As vistas do Bósforo, o estreito que separa a Europa da Ásia, predominam entre as 38 obras trazidas de um museu de Istambul, a que se associaram dez pinturas portuguesas, justificadas por razões diversas mas igualmente ampliando a curiosidade desta mostra que não se envolve em efeitos mediáticos e não é menos agradável por isso.
"Evocações, Passagens, Atmosferas. Pintura do Museu Sakip Sabanci, Istambul" (ou Sakýp Sabancý)
Galeria de Exposições Temporárias do Museu Calouste Gulbenkian, só até dia 26
ver aqui o "minisite da exposição"
O título vago recobre obras de datas paralelas à vida de Calouste Gulbenkian - de 1850 a 1950 e 1869-1955 -, arménio nascido na margem esquerda, europeia, do Bósforo. Os pintores são turcos ou estrangeiros instalados na corte do império otomano, num tempo de abertura às informações cosmopolitas e em especial francesas nas primeiras décadas do séc. XX.
Começa-se muito bem com o interior da basílica de Santa Sofia (de Şevket Dağ, 1906), mostrado num "aparelho" óptico e cenográfico que lhe amplia a escala e o simbolismo (design de Mariano Piçarra), enquanto do outro lado o templo se divisa ao longe por entre os Ciprestes em Scutari, na outra margem do estreito, numa obra de Félix Ziem trazida das reservas da Colecção Gulbenkian (c. 1860-70). Pintor francês (provençal, Dijon-Marselha), grande viajante e de muito sucesso em vida, 1821-1911, esquecido depois nas histórias embora seja possível apontá-lo entre os luministas precursores dos impressionistas ou compará-lo ao proto-expressionismo de Van Gogh - o Museu possui três quadros e duas obras gráficas que estiveram em destaque em 2003/04 ("uma obra em foco", que não vi...lamento agora). Os ciprestes que enquadram os reflexos dourados lembram-me, com a sua densidade matéricam, castanho-vermelho, algumas fantasmagorias posteriores de Gustave Moreau. Excelente início.
A seguir mostram-se aspectos próximos da cidade, os habitantes, pátios, comércios e credos, num minucioso realismo descritivo, e aí aparece a presença insólita de um quadro de Abel Salazar (Na Adega, c. 1936, col. CAM), numa associação que atravessa espaços, tempos e estilos muito diferentes com um improvável mas questionante sentido. E passa-se à pintura de paisagem e em especial à marinha com fortes efeitos de tempestade, pôr do sol ou luar.
Fausto Zonaro (1854-1929)
Marinha, 1892, 46 x 85 cm, de um pintor de Pádua que trabalhou para a corte otomana.
O percurso serve-se aí de duas obras portuguesas para fazer pontes com um passado estético conhecido, referenciado por balizas românticas e tardo-simbolistas - o Recuar da Onda de João Cristino da Silva, 1857, e duas pinturas de António Carneiro, em especial Nocturno, 1911. Além do italiano Zonaro, o russo, aliás arménio nascido na Crimeia (então integrada na Rússia), Ivan Konstantinovitch Aivazovski - ou Hovhannes Aivazian em arménio - dá conta de uma grande tradição marinhista, de um realismo grandiloquente, enquanto o exotismo e a fantasia do suíço Adolphe Bachmann aparentam um Turner orientalista. Yildiz Park, 1897, de Huseyin Zekai Pasha, é uma contribuição turca de qualidade e um lugar marcante.
A passagem às "atmosferas" aponta para inovadoras relações com a natureza, como relação de intimidade e espaço de lazer moderno (vejam-se as mulheres nas redes suspensas - uma delas a lembrar Aurélia de Sousa e À Sombra, s.d., Museu Abade de Baçal, mas o tema é muito frequente), e como objecto de uma diferente observação de ar livre, atenta à morfologia dos lugares, à cor local e à fugacidade da luz, com proximidades e informações parisienses.
De facto, mais do que as generalidades sobre a sucessão de estilos segundo a história da arte centrada em França, importa aqui (como pode suceder num museu da Catalunha com os paisagistas do país-região) o lugar que assim se visita por intermédio dos seus pintores. Importa o que é específico e local, ou os cruzamentos das tradições próprias e das informações exteriores. Importa encontrar artistas desconhecidos por ser maior a distância ao centro, ou por as obras não coincidirem com os cânones tradicionalistas ou modernistas, todos eles tendencialmente tornados academismos, ou simplesmente porque são muitas as histórias, no espaço e no tempo. Em resumo e com brevidade: é uma muito curiosa exposição.
Entretanto, a participação nacional continua com um excelente
Adriano de Sousa Lopes (1879-1944)
St. Tropez, 54,5 x 69 cm, col. CAMJAP
e também bonitas pequenas peças de atmosfera e vegetação, de Eduardo Viana e Emmerico Nunes. Vem depois o núcleo "Paris", com duas pinturas de artistas turcos e o simulado ingenuismo de Francis Smith mais um excelente Dordio Gomes, a Ponte do Carrossel, de 1922, numa perspectiva picada em fim de tarde de sol de inverno, para acabar com a Praça de Camões de Abel Manta, 1954-57 (?), por referência ao fim da vida de Gulbenkian.
A seguir: "Os Gregos. Tesouros do Museu Benaki, Atenas"
e 28 de Setembro de 2007 a 6 de Janeiro de 2008
A exposição propõe um panorama da Arte e Cultura da Grécia desde os tempos mais remotos (Neolítico - 6º milénio a C.) até à independência do país no séc. XIX, após uma guerra que durou dez anos (1821-1830). Serão exibidas peças do notável acervo do Museu Benaki de Atenas, nomeadamente escultura, cerâmica, ourivesaria, metais, têxteis, arte do livro e pintura, num universo de 157 objectos.
(site do sabanci museum, museu de origem particular aberto em 2002)
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