EXPRESSO/Actual de 13-01-07
"Sinais de vida"
A obra paralela de Calder, sobre papel, mostrada em Évora
Calder, sem título, 1966, guache sobre papel, 75 x 108 cm
Calder tem um lugar de grande destaque na história da escultura do século XX, no caminho que a afasta decididamente da estatuária e, em paralelo, confere novas condições de viabilidade ao monumento, separando-o das tradicionais funções representativas ou de celebração (que funções lhe restam não é uma questão fácil). Com a invenção do «mobile», no início dos anos 30, retirou o peso e a imobilidade à escultura, ao criar formas em movimento, suspensas e instáveis, que desenham no ar arabescos imprevisíveis. Marcel Duchamp, brilhante observador dos artistas seus contemporâneos no catálogo da «Société Anonyme», apontava em 1949 a arte de Calder como «a sublimação de uma árvore ao vento» e «pura alegria de viver» (joie de vivre). Sartre já escrevera em 1946 que os «mobiles» eram simultaneamente «invenções líricas, combinações técnicas, quase matemáticas, e o símbolo sensível da Natureza».
Uma mostra sintética da obra do escultor norte-americano (1898-1976), que chegara em 1926 a Paris e manteve sempre uma dupla presença em França, foi apresentada em Lisboa, em 1998, nos bons tempos do Museu Arpad Szenes-Vieira da Silva. Agora é parte de uma colecção particular não identificada, com desenhos, guaches e duas tapeçarias, que se mostra em Évora. Sem a aura da invenção ou a importância histórica da escultura, as obras em papel têm a mesma natureza brincada, ao mesmo tempo lúdica e onírica, de toda a sua produção, que não por acaso se iniciou com a criação (e a actuação, ou «performance») de um circo de pequenas figuras de arame.
Os desenhos, datados de 1925, são, por sinal, estudos de observação de animais de circo e ilustrações, com cães que urinam, do poema humorístico «The P-culiar Dog», de Elmer E. Scott. Calder trabalhava então como engenheiro de obras públicas e fazia os primeiros ensaios artísticos.
Passa-se logo a seguir aos anos 60-70, quando o seu particular «regresso à pintura» é uma prática diária paralela à satisfação de encomendas de esculturas, em geral para espaços públicos e de grande formato, que constituía então o essencial da actividade do artista. Os guaches são uma produção gráfica muito livre e como que despreocupada - em vez do sublime que povoa e infecta as análises do modernismo, Calder propõe o humor e a liberdade da sua poesia das formas, que parece ao alcance de qualquer mão, sem fronteiras entre abstracção e figuração (a espiral e a estrela, por exemplo). Juntam-se duas tapeçarias que utilizam não o entrançado de lã mas a corda de sisal. A última, já de 1975, retoma o tema do circo, e o desenho linear reproduzido com a corda é muito semelhante ao uso do arame nas primeiras obras de Calder.
Alexander Calder
«A Forma e o Sonho»
Fundação Eugénio de Almeida, Évora (até 1 de Abril)
Comments