Ana Mata, "Novembro, 2006", acrílico s/tela com moldura de madeira, 11,1 x 9,2 x 1,7 cm
Ana Mata, "Dezembro", 2006, acrílico s/tela com moldura de madeira, 11,1 x 9,2 x 1,7 cm (foto abaixo)
Ana Mata (n. Setúbal, 1980), FBAL - licenciada em 2003: "Geração 2003" foi o título (irónico) de uma colectiva que em 2004 reuniu vários jovens artistas da FBAL e da Módulo.
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(De vez em quando faz-se luz ou activa-se a memória e balança-se entre a descoberta e o reconhecimento. Nunca tinha visto? Não tinha reparado? Não me lembrava? Foram as coisas que mudaram um pouco, muito ou o suficiente para se imporem? A disponibilidade para apreciar é maior? De facto, ainda não tinha somado as várias coisas vistas de Ana Mata numa impressão de surpresa.)
É uma sequência de pequenos quadrinhos que fingem/imitam polaroids, ou de miniaturas que reclamam a sua legitimidade contemporânea comparando-se a polaroids, ou que concorrem ironicamente, no tamanho, no brilho, na aparência das imagens, com a fotografia polaroid. Tanto faz. São pinturas verdadeiras de falsos polaroids.
Essa pintura é minuciosa como as antigas miniaturas que ao longo do séc. XIX concorreram ainda com a fotografia no campo do retrato, e as imagens são idênticas às de polaroids domésticos: retratos familiares, lugares, cenas de passeio ou viagem, coisas vistas. Entretanto, à entrada da galeria há duas pinturas-polaroids a preto (cinzento) e branco, pouco nítidas, que certamente lançam pistas para o trabalho anterior da artista, e uma terceira a cores, mais claramente um auto-retrato, de grande precisão figurativa, onde segura o seu auto-retrato, num jogo em abismo. Começa-se muito bem, portanto.
Entretanto, o polaroid clássico já é um processo caído em desuso (com a generalização do digital), e tornou-se por isso mais antiquado que a pintura, outra vez revitalizada. Os lugares temporais invertem-se e essa é uma ironia suplementar. Também sucede que com o digital se pôs em causa a condição indicial da fotografia e se avolumou a dúvida sobre a sua possível dimensão de verdade. Daí também virá, talvez, a urgência de pensar o retormo à pintura e a uma certa verdade possível. As explorações etnológicas, botânicas e outros continuaram a contar com o desenho e a pintura até hoje, acrescentando qualidades de informação ao registo fotográfico.
Ficamos a saber que tudo é muito reflectido e ao mesmo tempo vemos que tudo é de uma execução minuciosa e perfeita - esta é uma marca forte do presente: com o crescimento exponencial da oferta, a excelência artesanal importa como uma condição distintiva (mas o bem feitinho nunca é suficiente e pode ser desagradável). Aliás, a pintora também escreve o texto que acompanha a exp., "pinturas verdadeiras", e não se trata de uma escolar memória descritiva.
O facto de as pequenas pinturas-polaroids mostrarem a artista e os seus próximos, e momentos vividos ou encenados para serem retratados, passando da memória à ficção (sem distinção imediata e fácil), dá-lhes uma outra (e maior?) dimensão intencional e afectiva (verdadeira?). "Representei imagens familiares, privadas, fotografias feita não por uma intencionalide artística, mas fundadas no desejo de conservar, imagens feitas para a Memória" (sic).
Depois há as pinturas em série ou episódios. Há as duas telas de grande formato, mais claramente fotográficas na sua aparência de ampliações (perdendo-se a nitidez ao vê-las de perto) - e em especial associando a grande dimensão e , logo a maior ambição, a uma situação em que é óbvia a pose do modelo, o que faz referência irónica, com a artificialidade romântica das figuras, à pintura de Salão - sem o serem. Há em especial a série , ou ciclo narrativo, "Tentando Ofélia", em que pintura e projecto fotográfico se associam também no seu conteúdo narrativo.
Perante esta diversidade coerente e complexa - e também face à memória e informação sobre as obras anteriores (os grandes formatos fotográficos onde a visão distanciada a preto e branco se vê colorida na aproximação; as pinturas também obviamente fotográficas onde se desfocam como fantasmas as figuras em movimento e em grande plano) - , fica a convicção de que o trabalho de Ana Mata é uma concentração de muitas possibilidades de evolução e desenvolvimento: é um campo aberto a muitos caminhos de experiência e realização. O que virá a seguir acrescentará novas hipóteses de sentido às obras de um presente que já é aliciante.
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