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07/06/2007

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Carlos Vidal

Num tipo de escrita talvez enroladamente pretensioso (cada um faz o melhor que pode, e também se autocritica o melhor que pode), aqui segue o texto com que apresentei a Mónica em 2000 (catálogo): para os meus interesses actuais, permito-me reter um tópico - há pintura que não é exclusiva ou predominantemente "visual" (ou a "visualidade" não é o terreno da pintura, e lá está outra vez a pretensão):

«MÓNICA CAPUCHO
A PINTURA APARTADA DO VISÍVEL»
Há nestas pinturas recentes de Mónica Capucho várias configurações de leitura: em primeiro lugar, num plano imediato e próprio do ser das «artes visuais», impõe-se considerar aqui uma leitura visual. Para começar, tal passa pela enumeração das soluções visuais: composicionais ou cromáticas. Se avançarmos para outros planos de leitura (que o próprio trabalho impõe e desviantemente obriga), poderemos verificar que cada novo contexto de interpretação vai discretamente desmentindo a preeminência dessa referida recepção ou leitura visual.
Pelo menos duas outras possibilidades de leitura se proporão para esta pintura, embora provenientes das proposições visuais lidas em si mesmas (telas, bases de gesso, cores, texturas, palavras em relevo). 1) Trata-se de considerar as relações entre os «textos» (os «nomes» das cores que identificam cada espaço rectangular correspondido por um valor cromático) e as imagens como, em primeiro lugar, «jogos de linguagens» (considerando também a natureza volátil da existência física da cor, dependente da luz, o que impele ao jogo das nomeações, de certo modo herdeiro do já histórico processo «nominalista pictural»); 2) seguidamente, uma outra componente reforça esta reivindicação de arbitrariedade na relação cor / nome – refiro-me à dupla fisicalidade destes quadros, quer fazendo corresponder a cada campo de cor um preciso padrão textural (é claro que é a arbitrariedade que aqui reina, na medida em que a pincelada vertical ou horizontal não faz corresponder a sua inclinação a nenhuma cor, o que nos monocromos negros é bem patente, pois aí vemos, compartimentada e indiferenciadamente negras, rigorosas gestualidades ora na vertical ora na horizontal); quer, sobretudo, fazendo inscrever (através de «formas» inventadas e muito diversas) os nomes das cores em baixo-relevo nos campos respectivos.
Estes campos de cor manifestam-se numa composição minimalizada, pois a grelha de distribuição dos rectângulos não poderia ser mais simples: uma linha horizontal divide o campo da tela em duas partes iguais e cada um destes dois rectângulos dá origem a vários outros justapostos e idênticos. Como vimos, a cada um corresponde uma cor-valor, uma textura e um «nome» inscrito em relevo, o qual diz o mesmo do que se vê: «warm grey», «raw umber», «cold grey», etc.
As várias hipóteses de leitura assim propiciadas explicitam-se deste modo: elementaridade da composição (ou mesmo apagamento composicional); fisicalidade da escrita e das texturações de cada campo de cor; arbitrariedade, quando não mesmo troca intencional e inversão, de nomes e cores (sobre um violeta cobalto pode escrever-se, por exemplo, «ivory black»). Tudo contribuindo, como veremos, para desvalorizar uma leitura situada exclusivamente na recepção visual. Essa desvalorização do visível vai-se ampliando na persistência da observação até se equivaler a um nível de leitura mais conceptual, como o que privilegia o «jogo de linguagem» e a crítica da própria linguagem como corpo neutro de mera «informação» (recorde-se, era nesta crença que se fundava todo o conceptualismo linguístico – desde Kosuth e da tese da arte como «proposição analítica»).
Insistindo numa leitura exclusivamente visual, diremos estar em presença de enunciados tautológicos. Isto, repita-se, se optarmos pela exclusividade imediata da presença como aquilo que se vê (vício civilizacional, o da verificabilidade). Como a classificação da cor-valor tende, por escrito, a dizer o mesmo da sua materialização na tela (sempre em superfícies planas, embora texturadas – pelo gesto aqui e acolá), estamos perante multiplicadas tautologias, na medida em que esta sinaliza a repetição de uma ideia por meios diferentes.
Distintamente de uma «proposição», para Wittgenstein, a tautologia («titanium white» sobre um rectângulo branco) não diz nada, não mostra a sua forma de significar, não possui «condições» porque é incondicionalmemte verdadeira. (Em Lógica, tautologias são fórmulas válidas que, especificamente no plano da lógica sentencial, depois de submetidas a várias operações dão sempre «V» -- verdadeiro.)
Mas a presença da tautologia nestas telas é aparente, pois embora elas se apresentem sempre em dupla grafia (imagem e palavra, mostrar e nomear, figurar e dizer) a autora recorre a dois processos para a contradizer. Em primeiro lugar, em algumas telas a palavra aponta um valor cromático distinto do seu suporte de inscrição; mas há outra estratégia mais subtil – pendente da questão do relevo das inscrições.
Os valores cromáticos percepcionados só correspondem às inscrições em ideais condições lumínicas (outras condições lumínicas, outras cores). Isto é, as cores nada mais são do que o resultado da absorção das radiações luminosas pelos materiais – o que resta e não foi absorvido é-nos, como se sabe, devolvido em forma de «sensação de cor». O que varia a este nível não varia no plano da linguagem – «titanium white» está em permanência escrito e relevado na superfície da tela; podemos de qualquer maneira ler a palavra tacteando. Resumindo, há um momento e um determinado conjunto de condições, e só um como se depreende, em que cor e palavra correspondem. Fora disso, sabemos existir uma descoincidência entre o mostrado e o dito. Como disse, a iluminação cambia a cor.
Contudo há ainda, para usar uma expressão de Michel Foucault (Ceci n’est pas une pipe, 1973), uma conciliação parcial, só que dependente de factores externos à propria tela. Kosuth, em Art After Philosophy (1969), escreveu: «A. J. Ayer, ao avaliar a distinção kantiana entre o analítico e o sintético, diz algo que nos pode ser útil: “ Uma proposição é analítica quando a sua validade depende exclusivamente das definições de símbolos que contém, e sintética quando a sua validade está determinada pelos factos da experiência “. A analogia que quero estabelecer refere-se à condição artística e à da proposição analítica».
De certo modo, seguindo este raciocínio ainda que com algum esquematismo, verificamos de imediato que estas pinturas não se situam nem no plano da tautologia (que aparentavam desde o início da observação), nem na proposição analítica, como pretendida pelo conceptualismo linguístico. Estas telas dependem de múltiplos factores da experiência, apontam para o exterior, renunciam à neutralidade da linguagem para lhe conferir um «corpo físico», apontando entretanto para uma troca de inscrições e cores.
Em primeira e última instância, estas nomeações transportam conceitos de cor. E Wittgenstein interroga-se: não existirão pessoas cujos conceitos de cor se distanciam dos nossos? Assim se pode soltar, pelo menos parcialmente, a ligação entre a inscrição e a cor que a acompanha, ou seja, o peso intrínseco da linguagem, da mesma linguagem sobre a qual Roland Barthes dizia ser um instrumento autoritário, não porque interdita, mas antes porque obriga a dizer.
O jogo aqui pode ser outro – passa por admitir a hipótese de dizer algo ao mesmo tempo próximo e muito afastado daquilo que se mostra e sabe que existe.


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