No meu Atelier, 1984, Museu Grão Vasco, Viseu
“Vida moderna e pintura antiga”
(e as brevíssimas relações internacionais de Columbano)
- Versão alargada da prosa publicada no EXPRESSO/Actual de 31/03/2007 - há actualizações sobre a exp. a 17 de Abril -3- (o catálogo) e a 15 de Maio -4- / e tinha-se feito já uma apresentação "cega" da exposição (1 - antevisão) aqui tb com data de 29 de Março
O melhor conhecimento recente da obra de Amadeo de Souza-Cardoso, a partir das relações com Modigliani e Brancusi ou da sua projecção norte-americana, beneficiou da investigação estrangeira que veio contrariar o pouco gosto nacional pelo estudo de fontes directas. O mesmo poderia acontecer com Columbano, se a sua produção não tivesse uma dimensão apenas nacional. Em alternativa, é importante ir observando as obras de estrangeiros que foram seus contemporâneos e acompanhar as novas abordagens de pintores famosos na viragem dos séculos XIX-XX que a crónica das vanguardas relegou para uma sombra a ser paulatinamente revista. Algumas recentes exposições espanholas foram abrindo pistas ou pondo em causa anteriores certezas.
É o caso de John Singer Sargent (1856-1925), norte-americano nascido em Florença e talvez o artista mais cosmopolita do seu tempo. Columbano nasceu no mesmo ano e ambos passaram pelo atelier de Carolus-Duran, em Paris. Diferença importante é que Sargent aí ingressou em 1874 (o ano da primeira exposição dos “independentes” ou impressionistas), com apenas 18 anos, tornando-se depressa um dos discípulos mais próximos – expôs o retrato do mestre no Salon de 1879, onde já tivera êxito no ano anterior. Columbano apresentou-se no atelier de Carolus-Duran em 1881 com uma credencial de D. Fernando, mas não o terá chegado a frequentar regularmente. Isso não o impediu de se intitular seu discípulo ao enviar para o Salon de 1882 o Concerto de Amadores, enquanto Sargent expunha El Jaleo. A relação entre as duas telas é muito curiosa.
John Singer Sargent (1856-1925), El Jaleo, 1882 (237 x 352 cm), in Isabella Stewart Gardner Museum, Boston
Valerá a pena, entretanto, conhecer melhor esse mestre
(Charles-Émile-August Durand, 1837-1917), retratista da moda em cujo
atelier, aberto em 1872, se estudava de modo muito diferente do que era
o ensino dos académicos Jean-Léon Gérôme e Alexandre Cabanel. As
histórias centradas na exclusiva direcção
impressionismo/pos-impressionismo (que treslêem Manet, Degas e Cézanne
à procura da “pintura pura”), ignoram-no ou apresentam-no como um
adversário, logo desde que La Femme au Gant lhe assegurou notoriedade
no Salon em 1869, mas trata-se de uma amálgama que antecipa posteriores
responsabilidades e em especial a oposição aos fauves em 1904.
Quando Columbano o conhece, Carolus-Duran era amigo de Manet e
partilhava a admiração pelo realismo de Velazquez, o que era então
marca progressista, adversa aos modelos “pompier”. Era “um professor de
talento que defendia o método de pintar de maneira espontânea”, “em
consonância com as tendências dos críticos e artistas modernistas”
(modernizadores), diz Elaine Kilmurray no catálogo da magnífica
exposição “Sargent/Sorolla” que o Museu Thyssen apresentou e está agora
no Petit Palais de Paris.
Sargent também foi um retratista mundano, e um grande pintor sem ser um
artista de vanguarda. Há poucos dados seguros sobre o relacionamento
entre ambos (a investigação está por fazer), mas Pedro Lapa, no
catálogo ainda a publicar em Abril, diz que “do atelier de
Carolus-Duran, Columbano guardaria a amizade e a admiração de John
Singer Sargent”. A proximidade entre o Concerto de Amadores e El Jaleo
- que tem uma presença fortíssima no Claustro Espanhol do Isabella
Stewart Gardner Museum, de Boston (um pequeno museu antigo
extraordinário, onde passámos 7 horas, lembrou a Luísa) - fora notada
por Margarida Moura Elias, em A Recepção Crítica de Columbano,
1857-1987, dissertação apresentada na Uiversidade Nova em 2002. Pedro
Lapa refere-o na ficha da obra inserida no catálogo, ao fazer a
seguinte suposição: “Creio que o desenvolvimento deste motivo [o
vestido de baile] pode mesmo muito bem constituir uma glosa de comum
acordo realizada a partir de fontes holandesas observadas, admiradas e
estudadas por ambos no Louvre“.
As semelhanças entre as obras que os dois pintores enviaram ao Salon de
1882 não são acidentais, a começar pela igual ambição associada ao
grande formato (237 x 352 cm e 220 x 300, para o português), e não será
irrelevante que o quadro do americano tenha obtido grande êxito e fosse
mesmo o mais comentado esse ano, enquanto Columbano passava
despercebido. O exercício esforçado do claro-escuro e mais
concretamente a pose de perfil da figura feminina e as pregas do
vestido têm óbvios paralelismos (com oposição da sensualidade dos
braços nus ao recato rígido do braço enluvado), mas também se aproximam
o que então se censurava como factura inacabada e aparência de esboço
ampliado. No ano em que Manet expôs no Salon Un Bar aux Folies Bergère,
os outros dois envios, a bailarina cigana e o concerto doméstico, eram
também “temerários”, apesar dos vínculos com a pintura antiga. Ao
contrário do que em geral se julga, a história do que se viu no Salon não é
irrelevante.
Reproduzido no catálogo mas não exposto (é de lamentar a opção
minimalista da mostra do Museu do Chiado, quanto ao número de obras
reunido), o Retrato de Joaquim Lourenço Lopes, embaixador na Austrália
de passagem por Paris (92 x 57 cm, col. particular - ver nota de 17 de Abril, nº 3), parece ser a mais
moderna obra das obras aí pintadas por Columbano, próxima de um Manet mais
“espontâneo”. Com a sua factura rápida, fotográfica e clara,
estabeleceria um contraste muito elucidativo com o Retrato de Mariano
Pina, do mesmo ano de 1883, mas esse pintado para o Salon (o contraste
seria eloquente se fossem mostrados juntos). Apesar do formato oval, este último tem uma curiosa
coincidência com o quase perfil do Auto-retrato do catalão Ramon Casas
(1866-1932), pintado e aceite no mesmo ano.
Esse é outro aluno de
Carolus-Duran, chegado também em 1881, mas com 16 anos, e com um
brilhantíssimo percurso.
Columbano não gostou de Paris (1881-83) e não voltou a viajar até 1889.
Não apreciava a vida moderna que se representava na nova pintura, em
grande medida sustentatada no estudo dos espanhóis e holandeses dos
museus, e não só no culto das “impressões” diante da paisagem. Entre
1880 (O Sarau, Convite à Valsa, Encantadora Prima) e 1885 (A Senhora do
Lorgnon, Trecho Difícil) há um olhar irónico, quase caricatural, que
compõe um vivo retrato privado da vida burguesa, e mesmo a evocação
camoniana (Nos Ombros de um Tritão... Vai Dione, Lisboa, 1881, ou Paris, 1883?) tem uma graça (algo pesada, talvez a lembrar
os desafios do primeiro Cézanne) que a seguir desaparece por completo.
Os pequeníssimos formatos autorizam a linguagem esbocetada, de crónica
moderna, com a frescura que se encontra também nos retratos e
auto-retratos claros desses mesmos anos (Um Pintor, António Ramalho,
Bulhão Pato, No meu Atelier, Auto-retrato, D. José Pessanha).
A seguir invade-o a auto-comiseração, uma melancolia ensimesmada. Das
Caldas, escreve em 1886 a Francisco Vilaça:
“Cada vez me concentro mais e me vou pouco a pouco entristecendo (…) neste torrão abençoado onde triunfa a imbecilidade, a vulgaridade e a asneira (…) Trabalho todos os dias e assim me distraio. Já não mostro o que faço a ninguém. Guardo tudo no meu quarto bem fechado e só à noite quando vou para me deitar é que recolho o que fiz durante o dia e sozinho, em silêncio, faço então exposição para mim dos meus trabalhos e assim passo bons bocados a admirá-los. Hei-de acabar, creio, por ser o único admirador da minha obra…” (a citação é do catálogo e publica-se discretamente na pág. 144, na nota de Maria de Aires Silveira respeitante a No Pátio 1885, infelizmente tb não exposto. Parece ser um texto e um momento decisivos na carreira de C. mas os organizadores ocultam-no, talvez para evitar o "biografismo". Gostaria de saber se é inédita ou se já viria na monografia do Diogo de Macedo ou noutro local.)
Alguns estudos de ar livre realizados em 1885 nas Caldas, que o catálogo reproduz (O Pátio) ou só refere (Na Arribana, Arredores de Lisboa, Nas Hortas), poderiam ilustrar as hesitações e os esforços paisagísticos do pintor, mas a antologia deixa o visitante sem informação bastante, numa escolha que desiste de ser exploratória. Por essa altura se dará a ruptura com as promessas dos breves anos anteriores e a aceitação de um sombrio destino nacional identificado com os seus retratos de fantasmas – vem aí o suicidário Antero, mas a galeria alegadamente de intenção simbolista é de um pungente desacerto. E também se segue a prática sem prazer da pintura decorativa e histórica, na qualidade de pintor oficial de uma efémera e leviana República.
Museu do Chiado:
COLUMBANO BORDALO PINHEIRO 1874 - 1900
16 Fevereiro – 27 Maio 2007
Recomendam-se:
MANET EN EL PRADO, 2003, Museo Nacional del Prado, Madrid
SARGENT/SOROLLA, 2006, Museo Thyssen-Bornemisza, Madrid (2007, Petit Palais, Paris)
RAMON CASAS, El pintor del modernismo, 2001, Museu Nacional d'Art de Catalunya, Barcelona (Fundación Mapfre Vida, Madrid)
Dominique Lobstein, LES SALONS AU XIXe SIÈCLE / Paris, Capital des Arts, Ed. de La Martinière, 2006, Paris
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