EXPRESSO/Revista de 26 Jun. 1993, pp. 68-71,
2 –
“Entrar nos circuitos”
(entr, c/ Manuel José Vaz e Fátima Ramos)
«A CULTURGEST é uma empresa privada e comercial que assegura a animação dos espaços culturais da nova sede da CGD», diz o seu principal responsável, Manuel José Vaz. A utilização de tais espaços constituía, inicialmente, um projecto interno à CGD, dirigido para os seus empregados e para actividades de representação ligadas à natureza própria de um banco. Foi Rui Vilar, presidente da CGD, quem, entretanto, resolveu «voltar também para o exterior a utilização do edifício, abrindo-o à cidade e procurando assim suavizar o impacto negativo de uma tão grande concentração de serviços» numa única zona da cidade, decidida de acordo com concepções de gestão que hoje já não são pacíficas.
Abrir a fortaleza a diferentes usos, com novas circulações de público e horários mais flutuantes, implicou algumas alterações na obra e a revisão de condições de segurança. Mas reconheceu-se que o gigantismo da sede veio, de facto, alterar as características ambientais de uma área densamente povoada, sujeitando-a, para além de outros efeitos secundários, a uma nova vocação de serviços e ao peso do fluxo regular dos seus milhares de empregados. Toda a zona sofreria rapidamente, sem o projecto de animação cultural, um processo de desertificação no período posterior ao encerramento do banco semelhante ao que ocorre na Baixa pombalina.
Entretanto, se o mecenato cultural se tornou, para a generalidade das grandes empresas, um processo de adquirir um renovado prestígio através da ideia de uma espécie de retorno de benefícios, a animação do edifício, em especial na sua fachada volta ao Arco do Cego, corresponde também a uma contrapartida oferecida aos moradores das áreas limítrofes, depois de anos de perturbação causado pelo mastodôntico estaleiro da Caixa.
Mas as atribuições da Culturgest voltam-se ainda para o aproveitamento de algumas das potencialidades do edifício na perspectiva da sua rentabilização (congressos, reuniões, etc), actuando como «interface» entre o público e os equipamentos que se integram na estrutura da Caixa. É o caso da biblioteca da CGD, que, além da sua componente mais técnica e especializada, dedicada à economia, finanças e direito, desenvolverá uma nova vertente com criação de um Centro de Documentação Europeia, em colaboração com o Centro Jean Monet, com acesso a bases de dados internacionais. Paralelamente, outro polo reunirá documentação especializada no domínio das artes plásticas, em articulação com a própria colecção de arte da Caixa, e também no campo das artes do espectáculo.
EM TERMOS de estrutura interna, a Culturgest é uma empresa muito leve, que conta apenas com o núcleo formado pela administração, um assessor artístico, António Pinto Ribeiro, e um director técnico, Eugénio Sena, mais um secretariado de duas pessoas. Não terá estruturas artísticas residentes e, em termos práticos, irá socorrer-se da contratação temporária de serviços especializados, embora conte com a disponibilidade das equipas técnicas que pertencem aos quadros da própria CGD.
Entretanto, a natureza própria dos seus «serviços» levou a Culturgest a constituir um Conselho Consultivo, que já reuniu no dia 15 para apreciar a programação prevista e os princípios gerais que enformam o seu plano de actividades. Actualmente preenchido por 12 elementos, num total previsto de 15, o Conselho elegeu, nessa primeira reunião, Rui Vilar como seu presidente e Rui Machete (FLAD) e Yvette K. Centeno como vice-presidentes, sendo os restantes titulares Eduardo Lourenço, António Barreto, João Marques Pinto (presidente da Fundação de Serralves), Isabel Silveira Godinho, Ruy Vieira Nery, Gerard Castello Lopes, Paulo Lowndes Marques, José Mariano Gago e Manuel Pinto Barbosa. Sem poderes vinculativos, o Conselho reune duas vezes por ano.
1993 é o ano de abertura da sede da CGD e das actividades culturais da Culturgest, limitado a um trimestre de lançamento. O próximo ano será excessivamente marcado pela dinâmica da capital cultural para se poder considerar exemplar dos propósitos da empresa, justificando-se mesmo alguma preocupação dos seus responsáveis perante os riscos de um previsível excesso de oferta cultural global. É, por isso, só para a temporada de 94/95 que se prevê uma velocidade de cruzeiro e uma exacta caracterização da sua lógica de programação. Entretanto, irá procurar criar um público novo, alargando o público cultural existente, para o que se conta em especial com a população estudantil do eixo Cidade Universitária-Instituto Superior Técnico.
Para o futuro, não se exclui a hipótese de outros espaços culturais, fora de Lisboa, virem a ser incluidos na órbita da Culturgest. Para já, porém, existe uma sede precisa para a sua acção, e uma clara distinção entre os apoios mecenáticos que continuarão a ser da competência da CGD, e são várias vezes superiores ao orçamento da empresa, e o seu próprio plano de actividades. A Culturgest não é uma instituição-mecenas, disponível para distribuir bolsas ou subsidiar projectos alheios.
NÃO É SÓ por se tratar de uma empresa comercial que a Culturgest se quer definir como um projecto original no terreno da cultura. A própria linha de programação adoptada (ver texto de abertura) reveste-se de características inovadoras, e a lógica empresarial que se lhe impõe pretende igualmente reflectir um conhecimento actualizado da realidade internacional das indústrias e dos mercados culturais.
Por um lado, apresenta-se, segundo Fátima Ramos, como «uma empresa privada, que é gerida por princípios estéticos, artísticos e de gosto da sua única responsabilidade». A procura de um perfil próprio entre as instituições culturais passa por um opção resoluta pela actualidade da criação artística e intelectual.
«A área principal de actuação vai basear-se na actualidade e em geral no século XX mas, na medida em que o século XX também já é em grande parte passado, gostávamos de imprimir à nossa programação a perspectiva de um olhar de hoje, e mesmo a marca da leitura que o final do século faz sobre esse passado». Daí até ao projecto de estruturar um programa de reflexão sobre o modo como as artes abordam as angústias do final do século e do milénio vai um pequeno passo que certamente será dado com o «Ciclo Apocalipse».
A programação por ciclos temáticos, e não como soma de acontecimentos desconexos ou avulsos, é, aliás, uma das regras da casa. Inscritos na programação anunciada estão já os ciclos «Multiculturalismo e novas mestiçagens», em colaboração com a Comissão dos Descobrimentos, «Mediterrâneos», «Dança do século XX», «La Liseuse» (leituras públicas). «A interdisciplinaridade, o multiculturalismo e o diálogo entre o 'antigo' e o 'novo'. o reportório e o experimentalismo deverão favorecer tensões criativas que contribuirão para uma programação atraente e coerente» — pode ler-se num documento interno.
Por outro lado, a intervenção cultural da empresa pretende expressamente apoiar os artistas portugueses e favorecer o seu acesso às redes da circulação internacional de exposições e espectáculos. Com a reserva das suas limitadas possibilidades de intervenção: «Não queremos sobrepor-nos nem às outras instituições que já existem ou estão a ser criadas, nem entrar em competição com elas, tal como não pretendemos substituir-nos ao que são as obrigações das instituições estatais em matéria de cultura», dizem os administradores.
No entanto, Manuel José Vaz e Fátima Ramos definem como seus objectivos «tentar impulsionar a criação e fazer a melhor divulgação que pudermos das obras dos criadores portugueses, ao mesmo tempo que se apresentarão produtos estrangeiros de boa qualidade». Para além das fórmulas abstractas, trata-se de valorizar a noção de rede e de a traduzir pela prática constante da co-produção, entrando desde o início nos circuitos internacionais: uma estreia não deve esgortar-se na sua apresentação isolada, deve circular; a vinda de uma exposição ou de um espectáculo a Portugal é mais útil e mais económica se ela (ou ele) percorrer um itinerário de várias cidades — e a intervenção cultural é mais sólida, e menos passiva, se for possível participar desde o início na definição do seu programa; melhor ainda se a encomenda feita lá fora tiver as contrapartidas de um processo de trocas.
Segundo princípios já correntes de gestão cultural, mas que são raros em Portugal, trata-se de pensar a programação, desde o início, de parceria com outras instituições, assegurando uma maior divulgação, diminuindo os custos e estabelecendo mecanismos de circulação capazes de assegurar que a importação de criações estrangeiras possa ter a contrapartida da apresentação de autores portugueses no exterior.
Mas será preciso encontrar parceiros em locais exteriores à sede lisboeta, e a realidade nacional não é imediatamente favorável: por toda a parte espera-se acolher espectáculos oferecidos, limitando os investimento à cedência de uma sala.
«É patente a ausência de um mercado de produção e de distribuição artística em Portugal», lê-se no documento já citado. Aí se adianta que «as razões fundamentais residem na inexistência e ignorância dos mecanismos de produção, ... das regras de comportamento laboral e de mercado entre todos os agentes intervenientes no processo cultural, dos artistas aos programadores, na desorganização e na falta de planeamento de produção e organização de reportórios e criações».
A.P.
Olá, aqui é do Brasil.
Meu nome é Augusta Ferraz atriz,encenadora e produtora cultural.
Não sei se é possivel, mas, procuro um contacto com a Yvetty Centeno. Ela deixou-me uma mensagem em um site brasileiro de teatro, porém sem sua direção.
Se possivel aguardo contato
Abraço
Posted by: Augusta Ferraz | 10/30/2009 at 10:06