Francisco Capelo, entrevista: "Paixão privada, ambição de Estado"
17-5-97, EXPRESSO/Revista, pp. 113-116
versão longa
«Sempre que Francisco Capelo é visto nas salas dos leilões já se prevê o entusiasmo com que licitará as obras para a colecção Berardo», lia-se há tempos numa crónica do «The Art Newspaper». Antes da entrevista, é ainda com a mesma excitação que Capelo exibe, no catálogo do leilão da Christie's realizado na véspera, em Londres, as duas obras que disputou pelo telefone: uma tela de David Salle e uma escultura de Carl André, dois artistas americanos de quem já havia outras peças na colecção.
No caso de Salle, trata-se de uma tela de explícito erotismo que ele perseguia desde Janeiro de 95, quando soube que um novo casamento do anterior proprietário determinara a intenção de venda, mas então por um preço excessivo. É um bom exemplo da persistência usada para alcançar as peças desejadas, mas o «record da sedução» continua a pertencer à galerista parisiense Denise Renée que levou três anos para aceitar desfazer-se de três peças históricas da abstracção geométrica. Para além do dinheiro (seis, sete milhões de contos para 400 obras), uma colecção faz-se com um projecto, com determinação e com olho.
Francisco Capelo, economista, com 42 anos, é o construtor da
colecção reunida pelo comendador José Berardo, para além de ser também
seu colaborador, desde 1988, num universo empresarial que se estende à
banca, aos tabacos madeirenses, à hotelaria e à comunicação social. A
entrada no mundo internacional da arte foi recente — apenas em Março de
1993 —, mas fulgurante. No final de 94 a imprensa americana («ARTNews»)
falava de um «Portugal's mystery man» que agitava, ainda sob anonimato,
os leilões desses anos de crise. O último «The Art Newspaper» refere
que «o agente e conselheiro artístico de Berardo tornou-se um dos mais
visíveis e tenazes compradores nos leilões e nos "dealers" de Londres,
Milão, Copenhaga, Estocolmo, Nova Iorque e São Francisco».
O protagonismo da colecção Berardo, agora parcialmente mostrada em
Sintra, cabe naturalmente ao seu financiador e proprietário. Os
resultados estão à vista, numa escala que ultrapassou a dos prazeres do
coleccionismo particular, paixão privada, para competir com os grandes
museus internacionais, com ambição de Estado — «Portugal era um local
provinciano onde o século XX não existe»...
Deixando a sombra, Francisco Capelo, que também tem uma colecção
pessoal e está a fazer crescer a paixão pelo «design» (esperem-se
próximas noticias), fala da sua estratégia de actuação e dos seus
gostos.
— Como surgiu a ideia de apresentar ao público a colecção?
FRANCISCO CAPELO — Houve desde o início a ideia de criar um museu de
arte moderna e contemporânea em Portugal. A colecção Berardo nasceu com
o conceito de colecção pública, para desempenhar um papel público, ou
seja, para preencher um espaço sentido pelo público como um vazio, uma
falta. Há dezenas de anos que se ouve dizer que Portugal precisa de um
museu de arte moderna. A Gulbenkian preencheu uma lacuna com a colecção
do CAM de arte portuguesa do século XX, mas não permite o dialogo com
as correntes que inspiram essa mesma arte portuguesa.
— Quando se definiu esse projecto?
F.C. — O momento instituinte, a primeira peça que deu início à Colecção Berardo tal como é hoje, foi uma tela da Vieira da Silva, que ainda foi adquirida por mim para a minha colecção, em Londres, em Março de 92. Escolhi-a pelo facto de não existir, em colecções portuguesas e mesmo no Museu Vieira da Silva, nenhuma tela do tempo do seu regresso do Brasil, em 1947. Esse período é fundamental, e é uma obra onde se sente toda a tensão que existe entre a abstracção, como linguagem dominante no século XX, e a ideia da perspectiva, que essa mesma abstracção vai destruir, pela recusa da ilusão, da imitação da natureza, mas que está sempre presente na sua pintura.
— Ambos, o Francisco Capelo e o comendador Berardo, já eram antes coleccionadores?
F.C. — Pessoalmente, já tinha uma colecção portuguesa e algumas obras internacionais que fui adquirindo desde 1980. O comendador, ainda na África do Sul, reuniu uma colecção de arte sobretudo sul-africana, com certas peças importantes e históricas. Mas tanto Portugal como a África do Sul sofrem do facto de estarem longe dos centros da criação, e a arte é uma linguagem que teve sempre centros; são zonas muito periféricas e influenciadas, com linguagens derivativas, que não foram elas que instituiram. O que não quer dizer que não tenham o seu interesse.
— Houve, por parte do comendador Berardo e com a sua colaboração, a vontade de ser, de algum modo, o Gulbenkian da segunda metade do século XX?...
F.C. — Isso seria um pouco ambicioso demais, mas não é completamente descabido. Qualquer pessoa que visita a colecção do senhor Gulbenkian fica em êxtase — aquele gosto, aquele olhar, em tudo que é apresentado, é de uma tal qualidade que, passados uns bons 75 anos, continua a ser uma das grandes colecções do mundo. Infelizmente não é suficientemente utilizada como objecto de «marketing»: se as pessoas vão a Madrid ver a colecção Thyssen, porque é que o turismo português não utiliza a colecção Gulbenkian e a do Museu de Arte Antiga, que se complementam? Mas faltava uma colecção do século XX. Portugal era um local provinciano onde o séc. XX não existe.
— Porque é que não surgiram outras colecções?
F.C. — Em Portugal há muitas pessoas ricas, mas, talvez pela cultura católica... — sem sentido pejorativo, mas porque a cultura católica, por oposição à cultura protestante ou judaica, tem vergonha de falar da riqueza. É uma riqueza que se esconde, há medo de a exibir. Por outro lado, as elites dos países são mais ou menos cultas e nós temos o azar de estar num país onde a elite não é muito culta. Em cem anos, os casos que se podem apontar resumem-se ao Ricardo Espírito Santo, que criou a Fundação e o museu do mobiliário.
— Porque é que se coleciona arte?
F.C. — Pessoalmente, podia estar a viver na Riviera ou nas Bahamas, tenho meios suficientes para não ter de trabalhar. Mas seria uma enorme chatice. Estar rodeado só de pessoas ricas é muito «boring», são pessoas que em geral já não sabem falar de nada, de uma trivialidade que só com aspirinas é possível aguentar. Para ficar condenado a uma história dessas, para mim e para o comendador, era melhor estarmos enterrados. É preferível fazer qualquer coisa útil ao Outro, há qualquer coisa como um dever comunitário...
— Coleccionar é como um sentido de vida?
F.C. —Estas coisas têm de se fazer com bastante dinheiro. Não sou um profissional das artes, sou um profissional dos dinheiros, o que eu sei é fazer dinheiro, gerir empresas, pôr empresas na bolsa, actividades que, de resto, também têm a sua paixão. Mas depois de fazer dinheiro está feito, passa também ao estado da chatice. Gosto do sentido do Belo, e o Belo pode ter muitas conotações, até pode ser o feio... A minha paixão é a arte e os objectos de design. Como não tenho filhos, pode ser também uma sublimação da tendência talvez inata para a paternidade e a continuidade. Deve haver aí uns investimentos inconscientes.
— Ao contrário do que é habitual nas colecções privadas, esta tem um projecto global e enciclopédico...
F.C. — Quando se quer preencher um vazio, não se pode ter a pretensão de dar aos outros uma leitura pessoal desse vazio. Se vivesse em Nova Iorque, S. Francisco ou Paris, podia ter sentido adquirir só um conjunto de artistas: seria a colecção de um gosto pessoal, em diálogo com os museus enciclopédicos que existem. Em Portugal não há essa possibilidade, portanto não se tratava de fazer a colecção do meu gosto.
— Trocou a paixão privada por uma paixão pública, por uma ambição de Estado?
F.C. — Pode ser um pouco megalómano, mas neste tipo de coisas é preciso ser megalómano. Não se podem fazer coisinhas, tem de se ter a coragem de fazer. Portugal precisa de uma rede cultural, mas continuou-se a investir apenas em estradas, para as pessoas que aprendem a guiar matando-se uns aos outros; fazem-se museus e depois é que se descobre que não há nada para lá pôr dentro. Assim não vale a pena. Não depende dos partidos, nem acho que se possa dizer que a esquerda é mais sensível, ou que é a direita... Em Portugal, por razões históricas, a direita é mais estúpida culturalmente que a esquerda, mas não quer dizer que em todos os países seja assim.
— Chegou a haver contactos com o anterior Governo, em 94, que não resultaram...
F.C. — Não chegaram exactamente a ser contactos... Quando se tem uma estratégia, uma pessoa não pede, porque ninguém ajuda os necessitados... Nunca pedi nada — eu sugeri que havia uma colecção, que ela tinha este projecto, que muitas das peças já se encontravam em museus, franceses especialmente, e que havia a disponibilidade... Nessa altura, o local óbvio era o CCB, que é um espaço fantástico (só é pena que não tenham acabado de arranjar os espaços à volta, com o habitual desleixo nacional), mas, infelizmente, à área política que estava no poder faltava-lhe sensibilidade cultural. O primeiro ministro teve um papel fundamental para a mudança do discurso económico do país, teve a coragem de tomar decisões importantes para Portugal se ajustar à Europa do Mercado Comum, mas não era propriamente uma personagem culta.
Felizmente, a nova maioria está recheada de pessoas que, por razões de formação, são mais cultas, e a relação foi mais fácil. E tive a sorte de ter na presidente da Câmara de Sintra a primeira pessoa que entendeu o significado da colecção, que a conseguiu integrar no seu projecto político e lutou pelo museu. Quando houve a mudança da maioria política, havia condições para a colecção ser instalada no CCB, o que dotaria imediatamente Lisboa de um centro com possibilidade de diálogo com os americanos, o Pompidou, etc. Mas eu dei a minha palavra de que a colecção ficaria em Sintra e estava dada. Quem arriscou foi de facto a drª Edite Estrela e é graças a ela que a colecção vai ficar em Sintra.
— Porque é que tomou 1945 por limite cronológico da colecção?
F.C. — Os projectos têm de se iniciar com uma ideia clara do dinheiro com que se vai contar. Podia ter pensado em fazer um conjunto de «fauves», com o Matisse, mais um Bonnard, um ou dois Picassos, etc. Fazia uma sala muito bonita, mas não fazia um museu. Com os meios de que dispunha em 92-93, esse caminho não fazia sentido. 45 é uma zona de ruptura no mundo ocidental, devido à barbárie da Segunda Guerra e à consciência dessa barbárie, e há também o surgimento de uma nova filosofia que se transforma quase num sucesso de massa, o existencialismo. É um corte que tem significado em termos lógicos, mas também financeiramente, porque a arte da segunda metade do século tem um preço muito diferente da da primeira metade.
Contudo, felizmente, a arte de fazer dinheiro, minha e do comendador, não é má e nós temos condições de ir alargando a colecção para o futuro, já com aquisições feitas dos anos 90, e também para antes de 45. E antes existem dois grandes movimentos, o surrealismo e a chamada abstracção-criação... Estou em negociações para a aquisição de obras desse período, numa estratégia idêntica à seguida pelo IVAM de Valência, que, com meios menores do que aqueles de que dispunha e disponho, conseguiu reunir um acervo interessante. Neste momento esses dois núcleos estão a avançar e espero que no espaço de 12, 18 meses se possa dizer que a colecção começa nos anos 30 e vai até ao final do século.
— Em termos financeiros, já se ultrapassaram os seis milhões de contos?
F.C. — Não gosto de falar de números. É evidente que há um preço de aquisição e depois o dólar varia, estava a 130 escudos e passou a 174... Se alguém observar os preços dos leilões recentes e valorizar a colecção, não é muito difícil chegar a um número da ordem desses ou superior. O que é um facto é que, hoje, com a mesma vontade do comendador e capacidade igual à minha, não se conseguia fazer a mesma colecção pelo mesmo dinheiro — teríamos de aumentar 50 por cento o que foi dispendido — e, por outro lado, não há obras disponíveis. A crise passou.
— Essa crise jogou muito a seu favor...
F.C. — Ainda bem que a crise aconteceu, senão a colecção não existia. Mas também não podia ter existido se fosse feita por pessoas da Cultura, das instituições da Cultura, que têm uma relação muito difícil com o dinheiro — vêm de um mundo dependente do Orçamento do Estado e os números são qualquer coisa que não entendem.
Com a especulação dos anos 80, as pessoas que não percebiam nada de arte davam enormidades por peças sem valor. Depois, quando os preços afundaram, as galerias viram-se com muitas dívidas, porque tinham pedido dinheiro aos bancos para repor os stoks e já não havia ninguém a comprar. Aí chegou o Francisco Capelo a dizer «eu quero aquele, quero aquele e aquele...» Viram-se obrigados, por necessidade, não só a vender bons quadros, mas até conjuntos coerentes, que seria impossível alcançar antes. Isso é evidente no caso da arte «povera», onde todas as peças são datadas da primeira exposição do movimento, é evidente no caso da Pop, etc
— A colecção é também um investimento?
F.C. — Não. Eu sou uma pessoa ligada à banca de investimentos, a minha vida é fazer negócios, e o comendador é accionista, por exemplo, de um novo «banco de affaires», o Banco Privado. Mas a arte não é nenhum investimento — isso é uma estupidez. Quando uma pessoa compra uma peça porque pensa que vai valer mais, é burro. O objecto de arte é um acto de criação e de uma ligação emocional de alguém com esse acto de criação. Se, com o tempo, essa identificação entre a pessoa que comprou e o objecto de arte passa a ser feita também por uma comunidade, por um número plural de pessoas que desejam comungar da mesma coisa, aí surge um mercado para a posse dessa dita obra e ela valerá certamente mais do que quando a comprou. Mas a probabilidade disso acontecer é relativamente modesta. As pessoas que dizem que compram arte para ganhar dinheiro vão perder de certeza, porque não é essa a atitude para comprar arte.
— Mas é habitual considerar a arte como uma área de investimento.
F.C. — Há quem faça isso. Também há quem me pergunte, depois de conhecer a colecção e os meus contactos internacionais, porque não abro uma galeria. Mas eu fui corretor uma vez e não quero voltar a sê-lo. Odeio as relações de dinheiro com a arte. Dou um exemplo: posso ter tanto prazer a ver um Pollock, um «dripping» que pode custar cinco a dez milhões de dólares, como a ver um Michaux ou um Mark Tobey que custam umas dezenas de milhares de dólares — isso não tem nada a ver com dinheiro. A passagem do mundo do dinheiro para o mundo do prazer estético para mim não funciona...
— Como escolhe as obras? Pelo gosto, a atracção pessoal, as referências históricas, o seu currículo?
F.C. — Tem de haver um bocadinho de tudo. Primeiro, há a consciência de que a obra de um autor falta no panorama da colecção, o segundo passo é ver quanto custa uma boa peça desse autor, depois tentar identificar qual é o período em que ele estava no seu pico criativo. Aí, há que tentar encontrar obras disponíveis no mercado desse período e ver o preço dessas obras; a seguir é importante conhecer a proveniência, para se saber como a obra foi mantida em casa, porque em geral se trata de particulares, e também porque um grande coleccionador tem um bom olho, por isso a possibilidade de asneira é menor. É importante também o currículo da peça, em que sítios foi exibida, até como garantia de que não é uma falsificação. Por fim, você tem de se decidir por uma obra que sente — tem de ser o risco do olho que sente esta peça como um «that's it».
— A colecção propõe uma visão da história da arte como sucessão de vanguardas? Há também obras solitárias, maturidades tardias...
F.C. — Se me pergunta se acho interessante uma colecção que é uma soma de vanguardas, acho que não. E se reparar no livro da colecção, não é isso que lá está: há um diálogo entre personagens das vanguardas com outras figuras que estão mais esquecidas. Não tenho qualquer pretensão de reduzir a história da arte às vanguardas, isso são histórias feitas à posteriori. Na minha dita infância mental fui muito influenciado pelo estruturalismo e pela leitura de Marx feita pelo Althusser, fui um seguidor dos Freud, Lacan e companhia, e fiz uma psicanálise de dez anos — está a ver como isto entrou dentro da minha pele. Quando saí, porque depois destas coisas tem de se renascer, fiquei com uma certa aversão às coisas de tipo estrutural e daí que goste sempre de manter um equilíbrio entre a estrutura e a história. Só assim é possível não ser totalitário.
— Por outro lado, o Museu parece ter a preocupação de manter uma relação forte com o público e de vencer a resistência à arte contemporânea.
F.C. — Imagine que se faz um museu baseado na arte minimal e na arte «povera». As pessoas vão dizer que aquilo é um monte de lixo. Vêm de um contexto dominado pelas imagens da televisão, que é um meio pobre de cultura, e não se lhes pode dar só obras de mensagem poética. Elas não vão ver. Tem de se ser capaz de dar essa poética dentro de outros contextos que joguem com o imperialismo da imagem da televisão. Daí, por exemplo, ter dado sempre uma certa força à Pop arte, porque é uma forma fácil de as pessoas, a seguir, entrarem na arte conceptual e nas obras dos anos 70.
-- Mas nota-se na colecção um forte gosto pela pintura e pelo fazer pictural das imagens, que está distante dos discursos sobre o fim da pintura. São marcas de um gosto pessoal?
F.C. — É evidente que eu gosto de pintura. Até há quem diga que sou muito conservador — e também em política, embora eu seja uma pessoa de esquerda. Sempre fui de esquerda... mas da esquerda caviar. É preciso haver um certo conservadorimo. Se estamos a falar de arte, temos que ver que existe um «medium», é uma coisa que aprendi dos meus tempos dos estruturalismos, e os meios é que impõem a mensagem, não é a mensagem que impõe os meios. Se estamos a fazer uma colecção de arte, temos de saber qual é o «medium»: é a pintura e a escultura. Isso é uma baliza. Mas se me perguntar qual é a escultura que acho mais interessante, é o Anselmo, que é difícil, mas de quem existem três peças — tem a ver com a minha emoção. Falar do fim da pintura faz-me sempre rir. A morte e o nascimento existem, mas a arte é um discurso e nos discursos não há morte nem princípio, o que é o título de um livro do Mário Dionísio.
— Porque é tão limitada a integração de artistas portugueses?
F.C. — Isso é verdade e não é. A colecção tem um acervo de artistas portugueses da minha colecção pessoal, que, por razões particulares, está também integrado na Colecção Berardo, e existe um outro acervo, meu, dos anos 80 onde há peças importantes que podem integrar-se em qualquer altura. O que era preciso não era criar uma nova colecção do CAM, mas uma colecção de arte internacional. No entanto, haverá um momento em que as duas coisas terão de se articular, não só fazendo algumas aquisições de arte portuguesa, mas integrando as que já existem.
Por outro lado, o museu vai ter dois períodos de visitantes, o Verão e o Inverno. Sintra é visitada no Verão por muitos estrangeiros — cada um daqueles palácios recebe cerca de 300 mil pessoas por ano —, e nesse período tem de ter uma exposição mais internacional, mas podem-se fazer depois, no período de Inverno, experiências mais viradas para o mercado doméstico, com exibições de arte portuguesa juntamente com arte internacional. Uma das ideias é mostrar a escultura dos anos 80 reunindo artistas portugueses e intermacionais.
— Com a dimensão que a colecção tomou já se pode dizer que faltam Picasso e Matisse, que estavam activos a seguir a 45.
J.C. — É possível que, quando o Museu abrir, a colecção tenha já um Picasso de grande qualidade, de 1929, que não é um estereótipo do Picasso, apenas uma obra com a sua assinatura, mas uma peça do período do surrealismo, que o tem interesse de ter a linguagem pós-cubista de Picasso, com a força escultural que consegue no período do «retour à l'ordre» e com essa relação com o surrealismo. Espero poder adquiri-la nos próximos dias. Não estará em exposição, mas poderá abrir uma nova sala, dentro de 18 meses, sobre o surrealismo e os anos 30.
— No futuro, prevê a possibilidade de apresentar toda a colecção num espaço único?
F.C. — Não sei. O Casino de Sintra é um espaço suficiente que pode ser gerido por meios privados, é um espaço que tem dignidade e é um museu que se vê com prazer.
— Mas o destino da colecção fica em aberto, o protocolo firmado têm um prazo definido. O que é possível prever, um dia, em caso de morte e de partilhas?
F.C. — No meio da arte diz-se que as colecções têm tres inimigos, os três DD, morte (death), dívida e divórcio. No divórcio não acredito, porque o comendador e a esposa são pessoas de bom senso e com idade para não andarem com aventuras estúpidas. Em relação à morte já é mais complicado, e daí que no conselho do Museu a pessoa que representa o comendador Berardo seja o filho. A melhor maneira de preparar o futuro da colecção é associar os filhos do comendador, que são dois, e esperar que o amor do pai à colecção se transmita. Se me perguntar se estas coisas se transmitem, eu não sei, mas o filho do comendador trabalha comigo, é uma pessoa inteligente e sensível e estou certo que tem a mesma admiração e o amor pela colecção que o pai. Quanto à parte financeira, não se preocupe que eu continuo a fazer dinheiro.
Comments