Paula Rego entre a "Escola de Londres" (de Paris para Compostela)
"Caminho de Santiago"
EXPRESSO/Cartaz de 06-03-99
SERIA certamente atraente para o público português conhecer o contexto britânico em que evolui a obra de Paula Rego e as relações privilegiadas que a sua obra actual estabelece com a tradição figurativa de Bacon e Lucian Freud. A exposição recentemente apresentada em Paris, na Fundação Dina Vierny - Museu Maillol, sob o título «A Escola de Londres. De Bacon a Bevan», foi uma oportunidade para apreciar em conjunto o grupo histórico e a geração mais recente a que se atribui aquela designação. Paula Rego estava incluída entre o segundo grupo, apesar de estar geracionalmente mais próxima do primeiro, e é reconhecida como uma das figuras mais destacadas do actual panorama britânico.
Essa exposição não se verá em Portugal, mas encontra-se agora a curta distância, no Auditorio de Galicia, em Santiago de Compostela, até 4 de Abril. Vale a pena, para a ver, retomar o Caminho de Santiago.
O termo «Escola de Londres» foi usado pela primeira vez por R.B. Kitaj, quando, em 1976, comissariou a exposição «The Human Clay», na Hayward Gallery, tomando o partido de sublinhar quer a permanência da pintura face às práticas conceptuais e «desmaterializadas» favorecidas pela circulação dita vanguardista, quer a importância da pintura interessada pela figura humana. Embora o termo «escola» seja apenas aproximativo, sem caracterizar um movimento ou um grupo, viria a aplicar-se depois a várias mostras colectivas de geometria variável em torno de um núcleo duro formado por Francis Bacon (Dublin, 1909-1992), Lucian Freud (n. Berlim, 1922), Leon Kossoff (n. Londres, 1926), Michael Andrews (Norwich, 1928-1995), Frank Auerbach (n. Berlim, 1931), o próprio Kitaj (n. Cleveland, 1932), norte-americano imigrado em Londres entre 1959 e 1997, e, por vezes, Raymond Mason (n. Birmingham, 1922), escultor instalado em Paris desde 1946. Obras de todos eles estão incluídas na mostra levada a Santiago de Compostela, mostrando como a identificação do âmbito local não diminui a relevância de um grupo de artistas que se situa na primeira linha da arte contemporânea
Além desse grupo principal, de idades muito variáveis, outros pintores como WilliamColdstream, Euan Uglow, Peter Blake, Howard Hodgkin (pintor abstracto), David Hockney, Victor Willing, Ken Kiff, etc., puderam ser incluídos, em diferentes circunstâncias, na mesma designação de Escola de Londres, respeitando o individualismo característico dos artistas britânicos. A exposição actual, no entanto, optou por associar ao referido núcleo duro um conjunto de outros cinco pintores mais novos que formariam uma segunda geração da dita escola, embora os seus percursos diferenciados os situem tanto numa segunda como numa terceira geração.
Integram-no Paula Rego (n. Lisboa, 1935); Bill Jacklin (n. Londres, 1943, instalado em Nova Iorque desde 1985), Tony Bevan (n. Bradford, 1951), Celia Paul (n. Índia, 1959) e Stephen Conroy (n. Escócia, 1964). Para além da pintora portuguesa, Bevan é o pintor mais poderoso do grupo, mostrando uma série de auto-retratos e de «Cabeças», recortadas sobre fundos lisos e de grande violência expressiva. Celia Paul foi com frequência modelo de Lucian Freud e situa-se como directa discípula, trabalhando sobre os laços de intimidade com as figuras retratadas, mas à distância da relação física com a carne a que aquele dá uma máxima intensidade.
Bill Jacklin pinta espaços urbanos e multidões em movimento, em cenas fotográficas do quotidiano a que as desfocagens e os efeitos de luz (eléctrica) dão uma aparência impressionista, enquanto Stephen Conroy mostrava em Paris alguns retratos de uma precisão também fotográfica, mesmo se mais livres que as suas anteriores composições de gosto quase neoclássico.
Comissariada por Michael Peppiatt e Jill Lloyd, que dividiram entre si a representação das duas gerações, a mostra de Santiago não repete exactamente a escolha de obras de Paris, mas conta com um catálogo com entrevistas de Peppiatt a Bacon, Auerbach, Mason e Kitaj, um artigo de Jean Clair sobre Freud, entre outros textos. A edição francesa do catálogo fora co-editada com a Réunion des Musées Nationaux.
(Auditorio de Galicia)
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