Expresso/Cartaz, 29 Maio 1993
“Lagos, centro modelo"
MALHOA, ALMADA & ÂNGELO, MIRANDA JUSTO
Centro Cultural de Lagos
Enquanto se discutem as dimensões e as actividades do Centro Cultural
de Belém, vale a pena conhecer o investimento feito por uma cidade de
pequenos recursos, como é Lagos, num centro cultural onde é possível
apresentar em simultâneo três exposições (ou cinco, com uma sala
dedicada a trabalhos escolares e, num pátio interior descoberto, ainda
as esculturas de Pascal Radar, em fim de carreira), e que dispõe de um
magnífico auditório de 300 lugares e de outros espaços mais para
múltiplos fins a inventar.
Inteligentemente, o responsável pela
autarquia (PSD) considerou que não lhe bastam os meses de sol e que a
cultura dos seus habitantes e a oferta turística se prolongam por
outras actividades, umas tirando partido do património histórico local,
outras abertas ao presente e à inovação.
Foi em Outubro que abriu o CCL, simbolicamente transformando o antigo edifício que pertencera à Sociedade dos Ricos. Sem gigantismos absurdos, mas também sem modéstias tacanhas: um espaço amplo, luminoso, polivalente e capaz de articular múltiplas actividades em simultâneo, assim cruzando públicos e interesses variados. Com as três inaugurações do último fim de semana, pode dizer-se que o Centro vai de vento em popa.
Note-se que Lagos tem sido lugar de instalação de diversos artistas, desde João Cutileiro, nos anos 60 (está a aproximar-se a comemoração dos 20 anos da estátua de D. Sebastião, com a oportuna exposição temática). Aí viveu depois Joaquim Bravo, que estimulou a organização da Bienal de Lagos - uma experiência de descentralização que teve o seu tempo - e que foi ligando à cidade outros artistas de passagem. Agora, é Xana, o escultor, ou Alexandre Barata, o responsável pela programação das exposições do Centro, quem prolonga essa mesma ligação de Lagos aos circuitos da arte contemporânea.
As exposições presentes não são um acaso de calendário, constituem precisamente a prova do estabelecer de uma rede alargada, aproximando outros centros e articulando iniciativas. Na origem esteve o propósito de assinalar o centenário de Almada Negreiros, mas, em vez de mais uma exposição anódina, conseguiu-se dar um sentido original à celebração, estabelecendo um vasto arco temporal e associações diversas que têm um claro sentido pedagógico para uma população periférica.
Aos desenhos de Almada emprestados pelo Centro de Arte Moderna da Gulbenkian, que percorrem bem os temas e os modos ziguezagueantes do seu modernismo, juntaram-se outros desenhos, os de Ângelo de Sousa, que já não se entenderão como exercício de virtuosismo, caricatura, ilustração, aprendizagem ou estudo de pinturas, mas como afirmação da autonomia ganha entretanto pelo desenho como disciplina de corpo inteiro. A associação não é acidental: em 1959 expuseram os dois juntos na galeria da Livraria Divulgação, Almada de regresso a uma nova marginalidade depois dos seus tempos de decorador oficial, Ângelo em começo de carreira.
No catálogo, o primeiro é recordado pelo segundo, numa entrevista conduzida por Bernardo Pinto de Almeida. No caso de Ângelo, são novos desenhos que se apresentam, resultantes da ampliação de outros de pequeno formato e ostentando por isso uma dupla datação: são exemplos de um inventário potencialmente infinito de formas e de gestos, que passam do quase automatismo do seu fazer (Ângelo utiliza o tempo morto dos afazeres escolares) para uma outra identidade conceptual.
Ao lado de um passo em frente, outro passo atrás: Malhoa e o desenho que se apreciava entre nós, tardiamente naturalista, academizado num gosto folclorista, enquanto se travavam as primeiras batalhas modernistas. A exposição vem do Museu com o seu nome, nas Caldas da Rainha, onde Paulo Henriques prepara a renovação possível.
Por último, uma série de pinturas inéditas de Miranda Justo, sob o título «Furniture» e explorando a sugestão temática da cadeira e da mesa, lugares habitáveis pelo corpo e cenários de encontros: não será por acaso que este regresso à pintura (depois de uma última exposição lisboeta em 1986) se estabelece, com uma renovada energia, num diálogo visível com outras obras de Álvaro Lapa e Joaquim Bravo.
(até 27 Jun.)
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