EXPRESSO/Cartaz de 31-12-98
Balanço do ano II, 1998 - FOTOGRAFIA
"Máquinas de ver"
(Foto: José M. Rodrigues, Sem Título, exp. «O Prazer das Coisas», em Algés)
FOI o ano da publicação da primeira história da fotografia
portuguesa (ed. Porto Editora). Há muito aguardada, a história de
António Sena não podia apoiar-se na revisão sistemática da produção e
circulação das imagens fotográficas em Portugal, que está quase
inteiramente por fazer, mas estabelece, através da investigação das
fontes impressas e de um notável acervo de imagens de época, um quadro
geral que servirá de guia a estudiosos e amadores.
Não há histórias definitivas, mas esta será difinitivamente a primeira e é uma obra de referência incontornável.
«À Prova de Água», a exposição comissariada por Jorge Calado no âmbito do Festival dos 100 Dias, antecedendo a Expo'98 e apresentando o seu tema genérico, foi um projecto que não se julgaria possível concretizar em Portugal.
Para lá da vertente enciclopédica com que tratou a relação da fotografia com a água (logo, dos homens com a água), foi concebida também como um imenso panorama histórico e aproximação a alguns desconhecidos continentes da fotografia (Japão, Austrália e também América do Sul). A vinda a Lisboa de inúmeras provas de época, muitas vezes raríssimas, a selecção dos contemporâneos e uma concepção de montagem que cortou com os alinhamentos de provas e de formatos estereotipados poderiam ter consequências, se o meio não parecesse fechado às possibilidades de aprendizagem. Distribuído nos últimos dias do ano, o catálogo é um objecto com a importância da exposição que lhe deu origem.
Entretanto, outros acontecimentos do ano vieram comprovar a projecção exterior alcançada por dois fotógrafos portugueses que constroem «lá fora» as condições de trabalho que não encontrariam em Portugal. É o caso de Paulo Nozolino, que apresentou em Vevey, na Suiça, o projecto com que obtivera em 1995 o «grande prémio» do respectivo festival. Solo teve uma edição de difusão restrita, uma vez que se trata ainda de um trabalho em curso, mas é já uma impressionante viagem pelos pesadelos colectivos da Europa de hoje.
Augusto Alves da Silva terminou o ano como um dos cinco jovens finalistas do mais importante prémio inglês de fotografia, o Citibank Prize, a que se seguirá uma colectiva na Photographer's Gallery, mas a presença na «shortlist» assegura-lhe desde logo a maior projecção internacional. Além da exposição em Londres (Chisenhale Gallery) que justificou a indigitação, teve uma mostra no Museu Rainha Sofia, de Madrid, e uma edição e exposição em Salamanca (Pasaje).
No calendário nacional, continuou a destacar-se José M. Rodrigues, com uma individual em Algés e diversas outras participações e edições (já em Janeiro, a Culturgest dedicar-lhe-á uma retrospectiva); no Porto, expuseram Paulo Catrica e Olívia da Silva, dois novos nomes que se seguirão com interesse. Por outro lado, o espólio de originais de Mário Novaes foi o fulcro de uma revisitação da Exposição do Mundo Português, no programa «Caminho do Oriente». Mais escassas ainda foram as exposições estrangeiras: Martin Parr, o nome mais influente da actual fotografia inglesa, foi mostrado na galeria Palmira Suso; Ed van der Elsken, na Cadeia da Relação; Michael Kenna e Bernard Deschamps, pelos Encontros de Braga. Quanto a edições, refira-se a persistência da Assírio & Alvim (Valter Vinagre, Maria José Palla) e a excelência gráfica da revista «Colóquio-Letras», dirigida por Joana Varela.
O Arquivo Fotográfico de Lisboa, de responsabilidade municipal, onde expuseram, entre outros, Ricardo Rangel, José Henriques e Silva, Bruce Gilden e António Passaporte, mantém-se como um importante pólo institucional do sector.
Quanto ao Centro Português de Fotografia, o arranque da sua actividade significou principalmente a abertura de linhas de apoio regular a projectos fotográficos, sem se desvanecerem os piores receios sobre a sorte da(s) fotografia(s) nas enxovias da Cadeia da Relação e a ambição concentracionária do seu figurino legal.
A escolha de um fotógrafo, Jorge Molder, para representar Portugal na próxima Bienal de Veneza poderia incluir-se neste balanço. Acontece, porém, que tal selecção vem projectar a máxima evidência sobre o escândalo que é a acumulação de carreiras artísticas com lugares de gestão. O exemplo é dado pelo Governo, ao nível da própria presidência do Instituto de Arte Contemporânea, à revelia das regras de transparência e de incompatibilidade que vigoram na Administração e no Parlamento, mas é cada vez mais voz corrente (até, embora em voz baixa, entre outros responsáveis por instituições do sector) que o actual estado de coisas, para além de outras consequências obscuras, retira qualquer credibilidade à presença portuguesa no diálogo internacional.
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