EXPRESSO/Cartaz de 31-12-98
Em 1999 não houve balanço do ano, mas um balanço da década (não participei - tinha feito já um para a revista Espacio Escrito).
Mas em 98 tinha publicado 2 balanços 2
"A velocidade dos objectos"
(Foto: Eduardo Batarda, «Doctor B», 1996/97, retrospectiva no CAM)
EM ANO de Expo, o panorama das exposições adaptou-se às festividades. Ficou a dever-se-lhe «À Prova de Água» e, via Frankfurt, um panorama da arquitectura portuguesa do séc. XX comissariado por Ana Tostões (também no CCB), que permanecerá como um exaustivo reexame da matéria dada. Para além do vasto programa de intervenções artísticas e monumentais no espaço público, prolongado nas novas estações do Metro – mas falta o espaço para questionar critérios e justificar destaques –, primou sobre a iniciativa própria a facilidade de acolher propostas externas.
Foi a ocasião de ver como a Espanha tem vindo a realizar uma inteligente revisão do seu passado moderno, reconsiderando valores próprios e trocas internacionais, revendo cartilhas redutoras e construindo sobre uma sólida investigação histórica universitária novos programas museológicos. A mais surpreendente das exposições do ano alojou-se no próprio Pavilhão de Espanha e mostrou sob o título «Os 98 Ibéricos e o Mar» toda a complexa vitalidade de uma anterior viragem de século que não se pode entender pelas convencionais disjunções entre tradição e vanguarda, academismo e inovação. Com Valeriano Bozal, reviram-se as diversas modernidades espanholas entre a crise nacional de 98 e a crise internacional do primeiro pós-guerra; depois, «De Picasso a Dali», no Museu do Chiado, comissariada por Juan Manuel Bonet, seguiu a cronologia e o mapa até ao estrangulamento franquista, mantendo uma idêntica atenção a obras exemplares de artistas esquecidos.
Entretanto, outras revisões históricas mostraram que as instituições centrais (quase) só têm projectos laterais. Foi no Centro Cultural da Gandarinha, em Cascais, que Picasso esteve de regresso com as últimas gravuras, a «Suite 156»; Miró, Calder e Giacometti, sucederam-se no Museu Arpad Szenes/Vieira da Silva, cumprindo, na pequena medida das suas possibilidades, uma tarefa essencial.
Também se viram, no CCB, as obras mais recentes de Louise Bourgeois e a carreira sobrevalorizada de Cindy Sherman. No Centro de Arte Moderna, Rui Sanches despediu-se com uma oportuna colectiva de resistência: «Direcção: Escultura».
Na Culturgest, este ano menos feliz na sua programação, «Anos 80» foi um projecto ambicioso, que teve em María de Corral uma comissária preguiçosa.
Quanto a Serralves, reconhecer-se-á a coerência teórica do programa e a estratégia de afirmação exterior (com Lygia Clark, Franz West, Thomas Schutte, Miroslav Balka, Ana Vieira, etc.), mesmo que se discorde dos pressupostos. Mais a Norte ainda, a Galeria Mário Sequeira destacou-se como um novo pólo do circuito expositivo.
Passando à produção nacional, a retrospectiva do ano foi a de Eduardo Batarda, no CAM. Sem ter sido um modelo de organização (Alexandre Melo foi o comissário), ficou comprovada para quem quisesse ver a intensidade e a inteligência de uma obra de primeiro plano, que, por isso mesmo, não é fácil nem popular e nunca vogou ao sabor do ar do tempo.
Outras mostras a incluir numa escolha pessoal, foram as de René Bertholo (Gal. Fernando Santos, Porto, e também em Cascais), Jorge Martins (Gal. Fernando Santos), Maria Beatriz (antologia na Casa da Cerca, Almada, e Gal. Palmira Suso); Manuel Botelho (Módulo, Porto e Lisboa), Graça Pereira Coutinho (Cesar Gal.), Ana Vidigal (111), Rui Chafes (Porta 33, no Funchal; Canvas e Restauração, no Porto), João Jacinto (Módulo's) e, já no final do ano, Pedro Casqueiro (Módulo, Lisboa) e João Cutileiro (Restauração). Independentemente das gerações e datas de «emergência», todos eles igualmente se consideram aqui artistas contemporâneos, plenamente dos «anos 90», participando as suas últimas obras no debate sobre os sentidos possíveis da criação artística de hoje, o qual se regerá por razões de qualidade dos objectos e não só por critérios de inovação, real ou suposta, de suportes, disciplinas ou comportamentos.
O mesmo sucede com outras obras de artistas mais novos ou de afirmação mais lenta, apresentadas ao longo do ano por Inês Teixeira e Fátima Pinto (Gal. Palmira Suso), Gil Heitor Cortesão (Restauração, Porto), Fátima Mendonça (Casa F. Pessoa e Arte Periférica), Rui Serra (Arte Periférica), Tatiana Medal e Maria Capelo (Módulo) e Nuno da Silva (ZDB). Por acaso (?) quase todos eles pintores e enfrentado isoladamente, na continuidade de uma longa tradição, o difícil desafio de uma afirmação original que só será uma invenção com futuro se souber medir-se com o passado. Afinal, é a uma situação de enorme vitalidade da pintura que se assiste nos dias de hoje. Enquanto movimentos colectivos, as chamadas «tendências mais recentes» deixaram de ter a legitimação teleológica a que noutros tempos podiam aspirar e raramente têm sido, até pelas condições de pobreza do meio, mais do que um efeito de rotação reactiva de tácticas, técnicas e consumos, que se desvanece sem deixar marcas. Em geral, são só brevemente usadas para afirmação de aspirantes a burocratas e sucessivamente devoradas por museus que ocultam com a descoberta de novidades amnésicas a falta de dinheiro e de quadros técnicos para cumprirem o seu papel.
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