Sarmento no Pavilhão oficial da 46ª edição, comis. A. Melo
e Cabrita Reis na colectiva de Germano Celant, «Futuro, Presente, Passado»
Acompanhamento à distância
Teria curiosidade em conhecer melhor o norte-americano negro Robert Colescott, de 71 anos, perdido em terra inóspita...
I - Veneza marca Bienal
Expresso/Cartaz de 2-2-97 Actual
Germano Celant é o director da próxima Bienal de Veneza, cuja 47ª edição terá lugar em Junho, apesar de se ter admitido o seu adiamento para não coincidir com a realização da Documenta de Cassel e para dar tempo à anunciada privatização e reoganização da estrutura responsável pela «Mostra». O crítico italiano, que foi o divulgador da «Arte Povera» nos anos 60-70 e é actualmente conservador de arte contemporânea no Museu Guggenheim de Nova Iorque, foi eleito em 29 de Novembro, no quinto escrutínio realizado e com o mínimo de votos necessários (9—5), contra Achille Bonito Oliva, comissário da «Bienale» de 1993 e, nos anos 80, paladino da chamada «transvanguarda».
Com seis meses para preparar a Bienal e um orçamento reduzido de pouco mais de 600 mil contos, Celant conta com um prazo muito curto para promover as habituais exposições paralelas às representações nacionais e terá de enfrentar as dificuldades que certamente também serão levantadas pelos países que dispõem de pavilhões próprios nos «Giardini» de Veneza.
Entretanto, Portugal, através do Ministério da Cultura, tinha já designado no início do ano anterior Alexandre Melo como responsável pela representação portuguesa, anunciando-se simultaneamente a escolha do pintor Julião Sarmento.
Uma vez que o país não tem pavilhão permanente, terá de ser alugado um espaço fora do recinto dos «Giardini», tal como sucedeu em 1995, quando José Monterroso Teixeira foi designado comissário nacional e apresentou os escultores José Pedro Croft, Pedro Cabrita Reis e Rui Chafes.
Recorde-se, a propósito, que Portugal encetara nesse mesmo ano diligências para vir a construir um pavilhão próprio em Veneza e Álvaro Siza Vieira fora escolhido para o projectar. No entanto, ainda não foi decidida a respectiva localização pelas autoridades italianas, mesmo depois do actual Ministério da Cultura ter reiterado as anteriores propostas.
A França, por outro lado, já tornou pública a designação do artista Fabrice Hybert, de 36 anos, como seu representante.
A edição anterior da Bienal de Veneza foi a única que teve um director não italiano, o crítico francês Jean Clair, que é também o director do Museu Picasso, de Paris. Comemorando-se então o centenário da «Bienale», Jean Clair contou com meios financeiros avultados e apresentou uma grande exposição paralela intitulada «Identidade e Alteridade — Figuras do Corpo, 1895-1995», que constituiu uma reconsideração de toda a evolução das artes plásticas ao longo do século sob o ponto de vista da permanência dos temas do corpo e do retrato, parcialmente ocultados pelas análises que previligiaram a emergência da abstracção e a dinâmica vanguardista do modernismo. Intensamente polémica, mas também inesquecível pela pela excelência do discurso expositivo apresentado no Palazzo Grassi e no Museu Correr e igualmente pela coerência das teses defendidas, a exposição concitou a hostilidade de muitos sectores da crítica e igualmente permitiu recuperar um número total de visitantes que a Bienal perdera nas edições anteriores.
Germano Celant, sendo um crítico de grande notoriedade internacional, detém um perfil totalmente oposto ao de Jean Clair. A Bienal de Veneza decorrerá entre 15 de Junho e 4 de Novembro, enquanto a Documenta de Cassel, considerada a mais importante das exposições periódicas mundiais, este ano dirigida pela francesa Catherine David, se inaugura a 19 de Junho e encerra a 28 de Setembro. À concentração das datas somam-se as da Feira de Basileia, de 10 a 16 de Junho.
II - Expresso/Cartaz de 07 Jun.97
Veneza: Bienal 97
A representação portuguesa na Bienal de Veneza é este ano particularmente significativa, com a presença oficial de Julião Sarmento a ser fortemente promovida e com a participação de Pedro Cabrita Reis na mostra colectiva apresentada por Germano Celant, comissário da presente edição. A 47ª Bienal de Veneza abre ao público no dia 15 e decorre num Verão muito concorrido em acontecimentos dedicados à arte contemporânea, com destaque para a Documenta de Kassel e as bienais de Munster (escultura) e de Lyon. Para estas outras mostras, porém, não foram convidados artistas portugueses e deverá notar-se que Julião Sarmento e Cabrita Reis entraram já há vários anos no circuito internacional (Kassel 82 e 87, o primeiro; Kassel 92, o segundo).
Julião Sarmento apresenta uma nova série de trabalhos intitulada «Casanova», no prolongamento das suas pinturas brancas, concebidos para os espaços do Palácio. Portugal não dispõe de pavilhão próprio no recinto da Bienal, os Giardini, e teve portanto, de alugar instalações no exterior, como ocorreu em 1995, mas agora com outra escala de meios. Segundo Alexandre Melo, o comissário da representação portuguesa, a série dedicada ao famoso libertino tem como tema a unidade e multiplicidade da figura da mulher.
A participação é apoiada por um pequeno catálogo para distribuição ao público e, em especial, por uma monografia com centenas de reproduções dedicada à totalidade da obra de Sarmento. O volume é publicado pela Electa em versão inglesa e em português por Assírio & Alvim, com um ensaio de A. Melo e uma longa entrevista feita por Germano Celant, que se encontrava já prevista antes de este ser designado comissário-geral da Bienal. Sempre graças a um substancial apoio do Instituto de Arte Contemporânea, a divulgação internacional de Sarmento foi confiada a uma agência de Nova Iorque, por forma a assegurarem-se referências na imprensa especializada.
Por sua vez, Cabrita Reis estará incuido na mostra «Futuro, Presente, Passado», entre 60 artistas representativos das «promoções» ocorridas nas últimas três ou quatro décadas. As obras que apresenta prolongam a série das «portas» que mostrou no CCB, em «Para Heiner Muller». O catálogo geral desta exposição inclui um ensaio de Alexandre Melo intitulado «O fim ou o princípio», crítico das concepções teleológicas sobre os fins da história, da arte, da pintura, etc e onde se considera a situação artística presente em termos de sobreposições, cruzamentos e pluralidades.
Nas representações nacionais presentes em Veneza, podem destacar-se, em função da notoriedade internacional dos artistas presentes e entre as mais numerosas presenças «excêntricas» , as seguintes:
Bélgica, Thierry de Cordier;
Brasil, Jac Leirner e Waltercio Caldas;
Canadá, Rodney Graham;
França, Fabrice Hybert;
Alemanha, Gerhard Merz e Katharina Sieverding;
Grã-Bretanha, Rachel Whiteread;
Federação Russa, Vitaly Komar and Alexander Melamid, residentes nos Estados Unidos (recentemente apresentados na Gulbenkian através do projecto sobre «a pintura mais desejada»);
Espanha, Joan Brossa e Carmen Calvo, mantendo a tradição de apresentar um artista histórico e outro mais jovem;
Suiça, Helmut Federle e Urs Frei (numa igreja de Veneza).
Os Estados Unidos estão presentes com Robert Colescott, um artista negro (aliás, afro-americano) de 71 anos, praticamente desconhecido no exterior.
Colescott (Oakland, Califórnia, n. 1925) estudou em Paris com Fernand Leger e viveu depois no Cairo, antes de vir a representar um papel significativo do renascimento da pintura figurativa na West Coast durante os anos 60. Desde meados de 70 passou a fazer na sua obra referências directas à sua experiência de afro-americano, incorporando imagens da cultura popular ou paródias raciais de obras primas da história da arte.
A colectiva de Germano Celant é uma exposição destituída de um claro projecto selectivo, em consequência do limitado tempo de concepção. Tratar-se-à de apresentar o panorama actual da criação como um firmamento ocupado por «estrelas» de três ou quatro gerações, que detêm brilho próprio e não podem ser agrupadas em tendências ou orientações colectivas. Em termos cronológicos, o percurso inicia-se com dois artistas afirmados nos anos 50 e na proximidade do expressionismo abstracto, Agnes Martin, nascida em 1912 e de origem canadiana, e o italiano Emilio Vedova (1919), que foram distinguidos com dois Leões de Ouro pela sua contribuição para a arte contemporânea — obras dos dois pintores podem ser vistas no Museu de Sintra.
Revelados a partir dos anos 60 e desde a arte Pop, estão presentes com obras recentes e por vezes inéditas, entre outros, Claes Oldenburg, Jim Dine, Roy Lichtenstein, Edward Ruscha, Artschwager, Sol LeWitt e Baldessari, Panamarenko, Gino De Dominicis, Giulio Paolini, Luciano Fabro, Zorio e Merz, Buren, Jan Dibbets, Brice Marden, Richard Tuttle, Marina Abramovic, Ann Hamilton, Rebecca Horn, Ilya Kabakov, Gerhard Richter e Anselm Kiefer, Langlands & Bell, Bertrand Lavier, Annette Messager, Franz West, Julian Schnabel, Robert Longo, Francesco Clemente, Tony Cragg, Jan Fabre, Jeff Koons, Haim Steinbach, Wolfgang Laib, Luc Tuymans, e ainda Vanessa Beecroft, Dinos and Jake Chapman, Douglas Gordon, Marie-Ange Guilleminot, Mariko Mori, Maria Nordman, Pipilotti Rist e Sam Taylor Wood.
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