“Foto-novela”
EXPRESSO/ Actual, 14- 12-96
Pode parecer um absurdo folhetim a proliferação de artigos sobre a «política da fotografia» do actual Ministério da Cultura. Mas importa antes sublinhar a importância do debate público de algumas opções estratégicas (a arqueologia, o preço fixo do livro, a fotografia) quando pareciam ser apenas os interesses corporativos à volta dos subsídios a preocupar o País.
Não é por acaso que a fotografia se tornou objecto de tanta atenção: era uma área quase totalmente desacompanhada e, por outro lado, ao seu possível vector artístico, minoritário, estão associadas dimensões operativas que a relacionam com interesses que não se circunscrevem ao pequeno «ghetto» dos amadores, «amantes» e profissionais da fotografia.
A mais recente contribuição, a de António Lamas no «Público» de 7 de
Dezembro («O património fotográfico e o ANF» — Arquivo Nacional de
Fotografia) fica a constituir matéria de referência a propósito da
origem e actividade do mesmo Arquivo, onde reside hoje o essencial do
trabalho de salvaguarda e valorização do património fotográfico mas que
é ameaçado de sujeição a uma tutela à qual é difícil prever
qualificação para tal, e também a respeito da localização do Centro
Português de Fotografia (CPF) na Cadeia da Relação, no Porto.
«Este magnífico monumento é o menos apropriado a ser adaptado a arquivo
que conheço (talvez só a Torre de Belém o seja menos)», diz A.L.,
antigo presidente do ex-IPPC, com a autoridade que se lhe conhece.
Depois disto, prosseguir com o projecto de pôr a fotografia na Cadeia
será um caso de polícia, ou de asilo.
Entretanto, importa afirmar que as fronteiras da má fé e da
desonestidade intelectual são tocadas (certamente por ingenuidade ou
excesso de zelo) por intervenções como a que José Aboim Borges,
apresentado como investigador em história da fotografia, publicou na
mesma edição do «Público». Breve exemplo, entre muitos outros: «A
situação de ambiguidade e ineficácia que existe no chamado ANF radica
no facto de ser tutelado pelo IPM». De facto, os problemas radicam na
circunstância do ANF ser uma estrutura quase clandestina do Instituto
Português de Museus, à espera, há anos, de ser formalmente
institucionalizada. Mas o fantasma de Simoneta Luz Afonso continua a
desnortear muitas cabeças.
Têm sido insuficientemente debatidas, no entanto, outras questões
colocadas logo na intervenção que inaugurou toda a foto-polémica
(«Fotografias desfocadas» e «Orientar a criação?», EXPRESSO/Cartaz de
30/3/96).
Deve sujeitar-se a uma tutela única quer a salvaguarda e investigação
do património fotográfico quer o apoio à criação e divulgação da
fotografia contemporâna? Deve a diversidade multidisciplinar da
fotografia ser tutelada por uma instituição centralizadora e por «uma
política global e articulada»? Deve tolerar-se uma lei orgânica do
actual MC que ameaça «orientar a criação»?
Toda a polémica em torno do CPF e do ANF — a que se acrescentou, com
data de 25 de Novembro, uma tomada de posição da Associação Portuguesa
de Bibliotecários, Arquivistas e Documentalistas (BAD) — mereceria ser
objecto de um livro branco (ou um «sítio branco» na Internet), embora
sem atrasar-se mais a entrada em actividade de uma entidade pública que
comece a prestar apoio aos fotógrafos. Para evitar equívocos,
acrescente-se que a sua localização no Porto (em quatro assoalhadas
alugadas num prédio modesto, não na Cadeia) e a indigitação de Teresa
Siza para a respectiva direcção não são matéria de divergência.
Convirá, no entanto, que Teresa Siza não prejudique a respectiva
respeitabilidade, ganha por uma sequência de esforçadas acções em prol
da fotografia, com frases descuidadas como a que a mesma edição do
«Público» transcreve, a respeito dos «detractores do projecto do CPF»:
«Foi a pior desgraça que lhes podia ter acontecido: aparecer um
ministro da Cultura que é um homem culto» (em «Retrato de uma
polémica»). Estará a fazer escola a inabilidade política do ministro?
Última prevenção: é inexacto apresentar como modelo de articulação
funcional das intervenções públicas nas áreas da fotografia histórica e
da produção contemporânea o «exemplo francês da recém-criada Galerie
Nationale de la Photographie», a qual constitui apenas um projecto de
utilização de um edifício único por três diferentes instituições. «A
Galeria só funcionará verdadeiramente se dispuser de espaços
suficientes para cada uma das suas três componentes, e se cada uma
delas conservar uma plena e inteira autonomia», diz Régis Durand,
actual director do Centre Nationale de la Photographie em entrevista ao
«ArtPress» (Novembro 1996).
Por cá, quando se ouvirá publicamente a voz de quem tutela hoje, de
facto, a «política da fotografia»: José Afonso Furtado, estimável
fotógrafo amador e eminência parda/Chefe de Gabinete do MC?
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