Expresso/Actual de 28-10-2006
Bodys Isek Kingelez, "Ville Fantôme", 1966 (120 x 579 x 240 cm). Col. Jean Pigozzi
O Museu Guggenheim apresenta uma colecção de obras de artistas africanos contemporâneos e põe o multiculturalismo em debate
O título «100% África» é um chamariz politicamente incorrecto, acenando com a ideia de genuína identidade africana, por certo homogénea e inata, quando hoje tudo é globalizado, itinerante e híbrido. Vale como publicidade e convite ao debate. De facto, não faltam na exposição do Guggenheim de Bilbau robôs ou arquitecturas e máquinas utópicas, há um avião de guerra e um automóvel pintado, reciclam-se imagens e objectos ocidentais contemporâneos, usa-se o vídeo e a pintura em tela, depois de se terem pintado paredes, tabuletas e sacos. Alguns artistas continuam ligados às suas comunidades periféricas, outros já nasceram em metrópoles caóticas como Kinshasa, mas quase todos têm frequentado, pelo menos as obras, as bienais que se sucedem em Dacar e Bamako, Havana, Joanesburgo, São Paulo, Veneza, Kassel, Istambul, Taipé, Sydney, Guangju, etc., muito pós-coloniais.
Os mais novos já têm duplas moradas, ou refúgios, na Holanda e na
Bélgica (Abu Bakarr Mansaray, n. 1970, da Serra Leoa, e Pascale
Marthine Tayou, 1967, Camarões), ou passam por residências artísticas
em França (Pathy Tshindele, 1976, Kinshasa), mas a selecção tem
preferência pelos autodidactas. A maior parte deles são ou começaram
por ser artistas populares, alguns são artistas ingénuos («naïves»),
marginais ou «outsiders», idiossincráticos fabricantes de «brinquedos»
ou primitivos modernos que continuam tradições de tipo artesanal e
fundo esotérico, introduzindo imagens ou suportes contemporâneos. Há
quem os considere mais próprios de museus etnográficos, quando se
entende a arte contemporânea como uma grelha de divisão e exclusão,
apesar de ter chegado ao fim a pretensão modernista de estabelecer
normas universais de valor. É vantajoso, aliás, manter em aberto essa
alternativa antropológica e explorar a ambiguidade das classificações.
É Romuald Hazoumé, 1962, Benim, com antepassados da cultura yoruba, escultor de modernas máscaras feitas de bidões de gasolina (e de veículos para os transportar), que inaugura agora o programa de artistas contemporâneos do Museu do Quai Branly, em Paris. Depois de duas mostras itinerantes que exploraram o filão africano extremando posições críticas - de um lado o «blockbuster» continental «Africa Remix» (Dusseldorf, Hayward/Londres, Centro Pompidou/Paris e Tóquio, 2005-06) e do outro «Looking Both Ways», apenas com artistas da diáspora (Museum for African Art, NY, 2003, com passagem pela Gulbenkian em 2005) -, o Guggenheim não podia fazer maior ou diferente. De facto, esta exposição, que ocupa sete vastas salas cenografadas por Ettore Sottsass e Marco Palmieri, é mais uma paragem no roteiro da Colecção de Arte Africana Contemporânea (CAAC) de Jean Pigozzi, que em 2005, com diferentes alinhamentos de artistas, se apresentou em Huston, no Mónaco, integrada numa mostra de seis mil anos de arte africana, e em Washington, no local prestigiado do Museu Nacional de Arte Africana, da Smithsonian Institution.
África comparece apenas com a parte sub-sariana e, apesar do dinamismo pós-apartheid, é só Esther Mahlangu (1935), a famosa pintora de murais decorativos abstractos de tradição ndebele, pioneira na transferência para a tela e outros suportes (no caso, um automóvel), que «representa» o grande país do Sul. Falta Angola e há só um moçambicano (Titos Mabota, 1963), apesar de haver agora paz e muita actividade artística em Maputo. Não se trata de um levantamento sistemático do continente, mas de algumas das escolhas de uma colecção singular que desde há 16 anos tem apostado na procura de artistas desconhecidos no Ocidente e na sua difusão internacional.
Há sempre quem lhe atribua uma «atitude colonial ou neocolonial, que projecta uma imagem muito exótica, voyeurista e neoprimitiva de África e dos africanos», mas o desafio é estimulante. Jean Pigozzi é um «playboy», fotógrafo, investidor e filantropo suíço de origem italiana que herdou a marca de automóveis Simca. Das várias colecções (de residências, barcos, arte, etc.), a africana é a que tem maior notoriedade, com base em Genebra e, diz-se, seis mil obras de uns 94 artistas. No site http://caacart.com são apresentados 34, não incluindo os mais recentes da colecção; em Washington - ver africa.si.edu/exhibits/pigozzi - estiveram 28, com nove que agora não se repetem em Bilbau, onde comparecem 25 de 15 países, deixando de fora alguns nomes de referência e surgindo inéditos e novas apostas.
A história começou com uma visita a «Magiciens de la Terre», no Centro Pompidou e La Vilette, em 1989, com que Jean-Hubert Martin veio encerrar uma década de desconstrução do modernismo com a proposta de uma visão multicultural da arte contemporânea, falando em «magia» para pôr em equação as diferentes estranhezas (formal, conceptual, cultural, cultual, etc.) da invenção artística. Apesar de muito criticada à direita e à esquerda, a sua repercussão não se extinguiu até agora.
caacart-artists ver os artistas da CAAC (mapa por países e apresentações individuais)
Pigozzi quis comprar as obras africanas e depois associou-se a André Magnin, um dos colaboradores de Martin, para prosseguir a prospecção no terreno - é ainda ele o comissário de «100% África». As peças do acervo têm circulado por múltiplas iniciativas, com destaque para as da Fundação Cartier de Paris. Por Portugal passaram obras de Cyprien Tokoudagba, do Daomé, em «Encontros Africanos», na Culturgest, 1995.
Vêm dos «Magiciens de la Terre» seis artistas muito conhecidos. Chéri Samba (n. 1956) surgiu de entre os pintores populares e de tabuletas de Kinshasa, destacando-se pelo uso de uma figuração realista de banda desenhada, com uma forte presença da auto-representação e do humor, um original realismo documental e uma imaginação formal requintada, onde está presente um sentido crítico e moralista que se sublinha em textos escritos nos quadros. Também de Kinshasa, Bodys Isek Kingelez (1948) constrói com papéis reciclados maquetes de grandes edifícios pós-modernos e cidades utópicas para um mais radioso futuro africano. Frédéric Bruly Bouabré (c. 1923), Abidjan, Costa do Marfim, ex-colaborador de missões etnográficas, faz em desenho e texto, a partir de uma revelação cósmica, infindáveis alfabetos de pictogramas para uma comunicação universal e inventários dos conhecimentos do mundo. Tal como Kingelez e o mais jovem P. T. Tayou, esteve na Documenta de 2002, do nigeriano Okwui Enwezor. Mais vinculados a culturas e ritos regionais são a já referida Esther Mahlangu, Efiaimbelo (c. 1925-2006), Madagascar, escultor de mastros funerários de carácter narrativos, e Seni Awa Camara (1945), Senegal, ceramista que lembra a moçambicana maconde Reinata Sadimba.
Cinco artistas mais jovens, já com circulação internacional, tinham-se cruzado na exposição «Partages d’Exotismes», organizada também por J.-H. Martin para a 4.ª Bienal de Lyon, em 2000. A actualização dos «Magiciens» sob um título também desafiador incluiu dois artistas de Porto Novo, Benim: o já citado Romuald Hazoumé e Calixte Dakpogan (1958), originário de uma família de ferreiros da cultura fon, autor de máscaras realizadas por «assemblage» de objectos, plásticos e metais, de uma grande elegância formal. Dois outros artistas vêm de Freetown, Serra Leoa: John Goba (1944), cujas esculturas figurativas de madeira eriçadas de picos de porco-espinho estariam ligadas a saberes iniciáticos, e Abu Bakarr Mansaray (1970), com desenhos de máquinas futuristas ou engrenagens biomórficas (os «cães do inferno»), que são por vezes construídas como objectos móveis. E ainda Pascale Marthine Tayou (um homem que adoptou nomes femininos), representado por vídeos livremente documentais, os «Snapshotafrica».
No total, dez dos artistas
presentes incluíram o panorama de «Africa Remix", dos veteranos
Bouabré, Samba e Kingelez aos novos Mansaray, Hazoumé e Tayou,
somando-se ainda os pintores Chéri Chérin (1955), também da «escola»
popular de Kinshasa; George Lilanga (1934-2005), pintor e escultor de
origem maconde, da Tanzânia, com uma figuração codificada, proliferante
e algo cómica; Richard Onyango (1960), do Quénia, que conta o 11 de
Setembro em quadros ingénuos, e Tito Mabota, de Maputo, autor de uma bicicleta e um avião-pássaro que trabalham bem a relação formal com múltiplos sentidos de leitura.
Titos Mabota, "Avião da Nova Era" (New Age Aircraft), 2004. (190x200x320 cm) Col. Jean Pigozzi
A mostra de Bilbau alarga ainda a representação dos pintores urbanos de Kinshasa a Moke (1950-2001) e Bodo (1953), mais distantes da pintura culta de Samba, e acrescenta-lhes Pathy Tshindele, um jovem pintor algo expressionista, com formação académica e trânsito europeu, do colectivo de Kinshasa Eza Possibles. De certo modo na linha de Kingelez, aparece também o «outsider» Rigobert Nimi (1965), um curioso construtor de brinquedos-máquinas robotizadas. É uma das mais recentes descobertas da colecção, tal como Demba Camara (1970), de Abidjan, Costa do Marfim, e origem guineense, escultor tradicional que expõe uma série recente de robôs sugeridos por uma encomenda de «fetiches contemporâneos». Entretanto, resulta dissonante na mostra a inclusão de cinco fotógrafos, por desacerto cronológico (anos 50/70) e porque são outras as condições de recepção do retrato de estúdio (Seydou Keita, «Paramount Photographers», de Lagos Nigéria) ou de rua (Depara e Malick Sibidé), bem como do inventário estético-etnográfico, no caso dos penteados registados pelo nigeriano J. D. ’Okhai Ojeikere. (Até 18 de Fevereiro)
#
ver: " Popular Painting " from Kinshasa (March 24 2007 to March 01 2008)
Tate Modern, London.
www.untoldlondon.org.uk : Recent Congolese Art At Tate Modern , By Siba Matti 22/05/2007
“Popular Painting” from Kinshasa, showcases a selection of paintings composed by five artists originating from Kinshasa, who are collectively known as the School of Popular Painting.
Founded by Chéri Samba in the mid 1970s, and later joined by fellow artists Bodo, Chéri Chérin, Cheik Ledy, and Moke, the School strives to use the canvas as a medium to reflect social change, focusing on personal experiences derived from their daily lives and culture.
informação da Tate Modern: "The display ‘Popular Painting’ from Kinshasa opens on 24 March at Tate Modern and will be located within the collection displays... It features eight paintings by a group of five artists from Kinshasa, Democratic Republic of Congo, collectively known as the ‘School of Popular Painting’.
In the mid 1970s the ‘School of Popular Painting’ was founded in Kinshasa by Chéri Samba (b.1956) who was joined by Moke (1950 – 2001), Chéri Chérin (b.1955), and Bodo (b.1953). Chéri Samba’s younger brother, Cheik Ledy (1962 – 1997), later became associated with the group. These five artists, three of whom continue to live and work in Kinshasa, are widely regarded as being among the leading contemporary African painters within sub-Saharan Africa.
The term ‘popular’ reflects the artists’ continuing interest in depicting themes and images that derive from popular culture and everyday life. Their work critically engages with the social and political situations of their local community, such as issues of international aid, conflict, sexuality, and cultural tourism. These are addressed using frank and symbolic imagery, seen for example in a large mural painting by Bodo called Monde en tourbillon! Où l’on va?, 2006. The experience of being an artist is also explored in several works including Untitled, 2001, by Moke, whose tongue-in-cheek painting depicts himself as the financially successful artist or dealer in the centre foreground.
Largely self-taught, the artists bring to painting expertise developed from a variety of backgrounds, from comic strip artistry as seen in the work of Chéri Samba, to billboard and sign painting. Their vibrant palettes and frequent inclusion of textual elements within the large canvases reflect these influences. While each artist has his own particular brand of reportage, all approach painting as a universal medium with the utopian potential to effect change. In some cases, political or social conflicts are portrayed as chaotic and all-consuming, and in others, personal impressions of these situations are treated ironically and satirically.
The paintings are seen in the context the ‘States of Flux’ suite on Level 5, which presents works by modern and contemporary artists who moved away from traditional picture-making towards a dynamic and forceful visual language to engage with modern life. The techniques of montage and appropriation as well as the critical engagement with politics and society run throughout the suite.
The paintings are on loan from the Contemporary African Art Collection (CAAC), Geneva, which was founded in 1989 by Jean Pigozzi and curated from the outset by André Magnin. It is the largest private collection of its kind and has helped many African artists to show their work in major institutions around the world. As part of Tate Modern’s commitment to showing international Modern and Contemporary art, including art from regions of the world beyond Europe and America, ‘Popular Painting’ from Kinshasa is the first collection display at Tate to present work by artists who were born in and continue to work in Africa.
This display ... It is curated by Sheena Wagstaff, Chief Curator, Tate Modern, with assistance from Cliff Lauson, Curatorial Assistant, Tate Modern, in collaboration with André Magnin, Curator, CAAC.
alò sou artista plastico sou de angola e tenho algo de maravilhoso para veren sobre artes plasticas propriamentes ditas en construçoes visitar http://miniaturasdetransportes9.spaces.live.com.
Posted by: serafim castro barbosa | 06/01/2008 at 16:44