Documento 1
Folha de 1991, não assinada, com origem na SEC, divulgada por ocasião da exp. na Galeria Almada Negreiros da colecção de fotografias da SEC, "1839-1989 Um ano depois / One year late", de 9 de Janeiro a 3 de Março de 1991. Folha incluída no respectivo catálogo.
Documento 2
Comunicado da Ether sobre a apresentação da CNF, com produção sua, associando-a ao projecto Luzitânia / Ether pix data file, que desapareceu com o "exílio" de António Sena.
Assinado por Luís Afonso. Data errada: 1990 por 1991.
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A Colecção Nacional de Fotografia inscreve-se nas celebrações do aniversário da divulgação da fotografia
Bibliografia (in progress):
1) as comemorações:
1989, 17 de Fevereiro, "Manual de fotografia", caderno Vida 3, especial sobre os 150 da Fotografia coordenado por António SENA, O Independente
Inclui: ("Pessoas") "O coleccionador" (entrevista com Jorge Calado), António Sena, pp. 111-6-7.
(Antevisões) "Um manual da fotografia, A.S., pp. 8-9.
(Auras) Breve história da fotografia, Walter Benjamin, trad. de Sarah M. Adamopoulos, pp. 10-13.
(Tudo) Cronologia sem título, desde 1840 à década de 1980, pp. 14-15. (Colunas: Imagens foto / Técnica / Edições / Expo / Manifestações Instituições / Estética / História / Estética Literatura / Música Cinema Espectáculo / Arquitectura DesignArtes plásticas)
Traduções de textos de John Szarkowski, "O olho do fotógrafo" (1966), pp. 16-18. Heinrich Schwarz, "Arte e fotografia" (c. 1950), pág. 19. Wright Morris, "À nossa imagem" - A fotografia dos amadores (1978), pp. 20-22. Weston J. Naet, "Novas tendências" (1984), pp. 23-27.
(Fotografias) "Um álbum pessoal". A escolha pessoal do coordenador, pp. 28-29.
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1989, 7 Outubro, "Fotografia - 150 anos" (capa), EXPRESSO-Revista. Inclui:
"As quinze décadas da fotografia", 15 fotografias e 15 publicações fotográficas comentadas, JORGE CALADO, pp. 4-9 R.
"1939: as histórias de um segredo", Pedro Miguel Frade, pp. 10-12.
"A hora das imagens", a colecção da SEC (com declarações de Jorge CALADO, sobre os critérios da colecção, e primeiras reacções) e outras comemorações (Gulbenkian e Arquivo Nacional), José Mendes, pp. 12-15.
Jorge Calado: fui a primeira pessoa a quem foi pedido tomar conta da aquisição das fotografias. Julgo que havia casos pontuais de aquisição de fotografias por parte da Comissão para as Artes Plásticas de que faziam parte o Fernando Calhau, o Fernando Azevedo e o Fernando Pernes. Entre eles talvez fosse o Fernando Calhau o mais interessado na parte da fotografia. Depois desses casos pontuais houve aqui, de facto, uma situação nova quando a SEC decidiu que era altura de começar a formar uma colecçao independente de fotografia, fotografia do ponto de vista estético e não documental, para isso há os arquivos, cobrindo precisamente os 150 anos da sua existência. Não havia política nenhuma e isso foi uma das coisas que me agradou, na medida em que me permitiria definir as regras que eu achava neste momento serem as melhores. Essas regras impoem que uma colecçao pública nao venha a reflectir os gostos de uma única pessoa, embora eu dissesse à partida que o facto de eu próprio ser coleccionador e ter um determinado gosto pessoal iria tentar com que isso nao influenciasse a maneira como eu formaria a colecçao. Porque sei distinguir entre aquilo que é historicamente importante e portanto digno de uma colecçao publica e aquilo que é um assunto muito mais privado e portanto destinado a uma colecçao particular. Mas achava que nao deveria ser só uma pessoa para evitar distorsoes e por isso sugeri que o processo ideal seria ter uma série de comissários, mas cada comissário deveria ser totalmente independente. Assim eu estaria aqui por dois anos, como período limite, até porque tenho muitas outras coisas para fazer e isto envolve muito tempo, embora nao pareça. Assim eu comprava durante estes dois anos e depois viria outra pessoa com outros critérios que seriam ou nao aceites pela SEC e assim sucessivamente e ao fim de 20, 30, 40 anos haveria uma colecçao que tinha sido formado por um determinado n6mero de pessoas e que de certo modo seria mais significativa do que se fos~e uma só pessoa entronizada nessa comissao.
Eu defini as regras que eu achava serem do interesse da colecçao nacional, mas sao regras flexíveis. outros que venham podem ter outras regras. Por exemplo, eu sempre disse que devia concentrar os meus esforços na aquisiçao de fotografia estrangeira e nao só fotografia contemporânea como principalmente fotografia antiga e inclusivamente do século XIX. C achava isso porque em Portllgal nao hã nenhum grande museu de pintura, nao hã nenhum grande museu de escultura, ou de coisa nenhuma. Quando digo grande museu» é no sentido em que o Metropolitan o é, uma National Gallery o é, e é nesta altura inviável tentar fazer esse, grande museu e nao é s6 uma questao de dinheiro é qilC também jã nao há as obras. As principais obras dos grandes mestres já estão em museus ou em colecçoes permanentes. Mas mesmo que o problema do dinheiro fosse rcsolvirlo nao seria possivel fazer um juseu representativo por~ue nao hã essas obras."
"A verdade dos seres e das coisas", sobre o fotojornalismo, João Lopes. p. 17-18. E portfolios de Rui Ochoa, António Pedro Ferreira, Clara Azevedo, Luiz Carvalho (os fotógrafos do Expresso, escolhas pessoais), pp. 20-23.
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2) A Colecção, a exposição e o coleccionador
1991, 5 de Janeiro, Fotografias (nota), A.P., EXPRESSO - Cartaz, Exposições, p. 11.
FOTOGRAFIAS
5 Jan. 1991, p. 11
O título por extenso é «1839-1989 / Um Ano Depois - Colecção Nacional de Fotografia». Trata-se da apresentação dos resultados de dois anos de aquisição de fotografias para a colecção da SEC e vem acompanhada pela edição de um magnífico livro/catálogo que é também da responsabilidade de Jorge Calado, com a colaboração da Ether. Inaugura-se na 3ª às 18h30, numa galeria renovada na sua direcção (Fernando Calhau e Delfim Surdo) e na sua arquitectura interior.
De Talbot (1844) até Koudelka (1989), de Abbott até White, não se esgota a história nem o presente da fotografia, mas prova-se que é possível (com pouco dinheiro, 20 mil contos atribuídos em dois anos) lançar os fundamentos de uma colecção nacional, exemplar quanto a critérios de aquisição e quanto à diversidade das direcções exploradas (incluindo a publicidade, o fotojornalismo, por exemplo) - com prioridade a zonas históricas do séc. XIX e até 1940 «por razões económicas e de mercado» -, e ao mesmo tempo fundada no gosto e no conhecimento pessoal do comissário responsável. Particular relevo foi concedido às fotografias feitas por estrangeiros em Portugal, e aos fotógrafos que exerceram mais influência na fotografia portuguesa, assim se construindo uma outra vertente específica num «discurso» aberto à pluralidade de leituras. Destaque ainda para a inclusão de três fotógrafos do Expresso, Rui Ochôa, António Pedro Ferreira e Luiz Carvalho. É uma colecção que programaticamente assume a necessidade de ser continuada, com outros projectos e critérios.
11 Janeiro, "Modos de ver", Alexandre Pomar, EXPRESSO - Cartaz, Exposições, p. 9. (ver aqui: Modos de ver)
Modos de ver
Expresso/Cartaz, p. 9. 11 Janeiro 1991
"1939-1989 - Um Ano Depois» repara, com mais alguns dias de atraso, a quase total desatenção portuguesa à passagem dos 150 anos da divulgação da fotografia. É uma exposição sobre a respectiva história, que se inicia com um calotipo de 1844 de Fox Talbot e se encerra com uma imagem de Koudelka de 1989. É ainda uma espécie de relatório do desempenho de uma função confiada pelo Estado a Jorge Calado: criar em Portugal a primeira colecção pública de fotografia.
A exposição inclui cerca de 150 imagens de um total de 346 que correspondem a dois anos de aquisições. Não se trata de uma colecção completa e fechada: tratou-se, por um lado, de aplicar uma verba pré-estabelecida e relativamente exígua (10 mil contos por ano) e, depois, faz parle do projecto inicial que em anos seguintes outros comissários se ocupem rotativamente de alargar o património fotográfico da SEC, com os seus critérios e interesses próprios.
(Espera-se que a SEC não interrompa este projecto e, por outro lado, que não restrinja a esta acção a sua actividade no campo da fotografia: outras linhas de actuação, igualmente indispensáveis mas que não devem confundir-se com a formação da colecção pública, dirão respeito ao apoio do trabalho dos fotógrafos portugueses, dos grandes acontecimentos de divulgação da fotografia, como os Encontros de Coimbra e outros, da organização de exposições monográficas e retrospectivas, portuguesas e estrangeiras, e também da acção das galerias e outras entidades que têm dado os primeiros passos na criação de um público e de mercado para a fotografia.)
Se a colecção agora apresentada é, de facto, o arranque de uma colecção, sucede também que Jorge Calado conseguiu que o conjunto de fotografias reunido fosse um corpo coerente, um olhar globalizante sobre a multiplicidade de direcções que a fotografia comporta: um discurso que percorre todo o arco histórico dos 150 anos da fotografia e que se ramifica em direcções específicas como, por exemplo, a fotografia científica, a publicidade, o fotojomalismo (a moda é uma lacuna que se reconhece), ou, numa outra leitura, que percorre a evolução dos processos técnicos de captação e impressão das imagens.
Por outro lado ainda, esta colecção histórica é uma colecção portuguesa e o seu comissário entendeu que essa não era uma condição irrelevante: procurou por isso que as fotografias feitas por estrangeiros cm Portugal consituissem um dos eixos estruturantes da colecção (e não um núcleo distinto), bem como sinalizar o trabalho de autores que influenciaram mais directamente os fotógrafos portugueses. Quanto a estes últimos, observa-se a inclusão na colecção de alguns nomes ao «acaso» da descoberta de certas peças históricas, da entrada no mercado de algumas provas «vintage» dos anos 50 que era urgente salvaguardar para o acervo público, ou das opções de gosto do comissário em consonância com a disponibilidade de colaboração dos próprios fotógrafos; de qualquer modo, a fotografia portuguesa, sobre a qual não se exercem ainda fortes pressões de mercado, não constituiu em si mesmo uma primeira prioridade das aquisições.
Transformar (o início de) uma colecção numa exposição, legível não como uma circunstancial acumulação de objectos reunidos ao sabor dos acasos do mercado mas como um discurso coerente, globalizante e ao mesmo tempo aberto a infindáveis derivas, constitui uma das «proezas» do comissário: tratava-se de dar sentido(s) à sequênciação das fotografias expostas e de estabelecer múltiplas pistas de leitura através da associação das imagens, graças à constituição de sucessivos núcleos com uma lógica histórica, ou temática, ou formal, ou interpretativa, e, dentro de cada um deles, de estabelecer aproximações que podem, por exemplo, contrariar a sequência cronológica ou sublinhar relações formais, geográficas, etc.
Todo esse «jogo» que é visualmente proposto ao espectador se prolonga depois no texto do catálogo por uma rede ainda mais larga de referências, passando da evolução histórica à análise da singularidade dos autores, e das informações conjunturais ao relacionamento permanente com as outras artes, assim trocando as cómodas «gavetas» da História pelo destacar dos problemas, das atitudes, das emoções que todas e cada uma das imagens conservadas sugerem a um observador disponível para algo mais que um contacto historicista com os objectos. A habitual história da fotografia reduzida
à sucessão mecanicamente evolucionista de estilos e períodos dá lugar a «Uma história à volta de fotografias».
Foto de Luiz Carvalho (ao centro, Mãe Migrante, de Dorothea Lange, roubada depois da Colecção)
19 Janeiro, nota Cartaz Exposições, A.P., EXPRESSO - Actual, p. 9; e também a 2 Fevereiro, p. 9
19 Jan., p. 9 (nota 2)
Entra-se «por» um metropolitano de Londres durante a última guerra (de Bill Brandt; é a entrada na caverna e também uma metáfora da câmara escura) e chega-se ao fim com os deserdados do Sahel (Sebastião Salgado; imagem actual que é também a de um possível futuro apocalíptico): o percurso por toda a história da fotografia não se encerra num qualquer entendimento auto-referencial da especificidade e da evolução do «medium» fotográfico, antes é um permanente abrir de pistas de observação e interpretação do mundo. Trata-se de apresentar o início de uma colecção pública de fotografias (da iniciativa da SEC e da responsabilidade de Jorge Calado), mas a exp. constrói-se não como um somatório de imagens e de autores - muitos deles célebres, outros menos conhecidos - mas como uma teia de sentidos onde as técnicas, as disciplinas, os estilos, os temas dialogam entre si com a coerência de um discurso pessoal sobre a fotografia. Para além de uma montagem que enriquece o material exposto, registe-se a qualidade excepcional do catálogo editado.
2 Fev., (nota 3)
Uma colecção não é um sumário ou um índice, e uma exposição ainda menos; ela existe (mesmo que seja o começo de uma colecção) como espaço simultaneamente aberto a novos objectos e fechado na totalidade de um olhar que se patenteia no discurso expositivo - e, preenchendo e ultrapassando a obrigação de ser didáctico, na coerência de um discurso escrito que o catálogo inclui. O itinerário proposto por Jorge Calado fragmenta-se em lição de história, em indicação de disciplinas ou géneros, no sublinhar dos suportes, processos e edições; isola núcleos alargados como os relativos à «Camara Work» de Stieglilz e aos fotógrafos da Farm Securiry Administration: revê os olhares estrangeiros sobre Portugal como recuperação patrimonial obrigatória e como hipótese de diálogo com os fotógrafos portugueses; interrompe-se em pequenas derivas como as que se ocupam das figurações do divino ou das fainas agrícolas. E se alguma sequência sumaria toda uma relação, erudita e apaixonada, com a fotografia é a que vai das experimentações de Rossler, Kertesz e Joann Frank até às viagens autobiográficas de Danny Lyon, associando os extremos da abstracção e do ensaio fotográfico, a objectividade e a atitude confessional, os retratos da América e de si próprio de Robert Frank, num percurso sinalizado pela recorrência de olhos e focos luminosos (J.Frank, R.Frank, Blumenfeld, Eugene Smith), porque de luz e de saber ver se trata.
26 Janeiro, nota Cartaz Exposições, Isabel Carlos, EXPRESSO - Actual, p. 11
1991, 25 de Janeiro, O Independente, "Cobras e lagartos", Pedro Miguel Frade, pág. III-38. <O facto do P.M.F. ter morrido não nos deve impedir de dizer que é um texto medíocre e mesmo miserável, de que o próprio se auto-criticou mais tarde (inf. pessoal, julgo que sem provas). Poucos meses antes ainda escrevia no Expresso, no espaço que fora antes de António Sena e que ocasionalmente voltou a ser - nada explica a grosseria, excepto a guerra de grupos que alguns praticavam.>>
1991, 23 de Fevereiro, EXPRESSO - Revista, dossier
"FOTOGRAFIA AO VIVO", ANTÓNIO SENA, pp. 34, 35, 36, 38-R.
idem, "Uma árvore com muitos ramos" (entrevista com Jorge CALADO), Alexandre Pomar, idem, p. 37-R. (ver Entrevista 1991)
idem, "Coleccionar olhares", João Lopes, idem, pp. 36-37.
ENTREVISTA
Uma árvore com muitos ramos
- Expresso Revista, 23 Fev. 1991, pág. 37R.
Como se faz uma colecção de fotografia? O projecto estava definido à partida ou houve uma grande margem de acaso?
JORGE CALADO - Foi tudo feito muito intuitivamente e, no entanto, ao organizar o catálogo e a exposição, ao escrever o texto para tentar integrar as várias imagens, eu próprio fiquei espantado por haver vários fios condutores..., porque, de facto, está tudo ligado.
Evidentemente que achava que o dinheiro não era muito e que tinha de ser económico na maneira de o gerir. Mas havia duas ou três ideias prévias: por um lado, devia constituir núcleos que fizessem um certo sentido, e depois saltitar um bocado pela história da fotografia até aos anos 40-50, isso por uma questão de opção, porque achei que havia fotografias que eram fáceis de obter em boas condições financeiras neste momento, mas que se se esperasse mais um ou dois anos já não seria possível comprá-las. Por outro lado, procurei não ir atrás dos chavões, isto é, daquelas imagens que toda a gente conhece e vêm reproduzidas em todos os livros. Há, julgo eu, só uma excepção óbvia que é a fotografia da Dorothea Lange da mãe migrante (), mas há uma história por trás daquela mulher que sempre me sensibilizou e que aliás conto no texto. E há um outro facto ainda: esta fotografia foi impressa a partir do negativo original mas não pela D. Lange; foi impressa pelo Arthur Rothstein, que era também um dos grandes fotógrafos do mesmo movimento da FSA (Farm Security Administration), e há nela uma condensação de história que me interessou: quem a tirou, quem a imprimiu, etc...
A colecção percorre a história da fotografia, mas não é uma história da fotografia, nem tal seria possível com os meios e o tempo disponíveis.
J.C. - Não. Mas eu sempre pensei que será possível se este projecto continuar: a minha ideia é que ao fim de 10, 20 anos, continuando a comprar, poderá haver, de facto, uma colecção que percorra a história da fotografia. O que eu queria, sem grandes pretensões, era que, ao fim de dois anos, este conjunto fizesse sentido, não fosse só um apanhado de coisas dispersas. E houve também outra preocupação: que várias técnicas fotográficas estivessem representadas (e há, de facto, as calotipias, as albuminas, os papéis salgados, os carbonos, etc), para que houvesse um lado didáctico na própria colecção.
Quando se faz uma colecção, como se estabelece o preço justo de uma fotografia?
J.C. - Eu acho que esse preço é uma questão fundamentalmente emocional, objectivamente ele não existe. O que há é um preço para cada pessoa, embora existam determinados padrões - na pintura as coisas estão mais codificadas, o mercado é maior e mais antigo, há muito mais experiência...
As fontes são os leilões, as galerias, os marchands, os «dealers» que trabalham individualmente, sem galeria, os próprios fotógrafos no caso dos contemporâneos que estão vivos e uma outra que nunca desprezo e que são os alfarrabistas, as lojas de bric a brac e os livreiros antiquários que às vezes sem saber também têm fotografias. Neste conjunto todo os preços variam. Por exemplo, a mesma fotografia comprada numa leilão é em geral 30 ou 40 por cento mais barata que numa galeria, embora para certos autores as coisas já não se passem bem assim. A geografia também tem uma certa importância: por exemplo uma fotografia inglesa vendida nos Estados Unidos é mais barata do que em Inglaterra, tal como uma americana na Inglaterra ou em França...
Sendo a fotografia um múltiplo, o valor varia com o número de provas? Muitas vezes não há indicações sobre a tiragem...
J.C. - E mesmo quando há, em muitos casos não é uma informação fidedigna, porque se usa toda uma série de subterfúgios para ultrapassar a tiragem inicial, se são muito procuradas. Uma fotografia é impressa só dez vezes, mas depois podem aparecer outras tiragens mudando-se o formato, o papel, o processo... Embora haja excepções, não há relação entre o número de exemplares e o valor de uma fotografla. Claro que tem havido tentativas para aumentar o valor reduzindo o número de exemplares, mas se a fotografia não for muito boa não se vende e não é por causa de só haver quatro ou cinco que se torna mais valiosa. E acontece também o oposto. O caso típico é o do Ansel Adams com o Moonrise over Hernandez; ele deve ter impresso largas centenas de exemplares daquela fotografia, estava já farto e então começou a subir-lhe o preço, mas o que aconteceu foi que quanto mais o preço subia mais as pessoas queriam aquela imagem.
Mas há uma coisa que é muito importante: ser «vintage» ou não ser, e se uma fotografia é «vintage» tem mais valor. É uma fotografia que foi impressa mais ou menos na mesma altura em que o negativo foi exposto (mas nem sempre forçosamente no mesmo ano), e que representa a concepção que o fotógrafo tinha da imagem quando carregou no botão. Mas também aqui há excepções: o Bill Brandt modificou consideravelmente os seus trabalhos ao longo do tempo, quanto ao formato, à técnica e à própria concepção da fotografia, e portanto uma prova dos anos 30 e uma dos anos 50 ou 70 são de facto fotografias diferentes, são ensaios ou são variações sobre o mesmo tema - mas mesmo assim as fotografias «vintage» são mais procuradas.
Qual foi a fotografia mais cara?
J.C. - A do Walker Evans (Portuguese House), que custou 4.400 dólares, um pouco menos de 700 contos, mas nesse caso não hesitei: estava determinado a comprar aquela fotografia, porque é rara - julgo que nunca apareceu para venda nos últimos oito anos, que é desde que me comecei a interessar pela fotografia - e era uma das que eu queria à partida. Aliás, não era esta que eu conhecia, mas uma outra, também da casa portuguesa, que está no livro American Photographs, e é um pormenor, um close up. Dessa é que andava à procura, e entretanto apareceu esta que achei ainda mais bonita .
E existem fotografias que sejam únicas?
J.C. - Ser único é uma coisa que, de certo modo, vai contra o próprio espírito da fotografia, que é uma coisa para se multiplicar, democrática. Mas há talvez uma que veio da colecção de Michel Tournier, uma fotografia «vintage» do Bill Brandt que eu não conhecia naquela versão. Há com certeza fotografias «vintage» que são únicas, mas das quais há imagens recentes, por exemplo algumas da FSA, dos anos 30, porque então o fotógrafo fazia as fotografias, entregava-as e ficava só com uma ou duas para si, porque naquela altura não havia mercado.
Como é que a colecção deve ser continuada?
J.C. - Quis fazer uma exposição no fim do meu «mandato» para prestar contas... para se ver o que foi feito e não ficar tudo no segredo dos deuses. A colecção, o que já existe, é uma espécie de árvore com muitos ramos e agora cada um pode fazer crescer a árvore em determinadas direcções - há muitas árvores que crescem irregularmente e não ficam com uma copa esférica. Aliás, quando comecei também não fazia ideia das direcções finais que a coisa tomaria. Claro que faz um certo sentido - e tinha de fazer porque foi uma só pessoa a comprar estas 300 e tal imagens -, mas outra pessoa terá certamente outras prioridades ou outros gostos, poderá entrar noutro tipo de fotografia, há muitas outras coisas...
Qual deve ser o destino da colecção, depois de mostrada?
J.C. - Compete à SEC decidir, e às diversas instituições interessadas; mas acho que a colecção deveria continuar, e que deveria ser visível, que há todo um trabalho de divulgação e de acessibilidade desta colecção que é necessário fazer. Sabe-se que a Casa de Scrralves está interessada em ter lá a exposição, mas é necessário mostrá-la em mais pontos do país, porque há muita gente, mesmo aquela que faz e conhece fotografia, que nunca viu um Atget ou um Bill Brandt ao vivo, e há uma grande diferença em relação a vê-los nos livros.
Acho, também, que devia haver um sítio fixo porque me preocupa um pouco a própria conservação. Para tornar esta colecção viva é preciso um mínimo de espaço e ela tem de estar ligada a uma instituição que tenha também um mínimo de vida - o problema é que no nosso país os museus, ou a maior parte deles, não têm sequer condições para aquilo que já lá têm, quanto mais para acolherem outra coisa diferente... A Casa de Serralves, que já tem apostado na divulgação da fotografia, seria uma hipótese, ou o Museu de Arte Contemporânea, se o projecto for para a frente ()... Para a fotografia não é preciso muito dinheiro ou muito espaço, bastava uma sala onde isto pudesse estar bem acondicionado, mas uma sala onde se mostrasse regularmente parte da colecção, ou partes dela em articulação com coisas que podem vir do exterior. Gostava de ver isto a crescer do princípio, e para mim o princípio são as fotografias, são as imagens.
Acho que se começou certo; o passo seguinte é ter isto num espaço acessível, onde possa ser visto e estudado - pode ser um departamento ou uma secção de um museu -, e depois, a partir daí, quando houver uma dinâmica da própria colecção, de mostrar coisas e importar exposições de fora, de publicação de monografias, de constituição de um «corpus» e de formação de pessoal capaz, aparece naturalmente um museu. Criar agora um Museu da Fotografia era um disparate.
NOTA 1: Esta foi uma das fotografias que mais tarde se verificou terem sido roubadas, depois da colecção ter ficado depositada na SEC sem condições de segurança, logo a partir de 1991, ou já quando passou para a guarda do Centro Português de Fotografia, talvez durante descuidados programas de itinerância. (2011)
NOTA 2: É a fotografia da capa do catálogo.
NOTA 3: A Colecção chegou a ser depositada em Serralves, no âmbito das partilhas das colecções públicas a favor do anunciado Museu Nacional de Arte Moderna do Porto, antes de ser destinada ao Centro Português de Fotografia, onde se dissolveu no interior do seu acervo geral. O Museu de Arte Contemporânea reabriu em 1994 como Museu do Chiado. De facto, a Colecção Nacional de Fotografia foi sendo desfalcada de várias das suas peças (duas dezenas), não foi continuada e acabou integrada de modo indistinto no património do CPF. Resta o seu catálogo como testemunho de um projecto desbaratado.
Mais tarde, em 1993, parte da colecção foi exposta em Lagos, sem a intervenção do seu inicial comissário e em consequência de interesses partidários (do PSD) no Algarve. Depois de ter sido inviabilizada a sua apresentação noutros espaços, nomeadamente em Serralves. Publicou-se então uma pequena nota informativa.
109 FOTOGRAFIAS, Centro Cultural de Lagos
18 Set. 1993 (nota)
Fotografias da Colecção da SEC na sua primeira apresentação depois da exposição inaugural de 1990-91, na extinta Gal. Almada Negreiros. É a oportunidade para recordar três factos: o crescimento da colecção foi bloqueado depois de apenas dois anos de aquisições (não se trata de uma colecção completa, mas do início de uma colecção pública); a circulação da colecção foi inviabilizada até agora, apesar de várias solicitações (fazia parte da última temporada de Serralves, mas não foi cedida pela SEC, por insondáveis razões); não se decidiu, entretanto, qualquer futuro institucional para a colecção, que lhe assegure, além da ampliação, a conservação, o estudo e a divulgação.
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1992, 12 de Maio, Jornal de Letras, "Jorge CALADO / Coleccionador de imagens e emoções", pp. 19, 20, 21? (autor?, recorte incompleto)
1996, 3 de Janeiro, Jornal de Letras, "Jorge CALADO Jorge CALADO, Expresso Revista, 24 Novembro, 95-96/ Isto está tudo ligado?...", Célia Quico, pp. 17-18.
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1991, outros acontecimentos:
"Projectos fotográficos na Gulbenkian", A.P., Expresso Actual, 2 Fevereiro, p. 37 < Anunciam-se as retrospectivas de Victor Palla, Fernando Lemos e Ernesto de Sousa no CAM, sob a orientação de Jorge Molder. A 3ª não aconteceria >
5ºs Encontros da Imagem de Braga, 11 - 31 de Maio.
Programa: Elliott Erwitt, S. Salgado ("Autres Amériques"), Larry Fink, Martin Parr (The Coast of Living), Arnaud Claass, Les Krim, Vari Caramés.
"Visão plural da fotografia", Teresa Siza, Público, 11 Maio, p. 28.
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