5 jan 94–
«A Máscara, a Mulher e a Morte: Resistências Poéticas» , Culturgest/CGD: "Visões / ficções"
ARTE BELGA
Culturgest -EXPRESSO 09-04-1994
Não é apenas o contacto directo com obras históricas — Wiertz, Khnopff, Magritte, Broodthaers, etc — que assegura a importância excepcional desta exp., mas também a possibilidade de contestar uma história canónica de tradição francesa que se construiu sobre o escamotear de obras não redutíveis ao «progressismo» positivista de um caminho linear (realismo-impressionismo-Cézanne-cubismo-abstracção...) exigido pelas leituras formalistas e essencialistas da modernidade. Com a ocultação do simbolismo (que teve uma das suas afirmações mais estruturadas em Bruxelas, com outro polo nos Salões Rosa Cruz de Sâr Paladan, em Paris, entre 1892 e 1897) é a questão do sentido que foi sendo desvalorizada em no terreno das artes plásticas em favor de uma crescente e cada vez mais esvaziada auto-referencialidade da arte — a confrontar com a exp. «Pulsares», no CCB, que constitui um exemplo paradigmático e terminal desse destino. Os núcleos temáticos explicitados no título, «A Máscara, a Mulher, a Morte», não configuram uma estratégia ilustrativa; definem, pelo contrário, através da passagem pelo surrealismo não ortodoxo e do encontro com três autores contemporâneos (Charlier, François e Corillon), uma leitura das «resistências poéticas» que podem estar na base de atitudes criativas actuais e produtivas.
#
JULIO GONZÁLEZ
Culturgest/CGD - EXPRESSO 20-04-94
Depois de ter mostrado os desenhos de Modigliani e de Egon Schiele, a Culturgest apresenta a obra gráfica de outro artista da primeira metade do século e que com o primeiro partilhou círculos parisienses. Os desenhos vêm da colecção do Centro Rainha Sofia, de Madrid, e são testemunho de um itinerário particularmente atípico, em grande parte justificativo do seu relativo e injusto desconhecimento internacional até tempos recentes. González nasceu em Barcelona em 1876 e instalou-se em Paris em 1900 seguindo uma honrada carreira de ourives e de pintor, até se revelar, já no final dos ano 20, como um dos mais inventivos escultores do século, responsável por um inédito entendimento escultórico do vazio e por novos processos de soldadura do ferro que associaram desenho e escultura. A colecção distribui-se por um horizonte cronológico que vai de 1904 a 1941 (JG morreu no ano seguinte), documentando toda uma produção inicial cujo classicismo é identificável com o «noucentismo» que em Barcelona sucede a um modernismo Arte Nova, antes do desenho se afirmar especialmente como um meio de experimentação para o trabalho da escultura. Entretanto, a montagem da exposição revela-se particularmente sugestiva ao iniciar-se por um conjunto de auto-retratos tardios que reafirmam a autonomia própria do desenho e terminar com a expressividade dramática dos últimos estudos para a figura de Monserrat, enquanto a zona média exemplifica extensamente a pesquisa formal conduzida na fronteira da abstracção. Através de um balanço constante entre tradição e inovação, entre o desenho do natural e o projecto analítivo-construtivo, entre o visto e o estilizado, sempre conduzido à margem das afirmações de virtuosismo, o percurso de González não se deixa reduzir à condição de um «desenhador de novas formas».
#
COLECÇÃO COBRA
Culturgest/CGD - 20-01-96
Uma exposição histórica de uma rara dimensão e importância no panorama expositivo nacional, a que convirá reconhecer também uma pouco comum capacidade de questionar o presente — e um forte sentido de oportunidade, portanto. A mostra, vinda de um dos mais dinâmicos museus europeus, o Stedelijk de Amsterdão, reconstitui a breve irrupção do grupo Cobra (activo como movimento entre 1948 e 1951) e acompanha ainda os percursos individuais dos seus artistas até ao final da década de 50, enquanto se prolonga a sua eficácia profunda e se definem as suas expressões individuais próprias, quer isoladamente quer mediante outras movimentações colectivas: por exemplo, Asger Jorn e Constant foram participantes activos da Internacional Situacionista, até esta se converter num grupúsculo orientado para a intervenção política. Em paralelo com a afirmação da 2ª Escola de Paris e a academização da sua abstracção lírica, o grupo Cobra, através das contribuições trazidas de culturas artísticas periféricas (nórdicas, holandesas e belgas) e de uma convergência de vontades experimentalistas (a «Internacional dos Artistas Experimentais»), serviu de agente indisciplinador de um período atravessado por um subterrâneo cruzamento de inquietações onde se encontram a valorização das expressividades marginais (populares, das crianças e dos loucos), contribuições surrealistas e atitudes antiformalistas, preocupações sociais e a defesa da expressão livre e pessoal contra os vários impasses programáticos do tempo. Segunda vaga do expressionismo primitivista, segundo a expressão usada por Willemijn Stokvis no catálogo (na sequência do expressionismo alemão dos anos 10), os artistas do grupo Cobra tiveram uma influência profunda na problematização da dicotomia entre abstracção e figuração então dominante e também na reafirmação de algumas condições essenciais (mas não essencialistas) da criação artística. Entretanto, esta exp. pode ser igualmente lida como afirmação do interesse das histórias e dos itinerários artísticos vividos, quer em situações de periferia geográfica (sem as marcas da procura de exotismo que caracteriza muito multiculturalismo actual) quer à margem das sínteses canónicas da «evolução» da arte. O contacto com as obras reunidas do grupo Cobra, com a sua inventividade indisciplinada e libertadora, com as suas procuras individuais da expressividade, surgirá menos como lição de história do que como reaproximação a necessidades e possibilidades certamente outra vez reprimidas sob o aparente predomínio actual do discurso especulativo.
02-03
Movimento sem programa nem carácter de tendência, o grupo Cobra trouxe à situação do pós-guerra a frescura da afirmação de alguns jovens pintores, o fermento das tradições poéticas de regiões periféricas, nomeadamente dos países nórdicos, e uma rebeldia de heterodoxa filiação surrealizante. Com a sua breve existência organizada e as suas carreiras individuais posteriores, os artistas Cobra reactivaram uma linha de fundo expressionista, sobre um novo primitivismo valorizador da criatividade popular e infantil, que contribuiu para pôr em causa a dicotomia figuração-abstracção. Se Asger Jorn, Robert Jacobsen, Alechinsky e Appel são artistas de destacada presença internacional, as obras de outros nomes de menor notoriedade cosmopolita testemunham de uma mesma urgência interventiva e, em especial, comunicativa. (JLP - Revista)
TOM WESSELMANN
Culturgest/CGD, 13-07-96
É um dos cinco nomes mais importantes da Pop Arte americana, embora essa notoriedade histórica e «escolar» não deva fazer ignorar que se trata acima de tudo de um pintor, como aliás também sucede nos casos de Lichtenstein e Rosenquist. A retrospectiva, que já fez uma larga digressão europeia e constitui um dos momentos mais marcantes do verão lisboeta, inclui obras de 1959 a 1993, desde logo com relevo particular para os pequenos trabalhos iniciais, significativos de uma evolução que vai da colagem-assemblage para a pintura, através de uma aproximação muito evidente às questões do desenho e da composição pictural de Matisse. Logo a seguir, é essa mesma linguagem apreendida que Wesselmann «actualiza» e amplia com o recurso às imagens da publicidade, mas revisitando metodicamente os géneros tradicionais do nu, da natureza morta, do interior e da paisagem — e o uso da publicidade e do quotidiano que constituem imagem de marca da Pop são também o retomar de fortes tradições vernaculares americanas. Dominando a composição espacial planificada (de modo a conservar a imagem à superfície do quadro) e também o conceito da colagem e a problemática da escala, W. não é um «pintor de pin-ups», apesar das mais rasteiras considerações moralistas que voltam a ter curso, mas um artista que retoma com a representação do corpo e a relação com o modelo a exploração do campo da pintura. A partir dos anos 80, nas obras recortadas em metal, a relação entre a pintura e o desenho orienta-se para uma autonomia crescente do segundo, com maior facilidade decorativa, mas é ainda à pintura que W. presta homenagem nas referências a Cézanne, Léger, Matisse e Mondrian com que a exp. se encerra. É pena que só se encontrem acessíveis catálogos estrangeiros, embora o «jornal da exposição» que inclui uma mesa-redonda entre quatro mulheres-artistas constitua um curioso documento sociológico.
07Set.96
Últimos dias de uma exposição retrospectiva que apresentou em Portugal a obra de um dos nomes maiores da Pop norte-americana. Para além da característica genérica da utilização das técnicas mecânicas e impessoais da arte comercial ou da publicidade, que definiu a «ruptura» trazida pelo novo estilo em relação ao expressionismo abstracto anterior (mas que é também a recuperação de alguns exemplos da tradição vernacular americana), a obra de T.W. tem também a particular qualidade de demonstrar que a Pop Arte é um movimento muito mais rico e complexo do que as sínteses escolares deixam adivinhar — e, em especial, que é irredutível às condições da cultura popular dos anos 60 ou ao modelo único de Warhol. Sob a aparência imediata de um imaginário ligado ao erotismo de consumo, as «pin-up» de Wesselmann eram a versão contemporânea das odaliscas de Ingres e Matisse, numa pintura reconquistada a partir do exercício da colagem e marcada pela influência forte de De Kooning, apesar do abandono da factura gestual. Das pequenas colagens ìniciais, raramente mostradas, às «assamblages» visíveis como «ambientes», a três dimensões e com inclusão de objectos e mobiliário real, sobre uma metódica reapropriação dos géneros tradicionais (o nu, a natureza morta, os interiores e a paisagem), a antologia orienta-se depois para uma cobertura ampla de um mais recente formulário, onde o desenho é recortado sobre placas metálicas, procurando conservar uma clássica impressão de espontaneidade.
#
NAM JUNE PAIK
Culturgest/CGD - EXPRESSO 05-10-96
«A super auto-estrada electrónica — Nam June Paik nos Anos 90» é uma grande exposição do pioneiro da video-arte, de origem coreana (Seul, 1932) e actual nacionalidade norte-americana, discípulo de Stockhausen, cúmplice de John Cage e militante do movimento Fluxus. A uma instalação de 30 trabalhos recentes («Cybertown») que se encontra em digressão norte-america — e tem Lisboa por escala única na Europa — acrescentaram-se reedições de algumas peças históricas, numa vasta síntese sobre a sua obra, onde a exploração das virtualidades das novas tecnologias da comunicação se cruza com o cepticismo próprio de uma visão paródica sobre as estratégias vanguardistas. A incorporação de meios informáticos e da Internet vêm actualizar com ironia um exercício que é o prolongamento do happening neo-dadaista, a que a imaginação formal e o humor das «assemblages» preserva do risco da mumificação. Um espectáculo feérico e delirante, mas também mais complexo do que pode parecer à primeira vista.
07-12-96
Últimos dias de uma mais das mais surpreendentes exposições do ano, desde logo pela espectacularidade dos meios envolvidos. «A super auto-estrada electrónica» é o Nam June Paik dos Anos 90, o artista-Fluxus e empresário que foi o inventor da video-arte e agora desestabiliza todas as certezas sobre o progresso das tecnologias, convertidas em lixo e em materiais de escultura, em monumento e em paródia.
outras circulações britânicas, como a exposição «From London», dedicada aos pintores da Escola de Londres (de Bacon a Kitaj), que terminou o seu itinerário em Barcelona, permanecem menos acessíveis na condição periférica em que Lisboa se mantém (embora a Culturgest, acrescente-se, tenha procurado acolhê-la), e permitem-nos uma alegre vertigem da novidade sem consequências que é a condição do diletantismo. Doherty, entretanto, «fala-nos» de coisas tão sérias como a guerra civil da Irlanda, recorrendo a duas «cenas» filmadas, de exibição paralela, e duas vozes-off, de audição entrecortada. Abreviando razões, o comissário Michael Tarantino informa que a obra «denuncia a estupidez de uma atitude que estabelece uma única forma de se olhar uma imagem, uma única maneira de definir os problemas políticos e religiosos da Irlanda, uma voz 'certa' e uma voz 'errada'». O nível do sentido da obra, acrescentado pelo comissário a um material informe e literal, não podia ser mais rasteiro, mas essa será certamente uma qualidade a atribuir a um novo neo-realismo sem ilusões ou ambições.
#