Não ficou em arquivo (informático) uma entrevista a Menez realizada em parceria com Inês Pedrosa - "Menez: antes das palavras", Expresso/Revista de 22/12/90, por ocasião da retrospectiva na F. Gulbenkian e também do Prémio Pessoa desse ano (um dos prémios mais controverso).
A "entrada" dizia: "Como fala um pintor daquilo que pinta, se detesta o marketing das teorias e das poses, se recusa o cerco dos nomes e a aparência mais fácil das coisas? ..."
Mas ficou a notícia da sua morte
Expresso/ Cartaz de 15-04-95
"Nome: Menez"
Três quadros agora expostos na sede da CGD, e pertencentes à respectiva colecção, dão a ver a pintura de Menez mais e melhor do que podem as palavras, e são já um espaço de memória, no momento da sua morte.
«As suas imagens são uma encantação do desconhecido e têm em si suspenso o reflexo duma profundidade inomeada e oculta», escrevia Sophia de Mello Breyner, apresentando-lhe em 1954 a primeira exposição. Ou, Maria Velho da Costa, no catálogo de uma exposição na Quadrum, em 1977: «Quanto da visão é a sabedoria do véu. Vivacíssimo o olhar sob lágrimas reconhece a primeira claridade, ao tempo em que as coisas não haviam perdido pela evidência o seu destino de presença plena, a decifrar dos nomes». E ainda, segundo Júlio Pomar, em 1980: «O mundo em que Menez consente em mostrar-se — ou que ela re-encontra e nos propõe — ergue-se e define-se fora dos hábitos que obrigam as coisas a escolherem-se um nome».
Naqueles três quadros recentes, que são uma síntese possível da última década da sua obra, até à mais recente exposição de 1994, o véu parece abrir-se a outra claridade em que os nomes se tornam possíveis, mas «a pintura é (ainda) o meio de transmitir a visão que não se deixa apreender», como escreveu Fernando Gil em 1990. Olhando-os na sua sequência temporal, assiste-se a uma desocultação crescente da mancha de cor como paisagem ou cena de interior (o atelier) e as linhas recortam com nitidez a figura num cenário em que diferentes tempos se encontram.
Nessa definição aparentemente apaziguada de cenários e narrativas é afinal da mesma «encantação do desconhecido» que se trata, quando a pintora interroga os espaços labirínticos do lugar do seu trabalho («pintura da pintura», de novo F. Gil) ou quando se revê a si própria entre a imobilidade fragmentada das estátuas, já enfrentando a morte numa última pintura secreta, apesar das aparências.
Como processo de aprofundamento da pintura e da liberdade de pintar se viveu assim uma das mais exaltantes aventuras de uma década em que os interditos caíam. Tornou-se então possível ver que o palco da tela se abria ao campo do vivido e que se desvendassem os temas e se revisitassem os modelos antigos da pintura, em séries como a «Descida da Cruz», «S. Jorge e o Dragão», as naturezas mortas e as alegorias das Três Idades, até aos cenários de catástrofe que explicitamente referem o Terramoto de 1755, motivado pelos projectos para os azulejos da estação de Metro do Marquês, a inaugurar em breve. Numa entrevista dada ao EXPRESSO, Menez diria: «Já desde 1973 que fiz algumas coisas figurativas, coisas pequeninas... Mas em grande tinha medo de não saber fazer.»
Menez (Maria Inês Ribeiro da Fonseca, então Menez Leitão) expôs pela primeira vez em 1954, na Galeria de Março, a convite de José-Augusto França, a quem Ruben A. a apresentara. Nascera em Lisboa a 6 de Setembro de 1926, mas vivera até aos 24 anos em Buenos Aires, Estocolmo, Paris, Suíça, Roma e Washington, acompanhando as deambulações diplomáticas da família. Se o desenho fazia parte dos afazeres de uma menina prendada que nunca foi à escola («tive umas vagas lições de pintura»), é como autodidacta que descobre e se dedica à pintura.
Perante as primeiras obras («Menez começou a pintar na altura em que certa arte, por se interditar a descrição, punha no seu index as relações — de sujeito a objecto — entre o chamado mundo exterior e o quadro», J. Pomar, 1980), falou a crítica de uma «abstracção» neo-impressionista, pela sugestão de um espaço paisagístico ordenado pela luz. A fórmula teria curso prolongado, ocultando outros sentidos que se iriam revelando e escondendo na sua pintura, como interrogação, angústia e exorcismo.
Bolseira em Londres nos anos 60, antes e depois de um segundo prémio na exposição Gulbenkian de 1961, Menez foi entretanto apresentando sucessivas exposições individuais, com demorados intervalos, numa presença íntima e discreta que se revelaria sempre incómoda para os discursos críticos dominantes, mais admirada por pintores ou poetas e, naturalmente, também pelos coleccionadores. A sua «ruptura» dos anos 60, bem patente na irrupção de figuras que tiveram o nome de Princesa Brambila e Henrique VIII, não era a que constava dos breviários em uso. «Não percebo muito a abordagem que eles (os críticos) fazem da arte; eles dizem coisas sobre a pintura como se ela fosse uma coisa completamente desligada de tudo o que é importante na vida», diria por sua vez a pintora.
Mais regularmente mostrada na década de 80, em sucessivas exposições na Galeria 111, a sua obra pôde ser vista por inteiro em 1990 na retrospectiva que a Fundação Gulbenkian lhe dedicou (Menez diria que «é a única maneira de se conhecer um pintor»), revelando a coerência interna do trabalho feito desde 1954, até uma última série de peças inéditas. O Prémio Pessoa foi-lhe atribuido nesse ano.
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