Segundo o Diário de Notícias de hoje, Teresa Siza, directora desde 1997, com três mandatos de três anos e mais alguns meses (dez anos), deixou a direcção do Centro Português de Fotografia.
"O próximo responsável pelo CPF, que, segundo já foi anunciado pela ministra da Cultura, vai continuar a ter sede na Cadeia da Relação, será escolhido por concurso público, em data ainda a determinar. Até lá, o centro será gerido, em regime transitório e de substituição, por Natália Gravato, jurista e ex-subdirectora que fez equipa com Teresa Siza desde 1997. O terceiro e último mandato da direcção cessante terminara já em Junho de 2006, mas as duas responsáveis continuaram em funções a pedido do MC enquanto durou o processo de reestruturação dos serviços e organismos. " (DN, Sérgio C. Andrade)
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O que passou a ser o Centro Português de Fotografia enquanto entidade administrativa fica descrito na Portaria nº 372/2007 de 30 de Março que regula a Direcção-Geral de Arquivos - DGARQ. É uma "unidade orgânica nuclear" (uma UON?), parece que equiparada a direcção de serviços.
Cabe num só artigo, o nº 6, com dois números em meia coluna do DR.
Apenas se refere a património e a arquivos, documentação e espólios,
numa linguagem adequada à conservação geral de materiais fotográficos - incluindo (alínea i) a obrigação de "promover o conhecimento e a fruição do património fotográfico de que é depositário" (e não de outros, subentende-se). Outra alínea a g) diz: "Assegurar a gestão da Colecção Nacional de Fotografia".
Numa
interpretação escrita não se prevê a ampliação da CNF e nada indica
que, apesar da referência à "fruição", o legislador tenha percebido que a estes arquivos se
lhes reconhece, em geral, uma dupla qualidade a que se pode chamar documental e
estética.
A CNF foi iniciada em 1989 sob a direcção de Jorge Calado,
depois interrompida e sujeita a furtos, depois confiada a Serralves e mais tarde transferida para o CPF, continuada (sem esclarecimentos sob a fase anterior) no âmbito deste, com a inclusão
pouco descriminada de provas de exposição, encomendas, aquisições de espólios e outras situações pouco selectivas, contrárias à sua ambição de partida.
O 2º número do Art. 6, diz: "O CPF funciona no Porto." Não diz que funciona na Cadeia da Relação.
Parece poder perceber-se que o futuro CPF fará exposições do e sobre
o património fotográfico que possui. Poderá ententender-se que deixa de
programar, produzir e apresentar outras exposições.
E que fazer então à Cadeia da Relação, desde sempre inadequada para albergar uma instituição dedicada à fotografia e agora, ainda mais do que antes, sobredimensionada para ser sede da diminuta entidade agora concebida? A fotografia está a pagar a conservação (muito deficiente) de um monumento central no Porto, que foi a prisão de Camilo e poderia ter outros usos públicos.
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Há mais competências ou entidades com responsabilidades fotográficas, as
quais, por um lado, deverão caber ao ex-Instituto das Artes transformado
na Direcção-Geral das Artes - DGArtes e, por outro, competem ao
ex-Instituto Português de Museus (IPM), agora Instituto dos Museus e
da Conservação, I. P. - IMC.
Quanto à DGArtes (Portaria nº
370/2007 de 30 de Março - ver também a Lei Orgânica do Ministério da Cultura - DL nº 215/2006 de 27 de Outubro), nunca a fotografia é referida (como não é a
pintura ou o vídeo). Ela caberá nos termos gerais artes, artes visuais, artes
contemporâneas, actividades ou produções artísticas, eventos,
representações, técnicos e criadores, etc - mas supõe-se que apenas se
considera a fotografia como arte, enquanto medium ou linguagem artísticos, por
via de legitimações de ordem estética. Caberá no âmbito da DGArtes patrocinar uma exposição de Atget ou de Emílio Biel?
Quanto ao IMC, a Portaria nº 377/2007 coloca na dependência do seu director a Divisão de Documentação Fotográfica - DDF, adiante regulada no art. 9º. As suas funções referem-se à "salvaguarda, gestão e actualização do arquivo de imagens dos bens culturais móveis e integrados", ou, noutro passo, às "espécies fotográficas dos espólios históricos que integram os serviços dependentes" (museus e outros).
Esta "fragmentação" é potencialmente positiva, ao contrário do que pensaram os centralizadores que fizeram o CPF. Também há ou deve haver fotografia nos ministérios da Educação, da Defesa, da Economia, etc.
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O esvaziamento de competências do CPF (de início totalitárias) começara
por via do estrangulamento financeiro e depois pela transferência da
concessão de bolsas e subsídios para o Instituto das Artes.
Agora, não se resolveu o fundamental (a Cadeia) e estrangularam-se algumas
necessárias linhas de actuação. Conserva-se a Cadeia da Relação,
subordinando a fotografia à inoperacionalidade e aos custos do
monumento - obviamente inadequado para Arquivo e demasiado grande para
as reduzidas capacidades de actuação do novo organismo.
A produção, importação, apresentação e apoio à circulação de
exposições de fotografia deixa de estar prevista, se não se caracterizarem como arte (uma carcaterização restritiva), e será certamente
interrompida. Note-se que o CPF estrangulara, por desvio ou absorção de fundos e hostilização
deliberada, o anterior modelo de actuação dos "encontros" de Coimbra e
Braga - com o seu enorme espaço de exposições, o CPF pretendeu tornar-se numa
espécie de "encontros" permanentes, esmagando tudo o resto.
O apoio a projectos fotográficos (de nacionais ou estrangeiros) ou a
política de encomenda de projectos, missões ou levantamentos parece não
ficar previsto e pode não caber no âmbito da DGArtes. É um emagrecimento excessivo das responsabilidades públicas.
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Todas estas alterações ocorrem sem que os responsáveis esclareçam o sentido, as razões e os objectivos da nova orgânica administrativa. Para além das que decorrem do PRACE e da necessária modernização da Administração Pública, que constituem um quadro positivo para redefinir orientações de gestão .
É importante notar que os titulares PS desfazem uma estrutura construída por outro ministro PS, a qual deveria ser sujeita a reflexão, crítica e revisão - também públicas. Havia uma lógica na política de Carrilho, seguida de um modelo francês (anos Lang) já então decadente, onde se somavam voluntarismo, centralismo, autoritarismo, elitismo, etc. Deveria explicitar-se qual é a orientação política actual que sustenta as alterações presentes. NEM UMA PALAVRA, NEM UMA IDEIA, nenhum desígnio.
Por outro lado, tudo isto, e em particular a fotografia (na ocasião da criação do CPF), se discutia publicamente e nas páginas dos jornais, já na sequência de uma aprofundada reflexão sobre as políticas de cultura que tinha cabido no contexto eleitoral e, por parte do PS, nos chamados Estados Gerais. Confrontaram-se teses e ambições, mas o estilo do então ministro foi depois forçando e comprando o silêncio. A cultura deixou de ser um espaço de debate e passou a dar o espectáculo de uma clientela de mão estendida - calada para merecer a esmola - e de uma imprensa desorientada e sem memória.
O que agora acontece é que não há qualquer intervenção pública, qualquer debate ou polémica. O vazio ministerial contribui para isso (não se discute o que se esconde e se ignora), mas há também um estranho silêncio ou silenciamento dos interessados.
Acaba um ciclo que devia ter sido avaliado e encerrado há muito. Não parece abrir-se nenhum novo ciclo.
Há novos parceiros, Serralves, o BES, um ou outro local descentralizado (os retratos de Cartier-Bresson em Évora, Fundação Eugénio de Almeida; os "Pescadores de Macua" de José Henriques da Silva e novos Pescadores de Sines no Centro de Artes de Sines, dia 19, etc), e a PMLJ, a Elipse, numerosas galerias, etc. (Mas está inactivo o Arquivo Fotográfico de Lisboa, o LisboaPhoto interrompeu-se, a seguir às edições de 2003/2005.)
Não se trata agora, nunca mais, de definir "uma política" ou de criar "uma instituição" (central?) para a fotografia, mas há intervenções supletivas do Estado que não foram pensadas e que não têm agente(s) responsável(eis).
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