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obras na Gare de Alcântara para extensão do Museu do Chiado
previsto acordo do IPM, dirigido por Simoneta Luz Afonso, com a FLAD e a Colecção Berardo
notícias de Serralves, do CCB
e o projecto de adaptar as instalações das antigas Oficinas Gerais de Material de Engenharia (OGME), em Belém, numa área fronteira ao CCB, a sede do IPM e do Arquivo Nacional de Fotografia - aí ficou tudo na mesma e a fotografia entraria depois em convulsões
"Do Chiado a Alcântara, com volta por Belém"
EXPRESSO/Cartaz de 30-9-95
As obras na Gare Marítima de Alcântara, onde se prepara a instalação de um pólo museológico dependente do Museu do Chiado
e vocacionado para a arte contemporânea, seguem em ritmo acelerado, mas
a inauguração já só ocorrerá no primeiro semestre de 1996.
Entretanto, o Instituto Português de Museus (IPM) vai celebrar um acordo com a Fundação Luso-Americana
com vista ao depósito permanente da respectiva colecção de arte
portuguesa no novo espaço e tem em preparação um outro protocolo de
colaboração com a Colecção Berardo, cujo museu, de iniciativa e
gestão privadas, deverá ser inaugurado em Sintra, também no início do
próximo ano, num edifício cedido pela respectiva Câmara.
Para as exposições inaugurais da Gare de Alcântara está prevista a apresentação de uma abordagem panorâmica da arte dos Anos 80, organizada em dois «volantes» que irão reunir obras nacionais e internacionais pertencentes a essas duas colecções. O Museu do Chiado passa assim a assumir um horizonte cronológico de programação de exposições temporárias prolongado até à contemporaneidade, no sentido de «dar visibilidade aos artistas portugueses em plena actividade, preferencialmente em contexto internacional» bem como de «promover artistas em situações emergentes, também preferencialmente em confronto com práticas internacionais».
Estas intenções programáticas constam de um documento dado a conhecer durante uma visita proporcionada a alguns jornalistas e críticos pela direcção do IPM. Aí se esclarece formalmente que a decisão de restringir a colecção permanente do Museu do Chiado a obras realizadas até 1950, divulgada aquando da respectiva inauguração, «foi devida a constrangimentos de espaço e de modo nenhum implicava a intenção de abandonar uma herança histórica de 'Museu Nacional de Arte Contemporânea'», possiblidade que o novo edifício vem concretizar. Aliás, essa extensão da programação até à actualidade já ocorrera com várias mostras realizadas durante o seu primeiro ano de funcionamento, obrigando à desmontagem da exposição permamente, e também com a apresentação de jovens artistas na chamada Galeria do Bar.
Entretanto, o mesmo documento do IPM/Museu do Chiado anuncia o propósito de desenvolver «estratégias comuns de trabalho com outros museus nacionais, com fundações — sobretudo com a Fundação de Serralves, onde o Estado está empenhado em criar um Museu Nacional de Arte Contemporânea — e com congéneres internacionais.» Também é referida «uma adequação necessária» do próximo orçamento do Museu do Chiado às suas ampliadas dimensões, embora sem se mencionar o estabelecimento de um qualquer programa de aquisição regular de obras de arte contemporânea para a respectiva colecção.
A criação do novo espaço de exposições resulta de um acordo de longa duração celebrado entre o IPM e a Administração do Porto de Lisboa, no quadro do reordenamento da zona ribeirinha (POZOR), responsabilizando-se a segunda entidade pela realização e financiamento das obras de adaptação da Gare, que continuará a contar com uma zona de utilização portuária e onde se conserva, numa área que terá duplo acesso, o importante conjunto de frescos pintados por Almada Negreiros entre 1945 e 47. A actual intervenção, a cargo do arquitecto Miguel Correia, em colaboração com o IPM, procurou valorizar as características do edifício modernista projectado por Pardal Monteiro, para além de adequar a ala esquerda da Gare a espaço expositivo polivalente.
Dele fazem parte duas amplas naves sobrepostas com cerca de 700 e 500 metros quadrados, moduláveis com recurso a painéis móveis, além de uma área de reservas, zonas de serviços e bar, e ainda uma varanda exterior utilizável para expor escultura. Entretanto, a existência de grandes janelas rasgadas em ambos os lados do edifício e nos dois pisos, que serão recobertas por filtros, bem como o grande pé direito das naves (4,60 e 5,5 metros de espaço útil sob os equipamentos técnicos) e ainda a proximidade do rio (humidade e amplitude térmica) não deixarão de criar dificuldades de conservação e de montagem de exposições.
Com esta iniciativa do IPM, o panorama museológico relativo à arte contemporânea, pelo menos no que diz respeito a edifícios a ela destinados, conhece uma alteração significativa, divulgada praticamente em simultâneo com a formalização pelo Governo, através do próprio primeiro-ministro, do compromisso de construir no Porto o Museu Nacional de Arte Contemporânea, aguardado desde 1989.
Na cerimónia da assinatura do protocolo entre o Estado e a Fundação de Serralves, em 27 de Julho último, foi anunciado o arranque da construção para Abril de 1996 e a inauguração ficou prevista para Outubro de 1998, contando-se com uma dotação do Estado de 1 milhão e 200 mil contos, a inscrever no PIDDAC, e com um financiamento comunitário de 3 milhões e meio, no âmbito do FEDER.
O futuro Museu de Serralves adoptou, entretanto, uma vocação contemporânea (a partir dos anos 60), bem como o propósito de, embora tendo uma gestão maioritariamente privada, se vir «a inserir, de forma harmónica e coerente, no Sistema Museológico Nacional, dando sequência cronológica ao Museu do Chiado», segundo um documento então tornado público.
Alguma descoordenação pode, portanto, detectar-se entre as perspectivas divulgadas em Lisboa e no Porto, embora seja imperioso reconhecer às duas cidades o direito a disporem de espaços destinados à arte contemporânea. Por outro lado, observou-se durante o anúncio público da nova fase da vida de Serralves (iniciada com a aquisição dos terrenos em 1986 e com a criação da Fundação em 1989) alguma incerteza quanto à constituição de um acervo de obras de arte compatível com a responsabilidade de um «museu nacional», uma vez que a futura colecção parece estar exclusivamente dependente do crescimento das contribuições de entidades privadas.
Um terceiro acontecimento simultâneo com incidência nesta mesma área foi o anúncio pela Fundação das Descobertas da desistência do projecto de instalar um museu permanente no Centro Cultural de Belém, revelado pela respectiva administração durante uma audição parlamentar. De acordo com o decreto que instituiu esta Fundação, a constituição do referido museu, a escolha do seu título e vocação, bem como a formação do seu recheio inicial são da responsabilidade do Estado.
Ao anunciar esta desistência, a administração da Fundação também tornou público que não seriam contruídos os módulos quatro e cinco (hotel, zona comercial e cinemas), inicialmente previstos como instrumentos decisivos da viabilização financeira do CCB, e revelou que o défice acumulado pela instituição exige, ainda este ano, um reforço do orçamento da ordem dos 1,8 milhões de contos — a somar aos 3,2 milhões já inscritos para 1995, adicionando o orçamento de funcionamento, de 1,5 milhões, e a verba de investimentos do PIDDAC.
Está portanto envolto em profundo mistério o futuro do CCB e em particular a utilização do seu centro de exposições, projectado ainda sob a gestão de Teresa Gouveia e António Lamas para servir de palco polivalente e articulado às diferentes instituições públicas com intervenção nesta área. Seguir-se-á o exemplo da «solução» encontrada no Porto para a Cadeia da Relação, com a partilha entre a Universidade Católica e a Misericórdia, ou surgirá alguma seita como candidata à compra?
Duas outras situações, de diversa importância, devem ainda ser aproximadas das anteriores para exemplificar quer a descoordenação instalada nas instituições dependentes do Governo, quer a grande escala de alguns outros projectos já lançados, com efeitos sobre os próximos orçamentos. A adopção pelo Instituto do Património (IPPAR) e designadamente pela sua galeria do Palácio da Ajuda de uma programação concorrencial com a área de actuação do IPM é flagrante no caso do anúncio de duas próximas exposições dedicadas a Miró. Por outro lado, para além dos edifícios previstos para a Expo, a , para além de para aí se trasferir o Museu dos Coches, é mais um mega-projecto (dois milhões de contos?) deixado em curso num panorama feito de grandes fachadas vazias e dominado pelo voluntarismo e a desarticulação das iniciativas.
Manuel Frexes, em recente entrevista ao EXPRESSO (10 de Julho), resumiu bem o estado de coisas, referindo-se ao CCB e aos organismos que ele próprio deveria tutelar: «Tem sido uma batalha terrível, porque é difícil as pessoas sentarem-se à mesma mesa para falarem de cooperação». Para o próximo Governo, qualquer que ele seja, fica a responsabilidade de repensar os espaços e os serviços públicos, de fazer contas e definir objectivos.
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