Exposição na Galeria Carlos Carvalho, 20/9 a 31/10
23 de Setembro de 2006, EXPRESSO/Actual:
"Maneiras de ver"
São, à primeira vista, apenas imagens documentais, mais próximas de usos técnicos da fotografia que da reportagem (ou da arte…). Vistas, paisagens de largos horizontes semeados de habitações, ou lugares, pedaços de cidades como os que cruzamos todos os dias – por vezes, pelo seu anonimato, ou aparente banalidade, poderiamos chamar-lhes não-lugares. Noutros casos, como na foto junta, destacam-se arquitecturas, ou melhor, situações arquitectónicas. Sob a luz neutra e cortante da primeira ou da última luz do dia, e sempre sem pessoas, embora a presença humana esteja no coração destas imagens, através da transformação que ela traz à paisagem e das questões que lhe estão associadas, em especial, a habitação e a circulação. Podem ser a preto e branco ou a cores, «tiradas» nos arredores (nas periferias, melhor dizendo) do Porto e Lisboa, em Londres, na Holanda, na Madeira, etc. A diversidade, embora sob uma faixa estreita de opções, é aqui uma regra, tratando-se duma selecção alargada de trabalhos realizados por Paulo Catrica nos últimos dez anos, quase todos já expostos em espaços institucionais (CPF, 1997; Biblioteca Nacional, 99; Casa das Mudas, Calheta, 2003 e 06; Prémio BES 05, CCB, e outros em Portugal e no estrangeiro).
Continuam a ser fotografias documentais quando olhamos mais demoradamente, questionando o que mostram, pondo-as à prova como fonte de informação, mas o grande formato das ampliações e em especial o local onde as encontramos, a galeria de arte, conferem-lhe outros destinos e uma condição socialmente mais prestigiada. De facto, integram-se numa tradição central da fotografia (e do desenho e da pintura…) associada ao interesse pela observação e o documentário, que vem das suas origens e foi sucessivamente reformada e actualizada (as tradições alternativas da ficção, construção e subjectividade vêm também dos primórdios).
Reencontra-se no olhar destas imagens, frontal e limpo - e também na maneira de ver que elas mobilizam, convidando à sua contemplação interrogativa, à sua leitura -, toda a ambiguidade da célebre fórmula de Walker Evans, em 1947: «A fotografia não tem absolutamente nada a ver com «a Arte». Mas é precisamente por isso que é uma arte». Nenhum propósito de superar (ou abandonar) o valor instrumental da imagem aparece explicitado por qualquer desvio do que se pode caracterizar como rigor e objectividade, nenhum artifício se detecta, nenhuma desordem da representação, por via do humor ou da surpresa, nenhuma qualidade que se identifique como estética, no sentido corrente de uma beleza procurada. Tudo foi precisamente organizado ao escolher-se um tipo de câmara e de lente, um ponto de vista, uma velocidade e um momento; depois, ao preferir-se imprimir um negativo e não outro (uma vegetação que o vento torna imprecisa, a cores; a corrente leitosa de um rio, a preto e branco), ao escolher-se uma impressão analógica ou digital, um formato, um dado papel, etc.
Esta objectividade é também um desígnio, uma construção. E o que poderia ficar à consulta num arquivo ou editar-se em livro (veja-se Liceus, ed. Assírio & Alvim, 2005, também exposto) dá-se a ver no grande formato das provas de exposição e de colecção (até aos 120x150 cm) que lhes acrescenta, sem dúvida, melhores condições de visibilidade e leitura. Poderia ser uma moda ou um estilo colectivo, com vertentes inglesas e vedetas alemãs, entre novas topografias e renovadas objectividades. Para Paulo Catrica é o modo de fazer coincidir o interesse pelas potencialidades estéticas da fotografia e a curiosidade pelas questões que as suas imagens abordam: a transformação da paisagem, os modos de ocupação de territórios, os modelos urbanísticos e os seus sentidos sociais. É esse, manifestamente, o caso da única série agora exposta, inédita, «News from somewere», trabalho em curso no âmbito de um doutoramento em Londres, que aborda questões de urbanização e tipologias de habitação, individuais e em altura, a propósito das «new towns» ou cidades-satélite inglesas do pós-guerra. E é essa convergência entre áreas de interesse, a exploração desse diálogo, que faz a diferença, a seriedade e a solidez deste trabalho.
As edições:
- PAULO CATRICA, PERIFERIAS, Centro Português de Fotografia, Porto, 1998
textos de Teresa Siza, Álvaro Domingues e Ian Jeffrey ("Acabado de Aterrar ou A Terra Vista de Longe"), cat.
- PAULO CATRICA, YOU ARE HERE, Casa das Mudas, Casa da Cultura da Calheta, Madeira, 2003
texto de Ian Jeffrey ("Madeira: a construção de um mundo"), cat.
- PAULO CATRICA, LICEUS, Assírio & Alvim, col. Livros de fotografia, nº 39, 2005,
texto de António Nóvoa
(Exp. Liceus de Portugal, Biblioteca Nacional, Lisboa, 1999)
ver aqui
- PAULO CATRICA, TERRAIN VAGUE, Centro das Artes Casa das Mudas, Calheta, Madeira, 2006
comissariado de Miguel Amado (texto), biografia, cat.
publicações colectivas:
- TRILOGIA/TRILOGY, Fundação Eugénio de Almeida, Évora, 2000
direcção de projecto e textos de Jorge Calado. Fotografias de José M. Rodrigues, Mark Power e P.C.
(exp. Museu de Évora e Arquivo Fotográfico Municipal, Lisboa)
- LISBOA ANOS 90, IMAGENS DE ARQUIVO, Arquivo Fotográfico Municipal, Lisboa, 2000
- BES PHOTO, Centro Cultural de Belém, 2005
Entrevista de Sérgio Mah
- TOPOGRAFIAS DAS VINHAS E DO VINHO, 2002
- TRABALHO, Centro de Artes Visuais, Coimbra, 2003
- EM JOGO, Centro de Artes Visuais, Coimbra, 2004
Periódicos
- JORGE CALADO, "EDIMPRESA, ÁTRIO CENTRAL", Coleção BES, Expresso/Única, 16 de Setembro 2006, pág. 16
- AP, "Maneiras de ver", Expresso/Actual, 23 de Setembro 2006, pág. 55. (pub.)
- AP, "Em Viagem" (com outras exp., sobre "Liceus de Portugal", BN, 1999), Expresso/Cartaz, 6 Nov. 99, pp. 22-23 - ver aqui
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