar Friedlander seguindo o Walker Evans de 1938, Stephen Shore, Eve Arnold, Burk Uzzle e Joel Sternfeld (1), mas em geral fizeram-no naturalmente por etapas, por lugares ou por assuntos - e poucos estrangeiros vindos de fora o tentaram depois de Robert Frank (Cartier-Bresson furtivamente em 1991, mas em demoras de 1935 a 1975, ed. Seuil e Afrontamento). Cabral não repete o que outros viram, e não se repete a si mesmo. Faz uma viagem de descoberta - uma aventura para quem saía de Maputo ao cabo da guerra civil - viagem que é também reencontro com as linguagens e as visões que de algum modo o formaram, vistos os filmes, lidos muitos livros, sempre um olhar culto.
Estão lá arquitecturas vertiginosas e outras rasteiras de beira da estrada, as pessoas no espaço urbano, os automóveis e os motéis, os letreiros e cartazes dos comércios, as marcas, The Al Capone Story, Billy the Kid, Chicago Bears, Famous Fashions, Stars (mas não há bandeiras). Estão as janelas que abrem vistas, de fora para dentro e ao contrário, e os muitos espelhos que reflectem e duplicam o visível. As árvores. Os auto-retratos que o inserem na observação, mais “de perto”, como sugeriu. É um visitante itinerante e rápido, em planos gerais que fazem a descoberta dos lugares e dos espaços, descoberta reflectida e reflexiva (interrogada, com distância) e são aqui menos um olhar aproximado sobre as pessoas, já que a barreira da língua não propiciava a troca de olhares frontais, que lhe são tão frequentes. Nunca é um olhar voyeur sobre figuras ou anedotas. Atento sem ser deslumbrado, mas empolgado.
(1) Walker Evans, American Photographs, The Museum of Modern Art, 1938; Lee Friedlander, The American Monument, Eakins Press Foundation, 1976; Stephen Shore, Uncommon Places, Aperture, 1982; Eve Arnold, In America, Alfred A. Knopf, NY, 1983; Burk Uzzle, All America / Mon Amérique, Aperture / Contrejour, 1984-85;
Joel Sternfeld, American Prospects, Times Books e Museum of Fine Arts, Houston, 1987.
9 fevereiro 2022
Posted at 16:39 in 2022, José Cabral, Moçambique | Permalink | Comments (0)
Por vezes a arte não é um exercício só formal, uma prática escolar, uma habilidade ou amabilidade ociosa, uma diversão ou uma facilidade, uma intenção ou a ocupação de uma parede, como quase tudo que vamos vendo à nossa volta, e às vezes acontece que uma obra exposta reage (comenta, acusa, intervém), age no presente, por exemplo sobre o que é a guerra actual a que assistimos com a confortável distância do lá fora, lá longe, como aliás sempre nos aconteceu, irremediavelmente periféricos.
Será uma imagem decorativa ou será incómoda? Será só uma peça de colecção, ou de museu? Como podemos conviver com ela, se nos interpela, incomoda e desafia? E é agora o contexto, as outras imagens expostas, as obras que as acompanham, de facto como um diário nascido no tempo da pandemia, antes de ser um projecto de exposição, que lhe asseguram a urgente necessidade de comunicar.
Ainda é possível representar a História? Pintura de história? Pintura de Guerra? Acontece que esta é uma representação sentida, pessoal, e é íntima também, verdadeira, e não apenas a oportuna apropriação de uma imagem mediática, então mais vista que criada. Há afinal quem desenhe, ou pinte, aqui a pastel de óleo e pastel seco, com uma qualidade material que se sente, mais do que só se observa, e com uma intensidade emocional que se faz partilhar; e a íntima verdade que aqui assim se reconhece importa-nos.
Os aviões, com pás giratórias de helicópteros, investem sobre a paisagem, sobrevoam-na e incendeiam-se, são ameaça e ameaçados, cenário de batalha, há explosões, fogo e fumo por toda a parte, um céu opaco, os foguetes descem a tracejado e uma casa arde. É a casa que vemos noutros desenhos, protecção ou prisão. Há outros desenhos que trazem imagens de terror e morte, rostos escondidos entre as mãos e caveiras. Mas logo aparecem flores, animais domésticos, paisagens amenas. A vida é diversa.
“Diário - dias incertos”, até 25 Fev.
Posted at 19:35 in 2023, Fatima Mendonça, Galeria 111 | Permalink | Comments (0)
Colecção Berardo perde director
Política - 16-10-1999 EXPRESSO
FRANCISCO Capelo, organizador da colecção de Joe Berardo, demitiu-se das funções que desempenhava por temer que o acervo que geria possa «vir a ser alvo de eventual dispersão e destruição». Capelo, que conduziu a compra das obras que integram o Sintra Museu de Arte Moderna, as colecções destinadas ao Museu de Design, do CCB, e ao Futuro Museu da Moda, critica a «lógica perversa do sempre mais dinheiro» que diz existir no banqueiro e empresário madeirense.
As divergências entre Capelo e Berardo surgiram após este último ter vendido a sua posição accionista na Investec, a empresa cujos lucros foram, nos anos 80, canalizados para a compra de obras de arte.
Demite-se director da Colecção Berardo
FRANCISCO Capelo, o organizador da Colecção Berardo, demitiu-se ontem da Associação que dirige este acervo de arte contemporânea, cuja parte mais importante está no Sintra Museu de Arte Moderna. O sócio de Joe Berardo - que ainda detém 2,5% da Associação - geriu desde 1993 a empresa de comunicação social Investec, e foi com os lucros desta, aproveitando o facto do mercado de arte estar em baixa, no final dos anos 80, que conseguiu construir as colecções que integram o Museu do Design do CCB e um futuro da Moda.
Em declarações ao EXPRESSO, Capelo explica as divergências com Berardo em relação ao futuro da colecção. Diz temer que o empresário «possa vir a dar-lhe um destino não público». «Tenho razões suficientes para acreditar que (a colecção) possa vir a ser no futuro objecto de eventual dispersão e destruição», acrescenta.
Capelo teme a venda da colecção pela «lógica perversa, e sem visão, do sempre mais dinheiro» e diz não ter «poder para influenciar o destino final da colecção».
As relações entre Capelo e Berardo deterioraram-se, esclarece Francisco Capelo, a partir do momento em que Joe Berardo vendeu a sua posição accionista na Investec. «A sua independência financeira relativa à minha continuidade à frente dos destinos da Investec deixou de poder ser usada como fonte de influência e bom-senso», diz.
Agora, Francisco Capelo demite-se das suas funções de director, ficando apenas com os 2,5% de participação na Associação e com a gestão da parte que lhe pertence das colecções do Museu do Design e do futuro Museu da Moda, as quais promete doar ao Estado, sem abdicar da sua direcção.
Posted at 14:12 in 1999, Berardo, Museu Berardo | Permalink | Comments (0)
encontrei hoje esta entrevista de autor não identificado no site da CMTV. O filme o SOLAR DOS JORGES e a exposição na Galeria Municipal - Paços foram coisas que gostei de fazer. Como estará a casa agora?
http://cm-tvedras.pt/artigos/detalhes/jorge-soares/
01.07.2015
Azulejos, bidés, candeeiros, pequenas esculturas, bancos, aspiradores, mobílias, telefones, brinquedos… Uma infinidade de objetos reaproveitados fazem do “Solar dos Jorges” um mundo de fantasia singular no concelho, construído ao longo de décadas por Jorge Soares. Antigo jogador de futebol do Benfica, fixou-se há já alguns anos na Boavista depois de reformado. A sua moradia e todo o seu pitoresco universo foram recentemente alvo de um trabalho de vídeo realizado por Alexandre Pomar e Tiago Pereira, o qual esteve patente na Paços – Galeria Municipal. À [Torres Vedras], Jorge Soares falou desse seu mundo, bem como de outras questões como a importância do reaproveitamento de materiais, o seu percurso de vida, a terra que o acolheu e algumas curiosidades interessantes da sua carreira desportiva…
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Posted at 12:10 | Permalink | Comments (0)
actualizado, aumentado
Nasceu em 1947 em Lisboa. Jornalista e crítico de arte. É autor de inúmeros artigos sobre política e cultura, tendo publicado primeiro no Jornal Novo, em 1975, depois no Diário de Notícias e, entre 1982 e 2007, no semanário Expresso, onde foi editor e coordenador da área da cultura, dividindo a sua atividade entre o jornalismo e a crítica de artes plásticas e fotografia. Investigador na área da história da fotografia em Portugal e de Moçambique.
Organizou e prefaciou o “Catalogue Raisonné “de Júlio Pomar, vol. I e II (1942-1985), Éditions de la Différence, Paris, 2002 e 2004. Co-autor de “Júlio Pomar - Obra Gráfica”, com Mariana Pinto dos Santos, ed. Caleidoscópio, 2015; editor de “Júlio Pomar - D. Quixote”, 2016 e “Júlio Pomar - Xingu”, 2017, ed. Fundação Julio Pomar. Publicou “Quatro Fotógrafos de Moçambique - Moira Forjaz, José Cabral, Luis Basto, Filipe Branquinho”, 2016; “José Cabral - Moçambique” (fotografia), ed. XYZ Books, Lisboa / Kulungwana, Maputo, 2018; “Luisa Cortesão - Voltar a Maputo”, 2018. Tem no prelo o livro “Júlio Pomar - Depois do Neo-realismo”.
Como comissário de exposições, apresentou nomeadamente “Júlio Pomar - Pinturas recentes”, com José Sommer Ribeiro, Câmara Municipal de Aveiro, 2001; “Xana” (Alexandre Barata), com Lúcia Marques, Culturgest, 2005, Lisboa e Tavira; “As Áfricas de Pancho Guedes”, com Rui M. Pereira, Mercado de Santa Clara, para a Câmara de Lisboa, 2010; «Grupo de Évora» (fotografia), A Pequena Galeria, Lisboa, 2013, depois em Évora, Palácio D. Manuel, e Sines, Centro Cultural Emmerico Nunes); «De Maputo», A Pequena Galeria, 2013; «Fantasia Africana - Exposição-Feira Angola 1938», A Pequena Galeria, 2014; « 4 Fotógrafos de Moçambique», Museu da Imagem em Movimento, Leiria, 2015, Galeria Municipal de Almada e Centro Cultural Emmerico Nunes, Sines; “Jorge Soares - Solar dos Jorges”, Paços - Galeria Municipal de Torres Vedras, 2015. “Júlio Pomar - Pintura de Histórias”, com Sara Antónia Matos, Atelier-Museu Júlio Pomar, 2022.
Produtor para a Fundação Júlio Pomar do filme “Só o Teatro é Real”, realização de Tiago Pereira, 2013. Produtor e co-autor do filme «Solar dos Jorges», 2014, com Tiago Pereira, sobre o artista «espontâneo» Jorge Soares.
Desde 2006 é autor dos blogs http://alexandrepomar.typepad.com/ e https://alxpomar.blogspot.com/
É administrador da Fundação Júlio Pomar.
Posted at 12:06 in 2023, Júlio Pomar | Permalink | Comments (0)
Pintura sem fim, Brotéria:
As condições de visibilidade (e identificação) das pinturas "sem fim" são aqui demasiado fugidias. Há reconhecimentos, muito variáveis conforme os espectadores - até ao limite de não se reconhecer nada e o visitante se perder diante da oferta desarrumada e insondável - e, há a atenção atraída por algumas outras obras que se procura identificar, com maior ou menor boa vontade, na exígua folha distribuída, com nomes e títulos e datas (às vezes erradas). A contiguidade das pinturas parece ser totalmente aleatória, é mais acumulação sem diálogo entre obras e sem intervalos que as deixem "respirar". O efeito será certamente paralisante para muitos, que saem depressa. Para outros será desagradável e irritante, porque é cansativo recorrer à lista de obras e porque o número de peças sem interesse (sem imediata qualidade atencional) é esmagador.
Não percebi o propósito - será proporcionar a aparição de muito numerosos desconhecidos, talvez estudantes, talvez amadores, talvez autores inventados para a ocasião, ao lado de nomes qualificados? Seria talvez um exercício de benevolência que assim se perde. Será intenção de parodiar a vaga de pintura a que se assiste agora, provando que muita pintura não significa melhor pintura? Citar Pollock ("energias, movimentos e outras formas interiores") não tem aqui sentido.
O comissariado ou organização é anónimo, e quase ausente. E não se compare com a quantidade de peças de Mistifório, que era um constante desafio ao olhar, à memória, à inteligência crítica. Temos (Tenho) aqui a surpresa de encontrar Immendorf, excepção estrangeira, a presença de Paula Rego e René Bertholo com quadros dos anos 60 pouco ou nada vistos, a confirmação de obras que aprecio, como Ana Mata e João Francisco. Mais Gabriel Abrantes, Eugénia Mussa, Gonçalo Pena, Nikias Skapinakis. Mais?
Até 15 Fev.
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https://www.fidelidadearte.pt/eventos/mistiforio/
Mistifório, Fidelidade Chiado, último dia 6a 30.
Acaba amanhã e vale a viagem. Obras de desconhecidos e obras desconhecidas de artistas conhecidos (surpresas). Artistas singulares e obras de referência que põem à prova a disponibilidade e a atenção do visitante, confrontado com objectos muito diversos, arqueológicos e "primitivos", exóticos e precisos, e também guiado por um caderno de legendas e informações. Abstenham-se os visitantes preguiçosos, que se guiam pelos nomes e têm receio das descobertas. Em grande parte colecção Natxo Checa e às vezes de autoria NC.
As legendas estão num folheto-caderno bem feito e gratuito. Não chamaria decoração mas disposição. Cabe ao visitante focar a atenção na particularidade de cada peça, como aliás ocorre numa exp. ou museu, seja qual for a montagem q se percorre.
1. Almada / 2. calendário astrológico tibetano, séc. XVIII + baixo-relevo com retrato de Egas Moniz, c. 1950, obra recuperada... /3. Mattia Denisse + José Júlio 1977 + Jorge Queiroz + Suart n.d. / 4. Pedro Henriques, Arbusto + Sarah Affonso
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A exp. Intitula-se Vanguarda Retrógrada ( Backward AvantGarde), o q refere 1. uma revisitação das vanguardas ou/e do que está antes delas: deparamos com a instalação decorativa dos quadros como que em contexto doméstico (ou a instalação/disposição que predomina no espaço interior doméstico), a que se acrescenta de modo talvez irónico o mobiliário associado a quadros e a pinturas murais que sugerem quadros; 2. a troca da sequência modernista-finalista dos estilos pela simultaneidade das “linguagens” presentes. A.H. não prática um estilo (mas sim uma estratégia de produção-apresentação) e a afirmação autoral possível de reconhecer está na própria circulação (hábil) entre estilos e entre autores: citados Picasso, Tanguy, Delaunay etc, até ao Neo-geo dos anos 90.
Não me parece um trabalho paródico nem mesmo cínico (é mais clínico como sugere o corrector, ou crítico e por aí neo-conceptual). A moldura e a parede envolvente, também como segunda moldura; o mobiliário como presença doméstica e suporte da pintura; o objecto cénico e decorativo (candeeiro, tapete); a documentação associada exposta em vitrine (estudos, desenhos, fotos), comparecem não como acessórios mas como desafio constante às condições modernistas da exposição da pintura. E tudo isso se pratica com uma notória segurança prática e pictural, que não é displicente ou desinteressada, e que é por isso mesmo desafiante desafiante. Divertida também.(Instagram)
GONÇALO PENA (acrescento a 12-03), como breve comentário tardio a uma escrita do Óscar Faria de 11-03 que teve por título CITACIONISMO.
Citacionismo? não usaria a palavra, desde logo por ela significar um "ismo", e de assim se deixar aberta a atribuição de um "ismo" como estilo (colectivo), como fórmula ou processo, quando estamos, de facto, perante a prática de uma séria paródia ("desconstrução"?) de todos os estilos enquanto possíveis marcas autorais, de todas as maneiras, todas elas hoje disponíveis para um jogo de diversão, de erudição e de inquietação (que pintura é possível ainda?).
Há citação, parece-me, no sentido de referência, de apropriação casuística ou melhor de circulação por muitas maneiras de fazer, sugeridas ao observador cúmplice. Mas não se considere estilo ou tendência. Tudo se passa pintura a pintura, caso a caso, sem repetição, e por isso também conviria afastar a ideia de se repetir dadá ou os muitos nomes aqui citados, e a sugestão provável de situacionismo (Construtor de situações). Julgo, aliás, que a invenção é aqui sempre mais poderosa que a citação. Vejo mais variações do que citações. Lembra-me uma espécie de stand-up painting feita de humor, cultura visual e de improvisos num diálogo desafiante com o espectador. Feita de diversão, de erudição e de inquietação, repito-me, e também de oficina e mão.
(Que pintura lhe será possível ainda, depois de já ter feito pintura antiga e de experimentar agora caso a caso todas? as pinturas possíveis). Não falo aqui do desenho, que é relevante.
As duas exposições próximas no espaço desafiavam um comentário comum, na altura adiado, associando semelhanças e diferenças. E a diferença essencial é a da escala dos mercados nacionais respectivos.
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Posted at 20:21 in 2023 | Permalink | Comments (0)
Tags: Antón Henning; Galeria Pedro Cera; Gonçalo Pena; Cristina Guerra
Gabriel Abrantes. (1) Lembrou-me o quadro de Mark Tansey, em especial The Innocent Eye Test, 1981, no MET. Sem desprimor. Com Gabriel Abrantes trata-se de pintura, sem dúvida, e de uma ideia de ficção, de cinema de ficção (de animação), que se desdobra em cenas pintadas, muito bem pintadas a óleo sobre tela de linho, por vezes de grande formato e com uma "presença" forte.
Pintura sobre a pintura. Trata-se de questionar a pintura: de pensar a criação de objectos pintados ditos quadros, de interrogar a produção de imagens e de não-imagens também, de "reflectir" sobre a pintura na sua configuração tradicional de cobertura de uma tela rectangular e nas suas possíveis renovações por via de novos meios tecnológicos. O quadro está presente, representado, na maioria das pinturas - em execução, transportado pelos fantasmas que se beijam, exposto no Museu, e há também meios técnicos que se associam à pintura (e ao cinema, a outra prática do artista): o projector , o portátil, a mesa de som, também o telemóvel. A pintura e a imagem, nas suas diversas modalidades, animada e sonora.
Entretanto, o pintor é um fantasma que se representa a si mesmo (e numa visita ao Museu), sentado numa cadeira de rodas (de deficiente mas que se usa também para filmar), uma vez de muletas, às vezes pairando no ar. Duas ideias circulam: a pintura representa-se sempre a si mesma (o pintor igualmente) e é uma sobrevivência fantasmática, irreal, uma aparência ilusória e imaginária, vinda de algum passado já ficcional. A pintura está morta e reaparece como fantasma. Mas, de facto, a essa ideia de uma prática extinta (guardada no Museu, ainda...) contrapõe-se a forte eficácia visual destas excelentes pinturas a óleo. E também se sugere a continuação possível da pintura graças à utilização de novos meios técnicos - para além destas imagens pintadas terem sido criadas por meios informáticos.
Esse mundo habitado por fantasmas é invadido por águas, revoltas ou calmas, que ameaçam a sobrevivência mesma das criaturas fantasmáticas.
"Nobody Nowhere", na Gal. Francisco Fino, Marvila, só até 21, sábado.
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Por falar em Museu do Chiado. A propósito de uma exp. levada ao Museu Nadir Afonso, em Chaves, sob o título"Olhares Modernos. O Retrato em Pintura, Escultura, Desenho (1910-1950)", comissariada por Maria de Ayres Silveira, ida do museu de Lisboa.
Pode dizer-se que a foto fala por si - é um inaceitável disparate ampliar uma fotografia de 30x40cm, de Varela Pécurto, "Viúva da Nazaré", 1958, num formato que excede em muito o do Gadanheiro, e colocá-los lado a lado. (Já falei antes de outras aberrações fotográficas no Chiado, e a senhora não aprende, nem a colega Emilia Tavares, comissária para a fotografia no MC, consegue contê-la, ou ensiná-la). Cada uma faz o que quer...
Podia ser um cartaz, podia ser uma ampliação que pontuasse a montagem, se tal se justificasse, mas não, pegaram na prova original e agrandalharam-na sem qualquer justificação e sem ter o mínimo de informação sobre a questão da escala em fotografia (isto num museu é uma tropelia grave). Não se trata de ver melhor, é pura e simplesmente ver mal, enganar o visitante, não entender nada de fotografia e usá-la com uma disparatada leviandade.
Atropelar o Gadanheiro é grave, mas também devemos perguntar o que faz esta pintura numa exp. consagrada (muito livremente) ao retrato - é uma cena de trabalho e uma alegoria neo-realista, uma obra pioneira que em 1945 definiu o que era o movimento: o povo representado com dignidade, com força proletária, ou noutros casos explorado mas poderoso (Carquejeira, por ex.), ou em imagens serenas de afirmação e futuro (as várias famílias e maternidades...). Isso explica-se em alguma tabela informativa?
A Viuva não é neo-realista (e a aproximação sugere isso ao visitante desprevenido), é talvez populista (o realismo populista). Sem ser miserabilista, é uma imagem de sofrimento e abnegação, e não é irrelevante que o olhar da mulher não enfrente (nem comunique com) o observador, mas se desvie para uma esquerda invisível, indefinível.
Posted at 11:34 in 2023, Chiado, fotografia, Museus | Permalink | Comments (0)
Posted at 19:53 in 2023, Fatima Mendonça, Fátima Mendonça, Galeria 111 | Permalink | Comments (0)
investigação, apontamentos, pistas, informações, contactos, curiosidade(s)
Fundação Manuel Cargaleiro - Castelo Branco - dd 1990
instituída por escritura pública de 31 de janeiro de 1990, e reconhecida por portaria publicada no Diário da República II Série, n.º 124, de 30 de maio de 1990. Por despacho do Primeiro-ministro, publicado em portaria no Diário da República II Série, n.º 79, de 5 de abril de 1991, obteve a declaração de utilidade pública ao abrigo do Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de novembro.
http://www.fundacaomanuelcargaleiro.pt/fundacao.aspx
Fundação Arpad Szenes - Vieira da Silva - instituida pelo estado, a CML, Azeredo Perdigão, FLAD e Fundação Cidade de Lisboa em 1990. DL 149/90
https://fasvs.pt/wp-content/uploads/2022/12/Estatutos-FASVS_Decreto-Lei.pdf
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Posted at 09:46 in 2022, Júlio Pomar, Museu Berardo, Museus, Paula Rego, Vieira da Silva | Permalink | Comments (0)
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Posted at 00:54 in 2022, Berardo, CCB | Permalink | Comments (0)
REABRE DIA 3? (informa o Museu Colecção Berardo)
OU NÃO TEM DATA PREVISTA DE REABERTURA? (informa o MC via Observador)
1. "O espaço do museu / centro de exposições estará encerrado nos dias 1 e 2 de janeiro, reabrindo dia 3 de janeiro, às 10h00, com a apresentação da Coleção Berardo nos pisos 2 e -1 e com a exposição temporária «Dos Pés à Cabeça», pensada para crianças, mas para ser vista por toda a família, com curadoria de Cristina Gameiro, no piso -1. A entrada no espaço expositivo passará a ser feita através da bilheteira do Centro Cultural de Belém."
(informação do Museu Berardo) https://pt.museuberardo.pt/noticias/encerramento-do-museu-colecao-berardo-31-de-dezembro-de-2022
2. "O museu deixa de existir a 1 de janeiro de 2023 e as portas fecham-se sem qualquer data prevista de reabertura do Módulo 3 do Centro Cultural de Belém e poucas certezas quanto ao seu futuro conteúdo expositivo.
“Neste momento é prematuro situar uma data para a reabertura ao público, na medida em que essa decisão está inevitavelmente relacionada com o teor da decisão judicial que venha a ser tomada relativamente à coleção Berardo”, diz ao Observador o Ministério da Cultura (MC) em resposta oficial. “Caso o arresto da coleção não seja alterado, e se mantenham os termos vigentes – obras à guarda do presidente da Fundação CCB e disponíveis à fruição pública – o Ministério da Cultura continuará a garantir a conservação e a segurança de todas as peças, incluindo o pagamento dos seguros associados, no valor anual de cerca de meio milhão de euros”, continua o MC, mas caso isso não aconteça não há qualquer ideia em cima da mesa. Ou seja: “No dia 3 de janeiro poderá haver condições para abrir portas ao público, disponibilizando à fruição pública somente a Coleção Berardo”. Um cenário que “só se verificará se até lá se mantiverem os termos do arresto, ou seja, se até lá não houver uma decisão judicial que eventualmente altere o cenário vigente”, como explica detalhadamente o MC ao Observador." (versão A. Carita, Observador)https://observador.pt/especiais/o-plano-de-um-colecionador-as-contas-nos-tribunais-e-um-futuro-por-definir-para-onde-vai-o-museu-berardo/
Posted at 15:18 in 2022, Berardo, CCB | Permalink | Comments (0)
Posted at 19:58 in 2022, Berardo, CCB, Museu Berardo, Museus | Permalink | Comments (0)
Graça Morais, "Anjos e lobos - Diálogos da Humanidade", São Roque, até 28 jan. -- Catalogo Graça_SãoRoque.pdf
Jorge Queiroz /Ashily Gorki, "To go to...", Gulbenkian -- https://gulbenkian.pt/cam/agenda/jorge-queiroz-e-arshile-gorky-to-go-to/
Mistifório, Fidelidade - Chiado. cur. Natcho Checa, até 20 jan. -- https://www.fidelidadearte.pt/eventos/mistiforio/
Amor Veneris, Palácio Anjos, Algés, prolongada até 8 março -- https://musex.pt/amor-veneris/
Colecção Teixeira de Freitas, “Outras Lembranças, Outros Enredos”, Cordoaria: uma insólita exp. para discutir o que é a "arte contemporãnea" como género ou estilo -- https://alexandrepomar.typepad.com/alexandre_pomar/2022/12/cordoaria-col-teixeira-de-freitas.html
Eureka!, Centro de Arte Oliva, São João da Madeira, Porto, até 5 março -- org. António Saint Silvestre -- https://centrodearteoliva.pt/exposicao/eureka/
José M. Rodrigues, “Sem título, original”, Palácio D. Manuel, Évora + "Vi gente", Igreja de São Vicente, Évora (retratos) + "Amanhã será ontem" (antologia e inéditos), Auditório Augusto Cabrita, Barreiro, até 29 jan.
A Família Humana, org. Jorge Calado, Museu do Neo-Realismo, Inaugurada em 2021, foi tendo novas remontagens e novas obras -- https://www.museudoneorealismo.pt/exposicoes/evento-564/a-familia-humana
Pintura de Histórias, Atelier-Museu Júlio Pomar, cur. Alexandre Pomar e Sara Antónia Matos
máquinas e a memória da Cordoaria Nacional, exp. imprevista e não "curada" que permitiu conhecer o recheio bem conservado da antiga fábrica, pertencente à Marinha, alertando para a necessidade da instalação de um núcleo de arqueologia industrial (ou um museu, alargado a mais património)
Posted at 10:26 in 2022 | Permalink | Comments (0)
“O tempo do sr. Berardo acabou”, diz o ministro da Cultura. Espero que o Pedrito se arrependa desta afirmação infantil e injuriosa. Sabendo-se que o Berardo está doente, a frase, se a disse, é ainda mais chocante. A Colecção continuará a ter o seu nome, o que é da mais elementar justiça; o contrário seria um escândalo também internacional. Mas o Museu deve continuar também a ter nome Berardo, mesmo que acolha o que resta da colecção BPP / Rendeiro / Elipse.
O Expresso é aqui sem inquérito e sem vergonha cúmplice do governo, mas no último parágrafo da notícia (recado?) ajeita a mão e confirma que está tudo em aberto. Leia-se:
"Questão não despicienda: ainda está por saber-se a decisão judicial que resultará do pedido de revogação do arresto das obras interposto pelos advogados de Berardo, e como é que a mesma afeta o futuro da Coleção e do Museu de Arte e Moderna e Contemporânea a nascer no CCB em 2023. “Não faço cenários. Será sempre uma decisão judicial no contexto de um processo em que o Estado não é parte”, diz Adão e Silva, frisando que, “clarificada esta situação e reconhecendo o valor único da coleção, o Estado estará empenhado em negociar com quem for o seu titular. Trata-se de uma coleção privada, que será ou do senhor Berardo ou dos bancos. Vamos garantir a fruição pública até haver uma decisão e, depois, negociar com o proprietário quando a coleção estiver livre de encargos”.
Guiados o MC e a CGD por um personagem equívoco, que foi há muitos anos um dos cérebros da lavagem do cupão (absolvido) e que concebeu a engenharia financeira da compra inicial da Coleção, assente nos lucros do grupo de imprensa e em especial do Record, como me dizia à época (agora insinua outras manigâncias, como se não fosse ele o agente), estão a meter-se por caminhos duvidosos. Não haverá decisões rápidas sobre a colecção, que poderá ficar no CCB na qualidade de activos dos bancos, com valorização assegurada, ou ser transferida pelo fundador e proprietário para instalações que estão prontas para isso.
Nota: o Expresso anda mt encostado ao Pedro Adão e Silva, por razões que alguns sabem, mas tem vindo a rasteirá-lo levianamente, a metê-lo em complicações. Inabilidades. Incompetências.
Posted at 01:13 in Berardo, CCB | Permalink | Comments (0)
20/12/2022
A "arte contemporânea" já não é actual! Isto é, o género ou estilo "arte contemporânea" (com aspas) já não é a actualidade, não é a arte do presente, a arte contemporânea. É uma categoria a que corresponderia a desvalorização, recusa ou subalternização das obras actuais que não cabem nessa suposta classificação. Existe a arte dita contemporânea que cumpre uma suposta e fatal linha evolutiva que vem do modernismo de Manet ao formalismo tardio de Greenberg, passando pelo ready-made de Duchamp, e segue depois (contra o mesmo Greenberg, o arguto e influente crítico do século norte-americano, primeiro paradoxo), da Pop Arte até à obediência conceptual-minimal com que a ideologia das vanguardas se dissolve sem gerar novos estilos (70 anos depois não há mais estilos novos a sucederem-se), mas (segundo paradoxo) sem que essa suposta "arte contemporânea" como ideologia deixe de fazer dividir a produção artística em arte de vanguarda e arte convencional, conservadora ou kitsch, já só por efeito da palavra dos agentes do mundo da arte, os intermediários.
Essa é uma palavra ligada ao contexto de apresentaçãoi (o museu, a galeria, a colecção, a teoria), palavra imposta e garantida pela institucionalização das vanguardas, as quais foram críticas da “arte burguesa” e passaram, pós-68, a ser a arte oficial, que se articula com a teoria especulativa da arte e com o mercado especulativo sobre a plataforma cúmplice dos museus e “galerias-lider”, e os seus serviços de comissários, dealers, críticos e coleccionadores “de ponta”. De vez em quando, para dar exemplos nacionais, rompe-se a rede instituída com os escândalos Rendeiro-BPP (Museu do Chiado e Gal. Cristina Guerra), Espírito Santo / Colecção BES e BES Photo, com Manuel e Alexandra Pinho e respectivas colecções privadas, ou Oliveira Costa-BPN (Miró e outros restos), mas a máquina e as máfias absorvem tudo, apagam tudo, sobrevivem a tudo (não confundir com a Colecção Berardo que nada tem a ver com os acidentes da bolsa, ou com outro grande coleccionador que foi o Jorge de Brito, um grande colecionador dos anos 60/70, inteligente aventureiro das finanças que o pós-25 de abril conduziu à falência).
Isto é, a "arte contemporânea" que segue o figurino conceptual-minimal, na linha duchampiana da apropriação-apresentação (em alternativa à representação, dito em traços gerais), é só uma parte da arte contemporânea, mas há quem tome a parte pelo todo. E é uma parte envelhecida e oficializada, depois de se ter exposto como novidade, ruptura, crítica do consumo conformista, etc. A sobrevalorização descontextualizada e resistente das vanguardas, desvalorizando e ocultando o que foram os modernistas não vanguardistas, e também os não modernistas, os itinerários pessoais e paralelos, prolonga-se e apoia-se na defesa militante das neo-vanguardas, em muitos casos sustentando revivalismos e versões anedóticas. Não existem mais vanguardas, hoje, e os neo-vanguardismos são revivalismos que fizeram o seu tempo e se esvaziaram de sentido, mas há artifícios argumentativos que os usam de um modo gestionário: são termos e lógicas caducadas mas com uso instrumental para dividir, escolher, administrar e comissariar, comprar e vender.
No entanto, é essencial observar que não há fronteiras nítidas e substanciais entre os objectos e artistas apresentados como "arte contemporânea" e os reconhecidos como arte actual, contemporânea. Por um lado, a circulação de objectos e artistas entre categorias e entre museus mercados é acidental, ao sabor de conveniências tácticas e oportunismos. Por outro o que se mostra em contextos restritivos de "arte contemporânea" (por exemplo a Col. Teixeira de Freitas) inclui obras e artistas com importância e qualidade, mesmo se a acumulação indiferenciada, a lógica do vale tudo, dificulta ou impede a avaliação e a escolha.
O objecto encontrado eventualmente alterado (escolhido e nomeado, assinado e exposto) está numa linha de produção que vem do início do século, com as colagens cubistas, que se singulariza com o urinol (fonte: o objecto banal mais o seu contexto de apresentação, indispensável) de MD, e que chega a uma nova condição (e diferente realidade objectual) com AW, quando a caixa Brillo dita e tomada como arte (situada no espaço e no mercado da arte - e hoje num super-mercado especulativo) não em nada se desligue da embalagem Brillo do supermercado corrente - essa indistinção é o ponto de chegada (um fim da arte que continua como arte). Ou seja, o objecto de arte indescernível do objecto corrente insere-se numa tradição que vem já do início dos anos 60 sem novidade maior, mais pobre (povera) ou mais sofisticada ou tecnológica, com as suas variantes pintadas na tradição do monócromo: o novo já tem muita idade e a ruptura já é, afinal, uma tradição - afinal paralela a outras tradições, à pintura, à figura, à representação, que não se extinguiram (pelo contrário...) apesar de terem sido condenadas pelo que se quis afirmar como a vanguarda . E as vanguardas são sempre fundadas na exclusão, ou seja, tomam a afirmação de uma novidade como caminho de futuro inevitável (como a vanguarda fascista ou comunista).
Por exemplo, uma pintura da Graça Morais (exposta agora na São Roque, a não perder) não cabe no género ou estilo arte contemporânea, com aspas, mas é arte contemporânea, arte actual, e da melhor que se faz. Dentro do género "arte contemporânea" com aspas há obras apreciáveis (candidatas à apreciação e bem recebidas), porque surgem como atitudes críticas, como gestos de humor, como novidade (efémera), com qualidades visuais e sensíveis, qualidades estéticas (MD no início do ready-made procurava a indiferença artística e não o prazer ou o reconhecimento estético), com significados comunicativos e relevantes, paródicas ou inventivas. Há objectos de arte (mesmo que não pareçam arte) estimulantes ou idiotas; há obras interessantes e inventivas e outras oportunistas e medíocres. Não há que fazer uma rejeição em bloco, mas sim escolher, apreciar e defender, sendo caso disso, e também recusar e denunciar. Valorizar ou depreciar. Este é um terreno de crítica e de combate, de diferindo e dissidência, e não se pode dizer que gostos não se discutem, porque é exactamente o gosto, o juízo estético, e o gosto informado, que sustentam a disputa argumentada, não para exigir um consenso definitivo (um lugar inquestionável na história), para impor um saber especializado que silencia o profano, mas para avaliar razões aprofundando a recepção das obras.
A “arte contemporânea” é uma questão de contexto, apresenta-se em espaços próprios e de configuração garantida (o museu de algum arquitecto-estrela, Serralves, ou o armazém de preferência semi-arruinado, a Cordoaria), enquadrada e justificada por um discurso especializado e específico de carácter tautológico, mesmo se exíguo (como é o caso), que exige do seu público crente ou do espectador profano um respeito reverente, beato, de que deve estar ausente o juízo de gosto e a vontade crítica. Tudo se equivale entre consagrados e emergentes.
Na exposição do MNE ou da Cordoaria ou da colecção Teixeira de Freitas é o contexto que apaga a diferença, o que é anedota e variação ou o vestígio breve de práticas (pesquisas?) que devem ser positivamente reconhecidas, e o objecto que se impõe ao olhar, se possível olhar cultivado.
Acontece que a arte que é hoje ainda oficializada por alguns agentes e instituições perdeu a sua credibilidade. Outras artes actuais ganham uma nova visibilidade...
(em revisão, in progress)
17/12/2022
https://coleccaoteixeiradefreitas.com/index.html?#salas
PATÉTICO
Posted at 00:55 in 2022, crítica | Permalink | Comments (0)
De mal a pior. É certamente uma estreia no espaço que devia ser o da crítica de arte, a seguir às páginas de crítica de cinema, música, livros... Ou não foi uma estreia, mas os assuntos ou o calendário justificavam a solução precária ou expedita. Agora (23 dez.), a página Exposições do Expresso é ocupada por uma jornalista não qualificada para o efeito, substituída aos críticos habituais, certamente por uma contestável imposição das chefias, e o texto não questiona nem elucida, serve. A promoção, o discurso publicitário de encomenda, o frete imposto por um chefe ignorante e autoritário substitui o exercício da crítica responsável (se ainda era responsável). Percebe-se que os dois titulares da secção não quereriam dedicar uma página à Armanda Passos, mas outros poderes se impuseram certamente (não tenho inside Information). A respectiva pintura, que não irei ver à Fundação Champalimaud, desagrada-me desde sempre, é uma fórmula popularucha repetida, poupando aqui outras apreciações. Para os leitores vão-se confundindo valores, cresce a incompreensão e vence a indiferença.
Há poucas semana (9 Dez.), o Balanço do Ano da área das exposições contara só com a escolha de um crítico habitual entre três autores de escolhas, anunciando-se assim a degenerescência da cultura da revista. A lista dos melhores não era credível, para além das divergências de gosto.
A desaparição da crítica de artes plásticas, ou artes visuais, na imprensa generalista é uma situação a agravar-se há algum tempo, e cada vez mais acontece, por exemplo no Público, que exposições relevantes são passadas em silêncio, enquanto supostas "emergências" e galerias amigas vão tendo algum espaço. Lembro, no Público, as exposições actuais de Graça Morais (uma das melhores do ano), o Mistifório do Natcho Checa na Fidelidade, uma boa surpresa, e a recente Colecção Teixeira de Freitas, uma imensa exibição de "arte contemporânea" (com aspas) apresentada pelo MNE na Cordoaria, pouco ou nada divulgada mas que abria caminho a questionamentos necessários, ou a anterior Pintura de Histórias que co-comissariei e foi a mais importante antologia de Júlio Pomar desde as de 2004. O que tem lugar nas páginas é aleatório, sem qualquer padrão inteligível, um calhar suspeito.
A crítica não é só vítima, ela foi preparando o terreno para ser enterrada.
Posted at 00:54 in 2022, crítica, Expresso | Permalink | Comments (0)
Posted at 10:24 in Berardo, CCB | Permalink | Comments (0)
Mercado Santa Clara. Inauguração (À esq. Rui M. Pereira, co-comissário. Fotos Mário Bastos)
https://www.academia.edu/1542548/As_%C3%81fricas_de_Pancho_Guedes_uma_colec%C3%A7%C3%A3o_africana
Posted at 00:26 in 2010, Africa, Pancho Guedes | Permalink | Comments (0)
exposição "Anjos e lobos - Diálogos da Humanidade", galeria São Roque #graçamorais22
Abaixo, Sines 2006
Graça Morais, Sem título, 2022, 80x120 cm, acrílico s. tela
Duas pistas devem ser seguidas para ver a pintura de GM. Uma é a sua relação com o neo-expressionismo que se manifesta nos inícios dos anos 80, e de que se conhecem melhor Clemente ou David Salle ou Lupertz ou Sarmento, este de passagem. Sem seguidismo, mas partilhando um mesmo espírito no campo do chamado "regresso à pintura" e das suas novas figurações (com companhia de Dacosta, Paula Rego, Menez e Pomar, que então recomeça o primeiro e os outros mudam a sua pintura). A que se chamou também transvaguarda e pos-modernismo, sublinhando-se a descoberta e valorização da expressão das culturas locais e identidades nacionais (o genius locci) sobre a universalidade abstracta do "moderno". As suas melhores obras ombreiam com aqueles e ultrapassam JS (mais mediatizado sempre e dispondo do controle dos espaços institucionais, ainda hoje), num "estilo" pessoal afirmado na presença dos corpos e suas metamorfoses, animais e humanos. Com informação e heranças das culturas populares do norte.
Aproximações a Picabia (as sobreposições, o palimpsesto) e Picasso (Guernica).
Outro tópico é a dimensão e intensidade da sua relação com os males do mundo - parece que GM carrega por vezes toda o drama da existência humana, como inquietação, medo e revolta. Alguma retórica menos feliz aflora por vezes mais nos títulos que nas obras, mas estas ficam como questões abertas e feridas expostas na vida das pessoas, em especial nas mulheres. Aqui os 4 Migrantes desenhados, notáveis, e em "A Caminhada do Medo" e "As Sombras do Medo". É uma pintura de explícita intenção e de grande ambição nos seus assuntos e nas expressões formais, de grande persistência de carreira, alheada dos processos de marketing das imagens e de facilidade decorativas.
2011 e 12 13 O medo, a morte, desastres da guerra - a s´ria
Migrantes e Refugiados 2018 e 19
a Ucrânia Misha 2022
A fortuna crítica (ou infortúnio crítico) e as condições da carreira
Longe dos pólos do novo poder nos anos 70, que se organiza a partir da SEC com escala na Alternativa Zero 1977 (+ LIS 79 e 81) e passagem ao Depois do Modernismo (83) que se estrutura no eixo Cómicos SEC/IAC Frágil.
Figura maior dos anos 80 é excluída das "selecções" da década, com exemplo maior nos 10 Contemporâneos de Alexandre Melo em Serralves 90.
ausente na exp. sobre o Retrato no MNAA em 2018 depois da exp de Cascais em 2005
Sem Serralves, CCB, CAM FG sem prémio Aica
A política "geracional" dos anos 90 (Isabel Carlos, João Fernandes, Pedro Lapa)
Porto 67-71 (Puzzle 76-77) // PARIS 76-79 // Vieiro 81-83
Gal. 111 de 1983 a 2006-8
Paris FG: 77 - 88 - 2001 - 2017
97 Soares dos Reis - Culturgest (Pernes)
19 Soares dos Reis - MNAC
Champalimaud 2017: 20 de Jan e 27 jan 2017
Considerar que a crítica que defendeu GM vem da lógica formalista dos anos 50/60, e é depois substituída por um outro contexto geracional.
uma obra de maturidade, num tempo em que os (novos) artistas são aparições de desgaste rápido, para usar e deitar fora; em que se coleccionam miudezas, coisas baratas; em que as aquisições do estado são programadas como bolsas assistenciais e realizadas como jogos de cumplicidade.
A pintura não tem de ser fácil, nem deve ser design. GM pinta os males do mundo.
A estranheza de um mundo real (rural, local), retratos e alucinações, uma pintura rude, crua, difícil certamente, sem concessões ou amabilidades. Aquela gente existe como um desafio, impõe-se na sua distância vivida longe da nossa cidade cega. Olha-nos de frente, interpela-nos, também como pintura, intensamente imagem e pintura. Sobreviventes e radicais, ferozes por vezes, fantasmas vivos. Máscaras, memórias, raízes, assombrações. Graça Morais ocupa agora um lugar único, sem parcerias na sua geração de 70.
Por vezes há problemas de escolha nas exposições da Graça, e há estudos que deviam ficar pelas gavetas, mas aqui há um vasto conjunto de obras de 1ª escolha, excelentes, marcantes, vindas de anteriores mostras (tb a da Fund. Champalimaud em 2017) ou inéditas. Uma excelente montagem
(As batatas. À direita, pequenas pinturas de 2022.)
Migrantes I a IV, 2018, carvão.
Um exposição de excepção na São Roque. Depois da magnífica mostra na Fund Champalimaud em 2017. Quem faz melhor nos dias de hoje? 1
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O espírito do lugar
07-01-2006
O mar de Sines na pintura de Graça Morais
O que parece ser, em fotografias e nas peças da exposição do Atelier Aires Mateus patente no CCB, um excelente exercício de abstracção arquitectónica revela-se um obstáculo à visão das obras de Graça Morais que inauguram as galerias do Centro de Artes de Sines. As calhas dos néons reflectem-se nas primeiras obras, o percurso avança por uma rampa ascendente onde se mostram, sem o recuo necessário, os trabalhos de maior formato e volta depois atrás, perdendo-se o visitante num espaço modular labiríntico e mal sinalizado. Pode ser que o edifício resolva com sucesso outras valências, mas a galeria subterrânea que atravessa o pequeno «CCB» de Sines, de tecto baixo e volumes muito recortados, não se utilizará com facilidade - a exposição da arquitectura impõe-se ao que nela se mostra. Ao dizer o presidente da Câmara que «este novo centro foi também pensado como uma obra de arte contemporânea», levanta-se uma pista para discutir a dimensão mais formal da arquitectura, as vias especializadas da sua mediatização e a respectiva habitabilidade.
Graça Morais enfrentou uma segunda dificuldade ao localizar os temas da exposição na cidade que a convidou, sem recorrer à facilidade do «site-specific». Instalou o ateliê no castelo e procurou «inspiração» nos motivos da pesca, ignorando o complexo industrial que rodeia a baía (há vestígios de guindastes numa das obras e noutra um cargueiro atravessa o mar). Representar um lugar e a sua gente, interpretar uma realidade específica e transcrevê-la em pintura como visão de um olhar pessoal tornou-se um desafio pouco frequente, que alguma doutrina considera inútil ou impossível - a fotografia cumpriria a tarefa, e a arte actual ter-se-ia afastado do regime da representação para se pretender «reflexão sobre» e experiência dos seus limites. Esse é o academismo contemporâneo, que raros artistas desmentem, à margem dos trilhos oficializados.
Não se trata, na obra de Graça Morais, de propor uma descrição realista de lugares, e a paisagem está ausente como género, surgindo apenas, e só às vezes, como espaço habitado pelas figuras. Estas, entretanto, têm assumido numa parte crescente do seu trabalho a ambição e responsabilidade do retrato (como também acontece em obras de Sines), mesmo quando à regra do reconhecimento dos retratados se sobrepõe a procura de identidades colectivas, eventualmente matriciais ou míticas, como sucede no já longo projecto de identificação da artista com a sua região transmontana de origem. De facto, Graça Morais transforma a disciplina do retrato num campo aberto ao imaginário e à memória, num processo de derivas e mutações (às vezes pela sobreposição de imagens, como palimpsesto) onde podem surgir a máscara, a metamorfose em formas animais ou o próprio rosto da artista.
Toda essa dinâmica se pode observar ainda na mostra «Retratos e Auto-retratos», que constitui uma importante antologia temática, com obras recentes e algumas outras que vêm já dos anos 80. As três telas da série «Deusas da Montanha», de 2001, e o grande tríptico Auto-retrato?, de 2002, na direcção da alegoria, ou as sequências de desenhos e pinturas concentrados na dureza de rostos camponeses são argumentos de grande força. A recente mostra «Visitação», na 111 do Porto, e o álbum Uma Geografia da Alma (edição Bial) são outros passos dum momento de grande visibilidade do seu trabalho.
Nas obras de Sines, reunidas em Os Olhos Azuis do Mar, com texto de António Mega Ferreira, que há 20 anos já tinha escrito uma primeira monografia editada pela Imprensa Nacional, as gaivotas são as primeiras intérpretes de uma alegórica referência à pesca. Pássaros humanos (anjos profanos?) acorrem ao Festim, à Festa da Abundância, que se repete à chegada dos barcos, e ingurgitam ou vomitam peixes em cenas desenhadas com crueza.
Depois, os retratos de pescadores prolongam-se na estranheza mutante dos «Homens-peixes», e uma raia torna-se Menina do Mar, sempre pela via da metamorfose das figuras. Referências históricas (Vasco da Gama) e míticas (a lenda da cabeça de São Torpes) vêm cruzar-se com os dados do visível, ou o que dele impressionou a artista, e talvez não chegue a resolver-se, nas obras de maior formato, a integração dessa soma de informações em composições unificadas. O grande projecto de uma nova História Trágico-marítima, com mais de cinco metros, aparece como uma espécie de sumário dos motivos individualmente trabalhados, onde as figuras vogam à deriva sobre o azul do mar. No entanto, mais do que saber se essas obras sustentam a sua ambição talvez desmesurada, importa reconhecer a coragem do desafio.
«Os Olhos Azuis do Mar»
Centro de Artes de Sines, até 3 de Abril
«Retratros e Auto-retratos»
Centro Cultural de Cascais, até domingo
https://centroartegracamorais.cm-braganca.pt/pages/158?event_id=201
2014 Julho 28 DN - Graça Morais expõe na SNBA obras que vão para S. Paulo, DN
nota GRAÇA MORAIS, 111 - 9 Fev. 91
https://expresso.pt/cultura/2017-02-26-Uma-luta-continua-chamada-arte
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discordância:
"A liberdade da pintura é total, convida a contemplar a obra numa perspectiva puramente pictórica, como se a pintura se tivesse libertado da sua função de representar e fosse só pintura em toda a sua força expressiva." Sílvia Chicó, catálogo.
JLP não se interessa pelos temas (migrantes, desalojados...) e faz uma abordagem só formal à volta da transformação e mertamorfose.
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Com um notável projecto de arquitectura de Artur Andrade (1913-2005), o Cinema Batalha foi inaugurado em 29 de Maio de 1947, encontrando-se à data não concluído o fresco da parede maior, o hall. Júlio Pomar tinha sido detido a 27 de Abril, em Évora, por pertencer à Comissão Central do MUD Juvenil, como todos os seus outros elementos, excepto Octávio Pato devido a uma confusão de nomes. A 2 de Maio, o arquitecto (Empresa Forum) pediu por carta dirigida à PIDE que se autorizasse o artista a vir ao Porto concluir o trabalho; o mesmo fez a empresa do cinema, que era orientada por Luís Neves Real (1910-1985), matemático afastado do ensino e cineclubista. Não tiveram êxito.
O diário portuense O Primeiro de Janeiro de 28-05-1948 (pág. 4) incluiu uma pequena notícia, «O Cinema Batalha é inaugurado amanhã», onde refere que «foi decorado com motivos ligeiros de arte modernista». Em Setembro-Outubro desse ano, libertado o artista a 26 de Agosto, o fresco foi terminado. Por essa altura realizava no Porto, na Galeria Portugália, a sua primeira exposição individual, de desenhos, alguns realizados na prisão e vários reproduzidos no álbum XVI Desenhos, prefaciado por Mário Dionísio e iniciativa da revista Vértice.
Foi já em 1948 que o governador civil Antão Santos da Cunha, antes subdirector da Policia Judiciária do Porto, depois deputado, impôs a eliminação das pinturas. Segundo uma carta enviada ao artista em 17 Junho pela empresa Neves & Pascaud, proprietária até hoje, «uma determinação das autoridades» obrigava-a a «eliminar da decoração do seu Cinema Batalha as pinturas murais», fixando 25 de Junho como data limite para o efeito – mais de um ano depois da inauguração. Cconhecido recentemente um ofício dirigido ao ministro do Interior pelo presidente da Câmara do Porto, Luís de Pina Guimarães, tentando contrariar o ordem de ocultação ou destruição: «que [Sua Excia] se digne de considerar o caso relativo à legalização das obras executadas no Cinema Batalha, visto ter chegado ao meu conhecimento, por informações fornecidas pela Polícia Internacional e de Defesa do Estado, que as pinturas existentes no Interior do edifício foram já devidamente modificadas de modo a poderem ser consideradas aceitáveis.» Tem a data de 15 de Julho e refere um anterior ofício no mesmo sentido enviado a 6 de Março. Desconhecem-se pormenores do desentendimento entre as autoridades do Porto e não há indicação de qualquer modificação da obra, depois da troca inicial do tema, dos trabalhos do vinho no Douro (de que existe um estudo) pelo dos arraiais do São João. Mas o cumprimento da ordem pelo cinema terá sido cauteloso, recobrindo-se o fresco sem o destruir, talvez contando com uma próxima recuperação: não se previa que o regime se eternizasse.
Nenhum escândalo público ou teor figurativo dos frescos justificavam a eliminação de uma obra não panfletária e assumidamente decorativa, mas onde a presença do povo em liberdade e em festa podia desafiar a razão repressiva. Se não tiver sido uma arbitrariedade do cacique local, é possível ter-se tratado já de uma retaliação do regime no contexto repressivo contra a candidatura de Norton de Matos à Presidência. O general apresentava-se então oficialmente às eleições, sendo o seu Manifesto «À Nação» distribuído a 9 de Julho. Pode não passar de uma coincidência em tempos que eram mais lentos. A campanha eleitoral começou formalmente a 3 de Janeiro de 1949, e as eleições realizaram-se em 13 de Fevereiro, com a desistência do candidato. O retrato do general desenhado por Pomar teve uma grande presença na campanha e nesse ano ele foi demitido do lugar de professor de desenho do ensino técnico, o último emprego que teve. Disse o artista numa entrevista: «O acto censório que manda destruir o meu mural no cinema Batalha, no Porto, é deliberado e, do ponto de vista de quem exerceu essa autoridade, acho-o perfeitamente coerente. Se esse acto de mandar destruir uma obra era coerente com o que pensavam os poderes públicos, não quer dizer que aceitemos esses poderes. No fundo, embora não houvesse um conteúdo revolucionário evidente — não havia foices e martelos — os homens e as mulheres que lá andaram e que eu pintei na parede não tinham a ver com as imagens estereotipadas que eram fornecidas como imagem do chamado povo. Eram outra coisa, mas nessa altura as autoridades perceberam perfeitamente que as personagens que eu lá pus não eram ranchos folclóricos. Era uma outra verdade, inconveniente – in «O que a vida me ensinou», entrevista de Valdemar Cruz, Expresso / Única, 05-03-2005.
A realização dos murais do Batalha foi encomendada e iniciada em 1946. A revista Horizonte, Jornal de Arte, Lisboa, nº 2, de Novembro, informou: «A decoração mural (11x6 metros) que Júlio Pomar vai realizar para o 'hall' do cinema Batalha, do Porto, da autoria do arq. Artur Andrade, foi fixada pelo preço de 30.000$00». Outra notícia, referente ao que foi uma conspiração contra os murais em execução, que não tinha a ver com a posterior ocultação, mas sim com movimentações de artistas mais conceituados que detestaram ser preteridos a favor de um estudante, foi publicada por Manuel de Azevedo: «Um escândalo artístico – Está ameaçado de destruição o painel do Cinema Batalha, do Porto», numa destacada página inteira do Mundo Literário, Lisboa, nº 37, 18 de Janeiro 1947 (inclui 2 fotografias das obras em execução). Era um jornalista amigo do pintor, cinéfilo e cineclubista, vindo já da página «Arte» do jornal A Tarde, ao qual o artista pedira a intervenção cúmplice.
As pinturas murais eram muito frequentes ao tempo, até aos anos 60, a fresco ou não, em estafes temporários na Exposição do Mundo Português, de que ainda restam poucos exemplos menores, nas gares do Almada, a preencher as galerias do Museu de Arte Popular, por coincidência inauguradas também em 1947, com outro povo, etnográfico ou folclórico; em instituições públicas, escolas, cinemas, pousadas. Os artistas que não conviviam mal com o regime viviam bem das decorações e eram professores, o mercado de quadros vinha por acréscimo (1).
Artur Andrade projectara pouco antes o Café Rialto no edifício de Rogério de Azevedo, à Praça D. João I, um inédito arranha-céus. Era uma primeira obra onde o espaço interior se desenvolvia numa galeria de dois espaços articulados, um café luxuoso onde se aplicava o ideal da integração das três artes com um grande mural desenhado a carvão por Abel Salazar em que, «a traço vigoroso, está simbolizado o esforço da Humanidade através da História», O Século, 1944. Está agora entaipado numa loja de gadgets, o que é um escândalo. Havia também frescos de Dordio Gomes e Guilherme Camarinha (ocultados ou já destruídos?) e um baixo-relevo de João Fragoso, este desaparecido. Logo depois (1944) projectou a Livraria Portugália, na Rua 31 de Janeiro, com «um hall magnífico, que vai do passeio ao segundo andar, decorado com alegorias dos principais ramos das especialidades de obras que a casa vai representar» (A Tarde, 1945), em dez altos relevos do escultor Américo Braga, e duas pinturas executadas por Augusto Gomes. Victor Palla acompanhou o projecto, propôs a instalação de uma galeria no andar superior, activa de 1945 a 1951, e acrescentou as montras que circundavam o hall (2).
A que se seguiu o Batalha, onde integrou um muito grande relevo do escultor Américo (Soares) Braga na fachada (à data retirou-se o martelo, agora reposto em metal, mas deixara-se a foice), os frescos de Pomar, frisos decorativos de Augusto Gomes e António Sampaio, que lembravam criações de Walt Disney, mais uma estátua, nu feminino, Flora, de Arlindo (Gonçalves) Rocha, então seguidor de Maillol e depois escultor 'abstracto', a qual se conservou e agora se mostra.
Era insólito que uma encomenda de tal envergadura (11x6 metros no ‘hall’ e 6x3m no bar) fosse entregue a um jovem que acabara de fazer 20 anos, sem carreira escolar (andava no 2º ano da Escola de Belas Artes), embora reconhecido desde as Exposições Independentes e as pinturas de Évora (o Gadanheiro), e que por essa altura organizava a Exposição da Primavera no Ateneu Comercial do Porto. A ordem pública e política andava ainda alterada desde o fim da 2ª Guerra. Na realidade, já em 1945, quando dirigia a página “Arte”, onde se afirmava o neo-realismo, Pomar realizara estudos de projectos decorativos (incluindo pelo menos um baixo relevo documentado) previstos para os empreendimentos turísticos de Ofir, nomeadamente de Alfredo Ângelo de Magalhães, outro colaborador da página, e para Vianna de Lima. Vários desses desenhos conservam-se nos acervos de Ernesto de Sousa e do Atelier-Museu. Pomar contou ter desistido dos projectos para Ofir perante a oportunidade da IX Missão Estética em Évora com Dordio Gomes.
Ernesto de Sousa anunciou os frescos do Batalha sem os identificar, no artigo «A arte e o público» Seara Nova, 28-09-1946 (3): «Quais as superfícies em que os artistas pintarão para a maioria do povo? Aqui se verá mais uma vez o encontro desses dois factores determinando-se reciprocamente: por um lado, uma vida colectiva mais intensa e em formas mais evoluídas, está oferecendo ao pintor vastas construções colectivas, com vastas superfícies; por outro, essa cultura que vimos ser a da maioria dos homens, a do povo, determinará uma pintura que não se poderá contentar com os quadros de cavalete, mais interessantes para as intimidades recônditas de quem se isolou dos homens. Estes dois factores concorrerão para uma nova pintura mural – o que já começou a acontecer.»
Os frescos do Batalha ficaram conhecidos por fotografias feitas por Ernesto de Sousa, certamente para corresponder a um pedido de José-Augusto França. Tornaram-se essenciais para os trabalhos de restauro realizados em 2022. Uma carta do futuro historiador, de 29 de setembro de 1947, justifica essa hipótese: «Passei ultimamente pelo Porto e fui ver os frescos de Júlio Pomar ao Batalha. A coisa agradou-me debaixo de muitos pontos de vista e gostaria de fazer um pequeno estudo sobre eles. Para tal, e supondo que o seu amigo Pomar ainda não está ‘visível’, pretendia eu que você me facilitasse alguns ‘dados históricos’ e pretendia o Horizonte algumas fotografias ou estudos, etc, para publicar também». Tinha urgência na resposta porque partia para Paris dentro de dias. França, que se subscrevia aí como «camarada às ordens», tinha então interesse pelos realistas modernos como Fougeron (artigo em Horizonte, Abril 1947). Não escreveu o texto, mas na sua História do séc. XX, lembrava-se de que tinha ainda podido ver no local «o mural [...] que seria coberto com escândalo»: ele «dá-nos a medida do seu talento e da sua originalidade, definida por um desenho de grande potência barroca com a expressão espacial das suas curvas e línguas de fogo que ligam dinamicamente figuras e fundo» (A Arte em Portugal..., 2ª ed., pág. 367).
Invisíveis depois, a fortuna crítica foi escassa. Manuel de Azevedo apresenta o Batalha na Seara Nova de 21-06-1947: «um cinema de feição moderna, rasgado para o exterior por largos espaços envidraçados onde funcionam varandins, terraços e escadas sem paredes. E assim temos que o elemento humano, a própria multidão, é o primeiro elemento decorativo chamado a colaborar com a arquitetura. O contacto entre o espectador e o mundo exterior mantêm-se e a multidão faz parte da própria ideia do conjunto. [...] O arquitecto procurou valorizar o seu trabalho chamando a colaborar com ele uma equipa de artistas novos, novos como ele, o que acabou por fazer do Cinema Batalha um caso sem paralelo em Portugal. O pintor Júlio Pomar foi encarregado de pintar a fresco duas superfícies enormes que quase concluiu e que, mesmo incompletas como se encontram, o afirmam um artista de largos recursos técnicos e invulgares dotes decorativos, sabendo retirar daquele género a força e o efeito impressionantes da sua habitual personalidade, mercê de processos hábeis e originais de usar as tintas a água que o fresco implica.» Ernesto de Sousa, que foi sempre divulgando as suas fotos, considerou que «a história destes frescos pontua o fim da fase de formação e o alcance da maturidade» do pintor, a iniciar-se com o Almoço do Trolha e Farrapeira. Referindo a «firmeza de um primeiro impulso para a linha sinuosa dos motivos» presente em obras anteriores às «inéditas coordenadas de um novo realismo», diz que «o arabesco retomava em parte os seus direitos, em parte cedia-os à nova paixão, nos luminosos frescos do cinema Batalha.» (Pomar, ed. Artis, 1960, pág. 9).
Podemos hoje percorrer detidamente os murais, seguindo as figuras que se destacam ou organizam em grupos a circular pelo largo espaço dinâmico da festa, entre as ondas das formas decorativas que organizam os fundos. No fresco maior, em cima à esquerda há quatro pares enlaçados que dançam, e em baixo está um casal sentado com tambor, grandes mãos que o tocam, rostos tristes. E logo cinco figuras em movimento que se dirigem para o centro da composição, eles com bonés de operário, como quem vai à luta. Pelo meio fica um miúdo agachado que come da gamela – alguém apontou aí uma referência à fome, o que teria desagradado. Há um largo intervalo central flamejante, onde arde uma fogueira e sobem balões. Mais figuras à direita, três mulheres sós, outro par dançante, talvez artistas de circo com fatos aos losangos, um homem agachado que é arlequim ou mendigo, e logo em baixo os dois homens do tambor e da concertina, que são figuras poderosas, e mais outro balão a subir da fogueira.
As figuras são corpos e não vultos, e são rostos expressivos e individualizados, e não máscaras, muitos deles rostos firmes, decididos, e há muitos pés descalços, o que era impróprio. É mesmo povo quem invade a grande parede, e entende-se a recepção repressiva.
Em cima, no bar, está o alongado painel dos músicos, num palco, por entre as curvas de panejamentos com ramagens. São vistos com as suas sombras, os dois da esquerda com chapéus que parecem herdados do regionalismo norte-americano (um camponês de Thomas H. Benton) e o outro que olha o céu cujo perfil vem obviamente da Guernica, da mãe com o filho morto. À direita, bem separado da festa, um grupo de mãe e filhos, ela com um olhar frontal que inquieta, um miúdo descalço. São os pobres. Pomar entendia a grandeza do desafio, citando Picasso, afirma as suas ambições e as suas referências. O famigerado governador civil não se deixou enganar, e cumpriu o seu papel.
Note-se que é durante a realização dos frescos que escreve o artigo «O pintor e o presente», reflexão íntima e prudente sobre a pintura mural, onde parece justificar a condição decorativa que não podia cumprir o «programa máximo» do neo-realismo:
As grandes pinturas que sonhamos são de amanhã, só um amanhã bem diferente dos dias de hoje as tornará possíveis na escala desejada — um amanhã para a realização do qual devem incidir todas as nossas tarefas actuais. E o problema que hoje se põe ao artista deve cifrar-se, sim, em achar, no presente, quais as suas tarefas específicas — como, a seu modo, poderá desde já participar na marcha dos homens do seu tempo. (...) A questão da pintura mural está, entre nós, mais francamente na ordem do dia das discussões do que na ordem do dia das realizações. Algumas paredes se têm pintado, outras se virão a pintar. Cremos que, quer as já pintadas, quer as que se venham por agora a pintar, nada adiantam quanto ao problema da utilização popular da pintura: pintura de intuitos apenas decorativos, ou pouco mais, filha, em regra, de uma série de compromissos de difícil libertação — eis o que, por agora, se nos oferece, tudo bem longe daquela arte francamente popular, esclarecedora e construtiva, para a qual a razão nos norteia. – Seara Nova, 11 janeiro 1947, reed. in Notas sobre uma Arte Útil, pp. 109-113.
O Almoço do Trolha é contemporâneo e foi pintado no Porto, «O quadro aconteceu porque, na realidade, era uma cena com que eu me deparava todos os dias, nos intervalos da pintura do mural do Batalha. De lá de cima, enquanto parava para fumar, espreitava cá para fora e via, todos os dias, as mulheres dos trolhas a levarem-lhes as marmitas e a partilharem com os maridos a refeição. Foi um quadro que me impressionou e passei-o para a tela.» – “Nem olhei para trás para pintar o mural do Batalha”, entrevista, 21-02-2008, Jornal de Notícias. Estava também por concluir quando foi apresentado na II Geral de Artes Plásticas e só foi terminado para a primeira individual de pintura, em 1950 na SNBA, já visto como uma obra de excepção (note-se o preço de catálogo: 10 mil escudos) e não foi ao Porto para a mostra seguinte na Galeria Portugália.
Era persistente a dúvida sobre a sobrevivência dos murais, várias vezes questionada depois de 1974. Em 2005/06 foi feita uma tentativa de desocultação dos frescos, mal conduzida e sem êxito, por iniciativa da Associação Comercial do Porto, num programa chamado Comércio Vivo financiado por compensações pagas pelo Grupo Amorim pela construção do centro comercial Via Catarina. A intervenção foi bárbara. Atravessando as camadas de tinta (o fresco e as posteriores aplicações de pintura que o ocultavam) encontraram-se apenas vestígios dos desenhos prévios (sinópias). Admitiu-se que os murais teriam sido eliminados, ou pretendeu-se que não eram mesmo frescos e desapareceram. Feita a «pesquisa» sem quaisquer condições de rigor, rasgaram-se grandes janelas em lugares centrais, antes da operação ser denunciada na imprensa e suspensa. O IPPAR veio fiscalizar a intervenção e produziu um incompetente relatório onde confirmava a impossibilidade do restauro por inexistência da superfície pintada. Errou também. O Batalha fechara em 2000. Reabriu entre 2006 e 2010. Voltou a arruinar-se.
Em 2016-17, por ocasião de um novo projecto de reabilitação do edifício, a realizar pela Câmara do Porto e a cargo dos arquitectos Alexandre Alves Costa e Sergio Fernandez (Atelier 15), considerou-se, com a participação do artista, o uso de meios fotográficos e de peças documentais para devolver à cidade a memória dos frescos. Mas, a seguir, uma empresa de restauro então convocada, Signinum, de Braga, fez novas pesquisas e alertou: «Após as diligências e dos trabalhos concretizados, é possível afirmar a existência do mural com elevado grau de correspondência com as fotografias a preto e branco do que seria o original, atribuído a Júlio Pomar». A informação não foi então divulgada, mas a recuperação foi incluída no orçamento das obras do Batalha. Do restauro se encarregou mais tarde a empresa Nova Conservação, de Lisboa, que descascou por processos químicos as camadas de tinta sobrepostas aos murais e propôs soluções técnicas para o preenchimento das lacunas existentes, algumas de larga dimensão e estas mediante a colocação amovível de superfícies de fibra de carbono revestida a resina com capacidade para receber pintura a aguarela. Tratar-se-á de «uma restituição gráfica fidedigna, dado que o desenho é impresso a laser sobre a resina a partir das imagens de Ernesto de Sousa, sendo o acabamento / policromia realizado a aguarela» (relatório técnico). A operação pôde acompanhar-se (e aprovar-se) em outubro e novembro, realizada com entusiasmo e competência, ao que julgo, e o agora designado Batalha Centro de Cinema inaugura-se em 9 de dezembro com os murais já visíveis.
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Agradeço informações e documentos comunicados por Isabel Alves, Paula Parente Pinto, Sónia Moura, e Maria João Revez e João Aguiar (Nova Conservação).
(1). Ver Maria Catarina V. Figueiredo, Patrimonializar as pinturas murais da cidade de Lisboa na época do Estado Novo, tese de doutoramento, Lisboa 2017 ( http://www.museologia-portugal.net/files/upload/doutoramentos/catarina_figueiredo.pdf ).
(2) Sónia Moura, Portugália, Um galeria moderna no Porto dos anos 40, tese de mestrado, Porto 2013 ( https://sigarra.up.pt/faup/pt/pub_geral.show_file?pi_doc_id=36782).
(3) http://ric.slhi.pt/Seara_Nova/visualizador/?id=09913.099.004&pag=7.
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A década de 70 é um tempo quase desaparecido na obra e na carreira de Paula Rego. Porquê? A actual exposição da Casa das Histórias permitirá reflectir sobre esse facto. Percorrer demoradamente todo um período da obra de um grande artista de longa carreira, aqui os anos 70, que não são um período maior da sua obra como é consensualmente aceite, é um excelente programa para um museu monográfico.
É a década mais difícil da obra e também da vida da Paula, e elas nunca foram independentes; seguindo a exposição de Cascais vai-se tornando evidente, até ao final da década, a necessidade crescente de mudar a sua pintura. Ela repete-se e torna-se mais "deliberada" (palavra da autora) que expontânea ou livre na suas construção
Se atendermos à retrospectiva que teve lugar no Reina Sofia, vemos que não se mostraram obras dos anos 70 - passou-se de 1966 (Os Bombeirors de Alijó) a uma cena do Macaco Vermelho (que "...bate na mulher"), acrílico sobre papel de 1981. Outras antologias e edições fizeram um salto semelhante. Na 1ª grande antologia, 1988, CAM e Serralves, tb na Serpentine, Londres, as obras, em especial colagens de papeis recortados sobre tela vão de 1959 a 1969, com 19 títulos, com mais 7 óleos sobre papel sem colagens. Seguiam-se 6 pinturas da série Contos Populares Portugueses, col. CAM, do tempo de bolseira, c. 1975, e apenaas duas telas com colagens de 1977 e uma grande Anunciação de 1981, do mesmo ano do 1º desenho-pintura não recortado.
Na década de 70, PR expôs em Portugal (individualmente na São Mamede e Alvarez, 71 e 72; na gal. da Emenda, 74; na Módulo, 75 e 77; na 111, 78) e participou em colectivas institucionais no exterior (representou Portugal na Bienal de São Paulo de 1969 e de novo em 1975, embora limitasse a exposição do seu trabalho no contexto português). Só em 1981 e em especial em 1982 arrancou a sua projecção em Londres, já com trabalho diferente das anteriores colagens, apesar de em 1965 ter sido apreciada na mostra "Six Artists" no ICA: Poster, catalogue and invitation card for her first show in London. Six artists Jocelyn Chewett, Richard Humphey, Edward Piper, Paula Rego, Bernard Schottlander, Anna Teasdale. I.C.A. London 28th April-29th May 1965. Designed by James Meller, custa hoje £1,800.00 (https://www.roeandmoore.com). Entre os 6 só PR viria a ter notoriedade.
Foi o mercado (embora lentamente) e a crítica nacionais que "sustentam" nos anos 60/70 o trabalho da PR, até à "descoberta" inglesa, e é essa década alargada que está mais presente nas colecções nacionais como esta mostra comprova, para além das muitas obras que ficaram no espólio da pintura - sem terem especial reconhecimento britânico. Essa relação entre mercados nacional e internacional é sempre um importante elemento de análise das carreiras. Depois de ter estudado em Londres (na Slade, de 1952 to 1956, distinguida com um prémio escolar significativo em 55) há um espécie de exílio em Portugal por razões da vida pessoal, num regresso temporário que lhe permite afirmar-se a seguir em Londres. A rectaguarda familiar e a cumplicidade de Vic Willing foram apoios certos.
A partir de 1957, PR reside e trabalha na Ericeira com o pintor Vic W. e 3 filhos. Em 1963 passa a dispor de uma casa em Londres comprada pelo pai, e em 1976 instala-se aí em permanência, perdendo o apoio financeiro familiar. Bolseira da Gulbenkian em 1962-63 e de novo em 1975-76 (pesquisa sobre contos tradicionais, num momento de crise pessoal e da carreira).
Ao sair da Slade, PR afasta-se dos modelos escolares. Refere o interesse por Henry Miller e pelos seus relatos eróticos, assume a influência de Dubuffet e da Art Brut, a que se liga o gosto pelo surrealismo e em especial Miró (a associação livre, a dimenção onírica, o espalhamento de formas e sinais). Desde o início, em desenho e pintura (colagem de desenhos recortados e repintados), as obras são narrativas, projectam histórias ou inquietações pessoais e os títulos referem histórias mesmo que de legibilidade inviável.
Em vários aspectos a pintura de PR nos inícios dos anos 60 encontra-se com a de artistas do grupo Cobra, surgido nos anos 40/50 mas com itinerários posteriores : a herança surrealista e proximidade Bruta, a intenção política, a espontaneidade "irracional" ou convulsiva, uma figuração que toma vias da arte popular e depois dos comics, no contexto alargado da procura de novas figurações sem modelo realista. Nos anos 60 e 70 de PR há cruzamentos do seu trabalho com a figuração narrativa (Telemaque e Bertholo, por exemplo), com os imagistas de Chicago (Jim Nutt e Gladys Nilsson), com Peter Saul, e com o Batarda dos anos 70, o qual por essa altura partilha as mesmas referências. O universo Pop inclui estas derivas que comunicam com a banda desenhada e o cartoon, as artes populares, o humor crítico. PR distancia-se dos artistas Pop britânicos na busca de um caminho pessoal, mas não está sozinha.
Posted at 00:13 in Paula Rego | Permalink | Comments (0)
1939-40, O Caranguejo, 63,4 × 76,2 cm
1940-41, O Ovo vermelho
1941-42, Loreley
1942, Marianne - Maquis - "A Segunda Frente"
Tate:
The view is from the Kokoschka’s house in Polperro, Cornwall. He lived there between 1939 and 1940, having left Prague, Czech Republic (then Czechoslovakia), to escape the Nazis invasion. This work refers to the German occupation. Kokoschka said the swimmer (a self-portrait) represented Czechoslovakia, and the crab Neville Chamberlain, the British Prime Minister at the time. He explained, the crab ‘would only have to put out one claw to save him from drowning, but remains aloof.’ Kokoschka claimed that his landscape paintings often became political metaphors if he brought them to London unfinished, as in this case.
In his autobiography, Look Back, Look Forward, 1963, Edward Beddington-Behrens (anterior proprietário) recalled that Kokoschka told him that the swimming figure (a self-portrait) represented Czechoslovakia and the crab, Neville Chamberlain, who ‘would only have to put out one claw to save him from drowning, but remains aloof’. (At the time, Kokoschka held Czech citizenship, and had arrived in England as a refugee in 1938.)
Kokoschka also told Edith Hoffmann that what started off as a straightforward realistic landscape had the habit of turning into a political allegory, especially if he brought the painting back to London unfinished.
Exh: Unesco: Exposition Internationale D'Art Moderne, Musée Nationale d'Art Moderne, Paris, November–December 1946 (‘Artistes Réfugiés de l'Europe Centrale’ 10); Oskar Kokoschka, Kunsthalle, Basle, March–April 1947 (83); Oskar Kokoschka, Kunsthaus, Zürich, July–August 1947 (54) e posteriores...
1942 was a year of deadlock during the Second World War. Whilst the Soviet Union was battling the Nazis in the East, there were repeated calls for British and American governments to launch a Second Front in Western Europe. In Marianne-Maquis, Kokoschka vents his criticism of the allies’ delay by showing British war leaders Winston Churchill and General Montgomery drinking tea in the Café de Paris in Soho. The central figure is Marianne, the traditional personification of France, now linked to the ‘Maquis’, the French Resistance.
Posted at 20:02 in 2022, Kokoschka, Paris | Permalink | Comments (0)
Júlio Pomar. 1942-2018. Depois do neo-realismo
Apresentação ou Prefácio
Reuni neste volume textos de vários destinos e diversos temas, com predomínio do capítulo neo-realismo / novo realismo, mas alargando o horizonte até aos últimos anos da obra de Júlio Pomar, sem a pretensão de abordar todas as décadas, e foram oito... O neo-realismo é só o começo, muito referido quando se fala do artista, por fixação cómoda aos estilos colectivos, como uma marca indelével, que muitas vezes cega ou esconde, como se fosse um lugar fixo na história. Mas também acontece que ela, a história, é mal contada. É por isso de uma correcção de versões académicas e correntes que em grande medida por aqui se trata, propondo diferentes pistas. O neo-realismo não é o que dele se disse. Como exemplo, a abordagem de algumas obras então trocadas com outros artistas (Fernando Lanhas, Victor Palla, Mário Dionísio, João Abel Manta) serve de eloquente ilustração
Quase tudo aconteceu na obra de Pomar depois do neo-realismo, e por isso o título.
Nos anexos acrescentei 24 textos dispersos não incluídos nas recolhas publicadas em 2014 pelo Atelier-Museu - porque eram então desconhecidos. Prefácios para catálogos seus e de outros, uma palestra sobre o desenho e o pincel japonês («A mão contraditória»), apresentações, homenagens a amigos e lembranças de circunstância ou de oportunidade – desde 1947 a 2017, com uma gravação de ignoradas data e intenção que ficou a abrir a sequência por tratar da infância. E no segundo anexo publico a pouca correspondência com interesse que sobreviveu às mudanças da vida, sem ser coleccionada: cartas singulares da Galerie Lacloche antes da partida para França, dos amigos Mário Dionísio, Manuel Vinhas, Paula Rego, José Cardoso Pires, mais os extractos de duas dezenas enviadas aos filhos Alexandre e Vitor que percorrem os primeiros anos de Paris, e uma última escrita no Xingu. Outras cartas trocadas com Menez na viragem dos anos 70/80 já tiveram edição própria do Atelier-Museu: ficou a saber-se que a pintura não é produção fácil para alguns pintores e isso raramente se escreve (só em cartas privadas?) e menos ainda se divulga.
Destaco um primeiro texto analítico mais longo que abriu o volume I do Catálogo Raisonné, em 2004, onde identifiquei a Geração de 45, a emergência simultânea e cúmplice de jovens artistas em Lisboa e Porto no fim da 2ª Guerra, e a originalidade do neo-realismo português no contexto dos realismos sociais e socialistas do mesmo tempo internacional – e aí se seguiu também brevemente a mudança sequencial da obra até 1968, fim desse volume. A informação vinda das Américas e a atenção cosmopolita, fortalecida pela falta de qualquer tradição realista nacional e moderna que fosse reconhecida pelos novos, determinaram a excepção do caso nacional, que teve logo depois, para outros artistas de uma geração plural, derivas por surrealismos e «abstracções» próprias da época. Recordo também um muito anterior escrito polémico sobre a grande exposição Os Anos 40 (Gulbenkian, 1982), que sumariou questões críticas não desmentidas e teve uma decisiva consequência pessoal – fiquei comprometido nestes terrenos, e os reparos permaneceram a desafiar o status quo. Aliás, os anos 40 perduraram por várias décadas, a vários níveis. São a grande ruptura do século XX, pela actualização da informação, o contacto internacional e a aparição de grandes artistas modernos com longevidade.
A investigação sobre as referências internacionais presentes nos escritos da época e o inventário possível da biblioteca sobrevivente de Pomar, desde 1942 (16 anos), documentou aquela tese. A propósito, acrescento uma breve digressão internacional sobre realismos. Também é inédita a valorização de um segundo período do novo realismo de Pomar, já no início da década de 50, no contexto de uma renovada mobilização partidária que falava de Paz no tempo das Coreias em guerra, com diferentes relações francesas mas sempre com desejada independência estética. Este capítulo, o do Atelier da Praça da Alegria (dez anos depois do da Rua das Flores, ambos de grupo), quando Pomar condena o seu «desvio lírico», foi propiciado pela primeira apresentação pública da Marcha de 1952, o grande painel com o retrato (premonitório?) de José Dias Coelho, e fica prolongado até às obras maiores do Ciclo do Arroz. No que contesto a leitura de Mário Dionísio, depois de antes ter recusado a versão do neo-realismo estabelecida por José-Augusto França, esta com larga descendência escolar. Face à circulação habitual de informação em segunda mão, nunca escrutinada, é preciso ir às fontes com alguma minúcia.
A seguir abordam-se temas sectoriais, como os frescos do Batalha, agora com nova actualidade, a confirmar o seu lugar mítico sem paralelo, o desenho inicial e vindo de Caxias, a tapeçaria, a obra gráfica. E esclarecem-se momentos de afirmação colectiva que foram sendo vítimas de equívocos: a exposição de 1942, que não recobria paredes com folhas do Diário da Manhã, como passou a contar-se, seguindo um Vespeira tardio; os supostos «Passeios à Ribeira» antedatados e exagerados, outro mito; a dinâmica de uma afirmação geracional vibrante no imediato Pós-guerra (página «Arte», Missão Estética de Évora, Independentes do Porto, etc); logo as Exposições Gerais até 1956, a sua larga abrangência e o seu termo. Não se trata de empolar no espaço das artes plásticas a história do neo-realismo ou, melhor, do novo realismo, como logo passou a dizer-se. Foi em muito grande medida um episódio político e para alguns um breve caminho inicial, embora com obras desde logo reconhecidas e marcantes, em especial no caso de Pomar. Foi também a sequência nacional bem informada e possível dos realismos anti-fascistas internacionais dos anos 30/40, antes da sua deturpação às mãos de soviéticos e alemães, e da respectiva ocultação num Pós-guerra demasiado norte-americano. Paradoxalmente, ou não, é muito pouco exposto (é certo que há pouco para expor, em quantidade e qualidade) mas é demasiado falado, como um fantasma persistente.
Passando adiante no tempo, Depois do novo realismo..., abordo o que pode chamar-se a inspiração Pop, que se manifesta pelo final da década de 60, a seguir a indecisões no trabalho da pintura e destruições de quadros: fechava-se então um caminho vivido num contexto pessoal sempre sensível a mutações globais, que já tinha sido o de uma primeira ou mesmo segunda maturidade. Essa inspiração passa pelos Beatles (o ar do tempo), pelo ultimo Catch e os Rugby’s (a fotografia apropriada) e Maio’68, para seguir dos Banhos Turcos d’après Ingres aos Retratos, sempre sem ser a adesão explicitada a um estilo colectivo, que aliás a Pop não foi. Do interesse pela cultura popular ao diálogo com a arte dos museus, que vários Pop praticavam – em especial nas três magníficas natureza mortas a partir de Chardin, de 1976. Foi cedo testemunhado, mas discretamente, o interesse do artista pelo que de novo via em Paris (uma carta de 1965, duas entrevistas de 66): Rauschenberg e a Pop anglo-saxónica – embora falando mais de Matisse, que, aliás, também interessava aos novos pintores, Warhol, Wesselmann e Lichtenstein, que o citam com frequência. A reorientação foi da gestualidade em que as formas se dissolviam sem remédio para as superfícies recortadas de cores lisas, onde a figura se refaz, inteira ou fragmentada mas emblemática. Eram novos realismos. Antes de passar a outra «fase», erótica, mais austera parecendo o contrário, numa circulação rápida que fazia desorientar a apreciação crítica.
Os períodos dos Retratos das décadas de 70 e 80 têm uma rápida abordagem própria, a propósito da antologia que foi exposta no Atelier-Museu; houve muitos retratos desenhados no início da carreira e marcaram também o final, estes pintados, em geral retratos relacionais, cumplicidades. Passou-se do retrato-cartaz Pop (Viana e Almada) e da figura mais presente e íntima, a do retrato nu, tal como o auto-retrato, já depois dos dois notáveis retratos de cerimónia e encomenda dos 60, mais um livre por opção, para a liberdade lúdica do retrato literário, de imaginação e ilustração, a qual vai conduzir às figuras das mitologias, com que se configura um último e longo período tardio, que ainda foi interrompido e fecundado pelo encontro com os espectáculos brasileiros, Marcarados e Índios, 1987-90. Chegando ao presente, ao ritmo das exposições recentes do Atelier-Museu, a longa relação com a literatura, ilustração, pintura literária, pintura narrativa, contra os tabus do tardo-modernismo formalista (essencialista também), é questionada em «Ver histórias, ler quadros». Reflexão que deu origem à proposta da exposição seguinte, para rever ficções e mitos que não seguem livros e inventam enredos, a produção mais tardia, pouco conhecida. Num tempo derradeiro de pintar a «Comédia Humana» que Helmuth Wohl baptizou em 2004, e que se apresentou no Atelier-Museu em 2022 como «Pintura de Histórias», e de História, onde incluímos a permanência de D. Quixote e memórias da Amazónia, quando também aconteciam retratos dos amigos no retorno do pintor a Lisboa e convívios com o Fado.
O alinhamento segue a cronologia dos temas, não a das publicações, e todos os textos, quando não são inéditos, foram alargados, revistos, actualizados e anotados, mais ou menos profundamente. Não é a edição original, por vezes jornalística, que aqui importa, a qual pode ser consultada nos sites/sitios próprios, mas sim o estado presente das questões tratadas – em certos casos raros acrescentei adendas e alterações entre parêntesis rectos quando se mudaram opiniões vencidas respeitando a prosa anterior. Há informações que por vezes se repetem em textos diferentes, para sistematizar a informação, mas a leitura do volume não será corrida e deve ser segura, sobre factos e referências. Cumpre agradecer convites para colaborar em edições várias, a Joaquim Vital das Éditions de la Différence, a António Redol e à directora do Atelier-Museu Júlio Pomar, Sara Antónia Matos, para além do que foi como ponto de partida trabalho no Diário de Notícias e no Expresso.
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exp. de Maria Lamas organizada por Jorge Calado, anunciada pela Gulbenkian para 2024. 11 11 2022
Os seus inúmeros retratos de mulheres devem ser vistos como uma grande aventura fotográfica, com um sentido de documentário social, de denúncia e de esperança ou optimismo que tem de ser associado ao neo-realismo, como uma contribuição muitíssimo original (o neo-realismo nunca teve fronteiras conceptuais fechadas e pode/deve ser identificado como tal, ou como aproximação a, sem que os autores dele se reclamem).
Herdeiras de uma prática fotojornalística recorrente - o retrato individual que acompanha as notícias - , as fotos de ML têm uma verdade e uma energia contagiantes, que desde logo decorrem e comungam da situação concreta do inquérito e do voluntarismo da autora. Toda a ambição esteticista ou artística está ausente: são documento e testemunho, tanto das mulheres encontradas no terreno como na atitude da autora. Nunca foram expostas até aos anos 2000 (e seguramente não foram pensados como objecto de exposição, ou colecção, ou edição autónoma), e nem mesmo foram incluídos ou referenciados, ao que julgo, nas exposições documentais tardias sobre Maria Lamas.
Não referidos por António Sena na sua história, permaneceram como material não visto, não reconhecido, não valorizado, ignorado pelo neo-realismo oficial (o das EGAP de 1946 a 1950...) e também, naturalmente, pelos meios da "arte fotográfica", em que também o neo-realismo penetrou (Lyon de Castro, Cabrita e outros). Não um não-dito da fotografia portuguesa, que por vezes continua a incomodar quem se rege por etiquetas e não por dados visíveis.
São na maior parte das vezes retratos individuais e também de grupo. Retratos directos e frontais realizados nos locais de trabalho, como que interrompendo momentaneamente a faina. Noutros casos são mesmo momentos ou situações de trabalho que se ilustram, procurando registar a dureza do esforço físico. Totalmente despidas de efeitos de luz e sombra, feitas sob o sol directo e cru, as imagens prescindem também de toda a anedota ou nota de mistério, à beira de uma impressão de banalidade que se desmente na cumplicidade dos olhares trocados, na firmeza, confiança ou dignidade dos rostos, na eficácia documental das roupas, utensílios e outros objectos visíveis, numa objectividade enxuta e tocante. A banalidade, o banal (a suspensão da arte), é um tema essencial da prática e da teoria fotográficas, que se manifestara uma década antes durante a "polémica do flagrante" e foi tendo sucessivos afloramentos (Walker Evans, a Pop, etc)
Cada fotografia é acompanhada por várias linhas de texto que ultrapassam a condição de simples legendas para fornecer informações complementares e comentar o contexto económico e social de cada situação.
Realizadas por um fotógrafo-não-fotógrafo (nem profissional, nem "amador", no sentido habitual de aficionado da arte fotográfica), que apenas por necessidade recorreu por algum tempo a um "caixote Kodak", estas fotografias suplantam o interesse das restantes imagens do livro, assinadas por um heteróclito grupo de outros autores. Essa outra muito vasta antologia fotográfica documental que ML escolhe e inclui no seu livro comprovam a forte relação com o medium (com o acesso a importantes acervos e o relacionamento com fotógrafos, ou seja, uma cultura fotográfica assinalável) para além da produção própria.
No seu recente livro (Maria Lamas, Mulher de Causas - biografia breve, ed. Município de Torres Novas <corrijo o lapso>, 2017) e nos comentários que deixou escritos numa nota abaixo (facebook), José Gabriel Pereira Bastos acrescenta informações essenciais para se perceber o contexto ideológico e político, profissional e pessoal, da obra de M.L.
#https://alexandrepomar.typepad.com/alexandre_pomar/2011/03/cuf.html#more
https://alexandrepomar.typepad.com/alexandre_pomar/maria-lamas/
Posted at 15:11 in 2022, Jorge Calado, Maria Lamas | Permalink | Comments (0)
2. "Quando as causas suplantam o talento artístico" (MF)- nenhuma outra área se desligou da ideia de talento como aconteceu com as artes visuais: aí, por um lado talento passou a ser virtuosismo (habilidade) e por outro desqualificou-se, aparece como dispensável (desde logo o talento para o desenho), o que isola as artes visuais na relação que temos com as artes em geral, onde a competência, o talento e o saber são exigidos - e por aí condenam-se as artes visuais à perda de credibilidade e de público. Mas a ilustração, a bd e o grafiti em geral impõem-se: artes contemporâneas autónomas face às artes oficiais.
A ambição das vanguardas, que ficou circunscrita a nichos académicos nas outras áreas, só agora está a ser objecto de crítica e rejeição (houve precedentes e tentativas, desde Rosenberg, Gombrich, desde Jean Clair), mas encontra-se protegida pela circulação oficializada, onde se associam a especulação mercantil assente na cumplicidade entre museus e coleccionadores "de ponta", e uma retórica crítica que adaptou a radicalidade "revolucionária" dos anos 60/70 a um papel servil face ao estado e instituições.
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Posted at 17:02 in Fotografia portuguesa, Fotografos | Permalink | Comments (0)
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Posted at 16:25 | Permalink | Comments (0)
Posted at 15:57 in Paris | Permalink | Comments (0)
1867-1944 (nasceu no mesmo ano que Bonnard), uma carreira à margem de movimentos, oficial e irreverente, surpeendente.
Académico e humorista (ilustrador), conservador e interessado na vida moderna (o metro, os aviões), tradicionalista reacionário e original, imprevisível. Retratista hábil e sensível. Professor, pintor da Belle Époque, famoso no seu tempo e depois esquecido.
Retrospectiva no Petit Palais, em simultâneo com Walter Sickert.
Posted at 01:20 in Paris | Permalink | Comments (0)
Musée d’Art Moderne ville Paris ( https://www.mam.paris.fr/fr )
1 Oskar Kokoschka (até 12 FEVRIER)
[... Francisco Tropa] este não conta...
Petit Palais ( https://www.petitpalais.paris.fr/expositions )
2. Walter Sickert (29 jan)
3. André Devambez - Vertiges de l’imagination, até 31 Dez.
Orangerie (https://www.musee-orangerie.fr/fr)
4. Sam Szafran. Obsessions d'un peintre (Até 16 jan.)
[ Mickalene Thomas: Avec Monet]
[Les arts à Paris]
Beaubourg - Pompidou ( https://www.centrepompidou.fr/fr/)
5. Alice Neel (16 jan.)
6. Gérard Garouste (2 jan)
Orsay ( https://www.musee-orsay.fr/fr/visite )
7. Edvard Munch
8. Rosa Bonheur (1822-1899)
[Kehinde Wiley... Gal. Templon]
Musée Jacquemart-André (https://www.musee-jacquemart-andre.com/)
9. Füssli, entre rêve et fantastique
LOUVRE (https://www.louvre.fr/)
10. Les Choses. Une histoire de la nature morte
Palais de la porte Dorée, Musée de l’Immigration
11. Paris et nulle part ailleurs: 24 artistes étrangers à Paris. 1945-1972
https://www.histoire-immigration.fr/
12. Bourse de Commerce - Collection Pinault
Anri Sala
[....œuvres in situ qui dialoguent avec l’architecture et le parcours de visite: ...pelo templo do $]
https://www.pinaultcollection.com/fr/boursedecommerce
13. le Centquatre ( https://www.104.fr/)
Foire Foraine d’Art Contemporain
Posted at 23:16 in Paris | Permalink | Comments (0)
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Posted at 00:41 in 2022, Berardo, CCB, Polemica, politica cultural | Permalink | Comments (0)
https://cciporto.com/2021/03/01/sabia-que-o-cafe-rialto-ficou-famoso-mas-teve-vida-curta/
AUTORIA
Edifício de Rogério de Azevedo; interior de Artur Andrade
todos os pormenores foram minuciosamente considerados pelo arquiteto, dando origem a um espaço majestoso, com uma decoração que primava pelo exaltamento de artistas nacionais e pela utilização de materiais nobres.
Revestido a mármores escuros de carácter imponente, possuía inúmeros baixos-relevos de cerâmica policromada, pinturas a fresco, e um mobiliário condizente com as luxuosas instalações. Inovadores jogos de luz foram igualmente integrados no desenho do espaço de forma a valorizar as próprias obras de arte. Aqui, a conjugação da luz natural com a colocação de espelhos, confere ao espaço um ambiente alegre e acolhedor.
Comum aos dois salões, o teto, com um enorme painel de espelhos, refletia a sala de baixo, criando uma sensação de amplitude. Várias paredes eram também elas revestidas com espelhos, que refletiam os frescos da autoria de Dordio Gomes e de Guilherme Camarinha. Junto à escadaria existiu um baixo-relevo do escultor João Fragoso e, no rés-do-chão, um enorme desenho a carvão da autoria de Abel Salazar ocupava uma das paredes, feito diretamente sobre ela.
Na altura em que o café encerrou, a instituição bancária que lá se instalou preservou o mural de Abel Salazar, que ainda lá existe, mas destruiu os frescos e o baixo-relevo de Dordio Gomes, Guilherme Camarinha e António Duarte.
O primeiro arranha céus do Porto (!)
Conheça a curiosa história do primeiro arranha ceus do Porto, onde existia um dos cafés mais antigos e bonitos da cidade.
Sara Riobom
Setembro 29, 2016
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(A segunda parte militante da década neo-realista de Pomar (1945-1955). Das gravuras políticas ao Ciclo do Arroz)
Nunca exposto até agora e nunca antes referido, embora incluído em 2004 no Catálogo Raisonné graças à memória do artista, Marcha é uma alegoria política e um retrato de grupo, onde retrospectivamente se destaca a figura de José Dias Coelho, escultor e militante comunista que seria assassinado pela PIDE em 1961. Reconhecível entre as figuras do casal que avança em primeiro plano, ocupa um lugar central correspondente na época à sua posição como activista que animava as intervenções dos artistas do PCP nos primeiros anos 50 (ou seria mesmo o seu informal controleiro, um controleiro não sectário, segundo me disse Júlio Pomar). Em 1955 trocou a carreira artística reconhecida pela passagem à clandestinidade como responsável por uma oficina de falsificação de documentos.
A condição política da pintura, obviamente partidária, que justificava a sua ocultação, relaciona-a com as campanhas pela paz que o PCP promovia nos anos 1949-54, ao tempo da Guerra Fria e da guerra quente da Coreia. Mobilizavam-se acções de rua e abaixo-assinados de apoio ao Apelo de Estocolmo pela proibição das armas nucleares, aprovado em 1950, e em especial contra a reunião do Conselho do Atlântico, em Fevereiro de 1952 no Instituto Superior Técnico, depois de a adesão portuguesa à NATO ter sido ratificada em Julho de 1949 – acontecimento e movimentações que vinham abrir brechas nas dinâmicas da Oposição, antes tendencialmente unitária, separando comunistas e democratas.
Em 1952 Marcha tinha de ser uma obra clandestina: era o lado soviético de uma trincheira paralegal, animada num atelier e tertúlia activos em período de forte repressão policial e censória que decorreu durante e depois das candidaturas presidenciais de Norton de Matos e Ruy Luís Gomes (em 1949 e 1951, respectivamente). Naquele ano a SNBA foi fechada e interrompeu-se a sequência das Exposições Gerais, por Eduardo Malta ter sido expulso de sócio devido a um conflito público com Dias Coelho. Era também o tempo da polémica interna do neo-realismo, em torno da orientação da Vértice, por efeito de um «desvio sectário» que fracturava os meios intelectuais, com um PC debilitado por muitas prisões. Depois, com a morte de Stalin e o relatório de Khrushchev, viria o chamado «desvio oportunista de direita», de 1956-59, a seguir «corrigido» pela fuga de Cunhal de Caxias, em 1961, sempre segundo a dramática pequena história ziguezagueante do antifascismo. Razões de segurança e o ocaso do neo-realismo mais militante, bem como prováveis opções pessoais, podem explicar que Marcha seja uma pintura nunca divulgada antes e também depois do 25 de Abril. O artista nunca a procurou incluir nas suas antologias e a iconografia de Dias Coelho e do PCP nunca a recuperou.
Mesmo que a condição panfletária venha dificultar a classificação como «obra-prima», este é um quadro maior, e não só por coincidirem a ambição do assunto e o grande formato, inédito à época. O encontro entre o manifesto político e o retrato de grupo, de um momento e local bem precisos (o atelier da Praça da Alegria, como veremos), concede-lhe uma verdade prática e uma intensidade emotiva que é fusional com as qualidades formais que o fazem seguramente uma das peças mais marcantes do neo-realismo, que aí se identifica com o campo alargado do realismo socialista embora sem concessão académica. É uma obra bem representativa de um tempo político e suas contingências, é uma peça única na carreira do pintor (apesar de renovar o programa da primeira Marcha de 1946, e de antecipar o Maria da Fonte de 1957, numa idêntica linha de pintura de história), e é decisiva para rever a carreira neo-realista de Pomar.
De facto, Marcha vem exigir uma nova abordagem da década neo-realista de Pomar – de 1945 a 1955 –, e ilumina uma segunda metade incompreendida e ocultada por opções mais políticas que de razão crítica. Reapreciando agora esta obra de 1952, e outras próximas, é possível contrariar a desvalorização desse período (mesmo que depois tal tenha sido por vezes aceite pelo artista), e partir daí para rever a história habitual do movimento, estabelecendo uma divisão em dois períodos diferentes, em especial quanto à obra do seu principal animador, intérprete e crítico.
O primeiro, após o fulgor inicial, 1945, tendeu a tornar-se sentimental e formalista, numa série apreciada de famílias, maternidades e meninos que se associa à situação pessoal do pintor e pai (mas note-se que a Varina comendo melancia de 1949, obra que ficou em sua casa, retomava a imprevisibilidade formal da Mulher com uma pá daquele ano, trocada com o amigo Fernando Lanhas, “que era com quem eu melhor me entendia no ramal das artes” - escreveu em 2003 (Temas..., p. 236) -, apesar da divergência política). O segundo período, a partir de Mulheres na Lota (Nazaré) de 1951, recupera a firmeza austera de um realismo social interventivo, seguramente sensível ao debate estético chegado de França, mas com independência; o artista fez nesse ano a primeira viagem a Paris e aí encontrou Pignon, Fougeron e Taslitzky, mas não deixou testemunho do que viu, apenas referências aos nomes. Algumas obras-chave ficaram a marcar aquela nova orientação e Marcha é a sua bandeira. No mesmo ano Mário Dionísio publicava na Vértice os seus Encontros em Paris, onde dialogava com muita reserva com os três pintores referidos, e em 1952 deixou o PCP, na sequência do conflito sobre as colaborações de comunistas na revista Ler, das Publicações Europa-América.
É conhecido o conflito então aberto entre os dois artistas e teóricos do neo-realismo, que veio a ser registado por Dionísio muitos anos depois, sem a reconsideração do que o tempo mudara:
Quando em 52 vários escritores saem desse mesmo Partido, por discordâncias várias que se ligam também, e muito, a problemas ideológicos no domínio da arte, ele fica. E, como fica, tem de esforçar-se por seguir novos ideólogos, um deles, por sinal, de conversão recente, cuja visão é tão obcecada quanto curta. E conhecida [?]. Seguir sem discussão o exemplo da URSS e os conhecidos mandamentos jdanovistas: representação de cenas, colhidas in loco, de trabalho e luta (ainda que a não houvesse senão como desejo) numa linguagem de pronto a todos “acessível”. Ou seja, um naturalismo impossível de refazer no nosso século e por isso dessorado. Como toda a gente (hoje) sabe, incluindo o Partido em questão. E na URSS também, ou muito em vias disso. Foi um momento de “recuo” na linha evolutiva da obra de Pomar.
Foi o que escreveu no ensaio “O último baluarte” que abre o álbum monográfico Pomar, Publicações Europa-América, 1990, p. 24. Em Passageiro Clandestino I. 1950-1957, os diários de Mário Dionísio, o corte é referido com veemência: “O correio que hoje me trouxe o Comércio do Porto com um artigo do sr. Pomar - uma das várias serpentes que ingenuamente abriguei no meu seio” (p.. 112). Interrompia-se aí uma cumplicidade que vinha de sempre, o que justificaria, quinze anos depois, já em Paris, o título do artigo-entrevista «Reencontro com Pomar» (Diário de Lisboa, 02.03.67). E foi a opinião, com referência directa ao «ciclo do Arroz», notoriamente ditada pela circunstância da conflitualidade partidária e por certo errada em termos da avaliação crítica, que prevaleceu nos sumários históricos.
De facto, a reconsideração do movimento neo-realista e a explícita autocrítica presentes no artigo de Pomar publicado em 1953 n’ O Comércio do Porto (e não na Vértice como era mais habitual) não eram uma cedência circunstancial à pressão partidária, mas foi muitas vezes como tal interpretada. Escrevia Pomar:
As razões desta fragmentação [no seio da corrente ou tendência do “realismo social”] devem procurar[-se] na evolução dos acontecimentos da vida portuguesa, no cair das ilusões que uma interpretação apressada das consequências da II Guerra Mundial ajudara a criar.
Entre aqueles que se afirmavam dentro dos princípios da corrente, alguns perigosos caminhos começaram a desenhar-se. Um lirismo, complacente, tende a substituir a agressividade dramática das primeiras tentativas. A procura de soluções formais começa a sobrepor-se ao vigor de conteúdo; e isto não reflecte senão um alheamento dos problemas realmente vivos. Boa parte do que pintei nos anos de 49 a 51 oferece tais características, e desvios de tipo análogo marcam a obra plástica de Mário Dionísio.
Tinham-se aberto «as portas ao maneirismo e ao formalismo e, em último grau, à renúncia dos objectivos abraçados com entusiasmo» (Júlio Pomar, «A tendência para um novo realismo entre os novos pintores portugueses», reeditado em Notas..., pp. 287-288.
Porque foi este o seu último artigo publicado na imprensa, à época, ficou sempre por esclarecer.
QUEM É QUEM
Veja-se então a pintura. Marcha, entendida como retrato de grupo, identifica sem o representar expressamente o atelier da Praça da Alegria (antigo atelier que já fora de José Malhoa), alugado e chefiado pelo escultor Vasco Pereira da Conceição, militante e ex-preso político, que se reconhece a entrar em cena pelo bordo direito do quadro. Aí trabalhavam também Maria Barreira, sua mulher, certamente referida pela Maternidade, na direita baixa, que é um tema comum na escultura do casal, sem filhos. Mais Júlio Pomar desde 1949 (ou 51?) e às vezes José Dias Coelho e Maurício Penha, mais tarde talvez Alice Jorge. Era lugar de trabalho e também de tertúlia artística e política, onde se conspirou a oposição à NATO e que uma testemunha agora ouvida aponta como uma espécie de antecâmara das Exposições Gerais de Artes Plásticas, em cuja organização participavam então activamente Dias Coelho e também Pomar, que as acompanhava assiduamente na imprensa.
No friso de retratos, ao lado do casal em primeiro plano, está o engenheiro Frederico Pinheiro Chagas, amigo e visita assídua do atelier, cúmplice e proprietário de sempre da obra, e logo ao lado, com o único rosto frontal, vê-se a sua mulher, Dina. Um dos rostos do par heróico de jovens militantes que avança de mão dada, encabeçando a Marcha, guiando o povo segundo uma tradição revolucionária que se partilha com os códigos das apologéticas religiosas, teve por modelo o carpinteiro Francisco Bento, militante libertado da prisão pouco tempo antes, que frequentava o atelier e realizou mobiliário para vários camaradas. A figura feminina permanece por identificar, apesar do inquérito tentado. Uma foto sobrevivente de um estudo desenhado e a possível pista de um busto contemporâneo (Zita) não ajudaram. De Pinheiro Chagas existe também um rigoroso retrato, de desenho neo-clássico. Falta identificar, igualmente, a menina à esquerda, que será alguém em particular e talvez agora alguém se reconheça – a «presença» realista dos modelos, retratos e não figuras «abstractas» ou idealizadas, vem adensar a força mobilizadora do manifesto.
A alegoria tem mais dois pólos laterais, simétricos: a figura da Maternidade à direita, como emblema de futuro, e o estranho personagem visto obliquamente de costas, à esquerda, um (falso) profeta, um velho frade?, vendedor de ilusões, que aponta para uma cidade em versão futurista, em construção, com guindastesn e personagens hieráticos (robotizados); ao fundo, montes áridos e nuvens pesadas. De um lado, as ilusórias promessas do presente, do outro a infância e outros amanhãs. Na metade direita, por trás do friso das figuras, está uma alongada parede ou casa vermelha, que toma o lugar de uma (im)possível bandeira. Também se pode reconhecer ou adivinhar aí, mesmo em cima à direita, uma praia, o céu limpo e um barco, amarelo e azul, que rimam ou se repetem em primeiro plano a rasgar de luz o ventre e o vestido azul da mulher – e este é um inesperado elemento de composição com eficácia moderna que rompe o plano superficial da tela. Todo o alongado primeiro plano – as voltas do xaile da mãe, o fato-de-macaco, as pregas do vestido que se abrem, as dobras do traje do velho – é uma construção sequencial de espaços articulados e dinâmicos.
O atelier da Praça da Alegria, n.º 47, situado entre o Maxime e o Hot Club recém-fundado, ao lado de uma leitaria (Flor da Alegria – fotografada como lugar de tertúlia na revista Eva de Março de 1955), era também frequentado por escritores: José Cardoso Pires, com os primeiros livros e intensa actividade política, que aí conheceu em 1954 a sua mulher, Edite, irmã de Vasco da Conceição, por ocasião do retrato que Pomar pintava, sendo ela retratada por Alice Jorge no ano seguinte; Orlando da Costa, que aí levou Maria Antónia Palla; Alexandre Cabral, amigo do engenheiro, o arquitecto Manuel Tainha e outros mais do círculo político e neo-realista 2.
Para o grande formato de Marcha, único ao tempo – 122 × 199 cm, a têmpera sobre aglomerado, ou masonite –, Pomar usou uma placa da mesma série de três outras alargadas tábuas que pintou para o restaurante Vera Cruz, na Avenida da Liberdade, projecto de Victor Palla e Bento d’Almeida, com quem Pomar mantinha frequente colaboração (elas passaram depois para o restaurante Tarantela, no largo da Estefânea, e dispersaram-se nos anos 90 - Catálogo Raisonné nº 83 a 85; o maior vê-se na Tranquilidade). A vocação decorativa de referência brasileira realiza-se aí com soluções de pintura mural, o que também sugere a Marcha.
Afastado do ensino em 1949, sem outro emprego regular, as encomendas decorativas (não oficiais) substituíam a pouca pintura que se fazia, quase restrita às participações nos três salões anuais da SNBA, e que menos ainda se vendia. À época «produz pouco, absorvido principalmente por trabalhos alimentares», anotou na cronologia crítica que escreveu para a sua primeira monografia editada em Paris (Julio Pomar, Art Moderne Internationale, 1981, p. 48). Algumas ilustrações para editoras de amigos, mal pagas, e a produção de cerâmicas no Bombarral, depois nas Caldas (antes que a circulação das gravuras pudesse financeiramente substituí-la) preenchem anos lembrados como muito difíceis.
ANTES E DEPOIS DA MARCHA
Como disse atrás, Marcha vem proporcionar uma nova leitura sobre a primeira metade da década, o que implica corrigir estudos anteriores. É um período intranquilo e, sem dúvida, de produção irregular ou mesmo desequilibrada, em que facilmente se passa do melhor ao pior, em que há ensaios em direcções contrárias e onde o que há de continuidade e renovação se vai abeirar do seu fim, de 1951 até 1955, quando o neo-realismo acaba em pintura, embora possa prosseguir nas gravuras. Não por acaso, a mostra individual de 1950 (na SNBA, e na Livraria-Galeria Portugália do Porto no início do ano seguinte) só em 1962 terá sequência (Galeria Diário de Notícias), já com Tauromaquias e cenas que continuam a ser de trabalho (Sargaço, Pisa, Debulha, Chegada - de pescadores) mas de que está ausente o programa neo-realista da leitura e mensagem acessível para todos: «A escrita toma uma aparência mais livre, rápida, gestual», «os temas que se impõem ao pintor são os que naturalmente apelam a uma figuração descontínua, fragmentária, repetitiva» (da mesma cronologia, p. 48). É um longo hiato na apresentação pública e uma mudança radical da obra, uma primeira maturidade.
Nesse longo intervalo, no entanto, havia a presença regular nas colectivas periódicas, e de trás vem ainda a exposição de desenhos, aguarelas, gravuras e cerâmicas, apresentada em 1952 na Galeria de Março que José-Augusto França dirigia, e de que pouco mais se sabe do que a divisão em três tópicos, num catálogo prefaciado por três poemas de Alexandre O’Neill: «Os Animais Sábios» (o bestiário, e o humor), «As Imagens de Paz» (onde alguns nus femininos se prestaram a reparos, tal como já sucedera com os da primeira mostra de desenhos, em 1947 – «Pomar compraz-se sobretudo em sentir a deliciosa canção das linhas que melodicamente reconstroem o mais tépido e macio de um corpo jovem de mulher», criticou o então muito ortodoxo Lima de Freitas, Vértice, n.º 113, Janeiro 1953, p. 62) e «Monstros e Homens lado a lado» («expressão simbólica ou naturalista dos problemas humanos», segundo o também pintor José Júlio, Ler, n.º 10, Janeiro 1953, p. 19).
Na antologia de 1986 (itinerante no Brasil e vista no Centro de Arte Moderna) saltava-se de 1951 para 1960. Na retrospectiva de 1978 (Gulbenkian, Museu Soares dos Reis e Bruxelas) tinham entrado onze obras da década de 40 e duas da de 50: só Mulheres na Lota (Nazaré), que ficara na casa de Lisboa com Alice Jorge, e o Ciclo do Arroz II. Tempo de crise, de escassa produção, e apagamento de memórias.
Há então que fazer uma nova escolha de obras maiores desses anos, as quais se devem reconhecer como isoladas, desacompanhadas: Marcha (a surpresa da actual exposição dedicada ao retrato) é precedida por essas Mulheres na Lota, de 1951, e é seguida por Os Carpinteiros (a bicicleta era muito usada pelos funcionários clandestinos) e pelos dois maiores «estudos» para o ciclo «Arroz», de 1953, e logo em 1954 pelo retrato de Cardoso Pires. O maior empenhamento político renova o programa realista e assume uma condição formal austera, de figuração nítida e construção vigorosa, trocando a fluência decorativa e a idealização das máscaras pela prática da observação, em geral com apoio fotográfico conhecido. «1953 – Período marcado por um naturalismo contidos [retenu], sem nunca cair nas convenções do realismo socialista», sempre segundo a cronologia estabelecida pelo próprio (idem, 1981, p. 48), acertadamente.
Para trás tinham ficado duas importantes telas gémeas de 1951, Meninos no Jardim (ou O Eixo Corrido) e Vendedoras de Estrelas, da colecção Jorge de Brito, muito mostradas e apreciadas, sedutoramente maneiristas. Foram expostas na VI EGAP e certamente incluídas na extensa representação nacional enviada à II Bienal de São Paulo, em 1953, que foi um episódio de excepção agenciado por Diogo de Macedo com a Galeria de Março de José-Augusto França, favorecido pelo contexto das comemorações do IV Centenário da cidade 3.
As novas urgências da intervenção partidária afirmaram-se com clareza numa série de gravuras dedicadas ao tema da Paz, que tiveram grande difusão e marcaram presença nas casas de todos os intelectuais de feição comunista, distribuídas pela SEN (Sociedade Editora Norte, Porto), pouco depois encerrada. À linogravura Mulheres Fugindo, que se chamou A Explosão e foi conhecida como A Bomba Atómica, seguem-se no mesmo ano as litografias em que figura a pomba proposta no cartaz de Picasso para o Primeiro Congresso Mundial dos Partidários da Paz de Paris, em 1949, como emblema da causa, com referência à filha Paloma: três versões de meninas com pombas e o remake do Almoço do Trolha na versão A Refeição do Menino (ou Família). Com a incisiva edição de As Mães, quatro gravuras foram também enviadas à alargada mostra de São Paulo.
Marcha nunca foi exibida, e são de facto os dois Estudos para o ciclo “Arroz” que polarizaram o comentário (ou o silêncio) sobre esse tempo. Mário Dionísio continuou sempre a opor-se, com uma veemência que deve ser reconsiderada:
“E o que é o ‘ciclo do arroz’? Uma desesperada tentativa [...] São óleos de camponesas ceifando, bebendo água, de que a pintura anda longe. Aquela, pelo menos, que ao artista certamente interessava. São sobretudo duas grandes composições – ‘Ciclo do Arroz’, I e II –, onde o desenho fechado leva a melhor, a pincelada a si mesma se disfarça, como sentimentalmente pareceria convir à gravidade do assunto: mulheres vergadas para a terra manejando enxadas, numa das composições, mulheres, na outra, indo para ou regressando do trabalho em fila indiana, sóbrias, quase rígidas, com a fixidez de instantâneos em pose. Mas manejavam as enxadas? Mas caminhavam? A arte aqui está mesmo no limite de ser apenas meio. A velha história das boas intenções que nunca bastam» (op. cit., 1990, p. 50).
O artista disse depois outra coisa, “um naturalismo contido [retenu, tenso], sem nunca cair nas convenções do realismo socialista», 1981, e depois:
«Vemos aqui a presença do pintor muito mais neutralizada, o quadro a abeirar-se de um realismo fotográfico. Nele houve, voluntariamente, a adopção de uma linguagem a que na altura chamaríamos objectiva. A proximidade da fotografia (de resto foram utilizados documentos fotográficos) é muito grande. No entanto, sob a pretensa objectividade da representação, há uma arquitectura íntima, um jogo de formas nítidas que não anda longe de certas marcas futuras da minha pintura» (Entender a pintura n.º 4, Arte Ibérica, entrevista de Alexandre Melo, 1998, p. 8):
Acontece também que a produção militante de Pomar é acompanhada no mesmo ano da Marcha por obras de feição bem diversa e numa direcção inédita na sua produção, cinco paisagens, numa situação que reflecte uma manifesta pluralidade de interesses – mas nenhum destes pequenos quadros singulares terá sido exposto no seu tempo próprio. Exercício paralelo mas confidencial, exibem experiências sensíveis e liberdades de pintura, que, tal como um curto texto sem título publicado só em Paris, desmentem o gosto por ortodoxias:
«Deformação profissional: não acredito na infalibilidade do Papa. Cada dia, cada minuto, reponho o mundo em questão. O métier de pintor é um trabalho de pesquisas, de descobertas, de invenções: pesquisas, invenções, descobertas que nascem da vida e a ela retornam» (in Premier bilan de l’art actuel, Le Soleil Noir. Positions, 1953, n.º 3-4, p. 314).
São paisagens das Azenhas do Mar (em férias familiares), da Ericeira e incertamente de Lisboa, datadas de 1952 e 53. Sem outro programa que a curiosidade de pintar, elas circulam da observação à imaginação, à beira da estranheza irrealista de formas e cor. A paisagem foi sempre rara mas iria regressar em 1955 num breve ciclo desenvolvido com dificuldades e pouco êxito quando o pintor se muda para um andar elevado da Rua da Alegria com uma larga vista sobre a cidade.
RETRATOS, RETRATOS
A disciplina do retrato era à época recomendada ou imposta pelos partidos comunistas em tempos de grande pressão do culto da personalidade, designadamente em França, de onde chegava então a informação predominante, via Arts de France (aí surgira em 1949 a «Tribune du Nouveau Réalisme» e a revista desaparece em 1951, vítima do seu sectarismo). A pintura de história também se impunha, mas só podia ser escassa entre nós. Alguns episódios polémicos tiveram retratos por pretexto (foi famoso o caso do Stalin de Picasso, nas Lettres Françaises, à data da morte...), num período em que o combate aos realismos, depois dos rigores nazis e soviéticos, fazia parte do enfrentamento entre os blocos da Guerra Fria. Picasso continuaria a retratar livremente, depois os realistas ingleses independentes Freud e Bacon, e a seguir a geração Pop de Hockney e Kitaj, entre os maiores, iriam reafirmar a centralidade, pelo menos a permanência, do retrato na arte do século XX – Bacon e a POP anglo-americana influenciaram directamente Pomar, já em Paris.)
À volta dos retratos pode desenhar-se um mapa habitado da época, e os livros então ilustrados por Júlio Pomar traçam o horizonte das suas relações literárias marcadas pela cumplicidade política e pessoal: Carlos de Oliveira (retrato na edição especial de Colheita Perdida, colecção «Sob o signo do galo», Coimbra, 1948); Sidónio Muralha e Cardoso Pires (desenhos de 1949 e 50); ilustrações para Alves Redol, Raul de Carvalho e Ferreira de Castro (1949) e Alexandre Cabral (1955); retratos desenhados de Mário Dionísio, José Fernandes Fafe, Eugénio de Andrade, Ilse Losa, Orlando da Costa (para as tiragens especiais de 40 exemplares da colecção Cancioneiro Geral do Centro Bibliográfico, 1950-1953). As grandes encomendas de ilustrações para a Fólio (dirigida por Victor Palla e Cardoso Pires), Sul (de Castro Soromenho), Realizações Artis (de Rogério de Freitas e Leão Penedo), Bertrand, Minotauro (Urbano Tavares Rodrigues), Cor (direcção de José Saramago) e Portugália (Augusto da Costa Dias) virão depois, entre 1956 e 1967.
Em escultura Pomar retratara a sua mulher, Maria Berta Gomes, em 1949 (que também surge como modelo em várias pinturas – Resistência e Marcha), e igualmente os escritores Sidónio Muralha, 1950, e António Navarro, 1951, três obras presentes na actual exposição, mais Armindo Rodrigues, 1951, ficando por aí o número das peças não convencionais. Conhecem-se apenas mais quatro «cabeças», duas de amigos (Ana Moura, mulher de Rui de Moura, depois editor da Prelo) e Joaquim Barata (fundador e gerente da Gravura) e duas outras perdidas (Zita e Liliana, 1951), talvez de encomenda. À escultura só voltará com os ferros soldados associados ao ciclo Dom Quixote, em 1960.
Fez também, em 1954, os retratos pintados de Cardoso Pires e Maria Lamas (esta detida pouco antes, no regresso de Moscovo, e o quadro foi exposto na VIII Geral apesar do contexto repressivo), a que se acrescentam os de Vera Azancot (1954, de encomenda), Alice Jorge (1955, com quem então vivia), Maria José Salvador (1956, mulher de Manuel Torres, amigo para sempre, companheiro das viagens de carro a Espanha e França, e fundador da Gravura).
Ampliando o horizonte a outros artistas, sabemos que, por seu lado, José Dias Coelho, que entrara no mesmo ano de 1942 na Escola de Belas-Artes de Lisboa, apresentou nas Gerais retratos de Rolando Sá Nogueira, 1949; Margarida Tengarrinha, 1950; Alves Redol, 1951; Maria Eugénia Cunhal, 1953; Maria Isabel Aboim Inglês, 1954, entre outros não nomeados. Realizou também os bustos de Fernando Namora e do designer Tomás de Figueiredo. O retrato teve sempre uma forte presença nas Exposições Gerais. Tomando por guia o catálogo Um Tempo e um Lugar (Museu do Neo-realismo, Vila Franca de Xira, 2005 - ver adiante), referem-se ou reproduzem-se obras de Abel Manta (Bento Caraça, 1947), Sá Nogueira (Frederico George e Jorge Vieira de c. 1949), Maria Keil (Abel Manta, 1949), Vasco da Conceição («cabeças» de Maria Barreira, Sidónio Muralha e Lopes Graça, 1948-50), Victor Palla (Cardoso Pires, 1951), Mário Dionísio (Joaquim Namorado e a filha Eduarda, 1953), Lima de Freitas (Alves Redol, 1953, Cardoso Pires, 1954), Alice Jorge (Edite Cardoso Pires, 1955), e também de João Abel Manta (Aquilino Ribeiro, 1940?), Arlindo Vicente (João Gaspar Simões, s/d), José Farinha (Alves Redol, s/d), Euclides Vaz (Celestino Alves, 1949), entre outros retratos indicados sem nome dos modelos. O retrato dos retratos desses anos incluiria boas surpresas.
Publicado no catálogo O Desenho impreciso de cada rosto humano, reflectido! Retratos de Júlio Pomar, pp. 146-156, com tradução inglesa, ed. Atelier-Museu Júlio Pomar / Documenta, Dezembro 2021 (a exposição decorreu de 22.10.2020 a 28.02.2021). Revisto e aumentado.
1 Marcha, 1952, têmpera sobre aglomerado, 122x199 cm - n.º 86, pp. 84-85, do Catálogo Raisonné I, Editions La Différence / ed. Artemágica, Paris, 2004. Catálogo Atelier-Museu, pp. 144-45.
2 Agradeço a Margarida Tengarrinha, Edite Cardoso Pires e Maria Antónia Palla as suas memórias do atelier da Praça da Alegria, bem como as ajudas de António Redol, Teresa Dias Coelho e Ana Cardoso Pires.
3 Delegação organizada pela Comissão Portuguesa das comemorações do IV Centenário da cidade catálogo: https://issuu.com/bienal/docs/name24c514/31. “Artistas modernos portugueses na II Bienal do Museu de Arte Moderna de S. Paulo - Brasil / [organizado pelo Secretariado Nacional da Informação]. [Lisboa : S.N.I., 1953-1954]. Ver Gerais
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«Lisboa…», um cometa, um puzzle
Publicado no catálogo da exp. "Lisboa, 'Cidade Triste e Alegre', Arquitectura de um Livro" de 2018 no Museu da Cidade (comissariada por Rita Palla Aragão)
abaixo, texto publicado no Público
Podemos falar do livro Lisboa ‘cidade triste e alegre’ como uma espécie de cometa que de x em x anos surgia de surpresa no horizonte da fotografia portuguesa, da edição e da cidade. Apareceu do nada (segundo se julgou depois) em 1958/59, em duas exposições e em fascículos, a reunir num volume - depois esqueceu-se. Voltou em 1982, na galeria/associação Ether, numa diferente exposição e com a encadernação de 200 exemplares de sobras, esboçando-se-lhe então a memória escrita nas histórias da fotografia de António Sena (1991 e 1998) - registo que exige revisões. Sagrou-se em 2004 com o aplauso internacional, quando Martin Parr e Gerry Badger popularizaram o conceito de fotolivro - a reedição em fac-símile seguiu-se em 2009. Terá sido, no entanto, Philippe Arbaizar, que em 2002 falava ainda em “livro de fotógrafo” para distinguir de livro de fotografia, o primeiro a destacar lá fora a edição de Palla & Martins - associou-a a Life is Good for you in New York, de William Klein, 1956, apontando “um sentimento urbano radicalmente diferente”, de uma “cidade suspensa no tempo, captada entre a nostalgia e um futuro improvável”, sob um título de fado (1).
O cometa passou a poder ser apreciado como um puzzle, sempre protagonizado pela figura plural de Palla, desde a sua antologia no CAM, em 1992 (o também arquitecto Costa Martins continuara a expor e editar). A diversidade da produção fotográfica de V.P. entrou no mercado com a exposição-leilão de 2008 na P4 Photography - descobriu-se a obra “heterodoxa”, antes e depois de Lisboa… Em 2009, o espaço que lhe foi dedicado na mostra "Histórias de Lisboa no Museu da Cidade” (sem catálogo, mas uma notável exposição) trouxe documentação esquecida, em texto e imagem, sobre o livro e a sua concepção. É o que agora se revê e amplia muito no Museu de Lisboa. E nesse mesmo ano o conhecimento do contexto da fotografia nacional nos anos 50 levou uma radical reviravolta na exposição “Batalha de Sombras”, como veremos.
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Em 1958/59, Lisboa foi uma operação editorial muito bem montada, que se apresentou na galeria Diário de Notícias, ao Chiado, e logo depois na Divulgação do Porto - dois lugares centrais no meio artístico da época. Teve publicidade nos jornais e repercussão imediata, em especial na revista de cinema Imagem (capa e artigo não assinado de Ernesto de Sousa, redactor principal, e outro de José Borrego, nº 34) e numa coluna de João Gaspar Simões (Jornal de Notícias, 2-11-1958), além de duas páginas do Século Ilustrado (expostas sem data em “Arquivo Universal”, Museu Berardo, 2009). David Mourão Ferreira ainda lhe dedicou dois programas na RTP em 1964 (“Hospital das Letras”).
As exposições visavam apresentar o livro de fotos com poemas inéditos que se lançava em fascículos - como era usual para obras de maior vulto ou luxo editorial -, no propósito de angariar assinantes. Não pretendiam ser exposições de fotografia, que eram raras fora da dinâmica dos salões e não disputavam lugar no escasso mercado de arte. Os autores desvalorizavam a prova fotográfica em si mesma para focar a sequência das imagens e texto, o “poema gráfico”, a “tentativa de retrato plástico usando meios fotográficos”: ”Estas fotografias não existem por si, fazem parte dum livro. Considerá-las isoladamente seria quase tão grave como admirar um a um os rectangulosinhos da película duma fita de cinema, ou como ler isoladamente cada estância dum poema” (V.P., manuscrito de entrevista). Muito mais tarde Palla ainda dirá: «deixa-me desgostoso que imagens deste livro sejam expostas de maneira convencional» (2).
A edição era uma surpresa em termos fotográficos e de design editorial, num contexto em que, por cá e lá fora, depois da reconstrução do pós-guerra, abundavam os livros sobre cidades ou regiões, mais ou menos turísticos. Um certo Frederic P. Marjay, húngaro e ex-adido cultural, lançara em 1955 a «Colecção Romântica” (Portugal Romântico e Porto e o seu distrito; Lisboa e seus arredores, em 56; Portugal e o Mar, 57, Évora, 58, etc). Artur Pastor publicou Nazaré em 1958, o mesmo ano de Os Pescadores ilustrados de Raul Brandão. De fora vinham em especial as edições da Guilde du Livre, que, aliás, chegaram a prever um volume fotografado por Sena da Silva. Em Espanha, Català-Roca publicara Barcelona e Madrid em 1954, abrindo a renovação da fotografia espanhola - mas os contactos ibéricos eram escassos.
Victor Palla multiplicava-se por actividades dispersas mas notórias, em espacial como arquitecto, capista e editor de revistas e livros (nomeadamente policiais). Expositor certo nas Gerais de Artes Plásticas (1946-56), era um dos projectistas das lojas modernas e snack-bares de Lisboa, a par de Conceição Silva e Keil do Amaral) - mas deve notar-se que era a cidade popular e mais tradicional que interessava aos fotógrafos-arquitectos e não os sinais de modernidade urbana. Uma tese académica do seu neto João Palla e Carmo reconstituiu em 2012 todo o percurso de vida e a sua versatilidade. “Compagnon” do Partido, assistiu em Moscovo às comemorações dos 40 anos da revolução russa, em 1957, e integrara em 55 a delegação à Assembleia Mundial da Paz, na Finlândia, onde, por sinal, se apresentaram “fotografias ampliadas de motivos do trabalho do povo em Portugal” (3). Seriam suas? Seriam as que mostrou na 9ª EGAP no mesmo ano? Esse pontual regresso da fotografia, com Palla, Keil e outros, foi um efeito imediato das notícias sobre “The Family of Man”? Julgo que sim. Em Espanha, o livro de Steichen «caiu como uma bomba, como vindo de outro planeta» (4).
A redescoberta de Lisboa… em 1982, na Ether, teve três efeitos principais. Na ausência de provas de época, deu a ver em 30 fotos (inéditas ou que tinham sido reenquadradas no livro) impressas de negativos integrais, numa escolha partilhada entre Sena e os autores, aquilo que tinham sido páginas ou partes de páginas. Viram-se logo a seguir em Coimbra, nos 3ºs Encontros, e foram reeditadas numa nova exposição da Ether em Serralves, em 1989. O objecto-livro de 1958/9 ía dando lugar à circulação expositiva e depois de mercado de provas que não vinham do seu tempo próprio, numa situação em parte idêntica aos casos - esses mesmo inéditos - dos fotógrafos episódicos que a Ether também revelou (imprimiu e expôs) ao longo dos anos 80: Gérard Castello-Lopes, Sena da Silva, Carlos Afonso Dias, Carlos Calvet.
Produzia-se assim uma história da fotografia em que aos autores expostos e vistos na época, esses ignorados ou desvalorizados, se substituíram os que eram invisíveis por terem apenas aproximações privadas e fugazes à fotografia, mas a quem se chamou «geração esquecida». Seriam renovadores secretos e sem consequências antes da sua exposição tardia. Quando aparecem na década de 80, já tinham surgido, também em Portugal, novas condições de criação e divulgação da fotografia, e da sua crítica, com expressão na Ether e nos Encontros de Coimbra, na revista Nova Imagem e outros meios generalistas. Era uma mudança que se consolidava com a afirmação a partir do estrangeiro (França e Holanda) de uma nova geração de fotógrafos-artistas profissionalizados como tal, protagonizada por Paulo Nozolino e José M. Rodrigues, que asseguraram trânsitos internacionais. O novo ecossistema sustentou e enraizou a notoriedade daqueles ignorados antecedentes, e beneficiou dela.
Propriamente quanto ao livro Lisboa…, a acção da Ether deu lugar à ideia de que o livro foi “praticamente ignorado”, um “fracasso editorial” com “recepção indiferente”, que “não chegou a ser um escândalo porque não teve repercussão nenhuma na sociedade da época”, etc (autores vários). É um exercício de autonegação masoquista, e é um contra-senso admirar as qualidades de inovação de um objecto e esperar um alargado acolhimento. É também uma visão anacrónica que exige ao passado condições de recepção só possíveis depois da fotografia entrar no mercado coleccionista e museológico. Prevista uma edição de dois mil exemplares, vendeu perto de metade, o que assegurou o retorno financeiro. «O livro, depois de encadernado, continuou a vender-se nas livrarias e quase se esgotou», escreveu V.P. (5).
No mesmo passo, instilou-se a ideia de deserto quanto à informação e circulação da fotografia, só cortado por cometas (ou ovnis) como o Lisboa… e antes Fernando Lemos. Este fora separado da Fotografia Subjectiva, o movimento dinamizado por Otto Steinert a partir de uma Alemanha que recuperava todos os vanguardismos condenados como degenerados ou esquecidos nos anos de guerra. J.-A. França ligou Lemos ao movimento ao divulgar a individual na Galeria de Março, mas o título e os parágrafos decisivos (“Nota sobre a fotografia subjectiva”, Comércio do Porto, 10-3-1953) foram expurgados do catálogo do CAM em 1994.
O que foi a prática fotográfica de Palla na sua continuidade só ficou a conhecer-se no leilão da P4 Photography, em especial a especulação formal praticada antes da viragem ocorrida em 1955, quando o documentário humanista viveu por todo o lado o efeito “Family of Man”. Antes privilegiava a composição em estúdio e as estéticas criativas (um "surrealista secreto», escreveu-se então). Depois de Lisboa…, em aparições tardias (1984, 86), voltou aos processos experimentais e fez manipulações cromáticas, mas tudo o que não era fotografia de rua se omitiu na antologia de 1992.
Ao contrário do alegado «pequeno universo autista» (A. Sena), o meio cultural português foi sempre atento ao que acontece “lá fora” e a informação circula, as novidades importam-se e seguem-se depressa. Chegam revistas e livros, viaja-se e comunica-se o que se traz. Ao contrário de países que têm tradições culturais próprias e fortes, e resistem algum tempo à importação de novos dados, por cá os ecos e as dependências são velozes.
O manifesto-convite que o MoMA e Steichen dirigiram aos fotógrafos do mundo inteiro foi publicado em Março de 1954, por extenso, na coluna sobre salões da revista Fotografia - «A Família do Homem» era um concurso diferente, sem júri e sem prémios, itinerante. Em 1955 a fotografia regressou à Exposição Geral na SNBA (com Keil e Cabrita), onde não cabia desde 1950 (Keil e Lyon de Castro). Em 1956 começaram a recolha de fotografias para o livro Lisboa… e o inquérito à Arquitectura Popular em Portugal (publicado em 1961). Também em 56 a Casa da Imprensa promoveu a 1ª Exposição de Repórteres Fotográficos (salão único).
G. Castello-Lopes falava do “asfixiante academismo dos salões”. De facto, os anos 50 foram animados nos círculos da Arte Fotográfica, quebrando-se o elitismo do velho Grémio com a actividade de foto-clubes, grupo Câmara de Coimbra, 6x6 em Lisboa, a Associação do Porto. Faziam boletins e exposições próprias. Publicaram-se revistas (Plano Focal e Fotografia), além da página de divulgação do Jornal do Barreiro (1954-57), extensão do salão do Grupo Desportivo da CUF, o mais activo, onde se afirmaram Augusto Cabrita e Eduardo Gageiro e ainda se premiou Adelino Lyon de Castro. Gérard compareceu no de 1957.
Na exposição «Batalha de Sombras», em 2009, organizada por Emília Tavares (produção do Museu Chiado no Museu do Neo-Realismo, de Vila Franca de Xira), descobriu-se com surpresa a diversidade e a qualidade das práticas fotográficas desses anos, nas vertentes naturalista e neo-realista e na via do esteticismo formalista e purista. Fazia-se bem, num meio pequeno e opressivo, mesmo se faltavam os génios. Faltou também a dinâmica associativa que em Espanha convergiu na AFAL, sediada na periférica Almería.
O livro Lisboa… surgia como um cometa: «Tínhamos visto um livro do William Klein sobre Nova Iorque e achámos que seria interessante fazer um livro sobre Lisboa. (…) Teria de ser um livro diferente.» (6)
Às voltas por «Lisboa…»
Público, 22.06.2018
Quando Martin Parr e Gerry Badger inventaram o nome foto-livro atribuíram a Lisboa ‘cidade triste e alegre’ o destaque máximo de duas páginas inteiras. Foi em 2004, logo no primeiro volume de The Photobook: A History. Martin Parr, o grande fotógrafo e coleccionador inglês, que hoje é presidente da Magnum, era presença frequente em Portugal, especialmente em Braga por via dos Encontros da Imagem, e o livro de Victor Palla & Costa Martins tinha sido apresentado e redistribuído em 1982 por António Sena. As fotografias dos dois arquitectos, de autoria indistinta, apresentaram-se na sua galeria/associação Ether Vale Tudo Menos Tirar Olhos, e logo em Coimbra. Foram levadas a Serralves em 1989 e à Europália portuguesa (a Charleroi) em 1991, acompanhadas por uma primeira tentativa de história da fotografia - a sua edição ampliada é de 1998, há muito esgotada. Foi um ciclo que deve ser recordado e rectificado (aponto algumas pistas no texto escrito para o catálogo do Museu de Lisboa).
Em 1982 o livro estava esquecido? Era ignorado? Não será exacto dizer isso. Existia nas estantes de arquitectos e outros intelectuais, mas não havia ainda memória nem cultura fotográfica fora de reduzidos círculos de apreciadores. A fotografia não entrara nos museus e galerias, não se coleccionava. Nos inícios dessa década de ’80 a condição (divulgação e produção) da fotografia estava a mudar bruscamente, com os Encontros de Coimbra e com a Ether, a revista «Nova Imagem» e a chegada da crítica da especialidade à imprensa generalista. A fotografia acedeu então à área da cultura geral, a concorrer com as artes «plásticas».
Por feliz coincidência mostraram-se as fotografias de Martins & Palla ao mesmo tempo que as de Fernando Lemos, estas na exposição «Refotos», na SNBA, como prolongamento da revisão dos Anos 40 em curso na Gulbenkian. Em ambos os casos foi uma surpresa para os novos públicos (pós-modernos) que chegavam, e assim se dotavam de um prestigioso passado (moderno). Do novo contexto fotográfico fazia parte a afirmação de uma primeira geração de fotógrafos artistas a trabalhar lá fora, Paulo Nozolino e José Manuel Rodrigues, os quais traziam a Coimbra os seus contemporâneos e internacionalizavam os Encontros. E a novidade continuou então na Ether com a apresentação de uma geração perdida, que também fotografara nos anos 50 mas deixou inédito o seu exercício de amadores elitistas, arredados dos foto-clubes e salões desse tempo (Castello-Lopes, Sena da Silva, Carlos Afonso Dias, Carlos Calvet).
Em 1958/59 o livro foi lançado em sete fascículos, o desafio dos 2000 exemplares (!!) promoveu-se em duas exposições em lugares centrais de Lisboa e Porto, Diário de Notícias e Divulgação (eram livrarias-galerias), teve publicidade e boas críticas na imprensa, vendeu mais de metade da edição. Com as suas características originais, ou melhor, irreverentes, quanto à fotografia e ao design editorial, não podia ser um êxito de massas, mas não se pode dizer que tenha sido um insucesso, como se passou a repetir quando o livro foi descoberto por novos públicos.
Costa Martins era um arquitecto discreto, que continuou activo como pintor e fotógrafo. Victor Palla era uma figura pública, activo em múltiplas áreas: arquitecto de lojas modernas (os snack-bars, como o Pique-Nique; projectista das vivendas a sortear pela «Eva» do Natal, esse caso insólito entre os magazines da época), tradutor-divulgador de policiais (O Gato Preto), editor (Os Livros das Três Abelhas), capista reconhecido (Arcádia), activista cultural e notório «compagnon de route» do PC… Teve presença certa e multidisciplinar nas Exposições Gerais de Artes Plásticas (EGAP), em 1947-56, e aí mostrou fotografias só uma vez, 1955 (com Keil do Amaral, Augusto Cabrita e outros).
Lisboa… é uma obra única no contexto fotográfico e editorial nacional, vinda de um tempo em que se faziam bastantes livros sobre cidades e regiões, também entre nós. Parr e Badger apontam-no como um dos melhores photobooks sobre cidades europeias publicados no pós-guerra, e também como um dos mais complexos. Um dos aspectos marcantes é o modo como os autores expõem uma actualizada informação sobre fotografia, num extenso Índice narrativo, erudito e dialogante. Sucedem-se aí as referências a autores e magazines internacionais, e as citações multiplicam-se até às badanas. Ao contrário do que se diz, chegava cá toda a informação e, na falta de fortes tradições próprias, o meio cultural foi sempre ávido de exemplos cosmopolitas.
A aproximação do Lisboa… à Nova Iorque de William Klein (Life is Good and Good for You in New York, 1956) foi feita por Philippe Arbaïzar, certamente o primeiro estrangeiro a elogiar o livro (revista do Centro Pompidou, «Les Cahiers…», 2002). Associavam-nos «os recursos da paginação de que se serviram os autores para comunicar um sentimento urbano radicalmente diferente», «como um monumento a construir em homenagem a esta cidade, a um momento da sua história» - sob um título que «soa como um fado». Parr e Bagder apontam, além de Klein, os modelos, mais improváveis, dos holandeses Ed van der Elsken e Joan van der Keuken, referindo a «cornucópia de estratégias de design» usadas com êxito pelos nossos autores.
Antes de mergulhar nas ruas da Lisboa antiga e popular, numa aproximação neo-realista (para usar a fórmula comum à Espanha e a Itália), Victor Palla fez fotografia experimental, alinhada, tal como a de Fernando Lemos, com as especulações formais vanguardistas animadas pelo movimento da Fotografia Subjectiva de Otto Steinert. Essa produção só foi exposta por ocasião do leilão do seu espólio pela P4 Photography, em 2008.
Pode pensar-se que a viragem para a fotografia de rua, documental e poética, presente já em 1955 na 9ª EGAP, e continuada no projecto de Lisboa…, surgido em 1956, tinha origem na vaga humanista gerada pela exposição «The Family of Man» de Edward Steichen no MoMA, que começou por ser anunciada como um concurso mundial e que se divulgara com destaque nas páginas da revista «Fotografia», logo em 1954. Chegavam as notícias da «Life», os ecos da digressão mundial, o catálogo e o filme da exposição. A crítica de Roland Barthes e as reflexões sobre propaganda e ideolog
ia vieram a seguir.
A «Família do Homem» e a Nova Iorque de Klein, que já era Pop, divergentes entre si, não são referidos no Índice, mas são as balizas que há que conhecer para situar o livro e o apreciar melhor.
Posted at 13:27 in 2018, fotografia, Fotografia portuguesa, Victor Palla & Martins | Permalink | Comments (0)
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1998
A Escola de Londres em Paris
exposição «A Escola de Londres. De Bacon a Bevan», Museu Maillol-Fundação Dina Vierny
EXPRESSO/ Cartaz de 17-10-98
PAULA Rego volta agora a expor na capital francesa, integrada numa mostra colectiva de artistas britânicos, depois de, em 1985, ter participado na última edição da Bienal de Paris. Intitulada «A Escola de Londres. De Bacon a Bevan», a exposição foi inaugurada no passado fim-de-semana no Museu Maillol-Fundação Dina Vierny e reúne obras figurativas de 12 artistas, alargando o núcleo duro da chamada Escola de Londres e juntando outros nomes de projecção mais recente.
A designação da «escola» surgiu pela primeira vez no título do prefácio do pintor R.B. Kitaj para a exposição «The Human Clay», que ele próprio organizou em 1976 para o Arts Council, com obras de 35 artistas e como uma polémica afirmação da continuidade da pintura e do interesse pela figuração num contexto crítico e institucional que lhes era então desfavorável. Essa mostra antecedeu o chamado «retorno à pintura» do final da década e a vaga das transvanguardas. Mais tarde, em 1987, uma outra exposição comissariada por Michael Peppiatt circulou na Europa sob o título «A Escola de Londres: Seis Pintores Figurativos», reunindo Francis Bacon, Lucian Freud, Leon Kossoff, Ronald B. Kitaj, Michael Andrews e Frank Auerbach. Os mesmos artistas viriam a ser de novo reunidos em «From London», inaugurada no Museu de Edimburgo e mostrada depois no Luxemburgo, em Lausana e Barcelona, em 1995-96.
Na exposição parisiense, que é comissariada por Solange Auzias e, de novo, por Michael Peppiatt, participam, além de Paula Rego, o escultor Raymond Mason (um veterano nascido em 1922, instalado em Paris desde 1946) e também os pintores Bill Jacklin (1943, residente em Nova Iorque), Tony Bevan (1951), Celia Paul (1959) e Stephen Conroy (1964, Escócia).
Tal como no caso das tradicionais escolas de Paris e de Nova Iorque, não existe quanto à de Londres uma mesma filiação escolar, identidade nacional ou procura estilística de que comunguem os artistas nela incluídos, nem se trata de um grupo formalmente organizado. Auerbach (1931) e Freud (1922) nasceram em Berlim e chegaram a Londres no contexto das perseguições nazis; Kitaj (1932) é um norte-americano do Ohio que nos anos 50 se instalou na Europa e participou na eclosão da Pop britânica. Por outro lado, se um certo realismo marcado pelo clima social do pós-guerra e pelo existencialismo pôde ser associado à «marca» Escola de Londres, também é certo que ela se aplica a artistas da anterior tradição figurativa, como William Coldstream, ou a um pintor abstracto como Howard Hodgkin, designando noutros casos artistas surgidos já nos anos 80, no ambiente da «New Image Painting», ou ainda mais recentemente.
Rede informal de cumplicidades ou afinidades, diversamente reconhecida (ou recusada) ao sabor das circunstâncias e dos observadores, a Escola de Londres pode ser vista como uma designação apenas promocional, sustentada pelo dinamismo do British Council, ou pode ser aceite como a tradução convenientemente vaga de um modo britânico de viver a relação com a tradição e a ideia de vanguarda, menos dependente da lógica da novidade internacional e dos manifestos teóricos, mais «conservadora» quanto à permanência da vitalidade da pintura ou da figuração e sempre pouco presente na «cena» internacional, excepto no caso de Bacon. Entretanto, as tentativas de atribuir um conteúdo estilístico à escola nunca foram bem sucedidas, tanto mais que o forte individualismo e a independência perante as caracterizações programáticas são características essenciais de muitos artistas britânicos. O livro de Alistair Hicks, The School of London. The Ressurgence of Contemporary Painting (Phaidon, 1989), propondo-a como «sucessora natural do Expressionismo Abstracto da Escola de Nova Iorque» e estabelecendo-lhe uma genealogia através de três sucessivas gerações, com a associação de obras de muito diferente nível de interesse e numerosos epígonos, é uma prova desse falhanço.
De facto, além dos artistas que em Paris se juntaram aos seis «fundadores», muitos outros nomes poderiam ser também incluídos, e o poder da galeria Marlborough não será alheio à escolha apresentada. Paul Rego (n. 1935) é, sem dúvida, a presença mais original a seguir ao «grupo dos seis» e mantém, desde meados dos anos 80, uma enorme notoriedade na Grã-Bretanha. Quanto aos mais novos, Celia Paul aproxima-se de Freud numa pintura de modelo que é mais intimista, Bill Jacklin interessa-se pela paisagem urbana e pelos movimentos da multidão sob os efeitos de uma iluminação difusa, enquanto Stephen Conroy explora uma elegância fotográfica mais convencional. Pelo contrário, Tony Bevan, escolhido para o título da exposição, expõe uma série de cabeças e auto-retratos de brutal agressividade, que «actualizam» os corpos de Bacon com a energia de um desenho grafitista.
A exposição prolonga-se até 20 de Janeiro e conta com um catálogo com textos de M. Peppiatt e Jean Clair. O Museu Maillol, inaugurado em 1995 por Dina Vierny, que foi modelo do escultor e também de Matisse e Bonnard, tendo mais tarde dirigido uma galeria com o seu nome, apresenta, além das obras do seu patrono, núcleos significativos de desenho, arte «naif», Duchamp e os seus irmãos, e ainda de arte russa (Boulatov, Kabakov...). Entre outras mostras recentes, destacaram-se as que dedicou a Morandi, Basquiat, Valloton e, no último Verão, a Rivera e Frida Kahlo.
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1999
Paula Rego entre a "Escola de Londres" (de Paris para Compostela)
EXPRESSO/Cartaz de 06-03-99” título: Caminho de Santiago"
SERIA certamente atraente para o público português conhecer o contexto britânico em que evolui a obra de Paula Rego e as relações privilegiadas que a sua obra actual estabelece com a tradição figurativa de Bacon e Lucian Freud. A exposição recentemente apresentada em Paris, na Fundação Dina Vierny - Museu Maillol, sob o título «A Escola de Londres. De Bacon a Bevan», foi uma oportunidade para apreciar em conjunto o grupo histórico e a geração mais recente a que se atribui aquela designação. Paula Rego estava incluída entre o segundo grupo, apesar de estar geracionalmente mais próxima do primeiro, e é reconhecida como uma das figuras mais destacadas do actual panorama britânico.
Essa exposição não se verá em Portugal, mas encontra-se agora a curta distância, no Auditorio de Galicia, em Santiago de Compostela, até 4 de Abril. Vale a pena, para a ver, retomar o Caminho de Santiago.
O termo «Escola de Londres» foi usado pela primeira vez por R.B. Kitaj, quando, em 1976, comissariou a exposição «The Human Clay», na Hayward Gallery, tomando o partido de sublinhar quer a permanência da pintura face às práticas conceptuais e «desmaterializadas» favorecidas pela circulação dita vanguardista, quer a importância da pintura interessada pela figura humana. Embora o termo «escola» seja apenas aproximativo, sem caracterizar um movimento ou um grupo, viria a aplicar-se depois a várias mostras colectivas de geometria variável em torno de um núcleo duro formado por Francis Bacon (Dublin, 1909-1992), Lucian Freud (n. Berlim, 1922 - 2011), Leon Kossoff (n. Londres, 1926 - 2019), Michael Andrews (Norwich, 1928-1995), Frank Auerbach (n. Berlim, 1931 - 2019), o próprio Kitaj (n. Cleveland, 1932 - 2007), norte-americano imigrado em Londres entre 1959 e 1997, e, por vezes, Raymond Mason (n. Birmingham, 1922 - 2010), escultor instalado em Paris desde 1946. Obras de todos eles estão incluídas na mostra levada a Santiago de Compostela, mostrando como a identificação do âmbito local não diminui a relevância de um grupo de artistas que se situa na primeira linha da arte contemporânea
Além desse grupo principal, de idades muito variáveis, outros pintores como William Coldstream, Euan Uglow, Peter Blake, Howard Hodgkin (pintor abstracto), David Hockney, Victor Willing, Ken Kiff, etc., puderam ser incluídos, em diferentes circunstâncias, na mesma designação de Escola de Londres, respeitando o individualismo característico dos artistas britânicos. A exposição actual, no entanto, optou por associar ao referido núcleo duro um conjunto de outros cinco pintores mais novos que formariam uma segunda geração da dita escola, embora os seus percursos diferenciados os situem tanto numa segunda como numa terceira geração.
Integram-no Paula Rego (n. Lisboa, 1935 - 2022); Bill Jacklin (n. Londres, 1943, instalado em Nova Iorque desde 1985), Tony Bevan (n. Bradford, 1951), Celia Paul (n. Índia, 1959) e Stephen Conroy (n. Escócia, 1964). Para além da pintora portuguesa, Bevan é o pintor mais poderoso do grupo, mostrando uma série de auto-retratos e de Cabeças, recortadas sobre fundos lisos e de grande violência expressiva. Celia Paul foi com frequência modelo de Lucian Freud e situa-se como directa discípula, trabalhando sobre os laços de intimidade com as figuras retratadas, mas à distância da relação física com a carne a que aquele dá uma máxima intensidade.
Bill Jacklin pinta espaços urbanos e multidões em movimento, em cenas fotográficas do quotidiano a que as desfocagens e os efeitos de luz (eléctrica) dão uma aparência impressionista, enquanto Stephen Conroy mostrava em Paris alguns retratos de uma precisão também fotográfica, mesmo se mais livres que as suas anteriores composições de gosto quase neoclássico.
Comissariada por Michael Peppiatt e Jill Lloyd, que dividiram entre si a representação das duas gerações, a mostra de Santiago não repete exactamente a escolha de obras de Paris, mas conta com um catálogo com entrevistas de Peppiatt a Bacon, Auerbach, Mason e Kitaj, um artigo de Jean Clair sobre Freud, entre outros textos. A edição francesa do catálogo fora co-editada com a Réunion des Musées Nationaux.
NOTA: Escola de Londres deixou de ser uma designação operacional, e extinguiu-se com a morte dos seus nomes históricos.
Posted at 17:53 in 1998, Paula Rego | Permalink | Comments (0)
Não conheço outra obra fotográfica com esta gravidade, não por serem anos-covid, não é sobre eles e os seus medos, os seus mortos (nem sobre a guerra de agora, mas também pode ser, hoje) - a doença não está lá mas o livro está certo com esse (este) tempo que se prolonga, falando de outras coisas, anteriores, mais presentes e mais amplas.
Apocalíptico? Ou pós-apocalíptico -- ou ainda não apocalíptico? Mas definitivamente não terminal, temos ainda mais tempo, algum tempo. “Ainda não" é o título, que é aviso de um fim, mas, aliás, afinal, talvez, da possibilidade de mudarmos.
Avança-se entre ruínas, por um roteiro de ruínas naturais ou construídas (destruídas), que não são fantasias de um pérfido encenador ou fantasmas de um delírio ficcionado. São encontros, os achados procurados, de um fotógrafo que viaja, que deambula ou perambula, como ele diz. Há marcas dos incêndios, há património arruinado (figuras, túmulos, ossadas), há restos de um parque de diversões abandonado (informa-nos), há pedreiras com e sem desastre, há pedaços de muros e chãos invadidos por vegetação desordenada, invasora (a devorar as marcas humanas, a regenerar-se?). Há ídolos perdidos.
Associamos a gravidade do percurso através das páginas do livro, e agora das paredes da galeria, ao peso opressivo destes anos ameaçadores, mas as fotografias do Pedro Lobo não ilustram os novos terrores, estas séries já lhe pertenciam, são algumas das suas várias linhas de trabalho, entre outras: umas mais conceptuais (com escritas), mais despertas para a surpresa e o humor (o insólito), mais gráficas ou construídas (malhas, estruturas), mais documentais (como as favelas do Rio, arquitecturas efémeras; como as prisões do Brasil e da Colômbia), sempre a atenção ao património habitado, mesmo que património instável e desprezado).
Ainda Não / Not Yet dá-se a ver como um filme, que seguimos pelas marcas gastas do tempo, o itinerário de ruínas, de restos e vestígios, com uma montagem sequenciada e ritmada (também rimada), ao contrário dos livros de imagens soltas e desamparadas que não têm sentido nem direcção, ou em que o sentido é privado, fechado aos outros. Há no livro uma banda negra intervalada, vertical ou horizontal, larga ou dupla, que lembra a sala escura e sustenta a continuidade, muito diversa, das imagens. Mesmo arruinadas, as coisas são luz, são cor, a destacar-se do fundo negro invasor. Sem legendas, locais ou datas. São tempo. São imagens de hoje, de ontem e de amanhã. O livro do Pedro Lobo foi o livro do ano, de 2020, de 2021...
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o meu photobook do ano. E não conheço outro livro fotográfico com esta gravidade, não por ser o ano-covid, não é sobre o ano-covid e os seus medos, os seus mortos - a epidemia não está lá mas o livro está certo com este ano que se prolonga sempre, falando de outras coisas, anteriores, mais presentes e mais amplas.
Livro apocalíptico? Ou pós-apocalíptico -- ou ainda não apocalíptico? Mas definitivamente não terminal, temos ainda mais tempo, algum tempo. "Not Yet" é o título, que é aviso de um fim ou, aliás, afinal, talvez, da possibilidade de mudar.
Avançamos entre ruínas, por um roteiro de ruínas naturais ou construídas (destruídas), que não são fantasias de um pérfido encenador ou fantasmas de um delírio ficcionado. São encontros, os achados procurados, de um fotógrafo que viaja, que deambula ou perambula, diz ele. Há marcas dos incêndios, há património arruinado (figuras, túmulos, ossadas), há restos de um parque de diversões abandonado (dizem-nos), há pedreiras com e sem o desastre, há pedaços de paredes e chãos invadidos por vegetação desordenada, invasora (a devorar as marcas humanas, a regenerar-se?). É inevitável associarmos a gravidade do percurso através das páginas ao peso opressivo deste ano ameaçador, mas as fotografias do Pedro Lobo não ilustram a epidemia, as suas séries já lhe pertenciam, são algumas das suas linhas de trabalho, entre outras, umas mais conceptuais (com escritas), mais despertas para a surpresa e o humor (o insólito), mais gráficas ou construídas (malhas, estruturas), mais documentais (como as favelas do Rio, arquitecturas efémeras, com que o conheci há anos numa exposição inesperada: “FAVELAS: ARCHITECTURE OF SURVIVAL”); como as prisões do Brasil e da Colômbia: "IMPRISONED SPACES”, Blue Sky Books, Portland, USA., moradas efémeras - sempre a atenção ao património habitado, mesmo que património instável e desvalorizado).
O livro "parece" um filme, onde seguimos pelas marcas gastas do tempo, o itinerário de ruínas, de restos e vestígios, com uma montagem sequenciada e ritmada (também rimada), em vez dos livros de imagens soltas e desamparadas que não têm sentido (não andam para a frente nem para trás) ou o sentido é privado, fechado. Há uma banda negra intervalada, vertical ou horizontal, larga ou dupla, que lembra a sala escura e sustenta a continuidade, muito diversa, das imagens. Mesmo arruinadas, as coisas são luz, são cor, a destacar-se do fundo negro invasor. Sem legendas, locais ou datas. São imagens de hoje, de ontem e de amanhã. O novo livro do Pedro Lobo é o livro do ano, de 2020 e de 2021...
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Seara Nova 1937, nº 536 (continua.)
https://www.youtube.com/watch?v=EvJP57eFDMk
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Um colóquio a decorrer nesta segunda-feira na Biblioteca Nacional marca as comemorações dos 40 anos da morte da autora de Ela é Apenas Mulher, uma voz insubmissa durante a ditadura do Estado Novo, que foi censurada, obrigada ao exílio e apagada da História.
https://www.publico.pt/2022/01/23/culturaipsilon/noticia/homenagear-escritora-maria-archer-mulher-incomoda-tempo-1992856
Posted at 00:57 in Africa, Angola | Permalink | Comments (0)
Tags: Africa Portuguesa, Angola, Colonialismo, Maria Archer, Seara Nova
MENEZ: antes das palavras
Como fala um pintor daquilo que pinta, se detesta o marketing das teorias e das poses, se recusa o cerco dos nomes e a aparência mais fácil das coisas? Menez acaba de ser distinguida com o Prémio Pessoa 90 e a sua pintura oferece-se numa admirável retrospectiva apresentada na Gulbenkian.
Entrevista de Inês Pedrosa e Alexandre Pomar, Expresso Revista de 22 de dezembro de 1990.
QUASE todos os quadros dela se chamam «Sem Título», porque não se podem chamar. Ela não quer dar-lhes nomes, compreendê-los, cercá-los. Ama demasiado a pintura, teme tranquilamente as palavras. Não quer dizer nada que assuste os segredos da vida.
Lá em baixo há espíritos em animado bulício; a Fraternidade Espírita Cristã reúne-se fragorosamente. Menez não se incomoda muito, prefere o barulho das cidades ao absoluto silêncio do campo. Qualquer cidade lhe serve, desde que não se pareça a Washington D.C. E que tenha luz – aqui, na Rua da Saudade, na Costa do Castelo, a luz vem do rio, inteiro, para lá da janela.
O telefone não pára de tocar: Menez gasta o seu stock anual de «obrigada» por conta do Prémio Pessoa. Os pequenos comércios vizinhos espantam-se e alegram-se com ela: «Uma senhora tão simples, e afinal com tanto valor!» Surgem logo vozes sábias, explicando que o valor é sempre inversamente proporcional à vaidade. Mas Menez é vaidosa de outra maneira, vaidosa de dentro para fora, atenta aos mínimos sinais de și.
Maria Inês Ribeiro da Fonseca nasceu em Lisboa, a 6 de Setembro de 1926. Cresceu fora das escolas, na atmosfera internacional e leve dos diplomatas. Entre os dois e os 24 anos, sempre com o intervalo certo dos meses de Verão em Cascais, viveu em Buenos Aires, Estocolmo, Paris, Suíça, Roma e Washington, claro. Não se esperava dela mais do que o suave culto das aparências, a beleza etérea de uma aparição. Ainda hoje Menez guarda nos gestos, no jeito de conversar, a memória dessa educação. Mas os olhos traíam-lhe, traem-lhe, outras inquietações, e subitamente ela começou a pintar. A pintar a sério, como se vivesse no mundo.
Foi em 1953, e um ano depois expunha pela primeira vez. Não parou desde então, dispersando os desenhos e as pinturas que agora voltaram para preencher a grande sala da Gulbenkian. Não parou também de crescer e transformar-se como pintora, desde uma situação que se viu primeiro como luminoso e lírico exercício de «abstracção» até à surpresa recente, por volta de 1985, do desvendar dos seus temas e do revisitar de modelos antigos da pintura que são as suas séries sobre a «Descida da Cruz» ou «S. Jorge e o Dragão», as suas naturezas mortas, os «ateliers», as alegorias das Três Idades, etc. Mas não paremos nós, os espectadores, perante as aparências dos nomes ou a parecença das coisas. «Nesse mundo em que o canto nasce antes da palavra, lavram os poderes da evocação”, disse de Menez outro pintor.
A retrospectiva, depois o Prémio, obrigaram-na a ceder às entrevistas. Menez detesta-as tanto como às formalidades dos impostos ou dos bilhetes de identidade. Não gosta de falar da sua pintura, mas no entanto ela fala... FOTOS do filme MENEZ, de Teresa Marta, 1990, em exibição no Atelier-Museu Júlio Pomar
Posted at 22:53 in 1990, Expresso, Gulbenkian, Menez | Permalink | Comments (0)
Extracatálogo (coluna)
«Investir» em arte
Expresso, Cartaz 10-12-2005
É conhecida a falta de proficiência (para evitar usar uma palavra mais áspera, incompetência) de grande parte das casas leiloeiras e de certos agentes do segundo mercado, para além da leviandade com que se fazem e desfazem colecções de arte dos séculos XIX e XX, ao contrário do que sucede noutros segmentos especializados do coleccionismo. São demasiado frequentes as peças mal classificadas e erradamente avaliadas, ou os leilões organizados sem critério. Mas se a falta de solidez dos profissionais não favorece o mercado e o destino das obras, também é prejudicial a ausência de seriedade dos comentadores, mesmo se eles, muito justamente, não são, de facto, levados a sério.
Quando um recorde num leilão justificava a atenção de noticiário televisivo, lá surgia um crítico «moderno» a justificar com a ignorância de pretensos amadores ou o novo-riquismo da burguesia o apreço por um Silva Porto ou um Malhoa. Agora, numa revista que pena em tornar-se credível em qualquer um dos sectores que abarca, a «L+Arte» («leilões+arte+antiguidades»), aparece Anísio Franco a lamentar os 200 mil euros «gastos» numa das raras pinturas de Amadeo de Souza Cardoso que têm passado em leilão - neste caso, do Correio Velho, que é excepção àquela caracterização do sector.
O quadro é o Pastor, cerca de 1910-11, de apenas 27 por 35 cm, mas muito curiosamente significativo de um cruzamento de interesses e pesquisas que por essa altura iriam levar o pintor a cultivar a original elegância Arte Nova, ou «persa», do seu primeiro estilo modernista e decorativo que tanto êxito encontrou em 1913 no Armory Show de Nova Iorque. É uma peça dos anos da acelerada formação parisiense, referenciada em temas domésticos que voltariam nos motivos de Manhufe, com ensaios já de um desenho rítmico que diverge do formulário cubista - dizer que as suas «experiências traziam consigo muito da tradição oitocentista» (a figura, a paisagem, a perspectiva?) seria um elogio se não quisesse ser uma dessas inanidades da rotina crítica. Não é uma definitiva obra-prima, mas é um passo da brevíssima carreira e é, principalmente, já que sobre quase toda a sua obra pesa a fatalidade da posse institucional, uma raridade.
Tal como sucede em política com as eleições (não com as sondagens), são os leilões que servem de referência quanto ao valor de mercado, não as opiniões de comentadores. Recomendar, pelo mesmo preço, uma qualquer colagem de Braque ou «uma pintura da fase analítica de Picasso» é continuar na via do disparate, para além de com este género de prosa se cumprir a regra de desvalorizar as realidades fortíssimas dos mercados nacionais, que, ao contrário do que se pretende, não são uma aberração portuguesa. Noutros países mais poderosos há mesmo importantes mercados provinciais e até locais, o que se pode avaliar em Nova Iorque e São Francisco, em Berlim e Dusseldorf.
Não é por acaso que noutras páginas da mesma revista as informações dos leilões internacionais referem preços da ordem dos 224 mil, dos 432 mil, do milhão e 206 mil euros pagos por um modesto neoclássico britânico, um naturalista da Lorena, um seguidor polaco de Alma-Tedema. São muito baixos os valores atingidos pelas obras importantes de artistas portugueses e são ridículas as apreciações sobre «investimentos» em arte dos nossos pseudo-especialistas.
Na Colecção Rui Vitorino, exposto na Fundação Arpad Szenes - Vieira da Silva
artigo referido por Anabela Duarte no catálogo, não referenciado