O balanço de 1997 foi publicado no Expresso/Cartaz a 03/01/1998 e chamou-se
«Fim dos consensos», acompanhado pelas escolhas do ano.
O de 1996 chamou-se:
"As senhoras primeiro"
28Dez96
Usou-se recentemente um título — «Mónica, Sílvia, Sandra e Marta» — que serviria bem, com prolongamento ou mudança de nomes, para esboçar uma síntese do ano. Com ele se marcaria a importância de uma série de aparições femininas, que são emergência de novos nomes, revelação de percursos iniciados no estrangeiro, afirmações persistentes ou reorientação de carreiras até agora discretas.
Mónica Machado foi a surpresa do ano, com duas esculturas-assemblage, feitas de parceria com Giles Bensmana, que revelaram na Bienal da AIP, na Maia, uma obra com formação e desenvolvimento em Paris: máquinas excessivas, terrificantes, paródicas, que devassam e remontam «anatomias do desejo». Apadrinhou-a Carlos França, a par de Sílvia Hestnes Ferreira, outra surpresa vinda de Paris que também compareceu, com a mesma fragilidade material e emocional inscrita em objectos que experimentam circulações entre escultura e pintura, numa selecção proposta no CAM de artistas mais ou menos jovens mas todos eles pouco vistos.
O outro pólo da criação de 96 é Fátima Mendonça, cuja terceira individual se deve visitar na Arte Periférica, a confirmar um percurso de pintora onde a dimensão confessional (ou ficcionada?) é uma meditação sobre o feminino, a memória de infância, a intimidade e a afirmação pública.
Fátima Pinto, que abriu a presente temporada na Palmira Suso, é um caso de reorientação forte de um trabalho lentamente investigado, enquanto outros nomes como os de Paula Ruela, Sandra Quadros, Marta Seixas, Susanne Themlitz, talvez de Sara Maia, surgida numa colectiva escolar do Ar.Co, e de Graça Pereira Coutinho e Graça Morais, também se inscrevem nos eixos divergentes que marcam a autonomia de discursos pessoais, deliberadamente íntimos, distanciados dos estereótipos comunicacionais que se generalizam à superfície das regras escolares.
São, portanto, apenas de mulheres os nomes que vêm alterar o panorama herdado de anos anteriores, enquanto de segurança de itinerário ou de «boa forma» se deve falar a propósito de Rui Serra, exposto na Culturgest, José Loureiro (Gal. Alda Cortez e Módulo-Porto), Pedro Calapez (actualmente no Museu do Chiado) e René Bertholo (mostrado por Fernando Santos no Palácio Galveias), num alinhamento de idades de larga amplitude.
Gil Heitor Cortesão (Museu Botânico) e Thierry Simões (Assírio & Alvim), com percursos pouco assíduos, ficaram como encontros desafiadores, à espera de sequência e confirmação.
Entretanto, a coincidência das instalações de Rigo, madeirense de S. Francisco (Gal. Graça Fonseca), e Cristina Reis (no CAM), proporcionou uma curiosa reflexão sobre o cenário e a narratividade do espaço. «Évora à luz holandesa», no Museu de Évora, proporcionando o regresso de Maria Beatriz, foi um acontecimento cosmopolita, pouco visto por não cumprir as regras correntes do chamado sector de ponta. O mesmo que perdeu o norte nas 3ªas Jornadas do Porto.
Entre os acontecimentos institucionais do ano destacam-se a antologia de José Barrias produzida pelo CAM, a retrospectiva de Mário Eloy no Museu do Chiado, a revisão da carreira de Siza Vieira na sua apresentação pela Câmara de Matosinhos (não no CCB), sem esquecer a redescoberta de Franklim, escultor popular visto no Museu de Etnologia. A Colecção de Mário Soares (Chiado) foi um acontecimento mediático, útil por contrariar a tendência ao auto-isolamento do sector. Noutras áreas, de passagem ao espectáculo e à investigação, «A Magia da Imagem», apresentada pela Cinemateca ao CCB, e «O Voo do Arado», recém-inaugurado no Museu de Etnologia, foram acontecimentos de excepção num ano em que os museus regressaram à penúria do início da década.
Na escolha dos estrangeiros do ano, todos eles «clássicos», por acaso, ou não, figuram Rouault, na Gulbenkian, o grupo Cobra, mais os desenhos de Julio Gonzalez, Wesselmann e Nam June Paik, na que foi sem margem para dúvidas a melhor programação institucional, a da Culturgest, Tàpies no CCB, Torres-Garcia no Museu Vieira da Silva — sem Baldessari, por opção própria. Pelo mundo, houve Vermeer, em Haia, Balthus, em Madrid, Bacon, em Paris, Degas, em Londres, Picasso, em Nova Iorque, seguido por Jasper Johns. Universos máximos, cuja inacessiblildade autoriza as pequenas manobras que entretêm os poderes caseiros.
Ainda para memória do ano nacional, é indispensável registar a rotação de responsáveis no CCB, e em particular no Centro de Exposições («Cartaz» de 4/V), a saída de Simoneta Luz Afonso do IPM (EXPRESSO, 22/VI) e a nomeação de Vicente Todoli para a direcção artística de Serralves (18/V), onde se colocou a primeira pedra do futuro Museu sem se resolverem questões estruturais de financiamento e programa (7/XII).
Mais a divulgação em livro da Colecção Berardo (13/VII), com anúncio do Sintra-Museu e depósito do restante acervo no CCB. E a instalação do Instituto de Arte Contemporânea (entrevista com F. Calhau, 7/XII), num quadro em que se tem acentuado o descrédito das acções institucionais e que, em termos de mercado, conhece os efeitos de uma nova «geografia da arte», como se viu na feira de galerias do Porto (14/XII) e onde, em geral, se desenham novas dinâmicas regionais, de que o Museu de Badajoz (21/XII) é um exemplo e sintoma.
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