EXPRESSO/Actual de 08-11-2003
"Extracatálogo" (coluna de opinão) sobre as torres de Alcântara de Álvaro Siza
«Práticas rasteiras»
Nem o mais leve vestígio de disponibilidade para pensar como se
transformam as cidades, ou o mais ténue desejo de que o futuro não seja
a mera repetição de um passado medíocre. O imobilismo preguiçoso,
apenas. Uma oposição rotineira que se compraz nas derrotas.
Álvaro Siza apresentou o que parece ser um grande projecto
arquitectónico para Lisboa. O «Público» (31-X) publicou a fotografia e
citou alguns números e argumentos que justificam uma posição de
expectativa. Três torres a construir em Alcântara, com as formas de um
cilindro, um estreito paralelipípedo e um tronco de pirâmide, erguidos
em materiais diversos. Com 105 metros de altura (35 andares, apenas) e
a ultrapassar um pouco o tabuleiro da ponte.
maquete das torres de Alcântara na exp. da Central Tejo (15-06-2007)
Antecipando o medo das alturas, explicou que as torres permitem libertar vastos espaços verdes e de usufruto público: cerca de 3,3 hectares, em 4,5 hectares de terreno. Explicou que construir edifícios com oito pisos, nos limites do Plano Director Municipal (PDM), iria gerar uma excessiva e monótona ocupação do espaço: "Pareceu-me monstruoso, resultava numa espécie de casernas e ficava muito denso". A abertura de uma alameda quase perpendicular ao Tejo e uma construção baixa que faz a ligação à beira-rio, ultrapassando a barreira do caminho de ferro e da estrada, integram o projecto, mais seis edifícios de quatro pisos e parques de estacionamento.
As primeiras torres desenhadas por Álvaro Siza parecem ser um desafio capaz de marcar a área ribeirinha com uma nova imagem emblemática. Mas a resposta imediata foi tão revoltante como o projecto é empolgante.
No «Público» do dia seguinte falou o que passa por ser a esquerda, uma esquerda que já não é revolucionária nem reformista: é conservadora, reaccionária. Podia reivindicar o realojamento da população de Alcântara que vive em áreas degradadas, discutir os custos energéticos da construção em altura, defender a municipalização do solo urbano, pensar qualquer coisa. Mas não sabe fazer mais do que agarrar-se à letra de um regulamento datado, rígido e constantemente desprezado. E, aliás, já em processo de revisão.
Cumprida a obrigação mínima de o considerar "um projecto interessante, como qualquer projecto com o traço de Siza Vieira", a vereadora Margarida Magalhães (PS) diz que as torres «violam o PDM porque ultrapassam mais de quatro vezes a altura máxima permitida para os edifícios daquela zona». Acrescenta que "este projecto é actualmente uma utopia e não tem condições para avançar com o actual PDM" (utopia é uma palavra obscura neste contexto). Refere que «é importante respeitar a decisão dos lisboetas, que se mostraram "contra a construção em altura", durante a discussão pública que antecedeu a aprovação do actual PDM, no início da década de 1990».
Que pensavam os lisboetas quando a cidade moderna se começou a fazer com o Bloco das Águas Livres, o Ritz e os prédios do cruzamento das avenidas de Roma e EUA? «As torres ficarão "desenquadradas" da restante malha urbana e da zona ribeirinha », diz. Como foram desenquadradas, antes de construídos, o Aqueduto e a Torre de Belém. Não é com os casos da torre da Margueira ou dos antigos blocos de Abecassis no vale de Alcântara que importa fazer comparações.
O PCP resolve o problema com a fórmula da ofensiva da direita. Basta-lhe a cassete para alimentar os fiéis: "Inscreve-se na ofensiva violenta que a direita vem prosseguindo em obediência aos ditames dos sectores mais especulativos do imobiliário, a quem só interessa o lucro, nem que seja à custa da total desfiguração da cidade". Decreta que «o projecto ofenderia a lei, a cidade e o bom senso", mas é ele quem ofende o especialista em urbanismo que Siza também é.
Que condenação à pequenez nos amarra à monotonia urbana dos oito andares oito e à rotina desta oposição rasteira?
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