É assim ao domingo de manhã, no Rossio, ou, mais de perto, vendo-se os sapos e as cegonhas dos azulejos de Rafael Bordalo Pinheiro que à semana se tapam com os jornais e revistas (não é uma crítica, pelo contrário: quer dizer que a tabacaria - a antiga Galeria Mónaco - está viva; pena é que encerre ao domingo...):
Entretanto, veja-se a exposição das fotografias de Luís Pavão e o resto... no Museu dedicado ao ceramista, no fim do Campo Grande (entrada livre na galeria do Museu).
Julguei que se tratava (só) de uma exposição de fotografias do Luís Pavão, na linha das Tabernas de Lisboa, 1981, ou das Fotografias de Lisboa à Noite, 1983 (ambos ed. Assírio & Alvim). Comecei pelas 26 imagens de pequeno formato a preto e branco realizadas na Tabacaria Mónaco, sem, aliás, a associar à loja do Rossio onde nos anos 75-76 (?) procurava tabaco de cachimbo (desaparecido como a gasolina - estranhos tempos, estranhas memórias). Retratos - o homem do capacete, o "black" fugidio, alguns velhos. Dois pontos de vista furtivos sobre os clientes da tabacaria: de um plano elevado, num plongé apertado, e do fundo da loja, em contra-luz e contra-plongé. Alguns pormenores do e no interior, com a difícil luz ambiente, exercício de paciência e dedicação.
Das fotografias expostas a toda a volta do piso térreo passa-se ao documentário
fotográfico a cores aí tb exibido em ecrã de televisão - fotos de Luís
Pavão e Fernando Peixoto Lopes (que adiante será identificado como comissário
científico e autor dos textos). Aparecem então a informação e as
imagens documentais sobre a Galeria, depois Tabacaria, que Júlio César Vieira da Cruz inaugurou em 1894, renovando o estabelecimento que o pai fundara em 1875...
A arquitectura de interiores e o mobiliário desenhado por Rosendo Carvalheira, com notáveis trabalhos de marcenaria, talha, desenhos entalhados nas madeiras e ferragens artísticas; a pintura do tecto em abóbada de berço por António Ramalho (um céu com núvens e andorinhas) e também as flores e ramagens (folhas de tabaco?) pintadas a óleo sobre espelhos; os azulejos de Rafael Bordalo Pinheiro; as esculturas decorativas em bronze, de Pedro C. Reis. Os nichos para as águas de Cintra (sic) e de Moura, ou para o telefone - e este deu lugar à espantosa "instalação" das linhas com andorinhas de louça e porcelanas isoladoras. Tudo no exíguo cubículo da tabacaria e quase exactamente conservado até hoje.
E a mostra alarga-se ainda mais aos estudos para os azulejos, em pequenos desenhos à pena e ampliações a lápis, de Bordalo Pinheiro, a ensaios em azulejo para as moldurasda porta (produção da Fábrica das Caldas); à reprodução fotográfica dos painéis interiores, com desenhos alusivos ao tabaco (charutos, caixas de rapé , cachimbos) e aos jornais, sempre protagonizados pelas cegonhas e sapos. E ainda à publicação comemorativa da inauguração, às referências da imprensa do tempo, etc.
É certamente mais agradável chegar sem informação e passar depois, em círculos sucessivos, do olhar fotográfico actual para a informação e documentação patrimonial ou histórica - esta apresentação escrita contraria a surpresa dessa descoberta individual.
A seguir percebe-se a diferença de um tempo em que a decoração de uma pequena tabacaria podia mobilizar as cumplicidades e dedicações que constroem este espaço como um exemplo notável da ideia de integração das artes. Mais do que uma sensibilidade Arte Nova, há aqui um sincretismo despreocupado de estilos, um gosto burguês ao mesmo tempo interessado pela modernidade e tradicionalista, cosmopolita e regionalista, para o qual a arte e os artesanatos artísticos convivem com elegância e humor.
Foi editado um folheto de quatro páginas. Até 2 de Setembro (10-18h, excepto 2ªas e feriados)
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