(Depois de "Sur Place" de Justine Triet , outra obra maior do Museu Berardo)
Amarylis, 1987, óleo sobre tela, 220 x 180 cm. Col. Berardo
Julgo que o quadro não tinha sido ainda apresentado em nenhuma das mostras da Col., e é natural que outros não soubessem que fazer a uma pintura que não encaixa em nenhumas das grandes prateleiras dos supermercados artísticos. E que além da independência, tem também as qualidades da alegria.
A categoria ampla "O poder da cor" permitiu mostrá-la num dos mais fascinantes e mais livres (as duas coisas estão muitas vezes associadas) ou desafiadores conjuntos de obras heteróclitas (?) que pude ver num museu: a constelação Stella - Mondrian- Paula Rego - Morandi - Jaffe - Schnabel, a continuar, à direita, com o pouco conhecido Eugène Leroy. (Como dizia Shirley Jaffe numa entrevista: "Quando os quadros são mostrados numa situação não habitual, a nossa percepção muda" - catálogo "Une histoire parallèle, 1960-1990", Centre Pompidou, 1993)
Norte-americana de New Jersey nascida em 1923 e fixada em Paris desde 1949 (quando NY lhe roubou a arte moderna...), expôs durante 30 anos (1966-97) na Gal. Jean Fournier e depois na Galerie Nathalie Obadia (a mesma onde expõe agora Jorge Queiroz. ver JQ ). Pertence, como informa o site da Colecção Berardo, à geração dos pintores norte-americanos como Sam Francis, Joan Mitchell e Ellsworth Kelly, e Kimber Smith, que viveram em Paris nos anos 50, em contacto com a arte europeia.
"Belongs to the generation of American painters such as Sam Francis, Joan Mitchell, Ellsworth Kelly, who lived in Paris in the 50s and have set up, in contact with European art, an active artistic environment. After a period near to the Abstract Expressionism, in the 60s she tends to a geometry that deals with colour and excludes gesture. Jaffe has established, as she herself comments, an "alphabet of geometrical forms of difficult identification". For more than thirty years, her work goes through denial of painting, to better seize the significant virtues of form."
Quando no verão de 2000 fui a Céret, e ao Musée d'art moderne de Céret (*), ver a exposição "Soutine - Céret 1919-1922", um dos catálogos que trouxe foi "Shirley Jaffe - Peintures 1980-1999", no qual se publicava o texto de Yves Michaud intitulado "La fraîcheur de ce qui est autenthiquement contemporain".
Fresco e frescura são qualificações de difícil aplicação mas tão indispensáveis aqui como quando se fala de peixe ou leite -, o autêntico é que me parece problemático.
Escreve YM que "muitos jovens pintores de hoje reconhecem em SJ uma figura marcante e uma referência. Há também nas suas pinturas uma frescura visual particular, a de uma produção verdadeiramente contemporânea, sem nenhum dos traços caricaturais do contemporâneo entendido como último grito ou última moda."
É um texto magnífico que ajuda a entender a conjunção Stella-Jaffe, e a diferença de caminhos. Em comum, a recusa de práticas de simplificação reducionista e o barroquismo dos jogos de formas e de cores, como caos ou, ela, à beira do caos. Em SJ, que abandona muito tarde (c. 1965) a abstracção expressionista, encontra-se sempre uma ordem na desordem da superfície do quadro (só ela existe sem referências aos objectos do mundo, mas tb podem ocorrer), o caos é subtilmente, discretamente regulado, há um equilíbrio presente no desiquilíbrio calculado das formas autónomas, rigorosamente bidimensional. A exuberância barroca de Stella faz com que a proliferação das formas abandone o limite das duas dimensões. Anti-minimalismos, maximalismos.
Está muito bem ao lado de Mondrian e Morandi, pintores da ordem, ou, melhor, de uma radical fragilidade da ordem.
Amarylis figurou na exp. de Céret, cedido pela Col. Berardo.
Céret fica na Catalunha francesa e foi uma importante "colónia" de artistas (Picasso, Braque, Gris, Soutine, etc). Fomos também assistir ao festival anual de sardanas que se realiza no penúltimo domingo de Julho .
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