Durante três dias, três mesas redondas, na Fundação Gulbenkian, puseram
a “Arte contemporânea em debate”, no âmbito do programa cultural e
educativo que acompanha a exposição “50 anos de Arte Portuguesa” (até 6
Set.). Note-se que o título era na realidade lateral aos temas em
análise, num desvio muito significativo: em vez da arte contemporânea,
que se poderia ou deveria entender como a produção dos artistas, ou seja, a
criação, era a recepção, aquisição, apresentação e avaliação, gestão e
conservação que preenchia a agenda das três sessões: Colecções (dia 27); Crítica
de Arte (28); Museus/Centros de Arte (29).
Troca-se muitas vezes a relação com a arte pela administração da arte.
Num programa que tem por mote os 50 anos da Fundação e a sua contribuição para a evolução da arte portuguesa - em especial, a política de bolsas e subsídios, as grandes iniciativas próprias e a política de compras -, esperar-se-ia uma oportunidade para ouvir aprofundar com testemunhos históricos e mais alguma investigação e reflexão os dados factuais e materiais que a exposição documenta (requerimentos, relatórios, obras enviadas por bolseiros, encomendas e certas aquisições). Alguns membros dos antigos júris de atribuições de bolsas ou subsídios ainda estão vivos, há memórias controversas que se transmitem sem reexame, há episódios que importaria registar, há documentos a divulgar.
Mas não só a acção dinamizadora e mecenática da Fundação não foi incluída entre os temas do programa de mesas-redondas, como nenhum dirigente ou representante da casa interveio nas sessões que tinham por objecto confrontar experiências em matéria de colecções e museus/centros de arte em Portugal. Como tudo acaba por se saber, veio a constar, por muito credenciadas vias, que o propósito inicial de incluir a FG entre os temas das sessões (e os seus dirigentes ou quadros técnicos superiores entre os intervenientes) foi recusado pelas instâncias acima.
Voltou a cumprir-se uma regra antiga: sobre a Gulbenkian não se fala em público – a não ser para agradecer as benesses.
A oportunidade permitiu, porém, que por parte de auditores e intervenientes (a "moderadora" Raquel Henriques da Silva), viessem a ser publicamente expressas as dúvidas que têm corrido em privado e por vezes na imprensa (por exemplo aqui e em anteriores artigos, consultar "Categoria" Gulbenkian ) quanto ao destino da colecção do Centro de Arte Moderna - certamente por acaso, Teresa Gouveia, administradora do pelouro, tinha saído pouco antes, mas espera-se que consulte as testemunhas presenciais e os registos gravados.
Retirada para dar lugar a actos de oportunidade comemorativa (um jantar solene, a instalação de Cabrita Reis, os actuais ateliers do programa O Estado do Mundo), a colecção não tem, pelo que se conhece, uma data de reposição, o que acontece pela primeira vez. Não se sabe, e também não sabem os técnicos da casa (parece que não sabem, não dizem, não lhes dizem…), que renovação, refundação ou revolução irá conhecer aquilo que era desde 1983 o segundo museu da Gulbenkian, o único local onde, em permanência e continuidade, se poderia conhecer a arte portuguesa do século XX e já XXI. Essa responsabilidade histórica que a FG assumiu, e que só ela poderia assegurar em extensão – esperando-se uma evolução no sentido de maior articulação entre obras de artistas portugueses e estrangeiros -, parece estar em causa no ano do meio centenário.
Ninguém respondeu a essas inquietações que se sabe largamente partilhadas.
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