EXPRESSO/ Cartaz 03.abril. 1993
Actual
«Ruínas de Beirute... ócios britânicos»
Paris, Palais de Tokyo, Ed. du Cyprès
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Don McCullin, Bernard Faucon, Martin Parr
Robert Frank regressou à reportagem para fotografar o centro arruinado de Beirute, na companhia do francês Raymond Depardon, do italiano Gabriele Basilico, do suiço René Burri, do checo Josef Koudelka e do libanês Fouad Elkoury. Quem juntou a mais improvável equipa de fotojornalistas foi a Fundação Hariri, tutelada pelo milionário chefe do governo libanês, Rafic Hariri, e o primeiro resultado da operação visita-se em Paris no Palais de Tokyo (até dia 12) e folheia-se na luxuosa edição de Beyrouth, centre-ville (ed. du Cyprès, 490 FF).
Confinados a cerca de um quilómetro quadrado de ruas destruídas e edifícios esventrados, apenas habitado por uns quantos milhares de «skatters» mantidos à distância, eles tiveram cerca de vinte dias para fazerem o último registo de uma cidade martirizada por sucessivas guerras entre 1975 e 1990. Burri e Depardon fixaram a paisagem monótona a cores, o segundo com uma câmara de grande formato, Koudelka explorou o terreno com imagens panorâmicas que percorrem a monumentalidade arruinada das construções, Basilico e Elkoury são rigorosamente documentais, e Frank, com fotografias muito diversas, voltou à construção de imagens fragmentadas e narrativas, isolando por vezes um pormenor mais íntimo sobre a sua própria passagem por um cenário de fantasmas.
Apesar de todo o dramatismo inevitável desse último registo de uma cidade destruída, o trabalho ressente-se das condições absurdas da encomenda, enquanto se manifestam dúvidas fundadas sobre a intenção mais obscura desta missão fotográfica. É uma gigantesca operação de reconstrução que se anuncia, já amplamente denunciada como uma manobra de especulação fundiária e de «manhattanização» do centro histórico de Beirute.
Nos 2000 metros quadrados de área de exposição do Centre National de la Photographie estão igualmente Martin Chambi, fotógrafo dos Andes apresentado através de duas colecções paralelas e por vezes coincidentes, e também uma retrospectiva do inglês Don McCullin (n. 1935, Londres), além de uma evocação do francês Daniel Boudinet, recentemente falecido, retratista de intelectuais e autor de ensaios sobre cenários arquitectónicos que Roland Barthes prefaciou, este apresentado pela Mission du Patrimoine Photographique, herdeira do seu espólio.
McCullin é um notável foto-reporter, que cobriu primeiro para «The Observer» e depois para o «Sunday Times» (até à chegada de Murdoch) quase todas as guerras do planeta nos anos 60 e 70, com passagem sucessivas por Beirute. A retrospectiva da sua obra, um dos libelos mais firmes sobre o horror e o absurdo, foi precedida pela publicação de uma autobiografia (Unreasonable Behaviour, Jonathan Cape, Londres, 1990) e de uma larga antologia de 35 anos de imagens, no mesmo editor, enquanto em Paris foi objecto de uma monografia na colecção «Photo Poche», com textos do próprio autor. Na mesma colecção já se seguiu outro volume dedicado a Dieter Appelt, com introdução de Michel Frizot (50 FF).
Entretanto, a política oficial de apoio à fotografia, um dos sectores em que a acção de Jack Lang se traduziu em resultados reconhecidos (e deu também lugar a uma decidida concorrência da parte de Jacques Chirac e da Câmara de Paris, que promovem o «Mois de la Photo» e se preparam para inaugurar a Maison Européenne de la Photographie), é o tema de um livro de síntese intitulado Photographie, editado pela Documentation Française numa série intitulada «État et Culture« (75 FF; outros volumes foram dedicados aos museus, à música, ao património, ao livro e ao cinema). Um album paralelo, de mais ostensiva ambição pré-eleitoral, faz o balanço ilustrado da década socialista na área da fotografia numa colecção ("Enjeux-Culture") da Reúnion des Musées de France (450 FF).
Fora do domínio oficial, algumas exposições em galerias permitem, também em Paris, acompanhar itinerários que já foram parcialmente apresentados em Portugal.
Bernard Faucon, cujo trabalho se tem seguido na Módulo, em Lisboa e Porto, apresenta uma nova série de fotografias na Galeria Yvon Lambert (até dia 6), onde continua a ocupar-se da paisagem, encenando-a como lugar metafórico de sentimentos ou de ficções. Depois de a ter transformado por efeito de colorizações parciais — com rios de sangue, por exemplo —, Faucon utiliza em Les Écritures, de 1991-92 (com livro-catálogo), a paisagem deserta como suporte de frase mais ou menos poéticas («À quoi ça ressemble la fin du désir», na foto) que são recortadas e sustentadas sobre estacas, por vezes visíveis. É um trabalho maneirista desenvolvido com um extremo rigor, sem trucagens laboratoriais.
Pierre et Gilles, na Galerie Samia Saouma (até 30), acrescentam mais alguns retratos encenados a um universo kitsch e de inspiração gay em que se integram a si próprios travestidos como um casal de noivos.
L'Ennui à Deux/Bored Couples
Com outra exposição parisiense, do inglês Martin Parr, na Galerie du Jour de Agnès B., regressava-se à foto-reportagem, ampliando os recursos e a surpresa permanente do «género». Fotógrafo da agência Magnum, Parr expunha L'Ennui à Deux/Bored Couples (com catálogo), prosseguindo a construção de um retrato crítico da sociedade inglesa, na sequência, nomeadamente, de The Cost of Leaving (Cornerhouse, Manchester, 1989), One Day Trip (ed. Différence e Centre Régional de la Photographie Nord Pas-de-Calais, 1989), integrado na série de encomendas feitas pela Mission Photographique Transmanche com vista a documentar a realidade social alterada pela construção do túnel sob o canal da Mancha, e, mais recentemente, Signs of Times — a portrait of the nation's tastes (Cornerhouse, 1992), publicado em paralelo com a realização de uma série da BBC com produção e texto de Nicholas Barker sobre as decorações dos interiores domésticos britânicos.
Usando a cor e o humor, o formato 6 x 7 cm e o flash com luz diurna, em enquadramentos instáveis onde personagens e cenários são igualmente decisivos, Martin Parr é o reporter de uma «middle class» (ou «confortable class», como ele prefere) que se afadiga no consumismo e nos lazeres. Herdeiro de Tony Ray-Jones na capacidade de surpreender a coreografia das situações — e contemporâneo de outros notáveis fotógrafos britânicos como John Davies, Kris Killip, Graham Smith ou Nick Waplington —, Martin Parr é um dos poucos que sabe evitar a caricatura e o estereótipo ao fazer um registo implacável da transformação recente da sociedade britânica que renova a tradição da fotografia documental.
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