EXPRESSO/Cartaz de 07-08-93, pág 13
“Não há novos”
IMAGENS PARA OS ANOS 90
Casa de Serralves
Pelo terceiro ano consecutivo a Fundação de Serralves apresenta durante o Verão uma colectiva com repercussão nacional e com intencional sentido polémico, numa sequência que se vai constituindo como uma referência indispensável no panorama artístico português, embora naturalmente construída por momentos de desigual importância. Este ano foi o próprio director artístico de Serralves, Fernando Pernes, que se reservou a função de comissário (depois de a ter atribuido a Bernardo Pinto de Almeida e a Alexandre Melo, em 91 e 92 n.1), conferindo à mostra um duplo projecto de sinalização de mudanças entre as décadas de 80 e 90, e, por outro lado, de revelação de jovens artistas e de outros menos jovens mas de também recente originalidade criativa.
Se o título do seu texto no catálogo ("O espaço e a hora da juventude") reforça a componente de revelação de jovens artistas, deve dizer-se que afinal eles escasseiam na exposição, onde apenas um (Rui Serra) tem menos de 26-27 anos (idade de Paulo Mendes, João Tabarra e André Magalhães). A média etária é de facto muito alta, superior a 30 anos, e sucede até que um número considerável de nomes volta a surgir como jovem depois de uma "revelação" ocorrida já uma década antes (por exemplo, em "Novos, Novos", de 1984, figuravam António Olaio, Catarina Baleiras, Fernando Brito e J. Paulo Feliciano).
A exposição falha, portanto, no seu propósito de revelação dos jovens dos anos 90, embora não fosse difícil acrescentar-lhe vários outros nomes já postos em circulação através de exposições recentes - aliás, Pernes avisa enigmaticamente que a exposição "sofre de várias ausências (pela nossa parte involuntárias)". Mais preocupante é que a visibilidade ou autoridade de alguns novos nomes se demonstre insuficiente, em parte por ser demasiado escassa a sua representação, mas também por um excessivo ecletismo da selecção - é, pelo menos, o caso de Pedro Andrade, André Magalhães, Fernando José Pereira, Baltazar Torres, Carlos Vidal, João Louro e Nuno Santiago.
Notar-se-á, entretanto, que o próprio processo de "prospecção" de novos artistas ou de novas situações artísticas tem sido até agora liderado por críticos e artistas vindos de anteriores gerações, numa dinâmica que em grande parte corresponde a um esforço de conservação de protagonismos numa situação de passagem da década, enquanto são quase inexistentes as iniciativas próprias dos jovens artistas e não ocorre a afirmação de novos críticos com eles geracionalmente identificados. Foi esse, em 1983, o caso de "Depois do Modernismo", tal como, mais recentemente, sucede com as exposições do "Centro Cultural de Lisboa", lideradas por "artistas dos anos 80" (continuando a usar-se, por mero jogo, este tipo de classificações).
Em Serralves, o mesmo se passa, com a condicionante de F. Pernes usar uma grelha ainda mais marcada pelo seu tempo próprio, ao procurar nos anos 90 a renovação do "diálogo com a rebeldia juvenil dos anos 60". Na referência ao "retomar o desejo inconformista de uma arte de provocação e revolta" ele estará duplamente equivocado: na consideração dos reais problemas que atravessam a actualidade artística e no que entende ser "o papel mais adequado ao projecto interventivo" de um centro institucional e museológico.
Genericamente, e sem lugar a surpresas, a colectiva de Serralves é marcada pela reafirmação (ou mera sinalização de presença) de artistas muito diferentes entre si e com notoriedade já reconhecida, sem que qualquer carácter geracional ou problemática comum efectivamente se imponha: João Paulo Feliciano e Daniel Blaufuks, ambos com as presenças mais afirmativas, Miguel Ângelo Rocha, Joana Rosa, Sebastião Resende e Pedro Sousa Vieira. Numa segunda linha, autonomizável desde logo pela ocupação maioritária do piso superior, destacam-se os trabalhos de Fernando Brito, Paulo Mendes, Miguel Palma e João Tabarra, num quadro mais colectivo de intervenção em que imperam o "achado" e a anedota ou a citação-simulação, onde a possível reflexão se expressa maioritariamente como irrisão.
Se a eficácia de alguns trabalhos os coloca também no primeiro plano da exp., ela não basta para caracterizar uma mudança sensível de conjuntura nem mesmo para confirmar autorias. É este em especial o caso de Rui Serra, que não conseguiu resolver o complexo problema de ocupação de espaço que se propôs.
Três autores que utilizam a fotografia, André Gomes, Luís Palma e Valente Alves, figuram também na colectiva. No catálogo deverá ler-se um notável texto de João Pinharanda, que constitui uma desmontagem de alguns dos conceitos convocados pela própria exposição.
n 1 - 1991 e "Dez Contemporâneos", 1992
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