A Fundação António Prates, em Ponte de Sor, tem inauguração marcada para 13 de Julho. O projecto e a colecção que o sustenta, com origem na actividade do galerista com o mesmo nome (São Bento, Centro Português de Serigrafia e Gal. António Prates), foram apresentados numa exposição em 2001, no Museu de Badajoz, e falava-se então num início de actividades logo em 2002.
A montagem inaugural, que inclui artistas estrangeiros e portugueses, está a ser organizada pelo titular da colecção e por Graça Fonseca, que teve uma activa galeria com o seu nome entre 1989 e 97, em Lisboa, e é agora secretária-geral da Fundação.
Foi publicado no EXPRESSO/Cartaz de 17/11/2001 o seguinte artigo :
« Caminhos de fronteira »
Apresenta-se em Badajoz a colecção de António Prates e a fundação a instalar em Ponte de Sor
"Fundação António Prates. Um projecto para Ponte de Sor" / MEIAC, Badajoz / Novembro-Dezembro de 2001
Em Madrid expõe-se a colecção de arte portuguesa do MEIAC (Museu Extremeño e Iberoamericano de Arte Contemporáneo), depois de já ter sido apresentada em Sevilha e antes de seguir para Barcelona. Em Famalicão exibe-se a retrospectiva do surrealismo que foi uma iniciativa do Museu de Badajoz e de Perfecto E. Quadrado antes de ser uma co-produção com o Museu do Chiado (em Janeiro vai para Madrid, e conviria resolver antes os equívocos surgidos a seu respeito, porque será um escândalo a montagem no Círculo de Belas Artes sem a participação de Cesariny). No próprio MEIAC faz-se agora a primeira apresentação pública da Fundação António Prates, cuja inauguração em Ponte de Sor se prevê para Abril.
Diz-se em Espanha que «Portugal está de moda» e, de facto, sucedem-se as iniciativas dedicadas à arte e à literatura portuguesas, cobertas por capas e páginas inteiras dos suplementos culturais. Badajoz é um dos pólos mais activos desse novo relacionamento, com o suporte político de uma estratégia autonómica activamente voltada para o Alentejo e para Lisboa, que se tornou a capital mais próxima no mapa europeu. Para além da importância dos projectos, estão em causa transformações da paisagem sócio-económica das regiões de fronteira, a implantação de novos pólos de desenvolvimento local, o jogo entre áreas de influência. Sob a chancela do «Gabinete de Iniciativas Transfronteirizas», muito mais visível do que qualquer homólogo português, realizam-se seminários, programam-se exposições ou editam-se livros - por exemplo, uma extensa investigação sobre Órficos y Ultraístas. Portugal y España en el Diálogo de las Primeras Vanguardias Literarias (1915-1925), de Antonio Sáez Delgado, numa colecção já numerosa da Editora Regional de Extremadura.
A Fundação a instalar em Ponte de Sor pretende ser um pólo português dessa transformação da paisagem interior. António Prates, galerista em Lisboa, desde 1984 à frente da São Bento e depois do Centro Português de Serigrafia e da galeria que tem o seu nome, teve a aspiração de instalar na terra natal a colecção de arte que foi reunindo a par da actividade comercial. O propósito foi acolhido pela Câmara local, que para o efeito se dispôs a comprar, com o apoio do FEDER, uma fábrica de descasque e moagem de arroz, há anos desactivada. Com uma área de dez mil metros quadrados, e metade de área coberta, conserva o antigo património industrial, o que justifica um funcionamento parcial como ecomuseu, e contará com galerias de exposição permanente e temporária, espaço multimédia/Internet e auditório, sendo o projecto de reabilitação arquitectónica de Walfredo Sangareau e o arranjo dos jardins de Leonel Moura.
Esse trânsito da indústria à cultura, mediado pelo comércio (de arte) e sustentado pelo Ministério do Equipamento, Planeamento e Administração do Território, com a intervenção de misteriosas siglas que devem citar-se por inteiro - Acção de Valorização do Norte Alentejano ou Acção Integrada do Norte Alentejano - pode ser visto como paradigmático de uma nova realidade cultural que já não é do domínio das «superstruturas» e se determina por razões de emprego, turismo, fixação de populações, valorização e competição regional, etc.
Em Badajoz expõem-se a maqueta da Fundação e uma amostra da sua colecção, que se anuncia composta por cerca de 700 trabalhos de artistas portugueses e uma centena de obras estrangeiras, num total de 150 nomes. Algumas das suas linhas gerais transparecem na montagem proposta, em especial quanto à vertente internacional. Nela se encontram participações espanholas - Tàpies e Saura com pequenas obras, mais Feito, Canogar e Gordillo, seguidos por um papel de Barceló -; a representação de algumas «novas figurações» de trânsito parisiense, como Erró, Klasen e Rancillac, a que se junta uma antiga abstracção informal de Martin Barré (Adami, Monory e Arman seriam outras presenças disponíveis do mesmo núcleo); e mais nomes internacionais em ordem dispersa, do múltiplo de Lichtenstein ao acrílico sobre papel de Sol Lewitt, das assinaturas de Beuys às pinturas de Appel e Penk, em contraste com uma Homenagem ao Quadrado de Albers. Na montagem optou-se acertadamente por conjugar as obras estrangeiras com as portuguesas, sem ensaiar sequências por datas ou origens.
Quanto à selecção das obras nacionais praticada pelo Museu e pelo comissário da exposição, Bernardo Pinto de Almeida, é patente a distância tomada face às apostas feitas pelas galerias de António Prates, e resulta do acervo exposto, não a descoberta das opções e da história própria da colecção, mas uma marcada indiferenciação em relação ao que vêm sendo as representações correntes da arte portuguesa, ou mesmo à própria colecção do MEIAC. Há presenças menos familiares, no caso das obras solitárias dos primeiros anos da actividade de Lourdes Castro, René Bertholo e Ângelo de Sousa, mas optou-se por construir uma antologia guiada pela lógica mais canónica das décadas, entre os anos 60 e 80, com raras excepções, sublinhada no catálogo por textos de Maria João Fernandes, João Pinharanda e o comissário.
Normalizado e generalista, «completado» por aquisições de última hora, o panorama ocupa um vasto espaço que poderia ter acolhido um número mais amplo de obras, que, aliás, em vários casos foram reproduzidas no catálogo (por exemplo, de Manuel Gantes e Clara Martins). Entretanto, o reconhecimento da necessária diversidade dos coleccionadores seria um passo decisivo para dar consistência à ideia de colecção, até porque a gestão do curto prazo não é, neste domínio, o que mais importa.
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