Dicionário Pop
por ocasião da exposição Pop no CCB
EXPRESSO/Revista de 27-09-1997
Assemblage / Automóvel / BD / Califórnia / Cool / Começo / (Fim) não publ / Independent Group / Neo-dadaismo / Novo Realismo / Paris / Pin-up / Política / Pop / Ruptura
ASSEMBLAGE»: É a versão em volume (escultórica, portanto) da colagem e ambas tiveram início com o cubismo e continuidade com o dadaismo, as vanguardas russas e o surrealismo — mas, durante muito tempo, com uma existência pouco vista e marginal à «grande Arte» dos museus. Trata-se, em geral, da montagem de objectos encontrados (o «objet trouvé»), eventualmente sucata e restos degradados («junk»), ou de objectos e imagens de consumo corrente, escolhidos, acumulados, cobertos de pintura ou utilizados tal e qual, por vezes no interior de caixas (como fez o surrealista americano Joseph Cornell). Tem um grande incremento nos anos 50 e em 1961, já no contexto da consagração pública da Pop, o MoMA traça toda a sua história na exposição «A Arte da Assemblage», reconhecendo-a como um género maior da arte do século XX — de Picasso à escultura-construção com materiais de recuperação (David Smith, Mark di Suvero, Chamberlain e Louise Nevelson), à «junk-art» e, em especial, à «combine-painting» de Rauschenberg.
Uma direcção, mais formalista, usa os materiais recuperados como elementos abstractos, purificando-os de referências à vida e ao consumo corrente; a outra, classificada como neo-dadaista e que vai ser exposta conjuntamente com os artistas Pop, faz exactamente o contrário: recusa a possível pureza ideal da arte para se aproximar da vida, evidenciando o carácter literal dos objectos usados. Por vezes, a «assemblage» invade o espaço e envolve o espectador, torna-se «environment» (ambiente) e pode associar-se à acção efémera e mais ou menos teatral, o «happenning», com Cage, Kaprow, Oldenburg e Jim Dine: a arte integrar-se-ía mais completamente no mundo ao incluir cada vez mais os seus materiais. O «Novo Realismo»* francês é, em larga medida, o homólogo continental da «assemblage» americana e dez dos seus artistas integram a referida exposição-balanço de Nova Iorque. Recusando os efeitos (estéticos) de composição, a «acumulação» de Arman mergulha o lixo em plexiglas, são as «Poubelles»; Spoerri cola os restos de refeições, o «Tableau-piège». (Ver fotos de obras de Tilson, Kienholz, Blake e Niki de Saint Phalle).
AUTOMÓVEL: No final dos anos 50 é o mais atraente ícone da sociedade da abundância, numa Europa que estava a sair da austeridade dos anos da reconstrução posterior à Segunda Guerra. Emblema do sonho americano, presença marcante da nova paisagem urbana, o automóvel tem referência insistente nas obras da Pop, mas, como todos as imagens da publicidade e do consumo de massas, pode ser ao mesmo tempo um objecto de sedução e de repulsa, tomado como efígie da sociedade capitalista. Richard Hamilton dedicou-lhe uma série de pinturas Pop no final dos anos 50, sublinhando o erotismo das suas formas aerodinâmicas e orgânicas (Homenagem à Chrysler Corp., 57), e diria que «os designers de automóveis tinham absorvido o simbolismo da era espacial muito melhor do que os artistas». O americano Chamberlain usava-o como material de «assemblage»* e César inventou a «compressão», esmagando carrosserias. Peter Philips, em Londres, pinta-lhe os brilhos cromados; Arcangelo usa o motivo da auto-estrada; Indiana inspira-se nos sinais de trânsito; Marisol (ver foto) ironiza a fetichização do automóvel como ícone do «American Dream»; Warhol, sempre obsecado pela morte, interessou-se mais pelos acidentes de viação, em imagens idênticas às suas cadeiras eléctricas.
BD, BANDA DESENHADA: Os «comics», como os políciais, a ficção-científica e os filmes de Hollywood, não tinham adquirido ainda caução cultural, mas, tal como a publicidade, o cartaz, o design dos produtos de consumo, a BD constitui uma das referências chaves da Pop. A figura humana, que o puritanismo iconoclasta do formalismo modernista tinha quase excluido do espaço da arte elevada, em especial na América, faz a sua reentrada mais notória através da Bd — de facto, há sempre erros nas sínteses apressadas, porque a sensação de esgotamento criativo vivido pela Escola de Nova Iorque levara vários artistas, ao longo dos anos 50, a voltar-se para o realismo gestual (Larry Rivers, depois mostrado entre os Pops, é um dos seus expoentes).
A apropriação da Bd é literal em Lichtenstein, que parece limitar-se à ampliação do «quadradinho» para o grande formato da tela e reproduz as tramas da impressão tipográfica, o que torna mais evidente ainda que se trata da representação de uma representação, mostrando o espaço inteiramente plano da tela, sem qualquer abertura de profundidades ilusionistas — na realidade, ele modifica e depura os elementos que utiliza e as suas imagens são rigorosamente estruturadas (ver foto). Pintor e professor desde 51, com passagem pelo expressionismo abstracto, Liechtenstein exibe uma radical apropriação da arte comercial, graças à feitura totalmente anónima, não gestual, e ao uso de superfícies de cor lisa não modulada. Os que defendiam a Pop contra a hostilidade inicial de alguns críticos consideravam-na o primeiro estilo realista não retrógrado e, adoptando a argumentação do modernismo formalista, «a última fase da revolução permanente que caracteriza a pintura do século XX» (Swenson). As telas de Lichtenstein são frias e distantes, mas, no início, as escolha dos «cartoons» permitia-lhe «exprimir emoções violentas» e dramas humanos. Logo em 1965 abandona a referência à Bd para passar em revista os géneros e estilos da arte do passado, numa atitude em que a homenagem se encontra com a sátira.
Outros artistas usam a Bd numa direcção diferente, gestual e imaginativa, articulando uma linguagem gráfica popular com um desenho biomórfico de origem surrealista, nomeadamente nas obras de Peter Saul (ver foto), que exercem uma forte na Europa, visível nomeadamente em Rancillac e Adami. Em Paris, a «figuração narrativa» é depois erigida em movimento, incluindo René Bertholo e Erro, que a utiliza como veículo de uma crítica anti-americana já marcada pela Revolução Cultural (ver foto).
CALIFORNIA: Em paralelo com Nova Iorque, a Costa Leste constitui um segundo pólo da Pop americana. São aí mais visíveis as ligações à geração «Beat», nas colagens de Jess, um precursor, e nas «assemblages» de Bruce Conner. Kienholz, um «outsider» instalado em Los Angeles, é uma contrapartida original, a Leste, dos «environments» (ambientes) de Kaprow, e com ele a arte americana atinge uma das suas expressões mais ferozmente críticas de sempre, de que Ella Laugh é apenas um muito pálido eco (ver foto). Outros artistas, que estiveram entre os primeiros Pop, estão próximos da importante «escola» realista da Bay Area (que tem em Diebenkorn a sua expressão maior), como o Mel Ramos anterior às «pin-ups» e, em especial, Wayne Thiebaud, que usava uma matéria pictural untuosa para tratar a pastelaria industrial das suas naturezas mortas iluminadas a néon (ver foto).
«COOL» (frio): A recusa da emoção é apontada como uma marca dos anos 60 norte-americanos. A década anterior exprimira a subjectividade individual torturada na evidência do gesto manual, que é característico do expressionismo abstracto (ou «action-painting») e do realismo gestual, enquanto a arte da nova geração emergente pretende ser mecânica, impessoal, anti-subjectiva e distanciada, usando a cor lisa, anulando a marca da mão (a pincelada visível) e imitando em geral os processos da arte comercial para tratar temas caracterizados também pela indiferença e a banalidade. No entanto, para além da Pop mais canónica (Lichtenstein, Warhol, Rosenquist), essa mesma frieza, que aí é um olhar de admiração e ironia sobre o mundo moderno, domina também em correntes paralelas como a abstracção «hard-edge» (de cor lisa em suportes recortados), a Op, o Novo Realismo americano (Alex Katz e Pearlstein), o minimalismo ou o hiper-realismo — o que, desde logo, exclui a possibilidade de usar essa objectividade neutra como definição própria da Pop. Por outro lado, é precisamente no âmbito da Pop que se verifica uma menor uniformidade desse anti-expressionismo: os dois mais importantes artistas protopop, os protagonistas da viragem da década e normalmente apresentados no ambito do movimento, Jasper Johns e Rauschenberg, apropriam-se de temas impessoais — a bandeira, o alvo, os algarismos (ver foto); objectos comuns e fotografias de imprensa — mas tratam-nos com uma afirmada picturalidade; Larry Rivers e Jim Dine, nunca abandonam o aspecto «painterly» ou gestual, tal como acontece com o escultor George Segal e, quase sempre, com Oldenburg. Também a própria frieza distanciada de Warhol tem sido sujeita a exercícios críticos que sob a pretensa indiferença mecânica da sua produção reconhecem a permanente obsessão com a morte. Na Inglaterra a Pop manifesta claramente o optimismo de uma nova era e reconhece-se na tradição da pintura, como uma abertura de novos recursos e assuntos.
COMEÇO: A palavra «pop» aparece numa colagem de Paolozzi de 47 e noutra de Hamilton de 56, expostas no CCB em reimpressões posteriores — não será ainda a abreviatura de popular mas, em inglês, o «pum!», «zaz!» dos balões de Bd (ver Independent Group). No sector americano, Jess Collins e Ray Johnson são os pioneiros no uso de colagens de Bd e retratos de ídolos populares.
A designação Pop impõe-se em Nova Iorque em 1962 e o seu êxito foi fulgurante, levando a pensar num completo corte com a situação anterior, como um movimento que nascesse sem manifestos mas já inteiramente definido. Mas em 59, no MoMA, uma selecção de «Sixteen Americans», já incluia uma representação de «neo-dadaistas» (tendo por chefes de fila Rauschenberg e Johns), sendo a designação pouco depois substituida pela de «Art of Assemblage»*, com a nova exp. do MoMA, em 61. Sob o título «Novo Realismo»*, em Paris e Nova Iorque (61 e 62), mostram-se conjuntamente artistas europeus e norte-americanos, no segunda caso com a entrada dos pintores que constituirão o núcleo duro da Pop. É em torno destes que um processo até aí reservado ao pequeno mundo da arte vai ganhar um impacto público inédito, de escândalo e logo de aceitação divertida, através da grande imprensa («The slice-of-cake School», «Time» 62 — a escola da fatia de bolo). Se todos trabalham com materiais fornecidos pela civilização urbana, comercial e indústrial, a transposição pictural praticada pelos americanos destingue-se do gesto de apropriação de objectos: por um lado desliga-se dos gestos de ruptura vanguardista com a pintura e com a «grande arte», por outro lado pode ser vista como adesão aos valores da civilização americana, com que os parisienses mantêm uma relação intelectual mais crítica.
A vaga impõem-se numa rápida sequência de exposições individuais em Nova Iorque: de Oldenburg, em Dezembro de 61; de Jim Dine, em Janeiro de 62; de Rosenquist, no fim de Janeiro; de Lichtenstein em Fevereiro, e de Wahrol, em Julho, em Los Angeles; enquanto Wesselmann, de 61 a 63, tornava os seus Great American Nude e as suas naturezas mortas cada vez menos matissianos. Dez exp. colectivas, desde Setembro de 62, em Museus e importantes galerias, de Pasadena a Estocolmo e Berlim, divulgam por toda a parte a nova sensibilidade Pop, sob designações variáveis — «New Painting of Common Objects», «Six Painters and the Object», «The Popular Image»; fala-se de uma espécie de «urban folk artist», de «factualistas» e ainda de «novos realistas». Em 62, Lawrence Alloway usa o termo Arte Pop no artigo «The Collage explosion», incluindo Rauschenberg e os «happenings». Um simpósio sobre a Pop no Moma em Dez. de 62, confirma o acontecimento e divide os críticos.
Uma importante exposição com origem em Los Angeles, em 1992, fez o ponto da situação anterior ao reconhecimento do movimento, propondo o termo «Hand Painted Pop» para classificar a «American Art in Transition » de 1955 a 1962.
(não publicado, não revisto) //FIM: a própria notoriedade mediática e mundana da Pop, vivida com a euforia de uma moda que submerge todas as outras direcções contemporâneas, fez com que rapidamente se tenham procurado pôr em circulação novas tendências. O incremento do mercado de arte, com a chegada súbita de novos coleccionadores, e a aproximação dos museus à actualidade determinam uma inédita aceleração das novidades estilísticas que atribui apenas dois anos de vida a cada uma — fala-se em «art-biz» (pag 158) e em «crítica pop», que abandona uma tendência logo que ela é consagrada pelo público. Em 64 já se diz que a Pop é «déja vu».e em 68 o New York Times anunciou a morte da Pop Arte. Vieram a Op, o Minimal, o conceptual, o foto-realismo; na GB, «Situations» e o psicadelismo. Em França, onde nunca o termo Pop foi aceite, a figuração narrativa e as «Mitologies Quotidienes», a «Mec-Art», etc. Outros não aceitaram a etiqueta, embora tenham participado nas mesmas exposições colectivas. A incorporação de dados Pop e protopop prolonga-se em ondas de choque, sob o título genérico de «nova figuração». E o Neo-pop nos anos 80, com Jeff Koons//
INDEPENDENT GROUP: A partir de 1952, um grupo de arquitectos, designers, artistas e historiadores de arte reune-se no Instituto de Arte Contemporânea, em Londres, para reflectir sobre as mutações trazidas pela estética industrial (ou design), as novas tecnologias, a cultura mediática e urbana, a ficção científica, etc. Eduardo Paolozzi faz projecções de colagens de inspiração surrealista, realizadas, desde 47, com recortes de magazines populares (mostrados numa edição litográfica de 72). Em 56, o IG promove na Whitechapel Gallery uma grande exposição intitulada «This is Tomorrow», aberta a várias tendências da época, é dominada por espaços ambientais onde se propõe um panorama dos ícones da cultura de massas. Richard Hamilton faz uma pequena colagem (26x25 cm) para o catálogo (ver foto). O crítico Lawrence Alloway utiliza as expressões «cultura popular» e «arte pop» para classificar os produtos dos «mass media», defendendo-os como «uma das mais notáveis aquisições da sociedade industrial», e — ainda não — as obras que neles se inspiram. Contra o influente crítico americano Greenberg, que teorizara o oposição entre «Vanguarda e kitsch», Aloway defende o conceito de «"continuum belas artes/arte popular» e diz que são «as artes de massas (que) são anti-académicas» (1958). Com origem no estudo sociológico das mutações civilizacionais e da esfera da comunicação, estas teses preparam o clima da «swinging London» e da cultural juvenil; as actividades do IG, que então se encerram, serão «a posteriori» reconhecidas como a primeira vaga da Pop britânica.
NEO-DADAISMO: Os anos 50 redescobrem as ireverências Dada, nascidas nas convulsões da 1ª Guerra Mundial e, de certo modo, depois disciplinadas pelo surrealismo. Motherwell publica em 1951 a antologia «Dada Painters and Poets»; John Cage, compositor e professor no Black Mountain College, é profundamente marcado pelo seu encontro com Duchamp, o qual nunca manifestara interesse pelo expressionismo abstracto da Escola de Nova Iorque, uma pintura heróica e associada à afirmação do «ego» do artista. Cage, que influencia directamente Rauschenberg e Johns, volta-se para o budismo zen e transforma a atitude essencialmente negativa de Duchamp numa atitude positiva de aceitação do que existe, ligando as atitudes Dada e zen no propósito de associar a arte à vida quotidiana. Está no ar, em Paris e na América, a referência ao «ready-made», que radicalizara a colagem cubista até à apropriação do objecto tal e qual, mas o regresso ao real faz-se com profundas diferenças de sentido. Por um lado parte-se de uma atitude de aceitação da realidade urbana e industrial, exterior à cultura erudita — «o gesto anti-arte carrega-se de positividade», «o ready-made já não é o cúmulo da negatividade ou da polémica, mas o elemento de base de um novo reportório expressivo», Restany, 1961 — por outro lado, a adopção de objectos extraídos da cultura de massas e de processos da pintura comercial, não é entendível como atitude anti-arte no sentido dadaista. Lichtenstein diz-se «anti-qualidade da pintura» mas não «anti-pintura». Rosenquist afirma: «A pintura é certamente mais apaixonante do que a publicidade — então, porque não dar-lhe o mesmo poder, o mesmo brio, o mesmo impacto», 1964.
Duchamp começa por distanciar-se dos acontecimentos: «Este neo-Dada que toma agora os nomes de novo realismo, arte Pop, «assemblage», etc, não passa de uma diversão fácil que vive das conquistas de Dada. Quando inventei os «ready-made» a minha intenção era desencorajar o espalhafato da estética. Mas os «neo-Dada» servem-se de «ready-mades» para descobrir o seu valor estético! Por deasfio, atirei-lhes à cara o secador de garrafas e o urinol, e agora admiram-nos pela sua beleza estética!» (cidado por Irving Sandler)
«NOVO REALISMO»: foi um movimento francês com programa escrito e um número restrito de membros, criado em 1960 à volta do crítico Pierre Restany. «Novas aproximações perceptivas do real» é o subtítulo e a «apropriação» directa desse mesmo real é a atitude criativa geralmente utilizada, com «a consciência do esgotamento gestual do expressionismo abstracto e a descoberta de um sentido moderno da natureza industrial, publicitária, urbana.» O grupo é eclético, incluindo a linha dos «affichistes» (descoladores de cartazes) que vêm muito de trás e um Yves Klein, mais utópico e espiritualista no seu exprimentalismo multifacetado; estavam em geral mais próximos da «assemblage», da junk e do happening, enquanto conjuntura neo-dadaista. Em 61 e 62 franceses e americanos expõem em conjunto sob a designação «Novos Realistas», mas na segunda mostra, em Nova Iorque, verifica-se a entrada do grupo duro da Pop americana e, a seguir, a diluição do movimento francês sob a designação Pop, perante a inevitável crispação parisiense. Restany escreve: «Percebi tudo num piscar de olhos. Adeus Schwitters, adeus Duchamp, adeus problema da apropriação objectiva! O estilo, um grande estilo da representação realista.» Lucy Lippard, que escreve o primeiro livro de síntese sobre a Pop, em 66, retalia: «Os novos realistas raramente deixam que o objecto fale por si próprio, preferem cobri-lo com um toque de mistério e elegância. O que lhes interessa não é a franqueza, a banalidade, o refrescante anonimato da realidade urbana, mas a estranheza latente... Ao transformar a função, e com frequência também o aspecto de um objecto, criavam uma realidade mais subjectiva que objectiva».
PARIS: Quando Rauschenberg venceu a Bienal de Veneza de 64, os franceses perceberam que o centro do mundo da arte se tinha transferido para Nova Iorque e que a «swinging London» emergia ao som dos Beatles. A história vinha de trás, desde os exílios forçados pela guerra e o aparecimento da Escola de Nova Iorque, mas ainda não se tinha dado por isso — Serge Guibaut contou depois Como Nova Iorque Roubou a Ideia de Arte Moderna (trad. francesa, Ed. Jacqueline Chambon, Nimes, 89), envolvendo a CIA na ofensiva cultural que também fez parte da guerra fria. Os franceses nunca mais se recompuseram, auto-devorando sucessivas gerações de artistas, com uma relação fóbica com as tradições da chamada Escola de Paris e a necessidade provinciana de obter o reconhecimento nova-iorquino. A etiqueta Pop não foi aceite em Paris, mas quase todos os «novos realistas» se transferiram por uns anos para Nova Iorque, enquanto os críticos íam tentando produziu sucessivos sub-estilos como a «mec-arte», a nova-figuração, a figuração narrativa, etc.
PIN-UP: o regresso à representação do corpo e ao nu, temas da tradição da pintura, faz-se através de imagens da comunicação de massas. O corpo é um tema apropriado em segunda mão, nomeadamente através da fotografia, sem se admitir o recuo à ambição humanista que florescera no pós-guerra, entre realismos socialistas e existencialistas. Existem influências mais ou menos camufladas de dois artistas mais velhos que continuam a ser admirados: De Kooning, que circulava entre a gestualidade «abstracta» e a emergência da figura, e que na série «Woman» começara por colar uma boca recortada de um cartaz; de Bacon, em Londres, que sem recorrer à colagem, «tirava» as suas figuras de fotografias e mostrava que o olhar contemporâneo sobre a aparência das coisas era mediado pelo seu registo mecanizado. Mel Ramos (ver foto) usou a imagem de calendário, de erotismo um kitsch e fetichista, tal como fará Allen Jones, em Londres. Os corpos tem o «glamour» das páginas da «Playboy» ou fazem referência directa ao cinema, em Rosenquist e Raysse, enquanto o olhar feminino de Pauline Botty parece interrogar os estereótipos da moda e dos magazines populares (ver foto).
POLÍTICA: o início da década é marcado pelo optimismo da era Kennedy (assassinado em 63) e do revisionismo de Krustchov (destituido em 64) enquanto os trabalhistas chegam ao poder em Londres. Os anos 60 são também os de Luther King e Malcolm X, da intervenção no Vietname, da Revolução Cultural chinesa, em 66, das contestações estudantis que culminam em Maio de 68. A euforia dos anos 60 fazem parte o novo consumismo que abala as convenções do «establishment» e as regras do bom gosto, a música Pop e a cultura jovem, a contracultura e o esquerdismo. Parte da Pop exibe uma aparência de neutralidade e de indiferença, mas as convulsões do quotidiano são parte integrante da arte Pop. Rauschenberg incorpora nas suas colagens a realidade políticoa, Rosenquit pinta o avião F-111, que entra em digressão internacional, ao tempo da escalada do Vietname (visível em litografia de formato reduzido). Em Londres, o americano Kitaj exibe um empenhamento político quase solitário, mas Colin Self fala do perigo nuclear. No continente, a distância perante a Pop ortodoxa confunde-se com a oposição ao imperalismo americano (Erro, ver foto).
POP:
«A arte Pop é um novo paisagismo bidimensional (two-dimensional landscape painting), no qual o artista responde especificamente ao seu envolvimento visual. O artista voltou a olhar à volta de si e pinta o que vê». São palavras de um dos mais calorosos defensores, Henry Geldzaher, no tempestuoso simpósio sobre a Pop realizado no MoMA, logo em 62. A bidimensionalidade é uma referência essencial, porque a tela é usada como um objecto plano em que se inscrevem imagens, à distância da espacialidade cubista e sem retorno aos efeitos ilusionistas do naturalismo (a ilusão espacial da janela).
«O verdadeiro artista pop faz coincidir o estilo e o tema: representa imagens e objectos de série usando um estilo também ele fundado sobre o vocabulário plástico da produção em série». É a posição restritiva e formalista de um Robert Rosemblum, 1964.
«Eu não sou um artista pop! Quando aparece um termo, toda a genta tenta aplicá-lo a qualquer um, porque há muito poucos termos no mundo da arte», dizia Jasper Johns, em 64, embora circulasse incluido em todas as exposições que apresentavam o novo movimento. Hockney e Kitaj, em Londres, no centro da terceira vaga Pop de Londres, esforçam-se também por recusar a etiqueta.
O panorama proposto por Marco Livingstone não pretende ter por base a definição de um estilo Pop que inclua todos os artistas apresentados, mas antes testemunhar a coexistência em diferentes espaços geográficos de dinâmicas simultâneas no tempo e próximas em algumas das suas características, que no seu próprio tempo mutuamente se influenciaram. Mais do que um movimento estilístico, a exposição reconstitui uma conjuntura histórica multipolar, um ambiente de rupturas, renovações e continuidades, em que se definem os estilos individuais de alguns artistas e onde têm início outros itinerários se eventualmente se orientam em direcções
O ponto de vista britânico assegura-lhe o suporte da analise sociológica do Independent Group e a independência perante as ambições ou ressentimentos centralistas de Nova Iorque e de Paris. Todos os artistas presentes participaram nas principais exposições que à época definiram a recepção e o entendimento da Pop — ou representam casos de dispersão geográfica de informações sobre a Pop a que, como sucede com Eduadro Batarda, se reconhece expressão original.
RUPTURA: Rauschenberg «inventou uma superfície pictural que deixava o mundo invadi-la de novo», disse Leo Steinberg, numa das mais brilhantes defesas da novidade decisiva que está na origen da Pop. Em diálogo com a leitura de Greenberg sobre o modernismo, que reduzia todos os valores artísticos ao progresso da organização formal, até à afirmação de um espaço plano sem lugar para artifícios ou ilusões, Steinberg defende que, em Rauschenberg, «o plano do quadro é o equivalente da consciência mergulhada no cérebro da cidade»: «a superfície plana que recolhe informações é radicalmente diferente da tradicional "janela aberta sobre o mundo" que corresponde opticamente ao campo visual do homem». Chama-lhe uma pintura «pós-modernista, que permitiu ao curso da arte tornar-se mais uma vez não linear e imprevisível». Até então, um quadro fazia alusão ao mundo natural, referia-se desde a Renascença «ao facto de olhar»; com Rauschenberg e Jasper Johns, importa o «fazer», «passa-se da natureza à cultura» e «a pintura acabada não representa nada mais do ela que é realmente» (Johns, ver foto).
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