EXPRESSO/Actual de 13-01-07
"Devoção portátil"
A propósito de uma pequena pintura de Frei Carlos
«Ecce Homo», de Frei Carlos (pormenor)
A apresentação pública de uma obra recentemente adquirida de Frei Carlos, que não se encontrava referenciada, um Ecce Homo, ou Senhor da Cana Verde, de pequeno formato (39,5 x 31 cm), serve de pretexto ou oportunidade para uma exposição também de pequena escala mas de proveitosa concepção. O autor, as condições e características da sua actividade, a escala privada e portátil de parte da sua obra, os modelos de imagens devocionais em uso entre os séculos XV e XVI, e outros temas próximos organizam-se numa digressão que ilumina a singularidade da peça em causa e a inclui no seu contexto histórico e cultural. Sem catálogo (apenas um desdobrável), a mostra comissariada por José Alberto Seabra Carvalho é muito bem servida pelos textos informativos das tabelas.
No início apresenta-se «o pintor no convento», o mestre flamengo que professa em 1517 no mosteiro de Évora, dito do Espinheiro, onde estabelece uma oficina essencialmente dedicada à produção para a Ordem de São Jerónimo. Documentação fotográfica dá a conhecer os estudos que permitiram a atribuição de autoria, pela comparação do desenho preparatório subjacente nesta obra oriunda da colecção de Jorge O’Neill (1849-1925) e noutros trabalhos conhecidos de Frei Carlos.
Depois, outras pequenas pinturas, «Imagens de Piedade e Devoção», em especial três Virgens e o Menino e um São Jerónimo no Deserto, alargam a apresentação do pintor luso-flamengo, focando a sua singular produção de painéis vocacionados para a veneração individual. Outro subtema do itinerário mostra que idêntico uso privado das imagens religiosas se cumpria com os livros de horas e gravuras.
«Fórmulas e Variações da Imagem Devocional», a seguir, reúne um alargado conjunto de peças de diversa autoria, transferidas do percurso expositivo do Museu ou saídas das reservas, mas também de outras proveniências públicas e particulares, sendo estas às vezes inéditas em exposições. Aí figura o pequeno painel de Memling a abrir o núcleo mariano, com destaque posterior para uma tábua atribuída à oficina ou círculo de Jan Gossaert, dito Mabuse, que se diz ser muito próxima de versão existente no Metropolitan e onde se poderá reconhecer um duplo retrato privado de mãe e filho (col. particular), e também para a muito pequena pintura circular atribuída a Adriaen Isenbrandt, do Museu Machado de Castro. A parede fronteira alinha temas cristológicos, com a «santa face» e o Calvário.
O final é inesperado e assumidamente alheio à lógica da exposição, mas tem o mesmo sentido de oportunidade. Deixando as escalas próprias dos oratórios privados, apresenta-se a bem conhecida pintura de Gregório Lopes, de dimensão retabular, Virgem com o Menino e Anjos («Nossa Senhora do Paraíso», de Tomar), porque também foi recentemente restaurada.
«Frei Carlos e o Belo Portátil»
Museu Nacional de Arte Antiga (até 4 de Fevereiro)
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