Watchman, What of the Night?, 1968, óleo sobre tela, 299,7 x 993,8 cm
Roberto Matta ( 1911 - 2002 ) © 2007 Copyright The Berardo Collection
Após o átrio renovado (*), a visita ao museu (ver site da colecção ) começa pelo antigo espaço do design onde se aloja o núcleo "Surrealismo e mais além". No primeiro espaço estão os nomes históricos e também Cesariny, apesar da diferença cronológica. Ficam logo exemplificadas as liberdades que se tomam com o desenrolar da história, para propor associações significativas ou apontar precedentes e sequelas. E também se demonstra o pedido de peças a outras colecções, dispensando uma eventual peça menor e mobilizando empréstimos, da Gulbenkian, da F. Cupertino de Miranda, do Chiado, neste caso.
A seguir, a notável ideia de, num apertado local de passagem, reforçar cenicamente (quase ao espelho. mas num espelho distorcido) o pequeno Picasso de convívio surrealista e contacto abstractizante, de 1929, com uma obra paralela do Museu Picasso de Paris (mesmo ano, mesmo tema e formato, a mulher num sofá, vermelho - sendo a mesma mulher (?) a difícil Olga). O surrealismo segue pela América Latina com a presença fortíssima, em estreia, de uma tela gigantesca de Matta, que ocupava toda uma parede do quarto de dormir do famoso galerista Alexander Iolas, e foi depois oferecida ao Metropolitan de Nova Iorque o qual a pôs à venda em proveito do seu fundo de compras. Vendeu-se em 2005 num leilão da Christie's de obras latino-americanas, por quase um milhão de dólares, e estava ainda enrolada na quinta-feira.
O núcleo inclui no final a pintura de Manuel Ocampo, que é um muito interessante contemporâneo, e toma-se então o caminho interior para o piso 2, que há muitos anos se encerrara. Na subida encontra-se uma galeria dedicada às fotografias ampliadas de Fernando Lemos e o acesso à "Pop & Cª" faz-se por um mezzanino onde se localizam Duchamp e Picabia. Notar-se-á que todas as janelas se abriram e a luz irrompe.
O itinerário é extenso, representativo, com peças poderosas ou grandes, e tammbém prolongado até ao presente em veias ditas populares, com uma nova pequena obra de Peter Blake (uma assemblage-colagem de objectos ) no sector inglês, uma nova e subtil peça de Rauschenberg de 1971; com presenças reforçadas por empréstimos de Lourdes Castro e René Bertholo, mais Manuel Casimiro e já mais longe Julião Sarmento diante de Eric Fischl (se não estou a trocar de piso - neo pop ou figuras renovadas?). Com as figurações narrativas francesas, os nomes do realismo capitalista alemão, o foto-realismo, prolongamentos mais ou menos tardo-pop de Robert Longo e Robin Lowe, etc, etc. E outras presenças em vídeo e grandes quadros fotográficos Txomin Badiola da colecção do ex-Instituto de Arte Contemporânea, que é um dos acervos depositados no CCB.
Rauschenberg, Plus Fours (from Hoarfrost Editions (G.573), 1974 (170,2 x 241,3 cm)© 2007 Copyright The Berardo Collection
Passa-se uma construção circular onde se mostrará uma obra diferente todos os dias ("Efeméride"). E entra-se em "Re-Take", onde a fotografia se associa a memórias várias. Com Boltanski e os 364 Suiços Mortos, uma parede Jorge Molder, outra da indiana Vivian Sundaram, uma instalação de Ernesto de Sousa (A Tradição como Aventura, de 1978 na Quadrum), entre outras obras conhecidas ou inéditas.
No piso térreo a entrada é espectacular com a pintura instalada ou instalação de pintura objectual de Stella a vir buscar os visitantes, como uma língua recoberta de graffitis. É mais uma notável e imensa peça recém-adquirida de um grande artista caído em desgraça nos meios "bem", o que é um óptimo sinal (disse ou fez alguma inconveniência). É a 1ª obra, de 1995, de uma pioneira e mal recebida série de pinturas maximalistas em suportes espaciais ondulantes. Daí (e do diálogo proposto com o Mondrian da colecção e com o retrato de Jacqueline de Schnabel - apontando várias direcções temáticas) se vai para a "Figura reiventada", com Bacon, Balthus, Klossowski e Paula Rego, de quem aparece uma nova obra identificada como de colecção particular. Aí se mostra tb um pintor francês pouco conhecido, Eugène Leroy (1910-2000), com a obra da colecção e mais duas, onde as aparições das figuras se fazem sempre na associação entre corpo sensível e matéria pictural. É um discreto toque francês de Jean-François Chougnet. E Leroy, sucessivamte descoberto e ignorado, é um caso.
Pedro Cabrita Reis, Cabinet d’Amateur #2 (Stockholm version), 2001 © 2007 Copyright The Berardo Collection
Depois, "O poder da cor" conta com a norte-americana Shirley Jaffe e faz um largo percurso da post-painterly americana a variadas possibilidades formais e formalistas. Aparece um exemplar Robert Ryman e Cabrita Reis apresenta várias novas obras, em pintura e volume, além da enorme instalação do Cabinet d'Amateur nº 2, 2001.
Em "Minimalismos", com extensão à "arte pobre" e proximidades, aparece um novo Mario Merz, e entre os clássicos da colecção a video-instalação de Bill Viola aparece restaurada e redesenhada.
Por fim, "Autonomias" inclui obras de mulheres artistas, com obras recentes de Marina Abramovic, uma sala Helena Almeida e em especial as aquisições (fotografia e vídeos) de Ana Mendieta, para além da rotina da especialidade.
Em geral, a montagem por núcleos genericamente temáticos, com independência entre si, substitui-se com vantagem ao itinerário histórico, que teria lacunas e presenças menores, e permite a posterior rotação de montagens. Em Novembro o piso superior dará lugar a uma exp. temporária vinda de Barcelona, do Museu de Arte Contemporânea - MACBA, "Un teatro sin teatro", que "examina las relaciones e intercambios entre el teatro y las artes visuales a lo largo del siglo XX" (comissários Bernard Blistène y Yann Chateigné, en colaboración con Pedro G. Romero; coprodução MACBA-MCB). Com o que se desmente a especulação idiota sobre o fim das mostras temporárias no CCB, como se o Museu de Sintra tivesse sido um exemplo de imobilidade.
Com as 248 obras e séries exibidas em sete exposições distintas, quer convirá visitar separadamente, a selecção do director é respeitadora dos interesses, hierarquias ou valores estabelecidos (no caso nacional, agora, Helena Almeida, Cabrita Reis, Jorge Molder, Julião Sarmento - e também já Paula Rego, que remédio, apesar de não "nos" ter representado em Veneza) e segue o mainstream internacional, como teria de ser institucionalmente - o que não chegará para deter a sobranceria ou arrogância de algumas pequenas instituições. Nota-se, a seguir, feito esse compromisso, a capacidade de fugir à regra de ir representando todas as conveniências, ou percorrendo as principais capelas para geral satisfação. Aqui não se poderá dizer que falta este ou aquele: estar significa apenas uma relação momentânea de poderes, ou de gostos - o que só quer dizer que os poderes e os gostos são passageiros. Em relação à colecção, a escolha parece ser totalmente independente, guiada com firmeza só por opções de qualidade, projecto e contexto - e há obras recentes com importância. Depois, talvez se notem alguns destaques de autores e de obras que se poderão ler como apostas sensíveis e significativas, mas tudo se jogará a prazo, expondo as obras, associando-às às suas origens, pondo-as à prova.
Felizmente, com Capelo e Berardo, esta colecção não foi sendo feita por assessores ou curadores, nem é apenas mais colecção igual às outras. J.F. Chougnet transformou-a num grande espectáculo e insinuou algumas pistas para relações e leituras mais subtis, como já fizera na exp. 3D na Assembleia. Genericamente, é um museu como há muito poucos nas capitais da Europa, pela sua especificidade cronológica e alargada abrangência. E é mobilizando alguns empréstimos que a colecção demonstra a sua importância e poder.
(*) no átrio estará exposto o retrato do coleccionador feito por Júlio Pomar, em versão muito revista desde a 1ª aparição em 2005.
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