O centro de exposições do CCB vai reabrir como Museu de Arte Moderna e Contemporânea - Colecção Berardo, ou mais directamente: Museu Colecção Berardo. A inauguração oficial está marcada para 25 de Junho -- pouco mais de dez anos depois de (a 17 de Maio de 1997) se ter inaugurado o Sintra Museu de Arte Moderna - Colecção Berardo, que entretanto se mantém em actividade.
E um pouco menos de 14 anos depois de se terem apresentado a partir de 8 de Julho de 1993, na Galeria Valentim de Carvalho, de Maria Nobre Franco, as obras de um coleccionador anónimo que mais tarde veio a identificar-se como José Berardo.
Aí se puderam ver obras de Albers, Fontana, Rotella, Arman, Spoerri,Christo, Niki de Saint Phale, Rauschenberg, Dubuffet, Peter Philips, Baj, Yves Klein, Barceló, Combas, Clemente, Blais, Joe Tilson, Matt Mullican e outros. Era o princípio da Colecção Berardo, como se veio depois a saber. (No Cartaz do Expresso publicou-se uma crítica de José Luís Porfírio à exp. "Uma Colecção Particular" no dia 24 de Julho.)
#
Sobre o que será o Museu Berardo ver entrevista com o seu director, Jean-François Chougnet, realizada por Sandra Vieira Jürgens, em artecapital.net
#
E é altura de rever algumas datas e textos, sobre o CCB e sobre a Colecção Berardo.
A começar por uma defesa do edifício, que era à data da sua construção muito atacado. O CCB apareceu com a justificação ou o propósito de aí decorrer a 1ª presidência europeia por parte de Portugal, no 1º semestre de 1992, tempos do 1º Cavaco. O interior do Módulo 1 tem ainda características de um bunker envidraçado, conforme as medidas de segurança então consideradas necessárias.
Projectado como um grande equipamento cultural nos tempos de Teresa Gouveia e António Lamas, o seu programa "perdeu-se" com a seguinte equipa da SEC-IPPAR, entrando-se na maior confusão sobre o destino museológico e a estrutura de financiamento-administração.
Depois da presidência portuguesa, a casa reentrou em obras por mais um ano e o seu destino voltou a mergulhar em incertezas.
EXPRESSO/Revista de 13-03-93 (no âmbito de um dossier sobre o tema)
"Um lugar central"
Em Paris, o actual coração da cidade é formado pelos museus do Louvre e
d'Orsay e o Centro Pompidou. Refizeram o lugar tradicional da França
como grande eixo cultural, são a cúpula da principal actividade
económica do país, o turismo e os «loisirs» (por muito que custe aos
puristas, e por mais preocupantes que sejam, de facto, os efeitos da
massificação e espectacularização da cultura), e asseguram o lugar
central da capital em tempos de mediatização e mundialização da
informação.
Em Madrid, o reforço da importância da capital contra as
pressões centrífugas que se seguiram à democratização passou por uma
política de afirmação cultural, e em especial pela criação de um eixo
de grandes museus centrais que tem os seus pólos no Prado, no Rainha
Sofia e no Museu Thyssen, contrariando-se em poucos anos a primazia
antes reivindicada por Barcelona. Os exemplos multiplicam-se em
Londres, em Berlim, por toda a parte.
Os grandes equipamentos culturais, e especialmente os que servem as
artes visuais (paradoxalmente, as menos mediatizáveis), estabelecem
hoje a renovada função simbólica da capital, que noutras eras assentou
na desigualdade ostensiva do desenvolvimento económico e urbano, na
presença palpável do Poder, nos emblemas visíveis e mais ou menos
míticos do centro.
Também o Centro Cultural de Belém pode ser visto como o investimento oportuno no reforço simbólico da capitalidade de Lisboa, num país sujeito às desencontradas atracções vindas da fronteira espanhola, para além de assegurar o substancial reforço das paupérrimas infra-estruturas culturais de que a cidade dispõe.
SÓ QUEM se compraz em repetir as mais demagógicas fórmulas sobre descentralização cultural é que ignora que o acesso universal à informação e o direito a estradas capazes tem por contraponto a centralidade imperiosa dos equipamentos de ponta, necessários e admirados em qualquer país civilizado. O exemplo recente da exposição dos dinossáurios, que fez convergir sobre Lisboa as escolas de todo o país, basta para avaliar a apetência que existe pelos grandes acontecimentos culturais: os dinossáurios não podiam entrar em digressão, tal como não podem itinerar por Trás-os-Montes as grandes produções que se devem exigir no S. Carlos .
Paralelamente, só quem tem por hábito deslocar-se todos os anos a Madrid, Paris e Londres é que faz gala em defender que o investimento em novos equipamentos culturais de grande dimensão e com características técnicas actualizadas não é uma das prioridades do país, enquanto os frequenta no exterior com a satisfação de pertencer à elite dos que vão "lá fora". E só os impostores repetem, a propósito de tudo e de nada, os disparates fáceis sobre a pirâmide do Louvre e a megalomania dos príncipes, embora saibam que se trata apenas de uma (belíssima) cobertura transparente para um «hall» subterrâneo que estabelece a circulação entre as diferentes alas do museu, e que ao mesmo tempo define, com o Obelisco da Concorde, o Arco do Triunfo e o Grande Arche, o eixo da cidade do final do século XX.
Só quem tem pela cultura o mais perigoso dos receios é que se pretende incapaz de distinguir o cortejo de irregularidades processuais e atropelos financeiros que envolveram a construção do Centro da realidade edificada que se ergue em Belém (ver "Um pedaço de cidade", de Paulo Varela Gomes, EXPRESSO/Revista de 21/12/91), como correcta solução urbanística de uma praça simbólica, como conjunto de equipamentos necessários à cidade e ao país, como construção arquitectónica capaz de ombrear, desde já, enquanto monumento, com a Torre de Belém ou os Jerónimos — e a emoção viva com que essa arquitectura hoje se descobre é bem superior à do peso reverencial da História.
Paulo Portas nunca foi tão terrorista como quando, há uma semana, no "Independente", escreveu que "o CCB é uma ficção ideológica, encomendada por um chefe egocêntrico em momento de loucura pura (...) é a imagem de um homem, de um governo e de um regime." Veremos dentro de dias, antes ainda de se abrirem as galerias e auditórios, como a população que passa o fim de semana nos relvados junto ao rio vai atravessar a linha férrea (esqueceram-se de a enterrar) e invadir as ruas e os jardins dessa ficção ideológica. E esperemos que venha a saber-se exactamente quanto é grave para a futura exploração do Centro que o "chefe" e o seu funcionário para a Cultura nunca tenham percebido para que servia aquela construção, e não tenham sabido dotá-la, desde o início, de uma definição e de um programa. Nunca lhe chamaremos, por isso, Centro Cavaco, mas Pompidou merece ser recordado no edifício e no projecto cultural que tem o seu nome.
DE FACTO, pequenos e médios comentadores abateram sobre o CCB, desde o início, todo um conjunto de argumentos que apenas serviram para desviar o debate dos seus eixos mais problemáticos, numa santa aliança de má fé (a obra de regime, que é naturalmente, como todas as grandes obras o foram), de desonestidade intelectual (o mamarracho, quando ainda não se tinha erguido essa notabilíssima obra de arquitectura e de urbanismo), de ignorância (a proximidade dos Jerónimos, quando é apenas um pastiche erguido no século XIX que lhe é fronteiro).
As questões essenciais, para lá dos casos de polícia no processo de condução das obras (a passagem dos 14 milhões previstos por António Lamas e Teresa Gouveia para os actuais 40), são de escala e de programa do edifício; depois, de operacionalidade e organização da sua gestão (dos 600 mil contos anuais fixados por Cavaco, como "prejuízo", para os quatro milhões/ano calculados por Roberto Carneiro como investimento mínimo, e por isso ele recusou a presidência da Fundação); por fim, de integração numa política cultural coerente e articulada com outros equipamentos — e, mais globalmente, de credibilidade do responsável por esta área, mesmo entre os seus parceiros de Governo.
Por exemplo quanto à escala do edifício, nem sempre o gigantismo é a palavra exacta: o auditório deveria ter o dobro da capacidade, porque não faltam na cidade salas de dimensão próxima (Gulbenkian, Aula Magna), mas era necessária uma de capacidade intermédia (2.500/3.000 espectadores) para preencher o hiato que existe até ao Coliseu.
Até agora, o Governo foi degradando a imagem do CCB, ao atrasar, primeiro, a definição do seu programa — não se constrói uma area museológica sem se saber o que se põe lá dentro, e ainda agora não há decisões firmes (o que é apenas um pormenor) — e, depois, ao adiar a fixação dos recursos disponíveis e impor o silêncio aos responsáveis pela sua gestão.
É possível que a exploração de valências comerciais, nos três módulos já construídos, não desfigure a programação cultural e lhe assegure alguns recursos, mas fica por compreender como se articulará uma política globalizada de exposições, da responsabilidade do Estado, com a gestão privada (não governamentalizada) do módulo 3. Irão os programadores do módulo 2 entrar em concorrência desigual, a coberto de fundos públicos, com os empresários privados da área do espectáculo "ligeiro"? A animação do CCB, com inevitável atribuição de fundos do orçamento da SEC e do Fundo de Fomento Cultural, irá desertificar as restantes estruturas especializadas e consolidadas, consumindo-se numa política de mera exibição e espectáculo?
As primeiras informações prestadas pelos gestores da Fundação das Descobertas, com todas as suas contradições, abrem tantas interrogações como expectativas.
Comments