EXPRESSO/Cartaz de 27-Março-93, p. 3
Actual: "Veneza em Paris"
(“O século de Ticiano”, Grand Palais)
Depois da abertura da grande exposição Matisse no Centro Pompidou (até 21 de Junho), outra grande inauguração parisiense veio colocar o século de ouro veneziano sob os projectores da actualidade. É "O século de Ticiano, de Giorgione a Veronese", que apresenta nas galerias do Grand Palais (até 14 de Junho) perto de 150 pinturas e uma centena de desenhos do século XVI, em torno das obras da colecção do Museu do Louvre — e foi precisamente a oportunidade da reinstalação da Sala dos Estados e da Grande Galeria do Louvre que tornou possível esta mostra.
Obras dos principais museus de todo o mundo, de Madrid (Prado), de Viena e de Londres, e também dos Estados Unidos ou da Checoslováquia (e num caso do Museu de Arte Antiga, de Lisboa), estão presentes nesta exposição, embora em vários outros casos a natureza do suporte das obras — a pintura sobre madeira —, ou o estado de conservação e, ainda, o lugar excepcional que ocupam nos museus a que pertencem tenham inviabilizado a deslocação até Paris. Trata-se, contudo, de um panorama de excepcional importância sobre a pintura veneziana, que aprofunda as iniciativas anteriores dedicadas ao século XVI italiano pela Royal Academy de Londres, em 1983, ou exclusivamente a Ticiano, em Veneza e Washington, em 1990.
Michel Laclotte, responsável pela exposição e director do Louvre, optou por concentrar a mostra sobre a apresentação do maior número possível de obras de Giorgione e Ticiano, para demonstrar como foi essencial o seu contributo para a originalidade da pintura veneziana, através da invenção de novos géneros e de uma atitude realista no entendimento da paisagem, do retrato e em especial do nu erótico, bem como de uma nova audácia pictural que abre caminhos ao que pôde chamar-se "pintura pura". A conjunção com a exposição Matisse, não deixa de ter, neste último aspecto, um significado especial. Por outro lado, reunindo contribuições de numerosos especialistas internacionais, na concepção da mostra e no seu catálogo (também monumental), acrescentam-se novas atribuições e interpretações eruditas quanto às obras deste período.
A exposição inicia-se com uma sala dedicada aos últimos anos de Giovanni Bellini, destacando a novidade que constituiu o seu modo de integração da figura na paisagem, deixando esta de ser apenas um fundo arbitrário e simbólico. Segue-se Giorgione, de quem se reunem quase todas as suas raras obras confirmadas (mas não A Tempestade, da Academia de Veneza) e nomeadamente os seus magníficos retratos de meia figura (Laura, La Vecchia, Duplo Retrato) e as representações de músicos e cantores feitas com um realismo inovador, assumindo-se aqui o risco de algumas atribuições contestadas; a longa influência do "georgionismo" ao longo do século e através dos seus discípulos, apesar da sua morte aos 33 anos, é a tese central da exposição. Depois de outra sala dedicada à breve carreira veneziana de Sebastiano del Piombo, onde se documenta a influência de Giorgione num novo uso da cor como instrumento que constroi a unidade da composição, modulada pela luz e a sombra, inicia-se a muito larga apresentação de obras de Ticiano.
Entre estas, destaca-se logo na sua fase de juventude, a presença do Concerto Campestre, durante muito tempo atribuido a Giorgione (e Konrad Oberhuber, director do Museu Albertina de Viena, reafirma agora essa tese). Palma Vecchio, Pordenone, Dodo Dossi e em especial Lorenzo Lotto, com o seu Venús e Cupido, do Met, estão igualmente representados.
Da maturidade de Ticiano, cuja produção se estende ao longo de seis décadas, a exposição inclui alguns grandes quadros religiosos, numerosos retratos e auto-retratos, que lhe asseguraram a projecção em Itália e no estrangeiro, e as "poesie", onde o pretexto mitológico serve uma excepcional exaltação da beleza feminina (Danae, Jupiter e Antíope, Venus com Cupido e um organista, Vénus ao espelho).
O suplício de Marsyas domina a produção dos últimos anos, com uma violência temática e pictural excepcional, feita de um jogo rápido da mancha de cor e da pincelada visível, "de tal modo que (os quadros) não se podem olhar de perto e é preciso ganhar distância para os ver na sua perfeição", como escrevia Vasari. Nas últimas três salas, o fim de século veneziano e a influência da última maneira de Ticiano é visível nas obras tardias de Tintoreto, Veronese e Jacopo Bassano.
Se a concentração de obras de primeira importância torna esta exposição um acontecimento excepcional, já as opções de montagem e cenografia, a cargo de Richard Peduzzi, levantam um coro de objecções. As galerias do Grand Palais são em muitos casos de altura insuficiente para as obras expostas, a luz artificial prejudica a visibilidade das peças e, acima de tudo, o revestimento das paredes com cores excessivamente fortes tem por vezes um efeito esmagador.
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