"Nós do sistema"
Um museu prometido e outros ameaçados, institutos adormecidos e um mercado que especula em «revelações»
EXPRESSO/Actual de 30 Dezembro 2005
(Foto: Paulo Nozolino, «Crianças a Dormir, Mindelo, 2000», da exposição «Far Cry», em Serralves)
A história tem mais de dez anos e ainda há quem venha falar de ultimatos. Foi necessário que o governo francês apresentasse propostas firmes de instalação da Colecção Berardo em Paris, Toulouse ou Fontevraud (Loire) para que a Câmara de Lisboa, primeiro, e depois o primeiro-ministro cumprissem a sua obrigação: anunciar a decisão de lhe conceder um espaço apropriado e de negociar um protocolo que articule e garanta os interesses das duas partes. Mas, se as autoridades francesas avançaram logo com projectos de arquitectura e propostas jurídicas, está tudo muito nebuloso para os lados de Belém.
Das cerca de 350 obras em 1995, quando Cavaco Silva só queria saber
de Berardo a propósito de expedientes financeiros cuja irregularidade
não se provou em tribunal, até às 4000 que agora se referem, já correu
muita tinta, e mais ainda vai correr até que o enunciado de intenções
ganhe forma. Em Setembro de 1996, Edite Estrela fixou em Sintra a
primeira sede da colecção, com um acordo por dez anos, ao mesmo tempo
que o ministro Carrilho, enquanto prometia para muito em breve um novo
perfil institucional e cultural para o CCB (que nunca surgiu), firmava o protocolo que lhe abria a porta das reservas a troco da inclusão de obras na sua programação.
O
acordo de Sintra está à beira do termo, ou renovação, mas o cumprimento
das cláusulas financeiras tem sido atribulado. O CCB, afinal, ficou
entregue a si mesmo e a crise a que chegou já não pode mais ser
ignorada - é provável que o Museu Berardo venha a ser parte da solução,
com ou sem qualquer fundação inspirada no modelo de Serralves (mas a
história não se repete e os dados são totalmente diferentes).
Fala-se em Museu Nacional (?) de Arte Contemporânea a curto prazo
(ou será Museu de Arte Contemporânea - Colecção Berardo?), mas também
se refere a distribuição e itinerância da colecção entre Sintra, CCB e
instituições internacionais (francesas?), deixando um definitivo museu
para 2009/10, a erguer em espaço próximo. O assunto chegou à praça
pública com deselegâncias ou inabilidades várias e sem contornos
definidos - e os interlocutores, apesar da mediação de Alexandre Melo,
colaborador das duas partes, não primam pela clareza.
Espera-se que não
se pense cortar a colecção às fatias ou em separar um núcleo moderno e
outro dito contemporâneo (opção fatal que MoMA, Tate, Pompidou ou
Ludwig não arriscaram), e que, em vez de seguir o modelo instável das
galerias que se esvaziam ao sabor dos gostos de comissários criativos,
se imponha uma concepção solidamente museológica, garantindo a
visibilidade de um acervo basicamente permanente, selectivo e de
crescente solidez.
Há, neste caso, uma colecção que é a razão de ser do
museu - e o espaço físico escolhido vai ter de servi-la.
Entretanto, todo o mundo dos museus é um pântano de dúvidas. Se o
projecto de ampliação do do Chiado (duas vezes prometida por governos)
está suspenso ou anulado, que sentido tem voltar a usar o antigo nome
(MNAC) e que orientação vai ser dada à casa?
O «Centro de Artes» de
Serralves, que é um pólo turístico de sucesso garantido, está a pensar
instalar em Matosinhos e/ou em Lisboa partes do Museu que ainda não
foi?
Como se resolverá a crise da Fundação Arpad Szenes - Vieira da
Silva, precipitada pela perda do apoio mecenático do BCP e a retirada
de obras em depósito que tinham lugar destacado no itinerário do museu?
E, para os lados da Gulbenkian, onde as artes recentes têm vivido anos
cinzentos, o que vai resultar das celebrações do meio centenário,
quando parece não se pretender fazer melhor mas sim diferente (um
Super-Acarte?), com o risco de se desbaratar o papel singular que a
colecção do CAM foi tendo?
O ano ficou marcado pela paragem forçada do Instituto das Artes, sem
que daí viesse mal apreciável, mas também sem se ser capaz de produzir
um discurso político que ultrapasse a conjuntura com o enunciado de
alterações estratégicas e novas responsabilidades, ao contrário do que
vai sucedendo em áreas menos culturais.
A agitação nervosa do mercado
passou pela criação de mais galerias e de novas instalações de outras,
mal sustentada por um coleccionismo que se aplica em apostas
especulativas sobre artistas «emergentes», depressa substituídos por
outras vagas de efémeras revelações, usadas e deitadas fora quando
deixam de sustentar miragens de globalização.
A concorrência entre marcas dirigida para a premiação de jovens, cada vez mais escolares, cola-se às tutelas institucionais e ambas não fazem mais do que amplificar a tendência do mercado para «investir» a preços baixos. Foram sempre poucos os escolhidos, mas a crescente urgência autodevoradora do sistema, filtrada por museus-laboratório e pelo ritmo das feiras, é pouco propícia à maturação de carreiras e à credibilidade da circulação artística. Mas há sempre margens menos notadas, por fora das unanimidades do «star system».
P.S. - Na lista dos «melhores», para a qual não se consideraram arquitectura, ciência e artes decorativas ou antigas, a aritmética ignorou dois acontecimentos maiores: a retrospectiva de João Vaz, que recuperou as austeras qualidades de observação de «Um Pintor do Naturalismo» (1859-1931), na Casa-Museu Dr. Anastácio Gonçalves, e os «Olhares Estrangeiros» e estrangeirados nas fotografias da Colecção CGD, escolhidos por Jorge Calado e apresentados pela Culturgest no espaço Chiado 8 da Fidelidade-Mundial até 31 de Janeiro.
Os 10 mais (lista aritmética, por ordem alfabética)
Aaron Siskind - LisboaPhoto/Museu Nacional de Arte Antiga
Fátima Mendonça - Culturgest
Filipa César - Gal. Cristina Gerra e Museu de Serralves
Helmar Lerski - LisboaPhoto/Culturgest
Inês Botelho - ZDB e Gal. Filomena Soares
Maria Beatriz - Gal. Palmira Suso
Paulo Nozolino - Museu de Serralves
Rebecca Horn - Centro Cultural de Belém
Xana - Culturgest
William - Kentridge Museu do Chiado
Escolhas de Alexandre Pomar, Ana Ruivo e Celso Martins
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