A exposição «Documentary & Anti-grafic» juntou em 1935, na Galeria Julien Levy de NY, as fotografias de HCB, Alvaraz Bravo e Walker Evans. Foi reconstituída em 2004 na Fundação Cartier-Bresson
"Os fotógrafos do real"
Um catálogo publicado 70 anos depois.
EXPRESSO/Actual de 2 Abril 2005
A reunião de (ou dos) três nomes maiores da fotografia do século XX - Cartier-Bresson, Alvarez Bravo e Walker Evans - numa exposição realizada de 23 de Abril a 7 de Maio de 1935 na Galeria Julien Levy de Nova Iorque era um dado conhecido das suas biografias e também da de um galerista que salvou e levou para a América o espólio de Eugène Atget e que teve um papel de relevo na apresentação dos surrealistas. Mas esse registo pouco mais podia ser do que uma data inscrita em extensas cronologias e um motivo de curiosidade. Como foi possível associar os três fotógrafos, então nos primeiros anos de carreira? O que teria significado essa exposição?
O aparecimento de um insólito anúncio-convite nos arquivos de Cartier-Bresson quando se começou a organizar a fundação com o seu nome deu origem a uma longa investigação, que culminou com a respectiva reconstituição, o mais possível aproximada, e com a edição de um catálogo. A exposição, com provas de época do espólio de HCB ou cedidas pelos grandes museus americanos, abriu em 2004 na Fundação Cartier-Bresson e passou para o Museu de l’Elysée, em Lausanne, onde encerra no dia 10. O livro chegou agora às livrarias, numa edição bilingue, francês-inglês, da Steidl (192 págs., 30€). Embora as imagens tenham sido muitas vezes reproduzidas, é uma das mais importantes publicações fotográficas recentes.
Dois textos iniciais de Agnès Sire (directora da fundação e comissária da exposição), em colaboração com a investigadora Tamara Corm, e de Daniel Girardin (conservador do Museu do Eliseu) fazem a história da mostra de 1935 e das pesquisas que conduziram à reconstituição. Depois, o historiador Ian Jeffrey e Michel Tournier escrevem sobre Manuel Alvarez Bravo (1902-2002); Peter Galassi, conservador-chefe do departamento de fotografia do MoMA, ocupa-se de Cartier-Bresson (1908-2004); e Jeff L. Rosenheim, conservador do Metropolitan, de Walker Evans (1903-1975). Não são meros textos de circunstância, mas excelentes sínteses que interpretam as obras de um modo não anacrónico, isto é, sem as subordinar ao que sabemos das carreiras futuras.
Sobre os nomes dos três autores a formarem dois olhos surgia no convite de 35 a indicação «Documentary and Anti-grafic», a qualificar as fotografias expostas. O título é inesperado e traduz a plena consciência por parte do galerista de que elas não se inseriam nas regras e nos gostos então vigentes nos meios da arte fotográfica. Julian Levy abrira a galeria em 1931, seguindo as pisadas de Stieglitz; nesse mesmo ano, expôs Atget e Nadar, a par de uma colectiva intitulada «Surrealismo»; em 1932, apresentou Walker Evans; e no ano seguinte HCB, designando já as suas obras como «fotografia anti-gráfica». Num texto que assinou com pseudónimo, defendia cautelosamente a diferença da sua fotografia «rude e crua» face à elegância formal dos três famosos «S» (Stieglitz, Strand, Sheeler).
A exposição de 35 foi um momento fundador, que afirmou a reacção comum à fotografia artística da tradição modernista norte-americana e do vanguardismo europeu, abrindo os novos caminho da «fotografia do real». Uma via imensa e de longo futuro, feita da diversidade de todos os grandes olhares, que na sequência da II Guerra Mundial, como sublinha Agnès Sire, viria a ser em grande parte absorvida pelo fotojornalismo.
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