"Um pintor moderno"
Expresso/Actual de 17-02-2007, antes de a exposição se poder visitar
Novas possibilidades de abordagem dos primeiros tempos da carreira de Columbano, um artista a par do seu tempo. No Museu do Chiado, Columbano Bordalo Pinheiro nos 150 anos do nascimento
Quando, na quinta-feira, se inaugurou a exposição que celebra os 150 anos do nascimento de Columbano (1857- 1929), abria também no Petit Palais de Paris, ida do Museu Thyssen de Madrid, uma mostra que associa dois pintores seus exactos contemporâneos: John Singer Sargent (1856-1925), norte-americano de largo trânsito europeu, e o espanhol Joaquín Sorolla (1863-1923). A coincidência confirma o interesse pela reapreciação de artistas de grande notoriedade na viragem dos séculos XIX-XX depois remetidos a lugares apenas nacionais por uma história da arte demasiado francesa e sintetizada pela lógica do evolucionismo vanguardista. À carreira desses dois «pintores da luz» que conheceram em vida grande êxito internacional corresponde o mais soturno destino do português, pintor de sombras e espectros.
"Retrato de Manuel Gustavo Bordalo Pinheiro", 1884?, 46 x 38 cm, Museu do Chiado
Pedro Lapa, comissário desta retrospectiva, considera que para aprofundar o entendimento da obra seria importante vê-la em paralelo com a de Sargent - este também foi admirador de Frans Hals e Velázquez, teve igualmente o retrato como género favorito e foi discípulo reconhecido de Carolus-Duran (com quem estudou desde 1874 e que retratou em 1877). Columbano reivindicou o mesmo mestre quando enviou Concerto de Amadores/Soirée Chez Lui ao Salon de 1882, mas a relação com o académico francês, em cujo atelier se apresentara como bolseiro no ano anterior, é menos próxima e também menos conhecida.
Para além do interesse pelo estudo dos quadros do Louvre, e em particular dos holandeses e espanhóis do século XVII, numa orientação muito voltada para a grande tradição da pintura, Columbano manteve uma forte relação com a modernidade do seu tempo e terá admirado especialmente Sargent e Boldini. Pedro Lapa aponta aproximações a obras destes artistas nos casos dos retratos do actor João Rosa e da viscondessa de Sacavém, respectivamente.
A par desta vertente com intenção moderna e índole mais mundana, que a exposição apresenta no núcleo intitulado «Ao Correr do Tempo», surge sob a designação «Um Inventário dos Espíritos» aquilo que Lapa propõe que se interprete como uma aproximação ao simbolismo, através duma galeria de retratos pintados nos anos 1891-93, com um sentido específico e uma unidade que se manifesta também pela padronização das dimensões (cerca de 64x54 cm) e a igualdade das molduras. Nessa série que pretenderia constituir «um retrato global do pensamento português» incluem-se Guerra Junqueiro, Fialho de Almeida, João da Câmara, Silva Pinto, Oliveira Martins e Jaime Batalha Reis, entre outros.(*)
Restrita à abordagem das obras anteriores a 1900 (a segunda parte fica anunciada para o centenário da República), a mostra organiza-se em oito núcleos, num total de 68 pinturas e 20 desenhos, da colecção do Museu e de outras proveniências, partindo do tempo de «Formação» para chegar às secções finais «Pintura de História» e «Desenhar para a Pintura». De passagem, os núcleos «Pintor da Vida Pequeno-burguesa«, «Paris» e «A Pintura Moderna» reúnem as obras do jovem e muito promissor artista: um olhar irónico sobre o quotidiano que viria a desaparecer sob o peso da melancolia, a pintura clara e com gosto pela matéria cromática, o distanciado convívio com a geração naturalista retratada no Grupo do Leão.
Columbano Bordalo Pinheiro 1874-1900
Museu do Chiado, até 27 de Maio
** A fúnebre galeria de retratos da "inteligência" dos anos 1890 que se pretende associar ao simbolismo começa por ser o testemunho de uma involução pictural que não se pode justificar só por qualquer propósito de interpretação do pensamento português do tempo. É certamente errada esta identificação simbolista de retratos que seriam talvez de espíritos pesadélicos ou mortos vivos se não fossem de contemporâneos e próximos do pintor, em versão de uma qualquer sacristia provincial (algum cadeiral maçónico?). São maus retratos, untuosos ou encerados, e basta. Nada disto pode ter a ver com os Velazquez e Goyas vistos em Madrid em 1889, e é também desacertado exagero pretender que Paris se encontrava "então dominada pelo simbolismo".
A ideia podia conferir originalidade interpretativa à mostra, como se supôs, mas não tem qualidade pintada para se sustentar.
30/03/2007
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