EXPRESSO/Cartaz TV 03-07-93
Artes e Letras:
Andy Warhol (TV2, 20h20)
É a segunda vez, em tempos recentes, que o «Artes e Letras» se ocupa de A.W. (falta saber se será também o mesmo filme). Seria oportuno que, depois de tratar do mais famoso agente da Pop arte americana, os programadores da RTP descobrissem outro nomes tão importantes como os dos «precursores» Jaspers Jones e Robert Rauschenberg — na Grã Bretanha, Eduardo Paolozzi e o Indepedent Group —, ou, já no terreno próprio da geração de Warhol, os de artistas como Oldenburg, Jim Dine, Liechenstein, Rosenquist, Robert Indiana e Edward Ruscha, por exemplo.
Warhol é mais mediático (as suas obras adequam-se melhor às condições da circulação impressa ou televisiva, dispensando até a observação directa) e ganhou a aura de um herói mundano que os outros nunca tiveram. O certo é que a RTP está bem acompanhada pela generalidade da crítica nessa fixação pela natureza de emblema de que a obra se reveste e pela marca do génio (um génio sem originalidade nem densidade existencial) de que o personagem se investiu. A.W. banalizou o gesto de Duchamp, multiplicando até ao infinito a proposta que este consubstanciara em objectos únicos, além de ter situado o lugar da sua escolha já não no quadro da produção artesanal mas sim no da reprodução mediatizada das imagens. Foi um passo decisivo de um movimento duplo que foi tornando verosímil classificar como arte não importa o quê e que definiu como critério dessa classificação o reconhecimento das regras de um universo fechado sobre si mesmo, o «mundo da arte».
Sucede que há mais mundos e que a resistência a esse fechamento passa precisamente pela valorização da diferença sustentada, por exemplo no terreno da Pop, pelas obras de Oldenburg ou Rosenquist.
Fiquemo-nos então pela reiteração do que é sabido: Andrew Warhola nasceu em Pittsburgh em 1928, filho de emigrantes checos pobres, e tornou-se em Nova Iorque um desenhador publicitário reconhecido. Em 1960 começou a pintar telas com temas tomados de imagens quotidianas e em especial colhidas na banda desenhada e na publicidade, tal como outros então faziam. O lugar exacto da sua originalidade fixou-se com a utilização das imagens em série e com o uso de um processo mecânico de aplicação serigráfica sobre tela que permitia a abundância da produção. Que essa banalização se tenha exercido sobre imagens dos mitos americanos foi também decisivo.
Com o desenrolar dos anos 60 A.W. tornou-se uma personalidade central da contra-cultura americana (a Factory, os Velvet Underground, a «Intervew Magazine»...) e o cinema passou a ser uma actividade dominante (circulando, ao longo da década, dos circuitos «underground» para a produção comercial). Mas foi também em 1968, com o atentado de Valerie Solanas, que o seu destino se transformou.
O regresso à pintura, a partir de 72, traduziu-se na satisfação de cerca de 50 a 100 encomendas de retratos por ano: Truman Capote, Mick Jagger, Carolina do Mónaco, Michael Jackson, Chá da Pérsia, Sylvester Stallone, etc. A fama não decresceu, mas essas obras são indefensáveis, tal como o são, por exemplo, as imagens sofisticadas da série «Diamond Dust Shoes». Mesmo se alguns auto-retratos exibem uma dramática eficácia (afinal, contraditória com a imagem de marca), as tentativas de variações sobre pinturas clássicas — Munch e os renascentistas italianos — revelam toda a gravidade do impasse. Ainda lhe veio algum novo alento da breve colaboração a quatro mãos com Jean-Michel Basquiat, em 84. Morreu em Nova Iorque em 1987.
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