in EXPRESSO/Actual de 24/03/2007
Artistas de Angola, de Moçambique e de Portugal reunidos numa exposição que põe em contacto diferentes experiências e contextos artísticos
Foto: Pedro Valdez Cardoso, «Livro dos Actos», 2006
Passa-se uma cortina de folhetos publicitários (intervenção de Gustavo Sumpta), que separa o mundo dos consumos populares do espaço fechado das intenções artísticas. Ou, pelo contrário, essa cortina de anúncios baratos associa a promoção de um evento cultural, a concorrência entre as obras, a realidade do mercado de arte à mais banal competição entre produtos e marcas. Não importa demorar nessa enésima referência às caixas Brillo, na entrada da Cordoaria, porque há logo outra referência histórica mais poderosa, essa desenvolvida com invenção conceptual e surpresa de processos. Numa exposição que reúne em Lisboa artistas nacionais e outros vindos de Luanda e Maputo, é oportuno evocar com inteligência as ambições e derrotas coloniais e é isso que faz o Livro de Actos de Pedro Valdez Cardoso, já apresentado no ano passado no castelo de Sines (o mesmo artista tem uma obra importante na colectiva que trouxe brasileiros e espanhóis ao Museu da Cidade e assina agora outro episódio do «Voyeur Project»).
Revestidos de folha de alumínio e fita prateada, os estandartes, troféus, insígnias e armas dum exército de fantasmas brilham como adereços de ópera - vistos de perto, descobrem-se objectos comuns e lixo reciclado sob a ilusão espelhada da prata.
Estão perto as obras pobres vindas do Maputo, de Marcos Muthewuye e Gemuce. Do primeiro, a máscara feita de latas de cerveja e um escudo-antena com pele de animal (Sincronia da Tradição) que relacionam usos modernos e continuidades culturais, interrogando-as enquanto identidade ou estereótipo. Do segundo, a vídeo-instalação onde em dois ecrãs se dá a volta de autocarro pela periferia da cidade, sentando-se o espectador-turista ao lado duma mulher do povo, de pé com as suas capulanas (é a Globalização na Faixa de Rodagem).Os três angolanos (Sumpta, Osvaldo da Fonseca e Tiago Borges) são artistas da diáspora, os dois primeiros formados em Inglaterra, e só o segundo faz referência ao imaginário, real ou suposto, do lugar de origem (outras máscaras).
Os artistas do Maputo trabalham sobre e com realidades locais, o que não significa perseguir qualquer pureza autóctone: são o quotidiano popular e o actual artesanato urbano que referem ou integram nas suas obras. Raízes arcaicas e novos trânsitos globais já não se distinguem: têm formação em Havana e em Paris/Ucrânia os dois já referidos, e no Brasil o escultor Jorge Dias, que organizou o grupo e acrescenta novos elementos a obras que já mostrara em Portugal (em especial, Aperfeiçoamento Sistemático).
Anésia Manjate e Tembo Dança prolongam o grupo. Se são as presenças exteriores que justificam o projecto e despertam maior curiosidade, há que assinalar também a participação original de Pascal Ferreira, com quatro construções que começam por ser metamorfoses arquitectónicas de cadeiras e se reinstalam como estações ou «estágios» de um percurso único. E ainda o impacto da parede final do piso superior onde se dispõem as pinturas de Ana Cardoso, João Jacinto e Manuel Gantes.Associando nomes bem conhecidos e outros discretos ou recentes, a exposição continua na componente portuguesa com os desenhos de Jorge Feijão, as pinturas de Inez Teixeira, João Fonte Santa e Rosa Carvalho, as esculturas de Rui Chafes e Miguel Branco, os vídeos de Luís Alegre e José Maças de Carvalho. Organizada com o patrocínio da Alcatel pelo coleccionador e galerista Vítor Pinto da Fonseca, a iniciativa amplia a escala de intervenção dos projectos colectivos dinamizados no espaço Plataforma Revolver. Sem se prender aos ideários da lusofonia, assegura contactos e trânsitos, proporciona encontros, reúne e põe em equação a diversidade de ambições e a diferença dos objectos. Esse pluralismo é positivo.
«Lisboa - Luanda - Maputo»
Cordoaria Nacional, de 16 de Março a 24 de Abril
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