O Expresso/Actual de hoje reabre a polémica ou regista o enterro do Museu de Arte Popular (MAP), em Belém. Ainda haverá tempo para travar o desastre?
Foto Mário Novais, 1940. O Pavilhão das Artes e Indústrias e Espelho de Água. Secção da Vida Popular. Exposição do Mundo Português.
A caricatura cultural do voluntarismo político de Sócrates agarrou-se a (pelo menos) duas batalhas erradas, e não houve quem a demovesse. Aliás, não ouvir - em especial os responsáveis dos departamentos que dirige e/ou os especialistas das várias áreas - é uma das marcas. O MAP a extinguir para instalar no seu lugar um suposto Museu Mar da Língua Portuguesa é uma das proezas; a outra é o franshising do Ermitage - como se não houvesse um estado comatoso nos museus nacionais a necessitar de soluções, e não do desvio de meios para as novidades do mandato. Há quem lhe junte um outro alegado desvario, mas só por efeito da incapacidade para justificar as políticas: a instalação do Museu Berardo no CCB será a possível solução para um navio à deriva e também a única e última hipótese de haver em Portugal um museu da arte do séc. XX (e XXI). O folhetim foi lamentável, o processo foi mal conduzido, mas fez-se o que tinha de ser feito.
A ideia de um museu da língua não é absurda, e o caso brasileiro parece prová-lo com o sucesso de público da "viagem sensorial e subjetiva pela língua portuguesa,
guiada por palavras, autores e estrelas do
Brasil" que se oferece na Estação da Luz . Notar-se-á que esse caso é muito particular: a famosa Estação da Luz de São Paulo (uma grande estação de combóios, central e em funcionamento); a sua renovação por um grande arquitecto, Paulo Mendes da Rocha (Prémio Pritzker, como Álvaro Siza); a intervenção de um respeitado museólogo, Ralph Appelbaum; e grandes meios financeiros, mobilizados pela Fundação Roberto Marinho (com origem no grupo Globo).
Em Lisboa a omolete faz-se sem ovos e o prato está partido. Fala-se já em data de abertura (finais de 2008) mas desconhecem-se os responsáveis e o programa, se existem. E em vez de se ocupar um edifício vazio - não faltam à beira rio - destrói-se um testemunho histórico (incómodo, é certo) e um equipamento museológico com óbvias potencialidades de atracção, o MAP (de que se anunciara a reabertura para 2006, depois de ter encerrado para obras três anos antes).
O que atribui interesse ao edifício - a memória arquitectónica e simbólica da Exposição do Mundo Português (foi o Pavilhão da Vida Popular) - desaconselha que aí se situe um projecto de museu da língua portuguesa desde logo contaminado pelas marcas nacionalistas e colonialistas do regime anterior. Aliás, consultado o Portal do Governo, o que o MC anuncia sobre o projecto "Mar da Língua Portuguesa, Centro de Interpretação das Navegações" é por demais ambíguo: um "centro interpretativo de temáticas ligadas às explorações oceânicas portuguesas e à expansão e difusão do português".
Existem, por outro lado, importantes colecções de objectos ditos de arte popular (sedimentadas com a institucionalização do MAP em 1948, depois ampliadas), que constituiram sempre um efectivo problema de identificação e interpretação, com controversas implicações de ordem antropológica e estética, e também de significativa natureza política, nas quais se confrontam questões de "autenticidade" e de instrumentalização ideológica pelo regime anterior (mas a arquitectura, a música e em geral a arte popular foram também campos de interesse cultural que a oposição anti-fascista não cedeu ao regime - e as mesmas peças, os mesmos artistas populares ilustraram opostos discursos). É esse museu no seu todo - edifício, lugar, colecções - que importaria preservar e tomar como objecto de uma museologia activa. Dissolver o MAP nas reservas do Museu de Etnologia, que foi erguido pela equipa de Jorge Dias segundo concepções adversas àquele (mesmo se as dinâmicas da casa evoluiram), é um atropelo que merece a oposição de vozes autorizadas. Não se lhes deu resposta.
Sobre o caso MAP podem consultar-se:
1. A petição UM ACTO DE BARBÁRIE - ENCERRAMENTO DO MUSEU DE ARTE POPULAR subscrita por APENAS 1314 pessoas (tudo isto interessa a muito poucos...)
http://www.petitiononline.com/MAP2006/petition.html
e
http://www.petitiononline.com/mod_perl/signed.cgi?MAP2006&301
2. O artigo "EM DEFESA DO MUSEU DE ARTE POPULAR", de JOÃO LEAL E RAQUEL HENRIQUES DA SILVA, publicado no Público a 10 de Novembro de 2006 - em e-cultura
( http://www.e-cultura.pt/ForumDisplay.aspx?ID=19 )
3. apresentação do Museu (?)/Centro de Interpretação no Portal do Governo (30 Outubro 2006)
http://www.portugal.gov.pt//MC_Doc_Mar_Lingua.htm
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