Para a história do CCB - 2 (ver nº 1)
As 1ªas exposições do CCB abriram a 10 de Junho de 1993: Sebastião Salgado e "Trabalho" no âmbito do Mês da Fotografia (EXPRESSO/Revista, de 19 Junho 1993, “O fim de século como epopeia”), "O Triunfo do Barroco", vindo da Europália'91, arquitecto Nuno Mateus - ARX Portugal e instalações de esculturas de Alberto Carneiro e Rui Chafes.
"Inaugurar sem rede", Expresso/1º caderno de 12-06-1993, pág. A19
"Apesar de a inauguração do CCB ter sido um êxito, sobram muitas interrogações. Sobretudo acerca dos meios financeiros que garantam o futuro"
"Não se desvaneceu o escândalo do Centro Cultural de Belém com a
abertura ao público do módulo de exposições, mesmo que globalmente deva
ser considerado um êxito a sua inauguração com cinco mostras
simultâneas.
É um escândalo que, com ano e meio de atraso e com vários milhões de
acréscimo em relação às datas e às verbas previstas, ainda decorram
obras no Centro de Espectáculos e até no próprio Centro de Exposições,
nas suas áreas de reservas, de actividades pedagógicas e de oficinas.
Mas é sobretudo um escândalo que se mantenha em vigor o decreto-lei que
criou a Fundação das Descobertas como entidade gestora do CCB, em
especial no ponto em que se lhe atribui, mesmo que a prazo, o objectivo
de atingir uma «plena independência financeira relativamente ao
Orçamento do Estado».
Em qualquer país europeu, a participação do mecenato nos custos das actividades culturais situa-se entre os 2 e os 10 por cento, enquanto os resultados da exploração da bilheteira oscilarão entre os 20 e os 50 por cento. No caso do CCB, é puro logro ou absurda mistificação a engenharia financeira com que o Governo pretende desresponsabilizar-se de assumir os custos inevitáveis da animação permanente do espaço que construiu.
Sem o estabelecimento de um orçamento firme para este ano e de garantias para o futuro — que não assenta nem assentará no mecenato — e sem a definição clara de um projecto para o CCB, em coordenação com os outros equipamentos e estruturas culturais de que o Estado dispõe, todas as interrogações são possíveis. Menos, certamente, a hipótese de venda sistemática de edifícios públicos para custear as actividades do Centro, como, quanto a este ano e a propósito da sede da Secretaria de Estado da Cultura, já admitiu o respectivo titular - Santana Lopes. (ver EXPRESSO de ? Março).
Presenças discretas
O primeiro-ministro Cavaco Silva mandou abrir as salas do CCB porque os custos políticos do seu continuado encerramento estavam a tornar-se insuportáveis, mas não conseguiu provar que a fórmula de gestão preconizada é minimamente verosímil.
A inexistência de um acto formal de inauguração, trocada por uma mera visita às exposições e um cocktail, é indicativa dessa dificuldade e, ao mesmo tempo, do propósito de continuar a adiar soluções e projectos. De modo ainda mais flagrante, a discreta presença na inauguração (e mesmo a ostensiva falta de comparência) dos representantes das empresas que são supostas assumir a principal responsabilidade financeira pelo CCB confirmam que não é pacífico o entendimento entre o Estado e os membros dos conselhos de administração e de mecenas da Fundação das Descobertas.
Igualmente significativa, no momento da inauguração do Centro de Exposições, é a ausência de uma decisão sobre o destino da área museológica do CCB, ao cabo de declarações contraditórias, hesitações e silêncios comprometidos que se arrastam há mais de três anos. Embora não seja pacífico que o edifício deva, inevitavelmente, acolher um Museu, o certo é que, segundo os seus estatutos, «a instalação do museu permanente e a escolha do seu título, vocação e recheio inicial são da exclusiva responsabilidade do Estado».
É, de facto, «sem rede», ou seja, numa situação de total indefinição das regras de gestão, sem se saber quem vai pagar a factura (para além do público - sujeito, aliás, a uma forte selecção social pelos altos preços fixados para a bilheteira) que a actual direcção do Centro inicia as actividades.
Assim sendo, e sabendo-se que foi num prazo curtíssimo que, depois de todas as esperas anteriores, arrancaram os preparativos das primeiras exposições, é ainda mais de sublinhar a qualidade alcançada pelo programa inaugural.
Promessa de orientação
Com «O Triunfo do Barroco» cumpre-se, com um ano de atraso, a promessa de mostrar em Portugal a exposição central da Europália'91. O êxito belga repetir-se-á seguramente em Lisboa, nos 3000 metros quadrados da grande nave do CCB, cenograficamente bem adaptada à exibição do fausto terminal do Império. Mas cabe perguntar se as opções seguidas, legitimamente, com vista a uma representação diplomático-cultural no exterior — que levaram a privilegiar as artes decorativas à apresentação da arquitectura e que visaram, em especial, um efeito de ostentação de riquezas nacionais (uma nova embaixada ao Papa, agora substuido pela sede de Bruxelas) — não deveriam ter dado lugar, em Lisboa, a uma reconsideração mais didáctica da história e da cultura do mesmo período.
Já a apresentação de Sebastião Salgado, com 250 fotografias e dois diaporamas, constitui um momento triunfal e sem precedentes: a vinda a Portugal, em simultâneo com o início da sua digressão mundial, de uma exposição reconhecida como um dos maiores acontecimentos fotográficos de sempre. Inquérito e epopeia, a «arqueologia da era industrial» documentada em vários continentes pelo fotógrafo brasileiro é uma radical interrogação sobre o estado do mundo e o destino do homem no final do século, colocando uma obra fotográfica em igualdade com os mais decisivos monumentos da história da cultura. A oportunidade do Mês da Fotografia, promovido pela Câmara de Lisboa, está por trás do milagre que é a vinda desta exposição ao CCB.
A exposição de Nuno Mateus (ARX Portugal) significa a entrada em actividade do Centro Português de Arquitectura, no âmbito do CCB, o que constitui uma positiva aposta do director do Centro de Exposições, José Monterroso Teixeira. É também a apresentação de um jovem autor, e nesse sentido é sinal de uma salutar abertura da direcção do CCB para correr riscos e tomar um papel criativo no quadro cultural português. O mesmo sucede com as instalações dos escultores Alberto Carneiro e Rui Chafes, duas obras modernas, certamente chocantes para um público que tem tido limitadas oportunidades de informação. Todas estas últimas exposições resultam da iniciativa do CCB e deliberadamente definem uma vontade de intervenção institucional voltada para uma contemporaneidade sem complexos.
Reuniram-se a história e a actualidade, a grande representação internacional e a produção portuguesa, os nomes consagrados e as revelações, num cenário arquitectónico belíssimo. Mesmo sem qualquer solidez de estruturas, esta inauguração tornou-se uma promessa de orientação e autoriza grandes expectativas para o futuro.
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