EXPRESSO/Actual de 10-02-2007
Edgar Martins chegou depressa a Nova Iorque e à capa da «Aperture»
Não é pequena coisa ocupar a capa da «Aperture», que continua a ser a mais importante revista de fotografia. Aconteceu a Edgar Martins na última edição de 2006 (n.º 184), com a imagem da série «The Accidental Theorist» que no «Actual» de 20-05-2006 ilustrara o artigo de Ana Ruivo sobre uma exposição na Galeria Graça Brandão no Porto (depois escolheu-a entre as dez melhores do ano). Essa fotografia faz parte de um conjunto de «visões» de praias nocturnas a que já chamaram surrealistas, embora a abordagem do mundo se faça com o mais exacto e calculado rigor, o que levou outros a falar de fotografia directa («straight») na tradição de Edward Weston.
O largo rectângulo horizontal (a câmara é sempre de grande formato)
divide-se um pouco abaixo da metade entre um céu negro de veludo e o
areal branco e vazio, com a linha recta do horizonte interrompida,
ligeiramente à esquerda, ao longe, por uma mulher que transporta balões
de cor (a sua sombra projectada na areia torna-a ainda mais
misteriosa). Outras fotos da série e, em geral, o trabalho do autor
podem ver-se nos «sites» do seu agente (www.swervephotography.com) e da
editora (www.themothhouse.com) que criou em 2002, em Bredford, onde
reside.
A «Aperture» foi só mais uma etapa numa carreira tão fulgurante como
discreta, a mais veloz de entre os jovens fotógrafos portugueses, se
ainda tiver sentido associá-lo a uma nacionalidade - mas grande parte
das suas fotografias tem sido realizada em Portugal: as praias, os
incêndios florestais (com presença em «INGenuidades»), agora os
aeroportos.
Edgar Martins nasceu em Évora em 1977, cresceu em Macau e
foi aos 19 anos para Inglaterra; estudou filosofia, formou-se na London
School of Printing (de onde também veio Augusto Alves da Silva) e
graduou-se no Royal College of Art. Tem um impressionante percurso de
bolsas (Fundações Oriente e Gulbenkian, Centro Português de Fotografia,
etc.) e de prémios (além de ter sido nomeado ou finalista em diversos
outros), portfolios em revistas (dois na britânica «Portfolio»),
sucessivas exposições desde 1999, em Macau (a primeira levada a Nova
Iorque encerrou em Janeiro, com boa recepção na imprensa), vários
livros publicados (entre eles, Black Holes and Other Inconsistencies,
2002, The Diminishing Present, 2006) e outros anunciados.
Aproximações, o livro e a série, é um trabalho de encomenda, cumprido
nos sete aeroportos da Ana (três do continente e quatro dos Açores), em
vésperas de privatização da empresa, mas é muito mais do que um
exercício de estilo. A inquietação das imagens com que costuma explorar
incertezas da percepção do espaço e os intervalos ou acidentes da
paisagem, fazendo vacilar as possibilidades de reconhecimento e
identificação do mundo, como um director de cena ou de cinema, não
seria adequada para abordar um tema associado ao transporte aéreo, onde
se exigem mostras de eficácia e segurança. Não se trata aqui de criar
espaços de ambiguidade ou mistério, mas de fazer da representação de
lugares de passagem imagens que são ao mesmo tempo poderosas e banais,
de um paradoxal sublime de proximidade.
Entre duas vistas sobre o mar das Flores, a viagem faz-se por
plataformas de estacionamento vazias, luzes de sinalização e
aproximações à pista, salas de espera, áridos interiores
arquitectónicos, perspectivas exteriores elevadas, treinos dos
bombeiros, (quase) sempre sem pessoas nem aviões. Com a preferência
pela noite e o silêncio, a luz artificial disponível, horizontes baixos
e planos, olhares frontais, linhas paralelas e as simetrias de um mundo
ordenado por desconhecidas razões, apenas interrompido pelas
caligrafias desenhadas no asfalto ou uma mulher de vestido vermelho que
espera o táxi na madrugada.
"Aproximações", Galeria Graça Brandão
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