artigo publicado no EXPRESSO/Actual de 14 abril 2006 (com a amável autorização do autor)
"As fotografias de John Szarkowski"
Szarkowski volta ao MoMA, 15 anos depois, como fotógrafo
«Sonoran Landscape #16», 1992
Em 1961, à data da sua nomeação para director do departamento de fotografia do MoMA, de Nova Iorque (onde sucedeu ao lendário Edward Steichen), John Szarkowski (n. 1925) era um conceituado fotógrafo, galardoado com duas bolsas Guggenheim, dois livros publicados e bem recebidos pela crítica e várias exposições em instituições tão prestigiadas como a George Eastman House (Rochester), o Walker Art Center (Minneapolis) ou o Art Institute of Chicago. Tinha acabado de construir uma casa à beira do lago Superior, mas, «como tudo indicava que o lago podia passar bem sem ele, também ele podia passar sem o lago» (carta a Steichen, em Outubro de 1961). Fez as malas, deixou de fotografar e mudou-se para Nova Iorque. Durante os 30 anos que esteve à frente do departamento - a posição mais importante e influente no meio da fotografia americana -, Szarkowski nunca publicou ou exibiu qualquer fotografia sua, desencorajando todos os galeristas e curadores. Conforme explicou, não queria que houvesse qualquer «confusão entre os seus julgamentos como curador e as suas intuições como artista». Esgotados há muito os livros que publicara - enquanto chefe do MoMA nunca autorizara reimpressões -, a sua fotografia pessoal permanecia um mistério.
Jubilado em 1991, Szarkowski voltou a pegar na máquina de grande formato. Já não era um árbitro de gostos, nem um juiz em causa própria. Era agora um homem livre que se podia dar na gana de fotografar o que quisesse, como quisesse. Representado pela Galeria Pace/MacGill (Nova Iorque), passou a mostrar as suas fotografias - as novas e as antigas. Trinta anos é um longo hiato na carreira e progressão dum fotógrafo. Como se comparam as imagens mais recentes com as dos anos 1950? Mais interessante ainda, como se comparam todas estas imagens com as dos artistas que ele descobriu ou promoveu durante a sua longa curadoria do MoMA - gente como Diane Arbus, Garry Winogrand, Lee Friedlander? Uma retrospectiva da sua obra, organizada pelo San Francisco Museum of Modern Art em celebração do 80.º aniversário do artista, permite responder às perguntas. A exposição chegou este ano ao MoMA (até 30 de Abril), de onde seguirá para o Museum of Fine Arts, em Houston (18 de Junho a 10 de Setembro).
A primeira constatação é que John Szarkowski era um fotógrafo em mudança quando decidiu aceitar a directoria do MoMA. Nunca saberemos que tipo de artista seria hoje se a sua carreira não tivesse sido voluntariamente interrompida. Em carta aos pais, em 1953, escrevia: «Julgo que não tenho um estilo e não tenciono ter um, pelo menos até aos 50 anos». Quando, em 1975, dobrou o meio século de vida, estava bem instalado no MoMA, a preparar as retrospectivas de William Eggleston e de Harry Callahan do ano seguinte. Ia a meio do seu longo período de director. Como todos os grandes museus, o MoMA cultiva a estabilidade curatorial.
«Wainwright Building», St. Louis, 1954
Szarkowski sempre soube que queria ser fotógrafo. (Nessa altura, a palavra não tinha nenhum sentido pejorativo; a recente vergonha em reclamar o termo é um resultado do mercado da arte.) Os outros interesses, que se mantiveram ao longo da vida, são o clarinete e a pesca à truta. Tocou na Civic Symphony Orchestra, de Madison, e houve quem visse nele enorme potencial como músico de jazz. Oriundo do Midwest - o grande celeiro americano -, estudou história de arte na Universidade de Wisconsin (que interrompeu para fazer a tropa durante a II Guerra Mundial). Após formatura, trabalhou no Walker Art Center como fotógrafo (Kertész, Evans e Sheeler fizeram biscates semelhantes no MoMA e no MET de Nova Iorque), ensinou na Albright Art School, em Buffalo, N.I., mas aos 30 anos já tentava prosseguir uma carreira independente de «freelancer». Apaixonara-se pela obra arquitectónica de Louis Sullivan (1856-1924) em Buffalo, Chicago e St. Louis e acabara de ganhar uma «Guggenheim Fellowship» (1954) para realizar o projecto de a interpretar com a câmara. Interessava-lhe a arquitectura vivida: «O edifício mostra por fora o que as pessoas são lá dentro». O livro, The Idea of Louis Sullivan, apareceu em 1956.
«Era uma nova espécie de livro e uma nova espécie de história», disse a crítica. Szarkowski comportava-se como o paleontologista que, a partir dum osso, podia reconstituir o esqueleto inteiro. Concentrando-se muitas vezes no pormenor e na decoração, conseguia exprimir as ideias básicas do grande pioneiro da arquitectura modernista. Chamo a isto darwinismo fotográfico. O próximo projecto, aproveitando o centenário do Estado do Minnesota (o 32.º da União, em 1858), foi The Face of Minnesota, publicado em 1958. Às influências naturais de Walker Evans e Edward Weston (organização formal, sinais na paisagem - campestre ou urbana), Szarkowski acrescenta uma sensibilidade ecológica e conservacionista. As suas imagens, despidas de retórica, são frequentemente testemunhos dum espaço violado e espoliado. Estas preocupações acentuam-se no seu projecto seguinte (galardoado com uma segunda «Guggenheim Fellowship», em 1961), sobre a área bravia e baldia do Quetico-Superior. (O fotógrafo comprara, em 1958, um terreno de 13 acres perto do promontório que separa a baía de Chequamegon do lago Superior para aí construir uma casa.) Veio o convite do MoMA e o projecto nunca foi terminado. Acontece aos melhores.
Szarkowski achava que «não compete ao MoMA ‘melhorar’ a fotografia - torná-la mais digna, ou mais próxima das artes mais antigas, ou mais (ou menos) moderna. A fotografia criativa não depende da aprovação dos museus. Ela está nos museus não para se elevar a si própria mas sim para elevar aqueles que olham e a vêem». Durante os seus 30 anos de Nova Iorque, John Szarkowski supervisou 160 exposições no MoMA e comissariou algumas das mais importantes. Entre estas últimas estão «The Photographer and the American Landscape» (1963), «New Documents» (que, em 1967, juntou Arbus, Winogrand e Friedlander), «New Japanese Photography» (1974), «Mirrors and Windows» (1978), «Big Pictures by Contemporary Photographers» (1983), além de retrospectivas de Atget (em quatro partes, com Maria Morris Hambourg), Brassaï, Kertész, Lange, Lartigue, Penn, etc. Também prestou atenção a Metzker, Gedney, Koudelka, Gohlke, etc., dando-lhes mostras individuais. A despedida foi com «Photography Until Now» (1990) - uma visão muito pessoal e muito virada para técnica da história da fotografia.
A caneta foi a outra arma. John Szarkowski é afiadamente inteligente, sardónico, bem humorado e escreve prodigiosamente bem - num estilo que poucos sabem emular (e que, por isso, se diz que já não se usa...). Pode-se discordar das suas opiniões lendo os seus livros e catálogos, mas aprende-se a pensar.
E agora? Que mostram as suas fotografias dos anos 1990 e 2000? O universo contraiu-se, a eloquência aumentou. Com a idade, a exploração resume-se àquilo que nos rodeia, e a viagem torna-se mental. Szarkowski divide o tempo entre Nova Iorque e a sua quinta de East Chatham, N.I., onde restaurou um velho celeiro de madeira e se dedica à produção de maçãs. O restauro deu origem a outro belo livro, Mr. Bristol’s Barn: With Excerpts from Mr. Blinn’s Diary (1997), na esteira de (Frederick) Evans e Siskind. O interessante na arte das imagens é que estas, como as cerejas, têm vida familiar. Há os ascendentes directos, os parentes e os amigos. Caos e solidão parecem ser hoje os temas preferidos. Atente-se à natureza silvestre e desordenada das «Sonoran Landscapes», de 1992, tão ao gosto de Friedlander, ou, mais recentemente, à complexidade e variedade das macieiras (de que é um especialista). Tudo começou com a maçã de Adão e há-de acabar na maçã envenenada. «A história de arte é, de facto, um ramo da pomologia».
1JORGE CALADO
gostei... muito útil para meu trabalho de pós-graduação.
Posted by: Ulisses | 07/10/2010 at 22:37