PHOTOESPAÑA 2005
"As cidades de Madrid"
O PhotoEspaña e a actualidade da fotografia documental
Expresso/Actual de 09 Julho 2005
Além de terem coincidido com os calores do Verão (bem mais rigoroso em Madrid), os festivais de fotografia das capitais ibéricas - se esquecermos a mais antiga Primavera de Barcelona - produziram uma exposição conjunta, mas as semelhanças são escassas. No LisboaPhoto o programa ensimesmou-se na especulação sobre a ontologia da fotografia (a «Imagem-Cesura») e usou o discurso da hibridização das práticas para, afinal, a confiscar como um mero sector da arte contemporânea, numa lógica de auto-suficiente rejeição dos trânsitos entre informação e criação, entre arquivo e museu, que fazem a história das imagens fotográficas, uma história sempre dual e contraditória, marcada pela dialéctica arte-documento.
O PhotoEspaña foi dedicado ao tema «Cidades» e, em vez de propor apenas arte-sobre-a-arte, apresentou trabalhos (também de vídeo e cinema) que, para além de serem arte fotográfica, e arte em geral, são também ensaios de observação da vida urbana, das suas transformações e crises actuais. Como referia a apresentação da mostra de Stan Douglas, famoso artista canadiano que fotografou a decadência de Detroit, «os espectadores participam numa experiência que não se refere só ao mundo da arte, mas sobretudo à política, à técnica, ao urbanismo moderno e às utopias.» Tal como na edição de 2004, intitulada «Histórias» (a história colectiva e as práticas narrativas), o PhotoEspaña explora a renovação das linguagens documentais que tem dominado os últimos festivais internacionais e constitui uma das direcções centrais da reflexão actual sobre a fotografia.
Para lá das temáticas, as diferenças continuam nos modos de intervir no espaço urbano (os cartazes na Castellana, partilhados com Corot e Juan Gris; as projecções nocturnas, etc.) e nos programas paralelos de debates, aulas magistrais e cursos, por onde passaram Lewis Baltz, René Burri, Martin Parr, Larry Fink, Massimo Vitali, García-Alix, Oliviero Toscani, e outros. É tudo isso, e não só uma lista confidencial de exposições, que faz um festival.
Curiosamente, a metade portuguesa da exposição comum, «Empirismos», que se viu com escasso interesse no Palácio da Ajuda, perdeu o subtítulo que conserva o catálogo conjunto: «Novas linguagens documentais em Espanha e Portugal». Em Madrid, António Júlio Duarte e Augusto Alves da Silva (com João Tabarra) asseguraram presenças de relevo, ao lado de Jerónimo Álvarez e Juan Ugalde. Na respectiva apresentação, Horacio Fernández, director do PhotoEspaña (historiador e autor das notáveis exposições «Fotografía Pública», no Rainha Sofia, em 1999, e «Variações em Espanha. Fotografia y Arte 1900-1980», 2004), sentiu necessidade de recordar que «as imagens técnicas possuem capacidade para mediar entre o espectador e a realidade visível, uma mediação que cria novas formas de experimentar e perceber o real».
E adianta, respondendo cautelosamente à anterior vaga de desqualificação do documento pelo «pós-modernismo de salão»: «O desejo de proporcionar informação não é nenhum pecado. E menos ainda a necessidade de recebê-la. E se a informação for incompleta, tanto melhor: dá-se uma oportunidade para pôr em funcionamento a memória, a curiosidade, o pensamento. Em qualquer caso, nas renascidas linguagens documentais não se podem ignorar os inconvenientes e a ingenuidade do primeiro documentalismo. Os autores dos documentos renovados são menos pretensiosos que os seus antepassados, não tentam apresentar evidências, nem aspiram a conservar factos exemplares ou a impressionar o espectador com as suas experiências únicas e intransferíveis».
Claro que nunca existiu «um primeiro» documentalismo (que seria ingénuo
e pretensioso) mantido imutável até à recente renovação, como o próprio
programa confirma no itinerário histórico que mostra em paralelo com as
propostas contemporâneas. Existiram, sim, modas teóricas e fórmulas
mediáticas que se substituíram à consideração atenta das imagens, e a
mais recente parece ser a de «documentário conceptual» que Martin Parr
propôs nos Encontros de Arles de 2004, juntando, com o seu habitual
humor, dois campos antes tidos por antagónicos. Não é mais do que uma
forma particular do ensaio fotográfico, o desenvolvimento sistemático
de uma ideia, em geral um micro-assunto ou situações aparentemente
desprovidas de interesse, com que se retratam cenas da vida urbana, com
uma proximidade a que não faltam ironia e sentido do inesperado.
Além
do próprio Parr, cujo trabalho é o paradigma do documento conceptual,
presente com uma série inédita sobre lugares de estacionamento
automóvel, que se pode ver como um grande ensaio sobre a globalização,
o PhotoEspaña mostrou o trabalho de Stephen Gill (Bristol, 1971). As
suas duas séries ocupam-se de transeuntes perdidos no espaço urbano que
consultam mapas ou interpelam outros passeantes («Lost») e de
trabalhadores dos serviços urbanos com as suas fardas reflectoras
(«Invisible»). À romântica melancolia com que Stan Douglas (Vancover,
1960) monumentalizou em 1997-98 as ruínas de Detroit contrapunha-se nas
galerias do Jardim Botânico a fragmentária descoberta da discreta
estranheza do quotidiano.
Um largo conjunto de trabalhos, alguns deles inéditos, reuniu-se no Círculo de Belas Artes sob o título «Viagem em redor da minha casa», passando da deambulação pela cidade aos modos de a habitar e às experiências da intimidade. Guy Tillim (Joanesburgo, 1962) visita os grandes edifícios do centro da sua cidade que foram abandonados pela população branca e agora são ocupados por centenas de famílias negras vindas dos antigos guetos. David Spero (Londres, 1963) mostra os novos templos de diferentes religiões que se instalam nas periferias urbanas («Churches») e novas populações alternativas que habitam os bosques («Settlement’s») - note-se que repetidas citações de Guy Debord e reflexões situacionistas sobre o urbanismo servem de guia na apresentação das mostras. Com Satoshi Minakawa (Tóquio, 1971) vêem-se automóveis modificados e personalizados (o «tuning»), como equivalentes de habitações individuais, enquanto Francesco Jodice (Nápoles, 1967) e Kal Karman exibem o filme-inquérito "Hikikomori" sobre um dos comportamentos juvenis japoneses, a reclusão voluntária. Martin Parr («Parking Spaces»), Miguel Trillo (travestis e turismo sexual em Havana) e a holandesa Bertien van Manen (Haia, 1942), que refotografa retratos de família em espaços domésticos, completam a mostra. Uma outra interessante obra em vídeo, do colectivo de arquitectos Fotoleve (Eva Serrats e José Gonzalez Morandi), confronta imagens de Barcelona, Marselha, Veneza, Atenas, Istambul e Beirute, em "Mediterranean Window (Fishing and Housing)" - na Fundação Canal, até 28 de Agosto.
A retaguarda histórica do programa estabeleceu-se com uma homenagem aos fotolivros de William Klein; uma vasta retrospectiva das tipologias industriais de Bernd e Hilla Becher (na Fundação Telefónica até 7 Ago.); Gabriel Cualladó, um pioneiro da modernidade espanhola (Valência, 1952 - Fundação Astroc, até 2 Out.); e um itinerário pela fotografia urbana nos Estados Unidos através de Walter Rosenblum, Bill Owens e Stephen Shore. A que se juntou a descoberta de um muito curioso projecto de investigação sociológica sobre a existência quotidiana de pessoas comuns e levado a cabo entre 1937 e os anos 50 no Reino Unido pela organização Mass Observation, com participação destacada do fotógrafo Humphrey Spender e mais uma original estratégia documental, algo marcada pelo surrealismo. Um catálogo construído como um dicionário de autores, exposições e temas de urbanismo e sociologia é um útil guia das «Cidades» (ver www.photoes.com).
1
- A cidade é tema do PhotoEspaña
Programa oficial com 25 exposições
Expresso Actual de 28-05-2005
A 8ª edição do PhotoEspaña, o Festival Internacional de Fotografia e Artes Visuais de Madrid, inicia-se no dia 1 e prolonga-se até 17 de Julho com um programa oficial de 25 exposições que têm a cidade como tema genérico, de novo sob a direcção do historiador Horácio Fernández. Defendendo a actual renovação do uso das linguagens documentais na fotografia e a sua relação com outras modalidades artísticas, o programa define-se como um retrato colectivo que explora as mudanças da experiência urbana actual. No Jardim Botânico, as exposições do canadiano Stan Douglas, a respeito da decadência de Detroit, e do britânico Stephen Gill, sobre situações da vida quotidiana em Londres, apresentam-se como uma síntese do festival. No Centro Cultural da Cidade, uma grande mostra sobre a fotografia urbana nos Estados Unidos da América reúne Walter Rosenblum, Stephen Shore e Bill Owens. No Centro Conde Duque exibe-se «As Cidades de William Klein», com imagens dos quatro livros seminais dedicados a Nova Iorque, Roma, Moscovo e Tóquio, além de fotografias dos anos 80 de Paris e outras inéditas sobre Madrid; «Mass Observation», um projecto sociológico britânico dos anos 40; e ainda «Empirismos», co-produção com o LisboaPhoto que inclui fotografias de António Júlio Duarte e uma instalação-vídeo de Augusto Alves da Silva. No Círculo de Belas Artes, reúnem-se, em «Viagem em Redor da Minha Casa», projectos de sete autores, com destaque para Martin Parr («Parking Spaces»), Bertie Van Manen e Francesco Jodice/Kal Karman, além de uma mostra temática da colecção da Fundação Foto Colectanea. Outras exposições são dedicadas a Gabriel Cualladó, apresentado pelo IVAM na Fundação Astroc, Bernd e Hilla Becher (Fundação Telefónica) e Keith Haring (documentos fotográficos, vídeos e obras originais, no Museo Collecciones ICO).
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