EXPRESSO/Cartaz de 24-06-2000
"Copiar, transformar"
NATIONAL Gallery de Londres, «Encounters: New Art from Old» - Paula Rego «After Hogarth»
A NATIONAL Gallery de Londres tem vindo a assinalar a viragem do milénio com exposições particularmente ambiciosas e, depois de uma vasta mostra intitulada «Seeing Salvation: The Image of Christ», já inaugurou um outro projecto de vulto, para o qual convidou 24 artistas, quase todos de grande projecção, a realizarem novas obras inspiradas em peças da sua colecção. «Encounters: New Art from Old» poderá ser visitada até 17 de Setembro. Paula Rego, que já tinha inaugurado o programa dos «artistas associados» da National Gallery (convidados a ocuparem um «atelier» no Museu e a trabalharem a partir das suas obras) e é autora da decoração do respectivo restaurante, foi um dos artistas convidados.
A sua obra tomou por referência uma série de seis pinturas de Hogarth, O Casamento à Moda, actualizando o seu carácter satírico sob a forma de um tríptico de grande formato, intitulado After Hogarth: Bethrotal; Lessons; Wreck - contrato, lições, naufrágio (ou ruína). Voltando a usar o pastel sobre papel colado em alumínio, Paula Rego começa, no painel da esquerda, por uma composição de numerosas figuras que combinam o casamento, numa cena que o vestuário usado situa nos anos 50, e o painel final toma a forma de uma moderna «Pietà», enquanto a parte central é ocupada por uma cena entre mãe e filha, onde se reconhece uma profunda ambiguidade de sentidos. A crítica de Hogarth é reinvestida numa moderna «história de amor», onde se abordam as relações entre os sexos e as idades, as questões de poder e controle, usando um formato, o tríptico, que tem uma evidente relação com a tradição da pintura religiosa.
A exposição inclui todos os nomes maiores da chamada Escola de Londres, para os quais é natural a relação regular com as obras do museu, e também outros artistas britânicos de diferentes orientações. Contando também com dez estrangeiros, desde os veteranos Balthus e Louise Bourgeois até artistas de mais recentes gerações que trabalham com a fotografia e o vídeo, como é o caso do canadiano Jeff Wall e do norte-americano Bill Viola. Os resultados são naturalmente muito diversos e a proximidade com as obras tomadas por referência é igualmente variável, desde a cópia de Chardin por Lucian Freud até à transformação do mais famoso retrato de um cavalo de corridas de George Stubbs, pintado em tamanho natural sobre fundo liso, num modestíssimo burro fotografado no estábulo e exposto em transparência numa caixa de luz, a que os admiradores de Jeff Wall atribuirão qualquer pretexto de documentação ou crítica social. As obras distribuem-se por todo o museu, quase sempre junto às que lhes deram origem.
Frank Auerbach inspirou-se em Constable para pintar uma vista urbana actual, Leon Kossoff expõe uma série de desenhos e gravuras «d'après» Rubens, Howard Hodgkin repetiu os Banhistas em Asnières de Seurat e David Hockney fez à maneira de Ingres uma série de 12 retratos de guardas da National Gallery, cada um deles desenhado a lápis e guache (para as fardas) numa única sessão de pose em que utilizou uma «camera lucida». Trata-se de um prisma de vidro fixado numa haste que permite ao artista ver ao mesmo tempo o rosto do modelo e o seu desenho, assegurando uma extrema precisão e semelhança dos traços físicos. Hockney tem vindo a experimentar o processo desde a recente exposição dos retratos de Ingres, ao mesmo tempo que tem defendido em artigos e conferências a tese de que os aparelhos ópticos foram usados regularmente pelos artistas, pelo menos desde Holbein e Durer. A «camera lucida» permite-lhe agora trabalhar rapidamente com modelos desconhecidos, quando antes apenas retratava pessoas que lhe eram próximas, e Hockney mergulhou numa nova fase de grande interesse pelo desenho e pelas experiências tecnológicas: a série exposta já foi retrabalhada numa montagem de ampliações parciais através de fotocópias e de impressões a «laser».
Entretanto, o menos conhecido Euan Uglow apresenta um nu pintado do natural numa pose de «atelier», embora tenha tomado por referência um jardim de Monet, e o norte-americano, R. B. Kitaj, que residiu até há poucos anos em Londres, escolheu a famosa Cadeira de Van Gogh como assento de um Bilionário que prolonga a sua galeria de retratos de tipos.
A lista continua com os nomes de Patrick Caulfield (inspirado numa pequena natureza-morta de Zurbaran), Richard Hamilton (Pieter Saenredan) e Christopher Le Brun (Rafael). Surgem também obras de escultura realizadas a partir de pinturas, nos casos de Anthony Caro (Duccio), de Stephen Cox (Piero della Francesca) e do poeta-escultor Ian Hamilton Finley (Claude Lorrain reduzido a palavras num painel de vidro). Diz-se que foram também convidados alguns dos famosos «Young British Artists», como Gary Hume e Damien Hirst, mas teriam recusado.
Balthus, já com 92 anos, prestou homenagem a Poussin, transformando uma odalisca numa ninfa pintada numa paisagem iluminada pela lua (Sonho de uma Noite de Verão), e a incontornável Louise Bourgeois dedica a Turner uma das suas «Celas». Outras presenças internacionais e famosas são as de Tàpies (Rembrandt), Jasper Johns (a Execução de Maximiliano, de Manet, reconstituída num fundo azul quase uniforme, atravessado pelo arco pendente de um fio), Cy Twombly (num vasto tríptico percorrido por vários estudos do «Temeraire» de Turner), Kiefer (Tintoretto, A Origem da Via Láctea transformado numa espécie de céu estrelado), Clemente (Ticiano), Claes Oldenbourg +Coosje van Bruggen (Vermeer), além dos já referidos Viola (Bosch) e Wall.
A mostra foi comissariada a partir de 1998 por Richard Morphet, ex-conservador da colecção de arte moderna da Tate Gallery, e o catálogo, substancial, inclui um estudo histórico de Robert Rosenblum sobre as revisitações da arte do passado e textos detalhados acerca de cada um dos artistas envolvidos no projecto.
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