Menez no Centro de Arte Colecção Manuel de Brito, Palácio Anjos, Algés, até 16 de Setembro
Quando os museus oficiais são privatizados pelos respectivos directores (Chiado), ou quando se despejam ao sabor de insondáveis devaneios (Gulbenkian), crescem as responsabilidades de outro tipo de instituições, menos centrais e, afinal, mais sujeitas ao escrutínio público. É o caso do Centro de Arte de Algés que acolhe a Colecção Manuel de Brito - o único panorama (mesmo parcial) do século XX que é agora visitável em Lisboa (que os estudantes estudem artes através de cromos assegurará sem sobressalto a descendência das actuais e invisuais autoridades).
Mostram-se as primeiras décadas de 1900 através de um acervo de variável importância, de bastante irregularidade mesmo, quanto à representatividade de obras e autores, mas a uma colecção pessoal tem de se começar por agradecer que exista e se exponha. As insuficiências são também as dos próprios artistas, que, muitos deles, não encontraram condições nem ânimo para ultrapassarem as atávicas dificuldades. O panorama é diversificado e este não é o melhor período da colecção. Duas obras que antes (em 1994) não se mostraram, testemunhando a cumplicidade inicial, no Porto, entre António Quadros (A Galinha Pedrez) e Eduardo Luiz (S./T., ambas certamente de 1959) são surpresas com interesse - a tela de Charrua, terceira na parede, deveria procurar outras companhias (apesar dos azuis).
Mas a mostra dedicada a Menez é agora o que mais importa, começando a ilustrar o que foram as "escolhas electivas" do galerista, tal como se designaram os núcleos autorais mais extensos na apresentação da colecção em 1994, por ocasião de Lisboa capital cultural. E começa por surpreender a quantidade das obras reunidas, de pintura sempre, sobre tela e papel, e num caso de moderna tapeçaria: 13 telas numa sala e 24 papéis e obras diversas noutra sala, mais algumas peças em vitrine com catálogos e livros.
Têm sido poucas as oportunidades de se ver e rever Menez depois da sua morte em 1995. O itinerário singular cabe mal nas gavetas das repartições críticas e o facto de não ter tido estudos académicos (compensado com outras qualidades maiores) é um péssimo exemplo em tempo de muitos empregos escolares. Uma revisão dos anos 60 ignorou-a (foi a revisão que se diminuiu), apesar do originalíssimo sentido da deriva entre reconhecimento e opacidade da figuração (neofiguração?) que aqui se vè num grande Sem Título de 1965 e também na estranheza feliz do Cubo de c. 1965 e da tapeçaria de 67, anos de Londres, de mudanças (que nem sempre eram pop) e de proveitosas convivências. Outros balanços dos 80 também deixaram de fora um caso maior de abertura dos novos caminhos para essa década, consistentemente explorados desde meados dos 70, restabelecendo a prioridade da pintura contra as suas extinções, e voltando a abrir e de diferentes modos a possibilidade de descrever, narrar e reflectir em pintura (não só sobre a pintura). Com Dacosta, Paula Rego e mais alguns.
Duas pequenas telas de 1977 e 79, já a acrílico, colocadas na sala dos papéis, estabelecem a fronteira a caminho dos 80, com os seus espaços de paisagem invadidos por formas sem definição possível, situações e acontecimentos de uma iconografia insondável e assim mesmo certa na sua intensidade directamente cromática e emociomal. A seguir, na antologia (que não é uniforme na distribuição por ciclos e décadas), aparecem os ateliers e os interiores (o belíssimo auto-retrato no espelho), os quadros de flores, os desdobramentos espaciais (as janelas e o quadro no quadro) que se prolongam nos desdobramentos das personagens (mulher criança e adulta), complicando-se o tempo e a ideia de vida e de morte com a presença das estátuas - versão diferente de As Três Idades. E ainda a revisitação da história como teatro, o projecto decorativo para o metro do Marquês, memória de terramotos e outros desastres.
Entretanto, a mostra representa com extensão o inicial abstraccionismo de Menez, de informação francesa primeiro, e depois explorando sensibilidades atmosféricas próprias que se diziam neo-impressionistas, onde a referencialidade paisagística se dilui em variações dramatizadas de cinzentos, num ciclo consistente de três telas (59-61). Eram inícios tardios de carreira, que logo em 62-63 (dois guaches e o grande óleo de 63, Sem Título, mas da "família" da "Princesa Brambilia") se animou em diferentes direcções.
A montagem ganharia possivelmente em conjugar nos mesmos espaços pintura em tela e em papel (não são desenho), grandes e pequenos formatos, quadros e outros objectos, reunindo a dupla cronologia paralela e repetitiva das duas salas num só percurso continuado que marcasse as mutações, até porque elas surgem por vezes no papel antes de intensificarem em tela, e que tornasse mais notórios os ciclos e os temas que a obra de Menez atravessou. Diminuindo a extensão do duplo período inicial (telas + papéis) seria possível fazer distinguir espacialmente obras maiores e menores e, por exemplo, associar os dois guaches de 62-63 e a tela de 63 (pp. 50, 51 e 57, do álbum Menez de 1998) e, a seguir, a tela de 65 (p. 65) e o guache do mesmo ano (p. 67), mais o cubo e a tapeçaria, e por aí fora, com menos regularidade de accrochage mas maior dinamismo e esclarecimento de leitura.
E falta já o espaço para referir a presença associada de Ana Vidical e Ruth Rosengarten, com a divertida e inventiva troca de prendas (objectos, ideias, comentários, etc) a propósito de "O Véu da Noiva".
PALÁCIO ANJOS, ALGÉS - de 3ª a dom. 11h30-18h ATÉ 16 SETEMBRO
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