Tribuna
CCB: “Fim de um logro”
EXPRESSO/Actual de 12 Nov. 2005
«O CCB é uma ficção ideológica, encomendada por um chefe egocêntrico em momento de loucura pura (...) é a imagem de um homem, de um governo e de um regime», escrevia Paulo Portas, em 1993. Este género de exercícios de terrorismo jornalístico impediam então o reconhecimento da qualidade arquitectónica e da importância cultural do equipamento erguido em Belém, que rapidamente passou a fazer parte dos hábitos dos lisboetas. (Ver 1993 - "Um lugar central" ) Mas os escândalos que envolveram a sua construção e início de funcionamento não se devem esquecer.
Começou por dizer-se que os cinco módulos previstos custariam 6,5 milhões de contos (14 segundo outras fontes), mas logo em 93 o Tribunal de Contas referia 38 milhões só para os três blocos construídos. Depois Cavaco Silva terá admitido um «prejuízo» de 600 mil contos na gestão anual (até que o CCB viesse a autofinanciar-se!!!), mas Roberto Carneiro, um dos primeiros a recusar presidir à alegada Fundação das Descobertas, previa despesas da ordem dos quatro milhões/ano. As prometidas 50 empresas mecenas que pagariam 20 mil contos anuais foram 13, quase todas empresas nacionalizadas, e não renovaram a forçada contribuição inicial.
Com a saída de Teresa Gouveia do Governo e de António Lamas do antigo IPPC, em 91, os arquitectos ficaram sem programa para o centro de exposições (o folhetim incluiu museu dos Coches, dos Descobrimentos, da «descoberta», etc., etc.). É útil recordar o grande homem das finanças quando se candidata a revisor de contas...
Heranças da Europália, programas de Lisboa‘94, anos fastos e a rentabilidade do módulo administrativo, então sem concorrência, puseram a casa a funcionar. Sem orçamento, deitando mão a circulações diplomáticas, José Monterroso Teixeira apresentou exposições notáveis. Do «Triunfo do Barroco» aos satélites russos, de Sebastião Salgado a Nozolino, de Nuno Mateus/ARX Portugal à grande embaixada do México, ficou definido, entre 93 e 96, um programa aberto, plural e capaz de atrair e cruzar públicos numerosos.
Saltando no tempo, chegamos ao ano de todas as crises, quando a falta de recursos se junta às demissões em série. Por razões obscuras, os governos não enfrentaram, a partir de 96, os problemas estruturais da casa e deixaram que alguns se agravassem. Fraústo da Silva, em fim de mandato, dificilmente reunirá condições para encabeçar a recuperação, e a nomeação de uma administradora, Margarida Veiga, que se demitiu em 2003 por ocasião dos primeiros cortes orçamentais, não é um sinal positivo da tutela. Mas, com a saída de Delfim Sardo chega ao fim o equívoco de considerar o módulo 3 do CCB como um centro de arte contemporânea, para que se fora escorregando de modo sinuoso e irreflectido.
Esse era um programa totalmente desajustado aos custos de funcionamento, ao lugar, à natureza da arquitectura e à respectiva carga simbólica, à sua inserção na rede de equipamentos culturais. Em parte alguma, um edifício com a escala monumental do CCB pode ter essa ambição, para mais fechando o entendimento do que é contemporâneo a um segmento sectário, e muitas vezes medíocre, do presente. Exposições que poderiam ter funcionado como âncoras foram diluídas na promoção de eventos menores; a World Press Photo, excepção entre mostras desertas, foi mantida pela administração mas ficou à margem da programação; a Colecção Berardo / que esteve em exibição grande parte do ano, numa escolha guiada pelo tema da arquitectura / é apoucada pelo mais árido dos discursos. Convém ver que os grandes edifícios comparáveis dispõem de acervos da modernidade clássica que mobilizam permanentes fluxos de visitantes; em Londres, a Tate Modern expõe Frida Kahlo (agora em Compostela) ou o Douanier Rousseau para manter a afluência; em Paris, o Palais de Tokyo é um espaço deixado em «tosco», com cantina aberta até à uma da manhã... Os luxos elitistas portugueses são muito provincianos.
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