Desde 1997, quando se viu em Lisboa, Sean Scully não para. É um dos artistas com maior visibilidade internacional mas talvez não uma vedeta, o que é uma situação curiosa. As antologias de obras recentes e retrospectivas parciais andam sempre em digressão, e às vezes facilitam, como a que esteve há uns tempos em Madrid (sala Alcalá). Agora está no Museu Miró de Barcelona, cidade onde tem um atelier - outros em Munique, onde é professor, em part-time, claro, e em Nova Iorque.
"Wall Light Fire", no Museu MiróE tem um novo álbum-catálogo a sair na Thames & Hudson, onde Donald Kuspit insiste na ideia pouco interessante de "abstracção transcendental", carregando sempre numa vida espiritual inscrita como pintura...
« Si l’on peut parler d’“avancée” dans le domaine de l’abstraction transcendantale […] alors la peinture de Sean Scully, à la fois gestuelle et géométrique, en représente incontestablement une. Sa peinture insuffle une nouvelle vie spirituelle et une subtilité inédite à l’abstraction transcendantale, montrant par là que celle-ci reste non seulement possible et viable, mais qu’elle est également nécessaire en cette époque où l’art est plongé dans les ténèbres spirituelles. »
Além de ser pintor e gravador, Scully também expõe agora fotografias (The Color of Time, com texto de Arthur Danto, Steidl Verlag, Mar 2004 . esgotadíssimo) e realiza as grandes esculturas monumentais que decorrem directamente das suas pinturas (entre a grelha e o xadrez).
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Em 1997, de 14 de Outubro a 14 de Dezembro, a Culturgest apresentou Sean Scully: desenhos, aguarelas, as "Catherine Paintings" e as "Floating Paintings". A mostra retomava uma antologia organizada pelo British Council (apesar de SS se ter naturalizado norte-americano em 1993), que antes se mostrara no Jeu de Paume de Paris (catálogo com o importante texto de Arthur Danto sobre as "Catherine Paintings", e outros de Jean Louis Scheffer e Xavier Girard). O Jornal da exposição (Nº 31) inclui um texto de Bernardo Pinto de Almeida.
In "A pele, o corpo, a terra", Expresso/Cartaz de 18-10-1997
(referindo-se também a exposições de Virgínia Fróis e José Manuel Rodrigues)
(...)"Sean Scully — nascido na Irlanda em 1945, de formação inglesa (residiu em Londres de 1949 a 1973) e actual nacionalidade norte-americana — traz à Culturgest uma selecção alargada do seu trabalho, incluindo a série das «Catherine Paintings» e as mais recentes «Floating Paintings», além de desenhos e aguarelas.
Datadas de 1979 a 1995, as «Catherine Paintings» começam por indicar a directa ascendência minimalista da primeira fase da sua obra — e em especial o interesse por Stella, Ad Reinhardt e Agnès Martin —, reconhecível na estrita economia cromática e formal das duas telas iniciais, construidas por sistemas regulares de riscas em negro sobre negro. Os quadros seguintes ascendem com a maturidade do pintor a outras condições de diversidade e complexidade: aliam a sistematicidade do trabalho de composição à imprevisibildade de uma presença tão monumental como humanamente física.O rigor geométrico das bandas de cor perde a marca da aplicação mecânica e impessoal, dando lugar tanto à inventividade das estruturas assimétricas como à afirmação do traçado manual (que é «nervoso, agitado, incerto», diz S.S., sem ser expressionista). A risca ou banda passa a conter as marcas do arrastamento do pincel, as superfícies são texturadas e tácteis, feitas de transparências visíveis; a materialidade da pintura exibe o tempo próprio do fazer e a individualidade vivida de cada elemento. A unidade construtiva dá lugar a um diálogo relacional entre as peças separáveis com que se constrói o quadro, em arquitecturas de equilíbrio forçado e precário (não clássicos): nasce o quadro dentro do quadro, como janela, quadro e moldura, espaço aprisionado; surge o motivo do xadrez, desalinha-se o plano superficial do quadro — e este é sempre «repetitivo e diferente como o ser humano», refere Scully. Cada uma das pinturas «Catherine» constitui uma escolha realizada pelo artista de entre toda a sua produção de um ano e à qual deu o nome da ex-mulher, a pintora Catherine Lee.
Com as «Floating Paintings», o quadro projecta-se na perpendicular da parede, flutua no ar, ganha volume e multiplica-se pelas suas duas faces e pelos vários elementos. A parede abre-se e envolve o observador, avolumando a experiência de «olhar a pintura» (não se trata de voltar à pintura, mas de voltar a olhar)."
Antes tinha referido que
"A intensidade da presença visual das três obras separa-as imediatamente dos objectos que se defendem como investigação auto-referencial sobre os processos de produção da obra de arte. Uma mesma rejeição do formalismo esteticista ou conceptualizante se reconhece tanto na «abstracção habitada» de Scully, onde «a utilização da pintura espessa torna manifesta uma materialidade que tem a ver com a ideia de pele e de carne (...) e é um meio para dar sensualidade, sexualidade mesmo, às obras de pintura» (como o próprio refere), como no erotismo dos diálogos entre as paisagens e os corpos que José M. Rodrigues fotografa."
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