EXPRESSO/Cartaz de 31/03/2001
"Realidades virtuais"
Dois artistas já de longo curso, com pinturas que interrogam ou recusam a referência à paisagem
«CAMPO», de Pedro Calapez , Presença, Porto, até 5 de Maio
«PAISAGENS?», de Xana, Cesar, Lisboa, até 2 de Maio
Que acontece entre a urgência das revelações de jovens artistas, as afirmações geracionais ou novidades e, por outro lado, o ritmo pausado das consagrações ou revisões mais ou menos históricas? Quando não se extinguem os fulgores iniciais, na maioria dos casos, as obras estabelecem-se como produções continuadas, ocupando um espaço precário entre a exigência de um fácil reconhecimento (o estilo, a imagem de marca) e a ameaça da repetição. Não é pacífica, nas artes plásticas, a ideia de maturidade criativa, e a lógica da rápida rotação e obsolescência de todos os produtos também domina este mercado. As colecções institucionais ou particulares mais mediatizáveis fazem-se, em geral, com obras baratas, substituindo-se para isso, aceleradamente, as sucessivas gerações de jovens. Os museu e as histórias sumariam emergências e é à mesma lógica de distribuição que corresponde o actual mercado das feiras.
Com itinerários que já se podem considerar de longa duração, Pedro Calapez e Xana têm presenças muito diferentes no panorama actual. O primeiro prossegue desde a primeira metade dos anos 80 um trabalho de grande regularidade, com alargada circulação galerística, também no estrangeiro, associando uma muito segura produção oficinal com a variação eficaz de desenvolvimentos reflexivos sobre questões desde há muito presentes na sua obra de pintor.
Xana, surgido pelos mesmos anos em manifestações de grupo, embora mais novo, afirmou rapidamente a sua apetência pelas grandes intervenções no espaço urbano, impondo um vocabulário plástico muito próprio que nunca se fixou sobre um suporte definido ou exclusivo. Com uma presença irregular nas galerias, projectou a circulação entre escultura e pintura para as instalações efémeras, dedicando-se também ao monumento e à intervenção decorativa (Lagos, 1997; pavimentos para a Expo'98; projecto para o Metro de Alvalade), à cenografia de teatro e dança, à «web arte» (percorra-se o site http://go.to/xana) e à animação de projectos colectivos. O facto de se ter instalado em Lagos logo em 1984 é outro tópico «excêntrico» da sua carreira, que agora faz um duplo regresso à circulação galerística e à pintura.
A relação de proximidade entre os títulos das duas mostras, «Campo» e «Paisagem?», é acidental, mas não deixa de reflectir a presença insistente do tema, ou mesmo do género, no contexto da pintura recente. Os «campos» de Calapez não se podem ver como paisagens literais, nem pretendem recuperar o primado da observação do real ou da experiência de imersão física na natureza, enquanto o título interrogado do segundo é obviamente irónico, legível como uma recusa dessas possíveis orientações regressivas.
Pedro Calapez apresenta no Porto peças de diferentes séries ou direcções de trabalho, estabelecendo com coerência um «mapa» da sua pintura actual. Algumas composições fragmentadas sobre caixas de alumínio (a lembrar Donald Judd com ironia) acentuam a diversidade dos seus elementos - pintados ou desenhados, isolados ou com sequência entre si -, ao mesmo tempo que exploram efeitos de conjunção e descontinuidade idênticos aos que existem nas pranchas de banda desenhada. Calapez refere-se à exploração de «saltos visuais» entre pormenores e estrutura global. Noutros casos, é um desenho único, apropriado e sintetizado, que se estende sobre a sucessão irregular das caixas metálicas, embora também possa surgir sobre suportes reunificados.
Usando meios informáticos para o tratamento de imagens apropriadas e o estudo da composição e contrastes de cor, ampliando os recursos da mão ao desenhar sobre estudos projectados, alargam-se reciprocamente as dimensões reflexiva e manual do trabalho de Calapez, onde convivem representação e abstracção, paisagem natural e interiores, e em especial ilusões de espaços e profundidades, como assinala o pintor nos seus textos.
Nas pinturas de Xana assiste-se à retoma e à reinvenção das suas características formas gráficas, emblemáticas e lúdicas, que recusam sempre a possibilidade de um reconhecimento preciso (plantas, arquitecturas, cometas?, «doodles»). Mas elas surgem agora na companhia de sistemas de sinais codificados e repetitivos que invadem as mesmas superfícies como sequências ou malhas de quadrados e grelhas de pontos ou círculos, fazendo assim coexistir o acaso e a ordem geométrica.
As paisagens do título serão apenas construções visuais, realidades virtuais exploradas neste caso sem intermediação informática, surgindo acompanhadas no catálogo por uma arte poética condensada em aforismos assinados por Alexandre Barata: «O artista cria uma imagem, uma superfície sensível, e deixa aberta a hipótese de o espectador acrescentar-lhe outros conteúdos». «O artista transforma a sua vida interior (as sensações, o pensamento) em comunicação, numa linguagem não lógica mas sim poética». «A arte é o próprio artista e os rastos que ficam da sua vivência». «A criatividade é a capacidade de afirmar o inútil espaço do prazer e do belo que só se encontra na utopia.»
Comments