É uma exposição comemorativa dos 50 anos da Fundação e é a abertura de pistas de investigação sobre 50 anos de arte portuguesa. Como transformar uma linha de pesquisa sobre os arquivos da casa (e em especial os do Serviço de Belas Artes, com os inúmeros textos escritos e ilustrados das candidaturas e dos relatórios dos bolseiros) numa exposição? Como fazer uma síntese cronológica da arte nacional sem proceder a um alinhamento de high-lights ou repetir montagens do CAM? Como passar para além das obras conhecidas para dar a ver a difusa rectaguarda constituída pelas bolsas pedidas e atribuídas (ou não), os projectos enunciados, a abertura de horizontes propiciada pelas viagens e visitas a exposições no estrangeiro? O projecto era de grande complexidade (muito tempo, muitos artistas, muitos documentos) e o calendário breve e a equipa escassa (Raquel Henriques da Silva, Ana Filipa Candeias, Ana Ruivo).
A Gulbenkian, com as suas duas exposições de 1957 e 1961, que oficializaram a "arte moderna" para além da guerra de trincheiras entre os salões do SNI e da SNBA (modernidade e passadismo estavam de ambos os lados até 1956), a que se seguiram as primeiras itinerâncias internas e externas (estas a partir de 1967 em necessária parceria com o SNI); com a generalização dos programas de bolsas e algumas aquisições irregularmente programadas (as itinerâncias, a "ornamentação" dos serviços, algumas boas vontades...) - em simultâneo com o acolhimento de algumas grandes exposições internacionais - foi mudando um panorama em que eram muito escassas as possibilidades de profissionalização dos artistas.
A sua história foi-se fazendo num contexto que exigia compromissos com o poder não-democrático, e defesas face às aspirações imediatistas da "oposição"; num processo em que a resposta a pedidos, pressões ou necessidades ía resolvendo a inexistência de projectos préviamente definidos e em que um paternalismo entre o autoritário e o benévolo guiava a ampliação das linhas de intervenção, sempre confrontada com a ambivalente relação de dependência e de atrito dos meios favorecidos pela acção da Fundação (ora agradecidos ora reactivos). A viragem de 74/75, o afastamento e a morte de um presidente carismático e insubstituível, a concorrência com outras instituições que aparecem nos anos 90 (e já em 87 o estabelecimento de um acordo tripartido com a SEC e a FLAD que conduz a uma unicidade de políticas) vão alterando a identidade da Fundação e o seu lugar no país cultural.
Nos dois pisos da exposição seguem-se duas estratégias diferentes e complementares. Em cima, a montagem é aleatória quanto à cronologia e à selecção dos artistas, organizando-se em cinco polos genericamente temáticos ou analíticos: Corpo/Identidade; Signos/Códigos; Meios e processos; Espaços/Lugares; Tempo/Histórias. A relação das obras com estas categorias é muitas vezes fluida e a disposição espacial não é estritamente compartimentada.
O que aí sobressai é a imprevisibilidade das comparências, que não seguem os habituais registos de notoriedade ou suposta consagração. Artistas menos vistos ou mesmo de carreira fugaz ou inexistente podem estar representados (comprovando a extensão do universo dos bolseiros), e outros que foram bolseiros de reconhecida projecção ou cujo currículo contou com importantes apresentações na Fundação podem não ter sido incluidos (mostrando que a investigação levanta pistas mas está por sistematizar e concluir). É essa liberdade de selecção, e essa capacidade de surpreender, que permite reconhecer o destaque que adquirem a série de cinco gravuras de Maria Beatriz, 1967-69, onde se tecem histórias de crueldades e revoltas privadas; os comoventes ensaios fotográficos de José Manuel Rodrigues, de 86-87; os estudos de formas encontradas de Ângela Ferreira; as presenças de Fátima Vaz ou Luísa Correia Pereira (e a representação feminina é particularmente alargada)
continua...
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